Lei Geral De Proteção De Dados – LGPD e Lei Geral De Acesso à Informação - LAI. Análise acerca dos dados de produtores captados pelas entidades de defesa agropecuária e sua atuação institucional na emissão de guias de trânsito animal - GTA.

01/03/2021 às 19:21
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A Lei nº 13.079/2018 (Lei Geral De Proteção de Dados Pessoais – LGPD entrou em vigor com o objetivo de regular o tratamento dos dados pessoais, tendo forte ligação com o Princípio da Intimidade e Privacidade. A Lei nº 12.527/2011 (Lei Geral De Acesso à In

Resumo: A Lei nº 13.079/2018 (Lei Geral De Proteção de Dados Pessoais – LGPD entrou em vigor com o objetivo de regular o tratamento dos dados pessoais, tendo forte ligação com o Princípio da Intimidade e Privacidade. A Lei nº 12.527/2011 (Lei Geral De Acesso à Informação), por sua vez, visa regular o Princípio da Publicidade e Transparência da Administração Pública. As entidades estatais de defesa agropecuária, no caso da Bahia, a ADAB, no âmbito de suas atribuições de controle sanitário de animais, realizam o cadastro de produtores animais, captando informações de cunho patrimonial dessas pessoas, que despertam interesse de terceiros. Tais dados devem sofrer a influência de diversos comandos da LGPD e LAI, classificando-se como informações pessoais, de acesso restrito. Por outro lado, a emissão de guias de trânsito animal – GTAs, instrumento da atuação dessas entidades, e ligadas ao cadastro dos produtores, caracterizam-se como informações sobre a atividade exercida pelo órgão estatal, sem a classificação de informações pessoais, a importar serem de acesso público.

Palavras-chave: Privacidade. Publicidade. Defesa agropecuária. Patrimônio. Produtores rurais.

Abstract: Law nº 13.079 / 2018 (General Law for the Protection of Personal Data - LGPD came into force with the objective of regulating the treatment of personal data, having a strong connection with the Principle of Privacy and Privacy. Law nº 12.527 / 2011 ( General Law of Access to Information), in turn, aims to regulate the Principle of Publicity and Transparency of Public Administration.The state agricultural defense entities, in the case of Bahia, ADAB, within the scope of their animal health control duties, perform the registration of animal producers, capturing information of a patrimonial nature of these people, which arouse the interest of others. Such data must be influenced by several commands from LGPD and LAI, classified as personal information, of restricted access. issuing of animal transit guides - GTAs, an instrument of the activity of these entities, and linked to the registration of producers, are characterized as information about the activity performed by the state agency, without the classification of personal information, to be publicly accessible.

Sumário: 1. Introdução. 2. Do Princípio Constitucional da Intimidade e da Privacidade. Do Princípio da Publicidade da Administração Pública. 3. Do tratamento de dados de produtores rurais pelas entidades estatais de defesa agropecuária. 4. Dos dados relativos à emissão de guias de trânsito animal – GTA. 5. Conclusão. Referências.

1.  Introdução.

Após longo período de vacatio legis, em agosto de 2020 entrou em vigor a Lei nº 13.079/2018, nominada de Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD, a qual “dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.”

 Surge então o desafio à Administração Pública de promover a implementação de seus comandos, em harmonia ao previsto na Lei nº 12.527/2011, nominada de Lei Geral de Acesso à Informação - LAI, a qual tem como objetivo explícito garantir a transparência e publicidade dos atos da Administração Pública.

 O conflito aparente pode ser medido através dos dados de pessoas naturais captados e administrados pelas entidades de defesa agropecuária dos estados, no âmbito de suas atuações institucionais, em específico dos dados de produtores pecuários, reveladores, em grande medida, de patrimônio, assim como dos dados gerados pelo próprio agir administrativo destas entidades, como ocorre com a emissão das guias de trânsito animal – GTAs.

A análise que se apresenta se dará a partir do exemplo da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia – ADAB, com estudo referendado na legislação federal e estadual que rege a referida instituição, mas que, na essência, vale para todas as demais entidades estaduais integrantes do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária – SUASA (Decreto Federal nº 5.741/2006), que atuam de forma similar.

2 – Do Princípio Constitucional da Intimidade e da Privacidade. Do Princípio da Publicidade da Administração Pública.

