Resumo: A Constituição brasileira de 1969 não foi, em verdade, formalmente uma Constituição, mas uma Emenda ao texto de 1967 que trouxe o endurecimento do regime militar que conheceu seu ápice com o Ato Institucional nº5. O fortalecimento da ditadura fora motivado pelo crescimento da oposição, que reuniu o movimento estudantil, trabalhadores e o clero progressista. O texto autoritário promoveu a mitigação da autonomia dos Estados e dos Municípios, e ipso facto a centralização do poder nas mãos do Presidente da República.
Palavras-Chave: Estado totalitário. Regime Militar. Ditadura Militar. Abertura Democrática. Eleições Indiretas. Centralização de Poder.
Para entendermos de forma adequada a Constituição de 1967, recorre-se aos antecedentes da Assembleia Constituinte. Importante sublinhar que os militares que governavam o país não eram integrantes de um bloco harmônico e monolítico.
Basicamente existiam dois grupos principais, a saber: os da chamada "linha dura" que só desejavam a radicalização do regime e maior intensidade na perseguição dos opositores, não se importando permanecesse com as Forças Armadas; e de outro lado, havia os chamados moderados que pretendiam devolver o poder para os civis, depois de expurgarem numa assepsia ideológica e política os elementos considerados perigosos e, também criticavam os excessos perpetrados no combate à oposição e à esquerda, tais como a tortura e o homicídio (sem contar os desaparecimentos sem pistas).
Nessas diversas investigações, há discrepância nos números de mortos e desaparecidos computados. A CNV (Comissão Nacional da Verdade), em seu relatório final, reconheceu 434 mortes e desaparecimentos políticos entre 1946 e 1988, dos quais a maioria ocorreu no período da ditadura. Vide lista disponível nesse link: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_mortos_e_desaparecidos_pol%C3%ADticos_na_ditadura_militar_brasileira#:~:text=Nessas%20diversas%20investiga%C3%A7%C3%B5es%2C%20h%C3%A1%20discrep%C3%A2ncia,ocorreu%20no%20per%C3%ADodo%20da%20ditadura . Acesso em 6.2.2021.
Na análise dos problemas de direito constitucional ou de ciência política, sobre uma Constituição, cabe uma preliminar indagação, segundo Themístocles Brandão Cavalcanti: como classificar o sistema constitucional em exame entre os sistemas políticos existentes? E, como considerar o regime político escolhido pelo Poder Constituinte entre os diversos regimes ou sistemas políticos em que se divide o mundo contemporâneo?
No começo do século XXI, quando o cenário mundial era dominado por regimes políticos sujeitos a uma divisão simples, sem as separações ideológicas marcantes, as estruturas políticas dos Estados-membros e impõem também a criação de novos sistemas políticos pela dificuldade de implantação, por motivos de ordem econômica e social, e de sistemas políticos puros.
Existe controvérsia no estudo entre os tipos e estruturas com as opiniões contraditórias de Jellinef Mannheim, Max Weber, ou procura de um tipo médio que atenda aos elementos básicos existentes na maioria dos Estados, carecendo de solução firme e objetiva e, portanto, satisfatória.
O sistema político será conceito[1] partindo do aspecto primário de estrutura social, tal como um conjunto de relações constantes entre os diversos componentes desse sistema, sendo definidas neste, a natureza e constância dessas relações.
Para Weber[2], os tipos se caracterizam pela natureza da autoridade, que poderá ser: a) racional-legal; b) tradicionalista ou; c) carismática. É especial a referência, a classificação de Biscareti Di Rufia em: Estados Democráticos clássicos, Estados autoritários; Democracias progressivas.
Os primeiros são governados por maiorias. Os segundos pressupõem a superioridade de certas elites sobre as massas, a existência de chefes com qualidades excepcionais e que concentram o poder. E, os terceiros, os progressistas, entendem que os fatores socioeconômicos predominam sobre as normas jurídicas. Conclui-se que são falsos os problemas colocados no regime capitalista.
Nos Estados progressistas, os princípios constitucionais possuem valor secundário. E, são apenas um instrumento para realizar a revolução social que se efetiva em duas fases, a saber: uma pela força, para implantação de uma nova ordem, e a outra, rumo a uma democracia comunitária.
