A Legislação Simbólica e a Lei 11.101/05

02/03/2021 às 14:51
Leia nesta página:

o texto trata da assim denominada legislação simbólica.

Parte I

 

O presente escrito se divide em duas partes, bem delineadas. Na primeira, apresenta-se um apanhado geral a respeito do espírito das duas leis que regem, atualmente, a falência e a recuperação da empresa e empresário em crise no país. Na segunda, é apresentada uma abordagem diferenciada acerca do tema assim denominado de  legislação simbólica e sua estreita e inexorável ligação com a Lei 11.101/05, que trata da recuperação e da falência de empresa e empresário.

Desde já, e para que inexista [eventual] confusão terminológica, a expressão ora utilizada, legislação simbólica, é exatamente aquela de há muito adotada por Marcelo Neves, ou seja, a ‘legislação simbólica’ aponta o predomínio, ou mesmo hipertrofia, no que se refere ao sistema jurídico, da função simbólica da atividade legiferante e do seu produto, a lei, sobretudo em detrimento da função jurídico-instrumental[1]. Saliente-se desde logo que a Lei 11.101/05 é, efetivamente, simbólica, além do de fato de ser dirigida às médias e grandes empresas em crise.

De fato, muito se tem escrito a respeito da Lei 11.101/05 (com a recentíssima alteração de 24/12/2020) e dos [pseudos] avanços que o diploma legal representa no que se refere à tentativa de superação da crise na qual está mergulhada a entidade, proporcionando [em tese] alguns mecanismos de cunho jurídico-econômico para que ocorra [quanto possível] o soerguimento e o retorno efetivo ao mercado competitivo. Um primeiro parêntesis: na prática da atividade comercial [empresarial] globalizada há muito os “meios de recuperação” já são levados a efeito pelas entidades empresárias, considerando a situação do mercado no qual se insere a empresa em crise. Noutros termos, a Lei 11.101/05 é pífia ao “apresentar” meios de tentativa de reorganização expressamente previstos em lei [como as operações e ligações societárias] ou o próprio mercado estabelece como possíveis. 

Com efeito, a Lei 11.101/05 inegavelmente representa apenas em tese [certo] avanço no que diz com os institutos da recuperação e da falência no Brasil, e também não menos certo que o Decreto-Lei 7.661/45, que regulou os institutos da falência e da concordata por praticamente 60 [sessenta] anos, e ainda é aplicável a casos de falência e concordata, não mais acompanhava o desenvolvimento econômico e social do país [especialmente a contar dos anos 1970], não descuidando do franco processo de industrialização que por aqui se instaurou[2]. De fato, este diploma legal tinha o [inequívoco] espírito liquidatório-solutório, mas também teria reforçado os poderes do magistrado, diminuindo o poder dos credores[3], sendo de somenos importância [em termos restritos da lei] emprestar instrumentos capazes à tentativa de superação da crise empresarial, ficando tal questão em segundo plano, até porque a concordata preventiva somente abarcava os credores quirografários. Não menos certo que essa mesma concordata, como meio de evitar ou mesmo suspender a falência do devedor, se tornou uma verdadeira indústria, tal como [bem] escreve a doutrina. Foram raras as entidades, sob tal signo (cuja lei [ainda] adotava a vetusta ideia de comerciante), que, de fato, lograram êxito em retornar ao mercado competitivo, sendo não menos certo que a grande maioria simplesmente sucumbiu, com a convolação da concordata preventiva em falência; a concordata suspensiva foi outro mecanismo mal e pouquíssimo utilizado, sem descuidar que não produzia qualquer resultado fático favorável à empresa falida. Por fim, ainda neste passo, não menos certo que a Lei 11.101/05 não é direcionada a toda e qualquer pessoa jurídica, sendo que somente as médias e grandes corporações, quando em crise, se veem mais aptas a buscar a tentativa de soerguimento judicial, sem descuidar dos elevados custos que envolvem tal processo (perícias, honorários de advogado, de administrador judicial e por aí vai).  