Observa-se que a LGPD veio com a finalidade de estabelecer diretrizes para o tratamento dos dados pessoais, com vistas à proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade do cidadão.

Seus comandos estão nitidamente ligados ao direito à intimidade e privacidade, previsto no art. 5º, X, da CF/88 (“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”).

Acerca do direito à intimidade e privacidade, o Ministro Gilmar Pereira Mendes assim leciona[2]:

“Embora a jurisprudência e vários autores não distingam, ordinariamente, entre ambas as postulações - de privacidade e de intimidade -, há os que dizem que o direito à intimidade faria parte do direito à privacidade, que seria mais amplo.

O direito à privacidade teria por objeto os comportamentos e acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral, às relações comerciais e profissionais que o indivíduo não deseja que se espalhem ao conhecimento público. O objeto do direito à intimidade seriam as conversações e os episódios ainda mais íntimos, envolvendo relações familiares e amizades mais próximas.

O direito à privacidade é proclamado como resultado da sentida exigência de o indivíduo "encontrar na solidão aquela paz e aquele equilibrio, continuamente comprometido pelo ritmo da vida moderna".

A reclusão periódica à vida privada é uma necessidade de todo homem, para a sua própria saúde mental. Além disso, sem privacidade, não há condições propícias para o desenvolvimento livre da personalidade. Estar submetido ao constante crivo da observação alheia dificulta o enfrentamento de novos desafios. A exposição diuturna dos nossos erros, dificuldades e fracassos à crítica e à curiosidade permanentes de terceiros, e ao ridículo público mesmo inibiria toda tentativa de autossuperação. Sem a tranqüilidade emocional que se pode auferir da privacidade, não há muito menos como o indivíduo se autoavaliar, medir perspectivas e traçar metas.

(...)

Não obstante a relevância do tema, verificam-se hesitações quando se trata de definir o que seja exatamente o direito à privacidade. Mesmo os diplomas legais ou as convenções internacionais não cuidam de precisar o conceito, que tampouco parece encontrar univocidade no acervo de jurisprudência do direito comparado.

Tércio Sampaio Ferraz entende que esse direito é "um direito subjetivo fundamental, cujo titular é toda pessoa, física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, residente ou em trânsito no país; cujo conteúdo é a faculdade de constranger os outros ao respeito de resistir à violação do que lhe é próprio, isto é, das situações vitais que, por só a ele lhe dizerem respeito, deseja manter para si, ao abrigo de sua única e discricionária decisão; e cujo objeto é a integridade moral do titular".

(...)

A propósito, um antigo presidente da Corte Europeia de Direitos Humanos apontou que, na expressão, estaria abarcada a proteção contra "ataques à integridade física, moral e sobre a liberdade intelectual e moral [do indivíduo] e contra o uso impróprio do nome e da imagem de alguém, contra atividades de espionagem ou de controle ou de perturbação da tranquilidade da pessoa e contra a divulgação de informações cobertas pelo segredo profissional."

De modo geral, há consenso em que o direito à privacidade tem por característica básica a pretensão de estar separado de grupos, mantendo-se o indivíduo livre da observação de outras pessoas. Confunde-se com o direito de fruir o anonimato - que será respeitado quando o indivíduo estiver livre de identificação e de fiscalização.

(...)

O direito à privacidade, em sentido mais estrito, conduz à pretensão do indivíduo de não ser foco da observação por terceiros, de não ter os seus assuntos, informações pessoais e características particulares expostas a terceiros ou ao público em geral.” G.n.

Por outro lado, a LAI regulamenta o princípio da publicidade, o direito de informação e o dever de transparência da Administração Pública, visando declaradamente garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal, dispositivos assim dispostos:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)”

“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

(...)

§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.”

Sobre o princípio da publicidade na Administração Pública, o mesmo autor assim se manifesta:

O princípio da publicidade está ligado ao direito de informação dos cidadãos e ao dever de transparência do Estado, em conexão direta com o princípio democrático, e pode ser considerado, inicialmente, como apreensível em duas vertentes: (1) na perspectiva do direito à informação (e de acesso à informação), como garantia de participação e controle social dos cidadãos (a partir das disposições relacionadas no art. 5º, CP/ 88), bem como (2) na perspectiva da atuação da Administração Pública em sentido amplo (a partir dos princípios determinados no art. 37, caput, e artigos seguintes da CF/ 88).