A organização dos poderes é o objetivo maior de todo esse mecanismo político, principalmente no regime democrático, e a sua composição e a forma de constituição são elementos diferenciados dos diversos sistemas.
Eis aqui, justamente, na organização, composição e mecanismos dos poderes que se coloca o busilis da tipologia dos sistemas políticos de que decorrem as formas diferentes de governo. A forma de participação do povo, o número de partidos, a estrutura dos poderes é que indicam as diversas soluções.
São também problemas essenciais à caracterização da forma de governo ou do sistema político os seguintes pontos: o sufrágio será universal ou não; existirão um, dois ou mais partidos; o voto será exigido para a constituição de um ou mais poderes; quem comanda a política.
Faz muito tempo em que as formas de governo eram apenas a monarquia e república. E, atualmente, as monarquias vigentes pouco difere da república se o sistema for democrático.
As democracias populares, a participação do povo é menor, e se hoje, segundo parece, o direito de voto não é privilégio dos membros do partido comunista, a admissão ao exercício do voto e mais limitada.
As democracias ocidentais caracterizam-se, por sua vez, por um sistema partidário múltiplo e que funciona efetivamente na base da escolha do partido pelo eleitor. As democracias populares são democracias de partido único e, se em alguns países como a Polônia, existe mais de um partido, o mecanismo não funciona efetivamente, porque a diferença ideológica entre eles é praticamente nenhuma.
A democracia popular pretende ser menos formal do que a outra e, atender a reivindicações de ordem econômica que visam à emancipação do homem. Mas, a verdade é que o elemento consenso, isto é, assentimento, participação, adesão, fiscalização, é menor do que nas democracias ocidentais.
É discutível a origem popular dos governos nas democracias populares. Já a África é um vasto campo de experiências políticas. Sem condições para a prática de um regime democrático, por falta de educação[3], por falta de elites civis governantes, ela se debate entre cartas constitucionais, copiadas dos povos ocidentais, e a realidade do subdesenvolvimento[4].
Daí, a grande instabilidade política dos países africanos, a frequência de governos inteiramente militares, o processo de fragmentação territorial do continente, a dificuldade de implantar a unidade africana.
Procura-se mostrar que o esquema político traçado pela Constituição compreende, em primeiro lugar, o conjunto de órgãos que integram o mecanismo do nosso sistema político, eminentemente complexo posto que se desdobre em um aparelho descentralizado, caracterizado por dupla do governo. A primeira área é a totalidade do país, representada pela União, a organização federal. A segunda área são as ordens parciais, que correspondentes aos diferentes Estados-membros da Federação. Portanto, o esquema político é composto, a priori, pela ordem total e as ordens parciais.
Quanto aos Estados, apenas autônomos, eles representam parte do sistema, ordens parciais que se desdobram pelos três poderes do Estado, constituídos no modelo dos poderes federais, modelo cada vez mais exigente, não só porque as Constituições estaduais se moldam no modelo federal, como também porque se ampliou o sistema legislativo federal, mormente no terreno tributário e nos da energia elétrica, das comunicações e do planejamento nacional a que se devem submeter os Estados. A União representa a totalidade do poder do Estado brasileiro, enquanto os Estados, apenas as ordens parciais, para usar as expressões de Vielsem apud Cavalcanti.
É da congregação dessas duas ordens, a total e a parcial, pela distribuição entre estas dos poderes e competências, pelo respeito às ordens parciais fixadas na Constituição, que se organiza a Federação.
Para qualificar a República, seria preciso acrescentar a qualidade de representativa porque este é o termo que define o regime político nos povos ocidentais. República Federativa, como está no texto, pecando pela imprecisão técnica, senão pela confusão de conceitos doutrinários.
Mas em que deve consistir a autonomia dos Estados na Federação? Há de se fazer uma exigência mínima para a urgência desse regime, embora em certos países, como a Austrália, a Índia, a Nigéria, ele assuma algumas particularidades.
Dentro, porém, da nossa tradição, a Federação se deve caracterizar pelo respeito a um mínimo de autonomia aos Estados, que se resumiria no seguinte: a) auto-organização; b) autogoverno; c) autoadministração.