Conforme é de relativa sabença, o Decreto-Lei 7.661/45 se filiava [fielmente] à Teoria dos Atos de Comércio [França, 1807] sendo que raros eram os juízes brasileiros que por assim dizer ousavam decretar a falência daquele devedor que juridicamente não se subsumia à firme idéia de comerciante, mas que de fato exercia atividade econômica organizada, com profissionalismo e franca habitualidade (muito embora não tivesse, de fato, seus registros constitutivos arquivados no Registro Público de Empresas [Junta Comercial]), visando o lucro. Aliás, nesse passo, algumas entidades que se escudavam na sociedade civil limitada buscavam não a falência, mas sim a decretação da insolvência civil [Código de Processo Civil, art. 748 e seguintes] para evitar, quanto possível, a observância do Dec.-Lei 7.661/45. Equívoco evidente, portanto.              

Com o advento da Constituição Federal de 1988 [ vindo na sua esteira o catálogo constitucional, e mais precisamente ainda os princípios que regem a atividade econômica]; sobrevindo o Código Civil de 2002, que abarcou novo ideário acerca do direito empresarial, filiando-se efetivamente à Teoria da Empresa do direito italiano[4], de fato o país não mais se poderia  valer de uma lei falencial completamente ultrapassada e que não tinha como escopo a reorganização empresarial em crise. A falência era grande negócio para alguns...

Não poderia o legislador ordinário manter, de fato, a Teoria dos Atos de Comércio na lei falencial, considerando o contido na lei infraconstitucional e na própria Carta Política; também não poderia transitar na contramão das modernas legislações falimentares de outros países [Estados Unidos da América, Chile, Portugal, Itália e França, para aqui ficar em alguns poucos exemplos], que há muito já tratam da recuperação da empresa e da insolvência, buscando os meios para a solução da crise, ficando a ideia de falência para uma segunda hipótese.

Nesse passo, um pequeno parêntesis desde logo cabe aqui ser levado a efeito. Evidentemente que o Decreto-Lei 7.661/45 tem qualidades jurídicas, tanto é verdadeiro tal asserto que vários de seus dispositivos foram praticamente copiados pela Lei 11.101/05, bastando um simples cotejo para verificar a realidade, e talvez se verifique a [total] incapacidade de se produzir o novo em termos de legislação infraconstitucional no Brasil; talvez se perceba a incapacidade deformante de se buscar a inovação efetiva no que diz com o modo de produção de leis. De outro lado, também é inegável a [indisfarçável] capacidade jurídica daqueles que estiveram estreitamente ligados à elaboração do Decreto-Lei de 1945. A elaboração do anteprojeto de lei falencial, na era do Governo Vargas, contou com Alexandre Marcondes Filho [Ministro do Trabalho da era Vargas] Filadelpho Azevedo, Hahnemann Guimarães, Sílvio Marcondes, dentre outros juristas de nomeada.  Percebe-se facilmente que a redação da lei de 1945 é muito mais técnica em relação à lei de 2005. Portanto, é de todo evidente que tal decreto-lei tem muitos méritos, sem descuidar que ainda rege, efetivamente, os processos de falência e concordata iniciados antes da vigência do novel regramento legal de 2005.  Nesse passo, não se pode concordar completamente com a assertiva de François Rigaux, no sentido de que nas nossas sociedades, em que os que sabem fazem a lei para os que sabem menos...[5], porquanto é evidente que a lei, além de escrita com evidente falta de técnica, prejudica os microempresários e as empresas de pequeno porte. Mais do que isso, a lei foi baseada na tradição jurídica de outros países (Estados Unidos e França), sem se verificar as vicissitudes da empresa nacional.  