(...)

Ao mesmo tempo, os novos processos tecnológicos oportunizaram um aumento gradativo e impressionante da informatização e compartilhamento de informações dos órgãos estatais, que passaram, em grande medida, a ser divulgados na Internet, não só como meio de concretização das determinações constitucionais de publicidade, informação e transparência, mas também como propulsão de maior eficiência administrativa no atendimento aos cidadãos e de diminuição dos custos na prestação de serviços.

A criação dos Portais de Transparência dos diversos entes estatais, nos diferentes níveis de governo, tem proporcionado a experimentação social da relação cidadão-Estado e o exercício do controle social dos gastos públicos em novas perspectivas.

(...)

No âmbito federal, o Decreto n. 5.482, de 30 de junho de 2005, dispôs sobre a divulgação de dados e informações pelos órgãos e entidades da Administração Federal, por meio da Rede Mundial de Computadores - Internet, incumbindo à Controladoria-Geral da União a função de gestora do Portal da Transparência (federal).

Dessa forma, determinou-se no Decreto (art. l) a criação de Páginas de Transparência Pública dos diversos órgãos, em que seja possível o acompanhamento de: I – gastos efetuados por órgãos e entidades da administração pública federal; II - repasses de recursos federais aos Estados, Distrito Federal e Municípios; III - operações de descentralização de recursos orçamentários em favor de pessoas naturais ou de organizações não governamentais de qualquer natureza; IV - operações de crédito realizadas por instituições financeiras oficiais de fomento.

A despeito desse avanço positivo, não se olvida que o tratamento dos dados e informações públicos e a sua divulgação devem ter como meta a transmissão de uma informação de interesse público ao cidadão (individual ou coletivamente), desde que inexista vedação constitucional ou legal. Assim, veda-se a divulgação de informação inútil e sem relevância, que deturpe informações e dados públicos em favor de uma devassa, de uma curiosidade ou de uma exposição ilícitas de dados pessoais, para mero deleite de quem a acessa.

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Em outros termos, o art. 5º, XXXIII, da Constituição condiciona a divulgação de informações de interesse público individual, coletivo ou geral à segurança da sociedade e do Estado. Nesse sentido, o Decreto federal mencionado assegurou que "não se aplicam aos dados e às informações de que trata o art. JE, cujo sigilo seja ou permaneça imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, nos termos da legislação".

Também por meio da interpretação do art. 5º, X, da Constituição apreende-se que a divulgação pública de informações e dados de domínio estatal está condicionada à preservação da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

Ressalte-se que o dever de transparência com os atos estatais deve se pautar pela maior exatidão e esclarecimento possíveis, pois, conforme a doutrina de Rafaelle de Giorgi, uma característica marcante da sociedade moderna está relacionada à sua paradoxal capacidade tanto de controlar quanto de produzir indeterminações.

Contudo, a forma como a concretização do princípio da publicidade, do direito de informação e do dever de transparência será satisfeita constitui tarefa dos órgãos estatais, nos diferentes níveis federativos, que dispõem de liberdade de conformação, dentro dos limites constitucionais, sobretudo aqueles que se vinculam à divulgação de dados pessoais do cidadão em geral e de informações e dados públicos que podem estar justapostos a dados pessoais ou individualmente identificados de servidores públicos que, a depender da forma de organização e divulgação, podem atingir a sua esfera da vida privada, da intimidade, da honra, da imagem e da segurança pessoal.

Assim, diante do dinamismo da atuação administrativa para reagir à alteração das situações fáticas e reorientar a persecução do interesse público, segundo novos insumos e manifestações dos servidores, do controle social e do controle oficial, por exemplo, deve o poder público perseguir diuturnamente o aperfeiçoamento do modo de divulgação dos dados e informações, bem como a sua exatidão e seu maior esclarecimento possível.

(...)

A sociedade de massas, ou sociedade midiática, permite que o conhecimento dos atos praticados possa se dar por outros meios, principalmente os meios cibernéticos, e experiências desta natureza têm se tornado eficientes, como o Portal da Transparência no âmbito da Administração Pública Federal.