A Constituição deu aos Estados pior tratamento do que o que concedeu aos Municípios, atribuindo a uma lei complementar o poder de criar novos Estados e novos Territórios. Não é o regulamento do mecanismo de que aqui se trata, mas de uma lei especial criando o Estado.
Sem insistir sobre a natureza dessas leis complementares, que são leis ordinárias votadas com quórum especial, ode se procurou concentrar na União um poder que deveria partir da vontade da população residente na área em questão. Equiparam-se, além do mais, os Estados aos Territórios, numa simetria desconcertantes. Eis a definição do regime federativo deformada.
Lembremos que no artigo 13, em vez de deixar aos Estados, conforme no texto constitucional de 1946, todos os poderes que não estiverem vedados pela Constituição, ou seja, os poderes residuais ou remanescentes, deu-se aos Estados competência para se organizarem de acordo com as suas Constituições e suas leis, mas impôs-se expressamente a obediência a certos princípios que deverão se ajustar obrigatoriamente aos padrões da Constituição, a saber: a) as garantias fundamentais[5] relativas à forma de governo, temporariedade das funções eletivas etc., que já existiam na Constituição de 1946; b) a forma de investidura dos cargos eletivos; c) o processo legislativo; d) a elaboração orçamentária e a fiscalização financeira; e) normas relativas aos funcionários públicos; f) a emissão de títulos da dívida pública fora dos limites da lei federal.
Alargou-se a competência da Constituição Federal, concentrando o poder federal no esquema federativo, o § 1º do art. 13 atribui aos Estados todos os poderes não conferidos pela Constituição à União e aos Municípios, dando a impressão de que deixa aos Estados a competência residual.
Infelizmente, a Constituição pouco deixou aos Municípios. fica com a União maior competência do que lhe caberá sob o regime de 1946. Na distribuição da competência federal coube também boa parcela à União, o que constitui, aliás, procedimento normal na evolução do sistema federativo, no sentido de um alargamento das áreas de interesse comum, e que abrange certos serviços essenciais à coletividade: energia elétrica, sistema de produção, telecomunicações, principalmente os grandes troncos, estradas de ferro, estradas de rodagem, etc. A União intervém nessas áreas, ora como planejador, ora articulador do sistema, ora como executor.
Mas é no setor econômico-financeiro que a presença da União é mais premente e solicitada, não somente no estabelecimento de uma política como na execução de planos nacionais ou mesmo regionais (art. 8º, XIII) de desenvolvimento.
República[6] é a forma de governo adotada pelo Brasil desde 1889, na qual o chefe de estado (Presidente da República) é eleito pelo povo, por tempo determinado, se diferenciando da monarquia. A palavra República vem do latim res pública, que significa coisa pública, portanto está relacionada à administração dos interesses públicos.
Cumpre lembrar que no Brasil, a Proclamação da República surgiu a partir de um golpe militar liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que depôs o Imperador Dom Pedro II, inaugurando a denominada Primeira República ou República Velha (1889-1930).
Já em 1930, novamente outro golpe de Estado permitiu a ascensão de Getúlio Vargas que, a pretexto de proteger o país da Intentona Comunista, instaurou uma ditadura, fechou o Congresso nacional, outorgou Nova Constituição (1937) e governou com poderes de emergência.
Na Assembleia Constituinte, instalada em 12 de dezembro de 1966, o projeto seria aprovado por Comissão Mista por treze votos a oito. Os representantes do MDB na comissão votaram contra o projeto, acusando-o de autoritário.
Em seguida, o projeto foi aprovado pelo plenário, e, na fase subsequente, recebeu número significativo de emendas, algumas das quais foram acolhidas pelas duas casas, mas nada que alterasse de forma mais substantiva o texto encaminhado pelo governo. Os prazos previstos no AI-4 foram rigorosamente cumpridos, e assim, em 24 de janeiro de 1967, promulgou-se formalmente a nova Constituição Federal, que entrou em vigor em 15 de março do mesmo ano (art. 189) — mesmo dia da posse do Presidente Costa e Silva.
Um dos traços peculiares da Constituição brasileira de 1967[7] foi a concentração do poder, tanto no sentido vertical, promovendo a centralização do pacto federativo. Como também, no sentido horizontal promovendo da hipertrofia do Executivo[8]. Não obstante haver a preocupação em preservar a fachada liberal, tendo em vista, por exemplo, o extenso capítulo de direitos e garantias individuais, inserido no artigo 150.