O país possui, a bem da verdade, dois diplomas de lei relativos à falência e à reorganização da empresa em crise (tenho caso prático onde se observa a lei de 1945). Também é de sabença relativa que o Projeto de Lei 4.376/93, originário do Poder Executivo, dormitou tranquilamente no Congresso Nacional por mais de 10 [dez] anos [sendo no Senado da República o projeto de lei teve o n. 71/2003] até que, finalmente, em 09 de fevereiro de 2005 foi inserida no sistema legal brasileiro a Lei 11.101/05, que passou a vigorar 120 [cento e vinte] dias após sua efetiva publicação [em vigor, portanto, desde 09/06/2005]. Ora, se o decreto-lei de 1945, do pós-Segunda Guerra Mundial, tinha seus defeitos, a par de suas [inequívocas] qualidades, pode ser dito que há impropriedades técnicas no que se refere ao regramento jurídico falencial vigente a contar de 2005 (alterado parcialmente em dezembro/2020), e, naquilo que diz especificamente com o instituto da reorganização judicial [para já ir adotando aqui a terminologia estadunidense], é inexoravelmente direcionado não às microempresas e pequenas empresas, mas sim às médias e grandes corporações instaladas neste país, e que estão mergulhadas em crise. É pífia, totalmente inconsistente, sem qualquer simetria, a ideia disseminada de que a Lei 11.101/05, por assim dizer, reúne todos os requisitos [jurídicos e extrajurídicos, aliados a aspectos de cunho eminentemente econômicos] para a [tentativa] de soerguimento da empresa ou empresário em crise [para não dizer a respeito da própria sociedade simples. Isso justamente porque a referida Lei 11.101/05 possui a mesma tendência do modelo legal norte-americano em vigor [desde 1978] e porque também é fruto direto de inequívoca importação legislativa: o âmbito da reorganização judicial é, de fato, o local devidamente montado em pilastras bastante sólidas, bem cimentadas, onde credor e devedor são verdadeiramente os atores principais em cena, e que têm por principal objetivo expor suas pretensões econômicas, ficando fora [completamente] de seus vocabulários, de seus ideários ou mesmo de seus discursos jurídico-econômicos palavras deveras simples, singelas e realmente relevantes, tais como convergência, boa-fé objetiva, cedência recíproca e, principalmente, razoabilidade.

Para tanto, basta analisar com um pouco mais cautela, de forma racional [livre de qualquer emoção ou de maneira tendenciosa], isenta de prejulgamentos, alguns dos processos norte-americanos de reorganização judicial e falência, especialmente, para citar aqui poucos exemplos, os casos que envolvem as montadoras transnacionais e as companhias aéreas. Não menos relevante o fato de que o setor automobilístico, naquele país, está mergulhado em crise e se na época do Governo Jimmy Carter [década de 1970] houve ajuda às montadoras para tentativa de superação da crise, o mesmo agora não ocorre. Também não custa relembrar o escândalo que envolveu uma grande corporação estadunidense [de Houston-Texas], do setor de energia, que obrigou, inclusive, a [rápida] edição da Lei Sarbanes-Oxley [de 30/07/2002], para fins de controle financeiros das companhias. Desde logo cabe salientar que o Bankruptcy Code de 1978 foi elaborado considerando a situação peculiar das empresas norte-americanas em crise e com um olhar na economia de tal país. Mais especialmente o Chapter Eleven - por muitos aqui colocado no Olimpo -, que justamente trata da reorganização da empresa em crise, tem indisfarçável ligação, obviamente, com a realidade empresarial norte-americana, de modo que a Lei 11.101/05, [que trata da recuperação e falência no Brasil] por deitar profundas e indisfarçáveis raízes na lei alienígena, deve ser interpretada, de fato, com muita cautela, sempre tendo ao alcance da mão a Carta Política Nacional. Busca-se [na América, e agora também no Brasil] a dita solução de mercado para a efetiva superação crise [em uma ou mais das suas modalidades], franqueada, pois, a negociação direta das partes interessadas [credor e devedor, e, eventualmente, um terceiro interessado na injeção de recursos financeiros na empresa em crise, ou na própria aquisição desta ou de seus ativos], buscando, em última palavra, possíveis vias alternativas de solução para a crise e a consequente reorganização empresarial.

A tendência segue, inequivocamente, a desregulamentação[6] [ou deslegalização] estatal, que anda fielmente sobre os bens fincados trilhos neoliberais, e vai atendendo aos anseios do capitalismo global [por evidente, sabe-se que a China é, atualmente, o país oriental mais ocidental do mundo[7]].

Aliás, quanto à globalização econômica e seu eventual colapso, vale a pena ler atentamente [senão todo o escrito, pelo menos alguns trechos condizentes com a realidade local e a globalização econômica] a obra de Alan Greenspan, editada no Brasil em 2007[8] e atualíssima, sendo que nada passa despercebido da pena do autor, inclusive o Brasil e o populismo, que são objeto de percuciente e educativa análise. A pena de tal autor simplesmente logra pleno êxito em concatenar as suas ideias e faz com que o leitor fique motivado à completa leitura da obra em curto espaço de tempo.  Por fim, a propósito, a Lei 11.101/05, pelo que se vê até o momento, não vem logrando êxito em cumprir seus objetivos, posto que num dos casos mais rumorosos de reorganização que tramitam no país há elevado passivo e a conta é direcionado aos credores trabalhistas e ao Fisco.

