Reconhecimento de união estável post mortem

04/03/2021 às 20:22

Resumo:


  • O Código Civil de 2002 reconheceu a união estável como entidade familiar, com proteção do Estado.

  • A união estável exige o objetivo de constituir uma família, diferenciando-se de um simples namoro.

  • Não é necessário um prazo mínimo de convivência ou ato formal para configurar a união estável, mas elementos como publicidade, continuidade e estabilidade são característicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Vocês sabiam que é possível realizar o reconhecimento da união estável mesmo após o falecimento do companheiro?

O Código Civil de 2002 reconheceu, como entidade familiar, a união entre homem e mulher configurada na convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituição de família. De encontro à esta norma, temos o §3º, do Artigo 226, da Constituição Federal, o qual assegura, a esta, a proteção do Estado.

Ao observarmos, atentamente, veremos que a união estável, para assim ser considerada, carece do objetivo de construção de uma família. Nisso reside a distinção básica entre, esta, e o simples namoro ou, ainda, o namoro qualificado e de longa duração.

Vale ressaltar que não é mais necessário a comprovação de lapso temporal para a configuração da união estável, não havendo um prazo mínimo de relação ou de convivência sob o mesmo teto, para que esta passe a ter existência jurídica.

Ainda, não se faz necessário a prática de qualquer ato, formal, tal como a celebração de uma escritura pública declaratória de união estável, para que esta passe a existir e à produzir efeitos, aos olhos da Lei. De fato, a união estável prima pela falta de formalidade à sua constituição, embora tal fator lhe traga um peso maior para a comprovação de sua existência, da data de seu início e término.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência entendem ser elementos característicos da união estável, a publicidade, a continuidade, a estabilidade e, principalmente, o objetivo de constituição de uma família.

Apesar de o Ordenamento definir a união estável como havida entre homem e mulher, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, em 2011, a equiparação à esta, das relações ocorridas entre pessoas do mesmo sexo, com base no princípio da isonomia, impedindo-se, assim, qualquer tipo de interpretação restritiva à união homoafetiva como entidade familiar.

Por conta deste julgado, estando presentes os requisitos basilares da união estável, todos os direitos e deveres advindos, desta, serão aplicados, igualmente, à união homoafetiva.

Contudo, acercando-se do tema ora proposto, como poderemos comprovar a existência de uma união estável com uma pessoa falecida, sem que tivesse havido qualquer formalização, anterior, neste sentido?

Para tal, faz-se necessário o ingresso de uma ação judicial, a fim de obter-se o reconhecimento post mortem, da união estável, apresentando à apreciação do Judiciário, todos os elementos que consigam comprovar a sua existência, através do cumprimento de suas características elementares, quais sejam, a publicidade, a continuidade, a estabilidade e a intenção de constituição de uma família.

A referida ação judicial deverá ser proposta face os herdeiros do companheiro falecido.

Com o reconhecimento, por sentença transitada em julgado, ter-se-á a possibilidade do ingresso do companheiro no processo de inventário, à vista dos efeitos patrimoniais que esta produzirá, sem olvidar-se, ainda, daqueles de ordem previdenciária e de vínculo de parentesco, em todos os seus aspectos.

Um fator de suma importância, nestes casos, é a publicidade da união que se pretende ver reconhecida, não somente de ordem geral, mas de conhecimento no seio familiar e social do falecido, como convivência inequívoca, como se cônjuges fossem, pautada na comunhão de vida, de interesses e de afeto, tal como ocorre no casamento.

Vale ressaltar que o reconhecimento post mortem da união estável, embora possível, possui as suas dificuldades e gera, na maioria dos casos, sérios litígios entre o pretenso(a) companheiro(a) e os já existentes herdeiros, filhos, do falecido, uma vez que a ação que visa dar existência jurídica à união poderá suspender o processo do inventário, enquanto estiver em andamento, com possibilidades de impactar na partilha do espólio.

Devemos ter em mente que o reconhecimento post mortem, da união estável, se dá em ação própria e não nos autos do inventário do companheiro falecido. Na hipótese dos herdeiros não reconhecerem a existência dessa união, tal fato não impedirá ao magistrado dar-lhe existência jurídica, desde que comprovados, de forma inequívoca, os seus elementos constituintes.

Assim, o elemento essencial da ação que visa o reconhecimento post mortem da união estável, é a comprovação de suas características elementares, por todos os meios de prova admitidos em Lei; sem essa comprovação, não há como obter-se do Judiciário, uma posição positiva.

Outro fator que deve ser ressaltado é a publicidade da relação, ou seja, que ela tenha se dado de forma pública e notória, fazendo, assim, com que um relacionamento escondido do ciclo social, familiar e até mesmo dos amigos mais próximos, seja considerado como uma relação furtiva, com difíceis probabilidades de ser reconhecido como uma união estável.

Em decorrência dos novos hábitos de relacionamento, como, por exemplo, a convivência e coabitação de namorados, devemos ter em mente que, para o reconhecimento da relação como união estável, é essencial que se comprove o seu objetivo de constituição de família, ou seja, que o casal objetive a criação de filhos em comum. Ou seja, a união estável pública e notória que não tenha como objetivo a formação de uma família, não pode ser elevada á categoria de união estável, mas de mero namoro, seja simples, seja qualificado.

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Temos, assim, que a informalidade da constituição da união estável traz, consigo, uma dificuldade na comprovação de sua existência, principalmente nos procedimentos de reconhecimento post mortem, criando-se, assim, um pesado ônus de apresentação de provas robustas da relação, quais sejam, fotos do casal, dependência em planos de saúde e seguros de vida, contas de consumo da residência do casal em nome ambos, e, declarações de testemunhas, por exemplo.

Desse modo, vemos que a Lei e o Judiciário asseguram o reconhecimento da vontade, mesmo sendo ela de foro íntimo, das pessoas, após o seu falecimento, em aspectos da vida privada.

A união estável, sob a proteção do Estado, deve ser tratada como elemento constitutivo da sociedade, razão pela qual, mesmo podendo ser estabelecida de modo extremamente informal, deve ser devidamente comprovada, a qualquer tempo, através de todos os meios legítimos, para que possa produzir os seus devidos efeitos, com o reconhecendo-se sua existência.

Sobre a autora
Claudia Neves

Advogada. Pós-graduada em Direito das Mulheres e em Direito de Família e Sucessões, com atuação na área cível com ênfase na área de família, com seus reflexos patrimoniais e assessoria em contratos civis e comerciais, seja na celebração de negócios seja na defesa de interesses. Coordenadora Adjunta da Comissão da Mulher Advogada e membro da Comissão de Prerrogativas da OAB Santo Amaro (2019-2021). Instagram: @claudianeves.adv

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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