Nesse mesmo sentido, em 2011 entrou em vigor a denominada Lei de Acesso à Informação (Lei n. 1 2.527 / 20 1 1 ), que dispõe sobre os procedimentos a serem observados pelos entes federativos com a finalidade de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º, do art. 216 da Constituição Federal. Trata-se de importante marco para a observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção, por meio de medidas que devem ser executadas de acordo com os princípios básicos da Administração Pública e por diretrizes que zelam e incentivam a ampla transparência.”

A partir de tais elementos principiológicos, encaminha-se a análise dos dados administrados e produzidos pela Administração Pública no caso específico das entidades de defesa agropecuária dos estados, ligados à individualidade das pessoas físicas com quem se relacionam, bem como ao seu próprio agir estatal.

3. Do tratamento de dados de produtores rurais pelas entidades estatais de defesa agropecuária.

O Decreto Federal nº 5.741/2006 (“Regulamenta os arts. 27-A, 28-A e 29-A da Lei no 8.171, de 17 de janeiro de 1991, organiza o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, e dá outras providências”) instituiu o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária.

Nos termos do art. 9º do aludido decreto, o sistema em apreço é constituído pelas instâncias central, intermediárias e locais. O §2º do dispositivo estabelece que “as Instâncias Intermediárias serão responsáveis pela execução das atividades de natureza estratégica, normativa, reguladora, coordenadora e operativa de interesse da União, e também as privativas dos Estados ou do Distrito Federal, em seus respectivos âmbitos de atuação e nos termos das regulamentações federal, estadual ou distrital pertinentes.”

Como estabelecido no art. 19 do mesmo decreto, “as atividades das Instâncias Intermediárias serão exercidas, em cada unidade da Federação, pelo órgão com mandato ou com atribuição para execução de atividades relativas à defesa agropecuária”, sendo certo concluir que, no Estado da Bahia, é a ADAB a entidade com atribuição para executar as ações dispostas na norma, assim como cada Estado da Federação tem um órgão/entidade com finalidade semelhante.

Consoante disposto no art. 1º da Lei Estadual nº 7.439/1999 (“Dispõe sobre a criação da Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia - ADAB e dá outras providências”), a ADAB tem “por finalidade promover e executar a defesa sanitária animal e vegetal, o controle e a inspeção de produtos de origem agropecuária”, competindo-lhe uma série de atividades voltadas à garantia da sanidade agropecuária, destacando-se, para os fins ora tratados, a atividade de “fiscalizar a entrada, o trânsito, o comércio e o beneficiamento de produtos, subprodutos e derivados agropecuários no território baiano”, conforme disposto no inciso II do dispositivo em referência.

Especificamente com relação à defesa sanitária animal, prevêem os artigos 1º e 2º do Decreto Estadual nº 7.854/2000 (“Aprova o Regulamento da Lei nº 7.597, de 07 de fevereiro de 2000 , que dispõe sobre Defesa Sanitária Animal no Estado da Bahia e dá outras providências”):

“Art. 1º - A defesa sanitária animal no Estado da Bahia compreende a elaboração e execução de programas de profilaxia, controle, combate e erradicação de afecções ou doenças de animais, sem prejuízo das medidas sanitárias destinadas à inspeção de produtos de origem animal, necessárias à promoção do desenvolvimento do setor pecuário e à proteção e defesa da saúde pública.”

“Art. 2º - Ficam sujeitas a este regulamento as pessoas físicas ou jurídicas que explorem atividades pecuárias, ou que produzam, transportem e comercializem produtos, subprodutos, derivados, dejetos ou despojos animais, ou para uso animal, inclusive produtos para uso veterinário.”

A partir dos capítulos dispostos no aludido Decreto Estadual nº 7.854/2000, observa-se que os instrumentos para a fiscalização sanitária animal estão ligados, em específico, ao trânsito e comércio de animais ou de produtos destes derivados (capítulo III); ao registro e licenciamento de produtores (capítulo IV); à fixação de deveres sanitários aos proprietários de animais (capítulo V); à fiscalização do comércio de produtos veterinários (capítulo VI); e à fiscalização de vacinações e exames animais (capítulo VII).