 

Parte II

 

 Certamente que um grande leitmotiv para a elaboração do texto legal falimentar brasileiro de 2005 foi justamente a busca da redução da taxa básica de juros da economia nacional [Selic], a par da necessidade de acompanhar a legislação estrangeira que trata da reorganização empresarial, considerando também o fato de que grandes corporações nacionais foram retiradas do mercado competitivo, por diversos fatores, inclusive em decorrência da própria globalização econômica, pois, deixaram de se adequar ao mercado. Já foi dito alhures que é salutar que o legislador busque o aperfeiçoamento da lei tendo um olhar na legislação estrangeira.

A necessidade de criação de regras jurídicas mais ágeis, por assim dizer, para a rápida solução da crise empresarial, foi defendida aos quatro ventos. O escopo legal, a bem da verdade, é de que se aumentem as garantias reais das instituições financeiras, no que diz com os empréstimos concedidos a empresas e empresários. Partiu-se da idéia de que tais instituições financeiras, devidamente acobertadas com maiores garantias reais para o recebimento de seus créditos, poderiam, de outro lado, reduzir as taxas de risco e efetuar empréstimos a juros mais baixos. Noutros termos, mas com igual alcance, logrando êxito em receber seu crédito o mais rápido possível em sede de falência, a instituição financeira poderia [apenas em tese] efetuar empréstimos mais baratos, especialmente ao empresário [e não se descuide que em relação a estes o fomento, quando ocorre, é invariavelmente formalizado pelo BNDES]. O acesso ao crédito [a ser concedido pela instituição financeira] poderia ocorrer [ainda em tese] de forma mais célere.

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Nesse fio de pensamento, sabe-se que no país não são poucos os que recorrem ao empréstimo bancário e o fazem justamente para pagar empréstimos [dívidas] anteriores, criando um verdadeiro efeito cascata, multiplicador, fazendo com que nasça dívida quase que impagável e permanecendo assim em verdadeira areia movediça. O que dizer da empresa em crise? O que dizer a respeito das microempresas e das pequenas empresas brasileiras mergulhadas em profunda crise em tempos de crise sanitária mundial? Cabe, destarte, uma necessária interpretação sistemática e teleológica [sem quaisquer lentes, se assim é possível dizer, deformantes], tanto da Lei 11.101/05 como do Bankruptcy Code norte-americano, a fim de verificar a realidade empresarial no Brasil.

Primeiramente, no que diz com a Lei 11.101/05, nota-se que houve inversão hierárquica no tocante aos créditos em sede falimentar, passando o credor com garantia real [e até o limite do valor do bem objeto da garantia] à frente do crédito tributário, bastando ler o contido no art. 83. Também não é novidade alguma na legislação falencial, a bem de ver, tal inversão, na justa medida em que a Lei 2.024, de 17/12/1908 já colocava o credor com garantia antes do crédito tributário [art. 91]; o Decreto 5.746, de 09/12/1929 seguia a mesma situação [art. 91] e o Decreto-Lei 7.661/45 [art. 102], ao contrário, está harmonizado com o Código Tributário Nacional, colocando o credor tributário antes do credor com garantia real, para fins de hierarquização dos créditos. Não menos certo que a década de 1990 do século passado foi conturbada, especialmente no ambiente econômico, e o Brasil não passou incólume. No ano de 1994 o país conviveu com uma inflação anual na base de 2.567% [dois mil, quinhentos e sessenta e sete por cento]; em 1995 houve a crise do México; a da Ásia em 1997 e a da Rússia no ano de 1998, só para não se estender nos exemplos e não tornar o texto tedioso.

Nessa linha, havia a necessidade de alterar o curso da história empresarial no Brasil, ainda mais pelo fato de que a Constituição Federal estabeleceu outro norte no que diz com a ordem econômica. Desse modo, não mais poderia o sistema normativo contar com uma lei falimentar que ainda falava em comerciante e cujo escopo há muito não mais estava em consonância com a realidade do país. Havia, então, a necessidade de dar, por assim dizer, uma satisfação ao empresariado, com o nítido propósito de estancar a onda de falências no Brasil, sem descuidar que no final do ano de 2002 um dólar norte-americano chegou a custar o equivalente [a quase] quatro reais. Com ficaram os empresários? Não foram poucas as empresas genuinamente nacionais que sucumbiram, e, por outro lado, era necessário conferir segurança jurídica aos detentores do capital, com a preservação das garantias e normas precisas sobre a ordem de classificação de crédito na falência, a fim de que se incentive a aplicação de recursos financeiros a custo menor nas atividades produtivas, com o objetivo de estimular o crescimento econômico, consoante palavras do senador relator do projeto de lei no Senado da República[9]. O que imperava, de fato, era a idéia de que o Brasil precisava urgentemente de uma nova lei de falência e de recuperação, com o objetivo de preservar, quanto possível, a empresa no mercado. Considerando a tendência mundial, optou-se por elaborar uma lei indiscutivelmente simbólica, com o propósito de que se concedessem mecanismos jurídico-econômicos para a tentativa de soerguimento da empresa em crise, e para tanto o modelo utilizado foi justamente o norte-americano [sendo que o sistema Francês também foi observado}, que em nada, obviamente, tem a ver com a realidade nacional.