Considera-se que se tratava de um texto constitucional mais analítico composto por cento e oitenta e nove artigos. E, concernente à partilha espacial do poder, manteve-se o federalismo[9] bidimensional, ainda que com reduzido nível de descentralização política. A Constituição enunciou as competências da União (art.8), cabendo ao Estado-membro as remanescentes (art. 13, §1º), bem como a possibilidade de legislar supletivamente sobre determinados temas inseridos dentro da competência federal.
A autonomia dos Municípios, embora formalmente consagrada (art.16), foi esvaziada com a previsão de escolha de prefeitos das capitais e das estâncias hidrominerais pelo Governador do Estado, com a prévia aprovação da Assembleia Legislativa: e a dos prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional pelo Presidente da República. O federalismo foi fragilizado pela fórmula de repartição de competências e das receitas tributárias, que concentrou os recursos na União, induzindo os Estados à vassalagem política.
O Poder Executivo foi fortalecido, com a atribuição de competência para a edição de decretos com força de lei, em matéria de segurança nacional ou finanças públicas (art. 58). Estes decretos, que acabaram sendo usados para quase tudo, tinham vigência imediata, mas o Congresso podia aprová-los ou rejeitá-los em 60 dias, vedada a apresentação de emendas.
A ausência de deliberação implicava aprovação por decurso de prazo. Também no processo de elaboração das leis, estabeleceu-se que a não apreciação de projetos do Executivo em determinados prazos importava em aprovação por decurso de prazo. Portanto, ampliou-se o poder do Presidente no processo legislativo, às expensas do Congresso Nacional.
O mandato do Presidente da República seria de quatro anos e, as eleições presidenciais eram por delegados das Assembleias Legislativas (arts. 76, caput e ª1º, e 77, §1º). Cada Assembleia Legislativa indicava três delegados, e mais um por cada quinhentos mil eleitores inscritos no Estado. O Vice-Presidente da República que exercia também a função de Presidente do Congresso Nacional, era eleito pela mesma chapa do Presidente da República. Não havia a possibilidade de reeleição do Presidente para o mandato consecutivo (art. 146, alínea a).
O Poder Legislativo seguia o modelo bicameral, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado (art. 29)[10]. Na Câmara, os deputados federais eram eleitos por sufrágio direto e universal, pelo sistema proporcional, para mandatos de quatro anos (art. 41, caput e §1º). O número de deputados por Estado seria fixado em lei, “em proporção que não exceda de um para cada trezentos mil habitantes, até vinte e cinco deputados, e, além deste limite, um para cada milhão de habitantes” (art. 41, §2º), respeitado o número mínimo de sete deputados por Estado (art. 41, §4º).
Tratava-se de fórmula que favorecia os Estados menos populosos, onde a ARENA costumava ter desempenho superior ao MDB. Já o Senado Federal era composto por três representantes de cada Estado, eleitos diretamente, pelo sistema majoritário, para mandatos de oito anos, renovando-se a representação a cada quatro anos, alternadamente, por um ou dois terços (art. 43, caput e §1º).
A respeito do Poder Judiciário não se registrou mudanças significativas em referência à Constituição brasileira de 1946, com as alterações impostas pelo AI-2. As garantias da magistratura foram preservadas (art. 108), mas foram conservadas as cláusulas que excluíam da apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução, dentro os quais os emanadas por força de atos institucionais. A sistemática de controle de constitucionalidade[11], com as mudanças introduzidas pela Emenda Constitucional 16/1965[12], foi mantida.
O capítulo de direitos e garantias individuais era generoso apesar de insincero. E, no artigo 150 da Carta de 1967 estão presentes todos os direitos consagrados na Constituição de 1946, com acréscimos relevantes, mas que não galgaram nenhuma efetividade, tal como a imposição de respeito à integridade física e moral do detento e presidiário. O mesmo pode ser referendado sobre os direitos sociais conforme a previsão os artigos 158, 167, §4º e 169; quanto a ordem econômica não se deu grandes inovações, mantendo-se o caráter intervencionista e nacionalista que vinha orientado as constituições brasileiras desde de 1934.
