Os acontecimentos históricos que marcaram o século XX, e que se traduzem, apropriadamente, em uma herança para a humanidade, tem um dístico em comum: revelam a aparente (e falsa) incapacidade do sistema jurídico de resolver as questões humanas, mesmo as triviais, como vida e liberdade.
A formação cidadã é insuficiente, um dado de realidade. É insuficiente inclusive para que possa ser livre. É o que o faz ser incapaz de diferenciar-se radicalmente do mundo e associar-se a ele em uma esfera superior. O cidadão carece de uma metodologia nova de conhecimento. Uma nova epistemologia do cidadão, adequada à sua intuição, evitando tranformá-la em conceito, e o conceito em ideologia. Daí vem a necessidade dos direitos do cidadão. Que o caracterize, mesmo diante da sabotagem política que o sistema-sociedade faz da cidadania.
A cidadania, muitas vezes assolada por um status necessitatis, é o único meio disponível para que todos possam alcaças a igualdade. Dentre todas as formas jurídicas que há, somente por meio da cidadania é que o ser humano vislumbra alguma igualdade material. Fazendo assim de cada ser humano uma singularidade. E com essa singularidade ele possa expressar sua visão de mundo. É com a cidadania que ele passa a integrar a vontade coletiva.
Uma pergunta surge: qual a função do Direito? Sim, porque questionamos a sua função.
A pergunta sobre a função do Direito é feita tendo o sistema-sociedade em foco. Trata-se, em outras palavras, de visualizar o problema do sistema sociedade solucionado por diferenciação em um sistema jurídico especializado. Nesse processo, ficam excluídos, sobretudo, os questionamentos psíquicos e antropológicos, mas isso não significa que devem ser postos de lado, como se não existissem. O problema, é, no entanto, que as pessoas sejam empiricamente consideradas apenas como indivíduos e que os enunciados do sobre pessoas, sejam difíceis de padronizar.
Com a sociedade, ao contrário, pensamos em uma comunicação corrente, e que se dá de maneira concreta, uma comunicação observável empiricamente, mesmo quando nós temos um sistema unitário altamente complexo. Por issso, não temos de verificar enunciado algum que se deixe generalizar pelas recorrências a inúmeros sistemas diversos (Luhmann).
A cidadania insuficiente, pouca formação, é um problema de "referência". Este é produto histórico, lentamente voltado a não emancipação do ser humano.
É evidente que a relevância social do Direito não pode vir a ser negada, porém, a sua função integrativa pode ser colocada em dúvida. A problemática social aumentou bruscamente, quando para manter as suas posições políticas ou sociais, o ser humano abandona o Direito. O sistema-sociedade, hoje, não valida o ordenamento jurídico, ao menos em sua acepção material.
Com efeito, o problema que observamos diante de nós não é filosófico, mas jurídico, em sentido amplo, político.
A falta de uma efetividade, nos denuncia a enorme falha do sistema-sociedade e uma negação muito estranha ao Direito. Chegado a este ponto, teremos duas soluções apenas: a negação total do direito, ou uma reconstrução do Direito, fundado na cidadania.
É a partir da cidadania que o ser humano pode chegar a sua tão sonhada liberdade. É por meio de direitos, que correspondem a deveres, que o cidadão pode criar e viver.
Sabemos que os homens tem suas cadeias dentro do sistema-sociedade. Uma das quais é a sucessiva série de elementos adensados secundários, esses elementos são não-jurídicos e pretendem juridicidade. Porém esses elementos, acabam por não operar o fechamento do sistema jurídico. Ele está sempre aberto.
O indivíduo singular tornou-se objeto de poder, e se falarmos de sujeito, ele seria no máximo, um sujeito passivo expectador. Dissemos que o problema do poder seria um obstáculo ao exercício e fruição dos direitos. Continuamos acreditando nisso.
Assim temos um grande problema: O Poder versus o Direito. O Poder assume formas não-jurídicas, o seu exercício mantem-se fora do Direito. É uma mácula verdadeiramente. Uma crise maior do que apenas de eficácia das normas, ela engloba também a validade, a legitimidade e a equidade.
A máxima concentração de poder ocorre quando os detentores (não o cidadão) monopolizam o poder coercitivo, no qual consiste, propriamente, o poder jurídico. Detém também exclusividade sobre o poder econômico e do poder ideológico. Essa sobreposição de poderes torna o agente um déspota a serviço de seus próprios interesses.
Portanto, mesmo diante da falta de educação cidadã, vejo as pessoas expressando as suas opiniões e viver tranquilamente e em paz. O sistema político, necessitada de uma nova visão. Onde seja dado ao cidadão uma perfeita vida. Esse é o motivo pelo qual tudo existe. Para a coletividade e para cada um.
Luhmann, Niklas. O direito da sociedade. Trad. Saulo Krieger. São Paulo: Martin Fontes, 2016.
Weber, Max. O direito na economia e na sociedade. Trad. Marsely de Marco Martins. 1ª edição. São Paulo - SP. Ícone, 2011.