O simbolismo da Lei 11.101/05 é mais do que evidente, pois, foi ela inserida no sistema legal brasileiro com o firme propósito de recuperar a empresa em crise. Só que a lei é direcionada não à pequena empresa, mas às médias e grandes corporações; o tratamento legal conferido àquelas é diferente em relação a estas; alguns seletos credores não participam do processo de recuperação judicial e os maiores casos de reorganização pelo que até aqui se tem notícia, não estão logrando êxito em recuperar a empresa. O mito de que a lei em comento trataria a solução para a crise empresarial deve ser afastado, pois é o mercado quem diz se a empresa permanece ou não atuando; é ele, o mercado, quem dita as regras no mundo globalizado. A Lei 11.101/05 exerce exatamente o que diz Neves quando afirma que uma quantidade de leis desempenham funções sociais latentes[10]. Tal lei se constitui aquilo que o mesmo Neves esclarece como sendo uma tentativa de apresentar o Estado como identificado com os valores ou fins por ela formalmente protegidos, sem qualquer novo resultado quanto à concretização normativa[11].  Com efeito, se por um lado existiu uma vitória legislativa, com a apresentação de uma nova lei falimentar, por outro existiu uma derrota do empresariado nacional. A propósito, vem bem a calhar o pensamento do sempre lembrado Michel Villey, quando textualmente afirma:

 

Como justificar o poder das leis positivas? Impossível recorrermos aos ‘mitos’ do direito divino dos príncipes, do contrato social, aos fantasmas ideológicos da soberania popular da ‘vontade geral’, da representação do povo pelos deputados – já que hoje pretende-se que as leis provenham de nossos deputados...[12]

 

Considerando todos os aspectos antes desenvolvidos, cabe refletir a respeito, especialmente em tempos de pandemia mundial.

 


[1] A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 23. Grifos no original.

[2] A respeito de interessante tema, ver as obras de Caio Prado Junior: História Econômica do Brasil e A Revolução Brasileira, dentre outras. Ainda, ver Celso Furtado, com a clássica obra Formação Econômica do Brasil. Ainda, do mesmo autor: O Capitalismo Global.

[3] MAMEDE, Gladston. Falência e Recuperação de Empresas. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2008, p. 14. 

[4] Código Civil Italiano de 1942, artigo 2082.

[5] A Lei dos Juízes. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. XI.

[6] Não se olvide a tentativa neoliberal de desregulamentação [ou deslegalização] dos próprios direitos trabalhistas no Brasil. A propósito, ver matéria publicada no Jornal O Estado de São Paulo, de 16/05/2007, A12. Ainda, nesse passo, ver a obra de José Eduardo Faria, O Direito na Economia Globalizada. 1ª edição, 4ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

[7] E seu inequívoco ideário capitalista [economia de mercado, abertura das portas para o mundo] teve início no final da década de 1970, com o líder Deng Xiaoping.

[8] A Era da Turbulência. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2007. Nesta obra, deveras vigorosa e abrangente, o autor, ex-Chairman do Federal Reserve Board norte-americano revela alguns detalhes importantes de sua trajetória como pessoa e também como homem de negócios. A propósito, ver especialmente páginas 162 e 352.

[9] CLARO, Carlos R. Revocatória Falimentar. 4a edição. Curitiba: Juruá, 2008.

[10] Op. Cit., p. 30.

[11] Idem, p. 33.

[12] Filosofia do Direito. Definições e Fins do Direito. Os Meios do Direito. São Paulo:Martins Fontes, 2003, p. 433. Grifos constantes do original. Tradução:Márcia V.M. de Aguiar. Revisão Técnica: Ari Sólon.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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