É exatamente para o fim de possibilitar a atuação fiscalizatória da entidade, que a legislação de regência determina às pessoas físicas ou jurídicas que explorem atividades pecuárias a sujeição ao licenciamento e registro perante à ADAB, conforme exige o art. 18 do Decreto Estadual nº 7.854/2000[3].

Não por outro motivo, a norma determina ainda aos proprietários de animais uma série de obrigações dispostas nos incisos do art. 20 do mesmo Decreto, como a 1) obrigação de vacinar os animais; 2) de comunicar a ocorrência de doença de notificação compulsória; e, em especial, 3) de declarar, junto ao escritório mais próximo do órgão de defesa sanitária animal, a quantidade, espécie, sexo, faixa etária dos seus animais e dos que estejam sob sua guarda, a fim de manter o cadastro atualizado, indicando o número de nascidos, adquiridos, comercializados e de óbitos.

Assim, a ADAB, para o desempenho de suas atividades, e por força de obrigações legais impostas aos criadores de animais, acaba por administrar uma enorme quantidade de dados sensíveis destes criadores, que revelam inclusive cunho patrimonial e, por tal razão, devem possuir proteção legal com vistas à preservação da intimidade e privacidade.

No cotidiano da Agência, não é rara a existência de petições visando o acesso aos referidos dados de produtores animais, já que no banco de dados encontram-se informações da quantidade, espécie, sexo, e faixa etária de animais de suas propriedades, reveladores do patrimônio dos indivíduos – por vezes alto patrimônio, e que podem interessar elevado número de pessoas em conflitos contratuais, familiares, de crédito, dentre outros.

Adverte-se aqui que a Agência não tem nenhuma atribuição de controle ou registro patrimonial dos criadores. A atribuição da Autarquia limita-se ao controle sanitário e, assim, a obtenção dos dados tem a nítida característica de cadastro, para o fim de que a rastreabilidade dos animais seja possível, assim como todas as demais medidas ligadas à garantia de saúde animal.

Toda a atividade de obtenção dos dados referidos no presente, por parte da ADAB, enquadra-se como tratamento de dados que, na definição do art. 5º, X, da Lei nº 13.709/2018 (LGPA), é “toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração.”

Nessa linha, guarda necessária observância ao contido nos artigos 6º, I, II e III, e 7º, II e III, da mesma Lei nº 13.709/2018:

“Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios:

I - finalidade: realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades;

II - adequação: compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto do tratamento;

III - necessidade: limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades, com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados;

(...)”

“Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:

(...)

II - para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;

III - pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres, observadas as disposições do Capítulo IV desta Lei;

(...)”

Uma vez que se trata de Administração Pública, incide ainda o art. 23 da mesma lei, o qual adverte que “o tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público referidas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público (...).”

Sendo certo, portanto, que a ADAB realiza, de forma legítima, para a persecução de suas finalidades, a obtenção e o tratamento dos dados dos produtores rurais, conforme determinação do Decreto Estadual nº 7.854/2000 e de acordo com o regramento disposto na Lei nº 13.709/2018, por se tratarem de dados sensíveis, indicadores de patrimônio dos administrados, deve guardar observância aos comandos dos artigos 2º, I e IV, e 17 da multicitada lei de proteção de dados:

“Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:

I - o respeito à privacidade;

(...)

IV - a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;

(...)”

“Art. 17. Toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade, nos termos desta Lei.”

Além disso, entende-se que os dados em apreço caracterizam-se como informação pessoal que, na definição do art. 4º, IV, da Lei nº 12.527/2011 (LAI), é “aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável”, referindo-se à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas.

Conforme prevê o art. 31 da LAI:

“Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.

§ 1º As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:

I - terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e

II - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.

§ 2º Aquele que obtiver acesso às informações de que trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido.

§ 3º O consentimento referido no inciso II do § 1º não será exigido quando as informações forem necessárias:

I - à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa estiver física ou legalmente incapaz, e para utilização única e exclusivamente para o tratamento médico;

II - à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a identificação da pessoa a que as informações se referirem;

III - ao cumprimento de ordem judicial;

IV - à defesa de direitos humanos; ou

V - à proteção do interesse público e geral preponderante.

§ 4º A restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância.

§ 5º Regulamento disporá sobre os procedimentos para tratamento de informação pessoal.”