A Constituição de 1967 era rígida[13], ainda que não fosse muito difícil a sua alteração. As propostas de emenda constitucional podiam ser apresentadas pelo Presidente da República, por um quarto dos membros da Câmara ou do Senado, ou por mais da metade das Assembleias Legislativas do Estados-membros, manifestando-se cada uma delas pela maioria de seus membros.
As emendas eram aprovadas pelo quórum de maioria absoluta, em duas votações sucessivas para cada casa do Congresso Nacional. E, não se admitia proposta de emenda tendente a abolir a federação ou a república, nem tampouco se aceitava a mudança do texto constitucional durante o estado de sítio[14].
Porém, tais regras sobre a reforma constitucional não tiveram qualquer eficácia. Quando o regime quis alterar a Carta de 1967, fê-lo sem nenhuma cerimônia, recorrendo ao odioso expediente da edição de atos institucionais: foram impostos outros 12 (doze) atos institucionais até o advento da Constituição de 1969, além de inúmeros atos complementares, que também repercutiram sobre a Carta.
Lembremos que Costa e Silva era adepto da linha dura das Forças Armadas brasileiras e, portanto, não gostava da Constituição brasileira de 1967 que, apesar de não primar pela democracia, impôs relevantes limites ao seu poder discricionário. E, durante o governo de Costa e Silva, deu-se o endurecimento no regime.
Mas, houve articulação e reações contra a ditadura militar vinda de diversos setores, como a oposição do movimento estudantil, promovendo protestos e manifestações de grande porte; greves de trabalhadores, reações de setores da Igreja Católica[15]. Surgiu, também a resistência armada ao governo militar.
A linha dura desejava enfatizar ainda mais a ditadura e, portanto, pressionava Costa e Silva a fazê-lo. E, o pretexto para a ação fora um discurso sem maior relevância proferido pelo então Deputado Márcio Moreira Alves[16] no Congresso Nacional que propunha boicote à parada cívica de sete de setembro e, ainda, sugeria, ironicamente, que as mulheres fizessem greve de sexo contra os militares enquanto durasse a repressão, conforme a peça Lisístrata de Aristófanes.
Os militares da época reagiram com enorme indignação e Presidente da República solicitou à Câmara de Deputados autorização para processar o parlamentar, por crime contra a segurança nacional. No entanto, a Câmara agiu com independência e rejeitou o pedido, em votação realizada em 13 de dezembro de 1968. A referida autorização era necessária em razão da imunidade formal conferida aos parlamentares pelo art. 34, §1º, da Constituição de 1967.
E, a reação foi imediata, pois ainda no dia 13 de dezembro, convocou-se uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, em que se aprovou a decretação do famigerado AI-5 E, das 23 autoridades presentes, todas se manifestaram a favor da medida draconiana, com exceção do Vice-Presidente Pedro Aleixo[17] que havia sugerido alternativa mais suave, ou seja, a decretação do estado de sítio. No mesmo fatídico dia, o AI-5 foi editado, juntamente com o Ato Complementar nº38, que colocava o Congresso Nacional em recesso, por tempo indeterminado. O Ato Institucional n. 5, de 1968, que foi, nas palavras de José Afonso da Silva, “o instrumento mais autoritário da história política do Brasil.
Entre todos os atos institucionais brasileiros editados durante a ditadura militar, sem dúvida, o AI-5 representou certamente o mais cruel e duro, pois permitiu que o Presidente da República decretasse o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores que só retornariam ao funcionamento quando fossem convocados pelo próprio Costa e Silva, transferindo-se, nesse momento, toda atividade legislativa para o Poder Executivo. Autorizou, ainda, o Presidente decretar livremente a intervenção nos Estados-membros e municípios, sem as limitações previstas no artigo 3º da Constituição vigente na época, possibilitou a suspensão de direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de dez anos, bem como a cassação de mandatos eletivos federais, estaduais ou municipais.
Ainda determinou a suspensão de direitos políticos o que implicava na proibição de atividades ou manifestações sobre assunto político e, podia ainda envolver a imposição de restrições à liberdade de locomoção. Suspendeu as garantias da magistratura e, possibilitou ao Presidente da República a demissão, remoção, aposentadoria ou colocação em disponibilidade de magistrados, bem como de servidores ou empregados públicos, bem como a demissão, reforma ou transferência para reserva de militares.