Desta forma, conclui-se que os dados recebidos pela ADAB e demais entidades de defesa agropecuária dos estados, relacionados, em especial, ao licenciamento e registro de pessoas que exploram atividades pecuárias, e atividades correlatas como a quantidade, espécie, sexo, faixa etária e vacinação dos animais, reveladoras, em grande medida, de patrimônio destas pessoas, devem ser protegidas, classificando-se como informações pessoais, com fundamento no art. 5º, X, da CF/88, e Lei nº 13.709/2018, tendo acesso restrito, nos termos do art. 31 da Lei nº 12.527/2011, salvo nas exceções previstas no mesmo dispositivo.

4.  Dos dados relativos à emissão de guias de trânsito animal – GTA.

No que tange especificamente às GTAs, a previsão legal encontra-se no art. 13 do Decreto Estadual nº 7.854/2000, verbis:

“Art. 13 - São condições essenciais para a entrada ou o trânsito, por qualquer via, de animais, a apresentação da Guia de Trânsito de Animais - GTA ou documento oficial equivalente e fundamentado em documento sanitário emitido por autoridade competente, e, no caso do comércio de animais, seus produtos e subprodutos, despojos, forragens, ou qualquer outro material destes derivados, e de abate de animais, a apresentação de documentos sanitários e do Certificado de Inspeção Sanitária CIS modelo E ou documento similar substituto.”

Trata-se de documento emitido pela ADAB e demais entidades estaduais de defesa agropecuária, a partir de seus escritórios, ou pelo próprio produtor através de seu cadastro, ou ainda por médicos veterinários credenciados, operacionalizado por sistema, o mesmo onde são armazenados todos os demais dados dos criadores de animais, como destacado acima.

Em termos de regulamentação das GTAs, pode-se mencionar a Instrução Normativa nº 19/2011 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA; o Manual de Procedimentos para o Trânsito de Bovinos e Bubalinos, de 4/8/2020, também do MAPA; a Portaria ADAB nº 176/2014; e a Portaria ADAB nº 2011/2015.

Para os fins ora propostos, da indicada regulamentação, destaca-se o conteúdo do art. 1º, §3º, da IN nº 19/2011 do MAPA, o qual determina que a GTA, na sua versão digital (é a regra atual e mais usada), conterá as seguintes informações: “I - espécie; II - origem (código do estabelecimento, nome do estabelecimento, código da exploração pecuária, CPF/CNPJ do produtor rural, nome do produtor rural, município e Unidade da Federação - UF) III - destino (código do estabelecimento, nome do estabelecimento, código da exploração pecuária, CPF/CNPJ do produtor rural, nome do produtor rural, município e Unidade da Federação - UF); IV - quantidade por sexo e faixa etária, ou categoria, aptidão e produto, quando couber; V - finalidade do trânsito, observações e código de barras; e VI - a identificação do emitente e do local de emissão e as datas de emissão e validade.”

O art. 2º da mesma norma diz ainda que “a emissão e impressão da e-GTA deverá ser autorizada com base nos registros sobre o estabelecimento de procedência da carga e no cumprimento das exigências de ordem sanitária estabelecidas para cada espécie”, a evidenciar um aspecto fundamental do instrumento GTA no controle sanitário, que é justamente permitir a rastreabilidade dos animais.

Uma vez que as GTAs são documentos emitidos pela Agência (ainda que através do próprio produtor ou médico veterinário autorizado, por meio do sistema), sua emissão caracteriza-se como atuação administrativa, atraindo os comandos previstos na Lei nº 12.527/2011 (LAI), derivada do art. 37, §3º, II, da CF/88 (“Art. 37 (...) § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: (...) II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII”).

Nos termos do art. 6º, I e II, da LAI, “cabe aos órgãos e entidades do poder público, observadas as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar a: I - gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação; II - proteção da informação, garantindo-se sua disponibilidade, autenticidade e integridade; (...)”

O art. 7º da mesma lei dispõe:

“Art. 7º O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter:

I - orientação sobre os procedimentos para a consecução de acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encontrada ou obtida a informação almejada;

II - informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos;

(...)

V - informação sobre atividades exercidas pelos órgãos e entidades, inclusive as relativas à sua política, organização e serviços;

VI - informação pertinente à administração do patrimônio público, utilização de recursos públicos, licitação, contratos administrativos; e

VII - informação relativa:

a) à implementação, acompanhamento e resultados dos programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas, bem como metas e indicadores propostos;

b) ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas realizadas pelos órgãos de controle interno e externo, incluindo prestações de contas relativas a exercícios anteriores.

(...)”

Dúvidas não restam de que os dados ora tratados (GTAs) referem-se à “informação sobre atividades exercidas pelos órgãos e entidades, inclusive as relativas à sua política, organização e serviços” (art. 7º, V, da LAI), e / ou informação relativa “à implementação, acompanhamento e resultados dos programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas, bem como metas e indicadores propostos” (art. 7º, VII, “b” da LAI), logo, estão compreendidos no regramento que determina o acesso público às informações.

Entende-se que os dados referentes à atuação da Agência na emissão de GTAs, não obstante, em alguma medida, revelarem também informações patrimoniais de produtores, não podem ser compreendidos como informações pessoais (art. 4º, IV, da Lei nº 12.527/2011), fugindo-se do conceito de cadastro (meio), para alcançar o próprio fim do agir estatal no controle sanitário que, em última análise, importa em ação de controle de saúde pública.

Realmente, tais dados espelham, como já dito, a própria atuação da Agência no que concerne especificamente no controle do trânsito e rastreabilidade de animais, não sendo difícil vislumbrar interesse direto de diversas entidades da sociedade civil organizada ligadas ao agronegócio (como exemplo: sindicatos rurais, associações de criadores, associações de frigoríficos, associações de veterinários, exportadores, etc.), na análise das informações, além de entidades ligadas ao meio ambiente, não obstante a discussão sobre o caráter (primário) ambiental ou não da matéria.

Logo, ausente o status de informação pessoal, bem como qualquer outro indicativo, disposto na LAI, LGPA, ou demais normas regentes, que advogue para a restrição de acesso, os dados relativos à emissão de GTAs pela ADAB e demais entidades estaduais de defesa agropecuária, reveladores de suas atuações institucionais, devem ser de acesso público.

5.  Conclusão.

Diante de todo o exposto, é possível concluir que:

a) os dados recebidos pela ADAB (entidade estadual de defesa agropecuária), relacionados, em especial, ao licenciamento e registro de pessoas que exploram atividades pecuárias, e atividades correlatas como a quantidade, espécie, sexo, faixa etária e vacinação dos animais, que demonstram, em grande medida, o patrimônio destas pessoas, devem ser protegidas, classificando-se como informações pessoais (art. 4º, IV, da Lei nº 12.527/2011), com fundamento no art. 5º, X, da CF/88, e Lei nº 13.709/2018, tendo acesso restrito, nos termos do art. 31 da Lei nº 12.527/2011, salvo nas exceções previstas no mesmo dispositivo;

b) os dados relativos à emissão de GTAs realizadas pela ADAB (entidade estadual de defesa agropecuária), indicativo da atuação administrativa da instituição, não são classificados como informações pessoais (art. 4º, IV, da Lei nº 12.527/2011), devendo assim ser de acesso público, com fulcro no princípio da publicidade e transparência da Administração Pública, art. 5º, XXXIII, e 37, §3º, II, da CF/88, e artigos 6º, I e II e 7º, V e VII, “a”, da Lei nº 12.527/2011.

Referência:

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional / Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. – 10. Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.


[2] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional / Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. – 10. Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

[3] Art. 18- As pessoas físicas ou jurídicas que explorem atividades pecuárias, ou que produzam, comercializem e utilizem produtos, subprodutos e derivados animais, ou para uso animal, inclusive veterinário, ficam obrigadas ao licenciamento e registro na Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia - ADAB, sob pena de interdição das respectivas atividades.

Parágrafo único - O procedimento de licenciamento e registro será fixado em ato interno da ADAB, sendo requisito obrigatório a apresentação do Certificado de Regularidade emitido pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia.

Sobre o autor
Marcos Antonio Cesar Sanches

Procurador do Estado da Bahia com atuação no consultivo das entidades da Administração Indireta. Foi Procurador do Município de São Paulo e Analista Processual do Ministério Público Federal. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Pós Graduado em Processo Civil pela Anhanguera Uniderp.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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