Autorizou que o Presidente suspendesse as liberdades de reunião e de associação, e que instituísse a censura (art. 9º). Suspendeu o habeas corpus para os crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular (art. 10), e excluiu a apreciação judicial de todos os atos praticados em seu nome (art. 11).
Tratava-se da cristalização, em documento jurídico, da ditadura nua e crua. Embora a Constituição de 1967 tenha sido formalmente mantida (art. 1º), dali para frente ela não teria mais qualquer força para limitar o poder.
Com base no AI-5, abriu-se um amplo ciclo de cassações de mandatos e expurgos no funcionalismo, que atingiu em cheio as universidades. Três Ministros do STF foram cassados — Victor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva e Hermes Lima —, e outros dois deixariam a Corte em solidariedade aos colegas.
A censura aos meios de comunicação se institucionalizou, atingindo também a atividade artística. Nada mais podia ser publicado ou veiculado que pudesse desagradar ao governo, ou que ameaçasse a moral tradicional e conservadora, de que os militares se faziam porta-vozes.
Embora não houvesse no AI-5 nenhuma autorização legal para tortura, desaparecimento forçado de pessoas ou assassinatos, tais práticas tornaram-se os métodos corriqueiros de trabalho das forças de repressão. Na oportuna e adequada expressão de Elio Gaspari[18], se até o AI-5 a ditadura era “envergonhada”, depois dele ela se tornou “escancarada”.
Com o AI-5, desfez-se completamente a expectativa de que a Constituição pudesse finalmente institucionalizar o regime. Evidenciou-se que o governo militar só seguiria o texto constitucional, se e quando isso lhe conviesse. Quando não lhe interessasse cumpri-la, bastava então editar novo ato institucional. E, de fato, seriam editados outros doze atos institucionais até a outorga da Constituição brasileira de 1969 do AI-6 e AI-17, impondo medidas diversas, tal como a mudança de Ministros do STF de 11 para 16 (AI-6) e a suspensão de eleições (AI-7).
Em agosto de 1969, o Presidente Costa e Silva sofreu derrame que o deixou paralisado, sendo necessário substituí-lo, mas os ministros militares não cogitavam em seguir as regras do jogo, que indicavam a sua sucessão pelo então Vice-Presidente Pedro Aleixo, que além de ser civil, deixou de ser que investiu os Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, respectivamente, Augusto Rademarker, Aurélio Lyra Tavares e Márcio de Souza e Mello na Chefia do Executivo, enquanto durasse o impedimento temporário do Presidente Costa e Silva. Enfim, desfechou-se um autêntico golpe dentro do golpe.
Dias depois, a Junta Militar decretou mais dois atos institucionais (o AI-13 que possibilitou o banimento de brasileiros que se tornassem inconveniente, nocivo ou perigoso à Segurança Nacional); e o AI-14 que estendeu a possibilidade de aplicação da pena de morte à guerra psicológica adversa, revolucionária ou até subversiva.
Finalmente em 14.10.1969 declarou-se a vacância de cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, e marcou-se as eleições indiretas para a escolha de sucessores para o dia 25 do mesmo mês. Até lá, a Junta Militar continuou à frente do governo brasileiro.
O Congresso, que estava de recesso desde a decretação do AI-5, foi convocado às pressas para referendar o nome do General Emílio Garrastazu Médici[19] — mais um da “linha dura” — que os militares já haviam escolhido. Antes disso, porém, os três Ministros militares outorgaram, em 17 de outubro de 1969, a Constituição de 1969.
A Constituição brasileira de 1969 foi outorgada pela Junta Militar que comandava o Brasil, sob a forma de Emenda Constitucional, a nº1. E, teve como fundamento jurídico da outorga, o AI-5 e o AI-16. O primeiro ato institucional estabelecia em seu artigo 2º, §1º, que, enquanto o Congresso Nacional estivesse em recesso, assim o Presidente da República poderia legislar plenamente e sobre todas as matérias.
E, o segundo ato institucional, em seu artigo 3º, que, até a posse do novo Presidente da República, a Chefia do Executivo seria exercida pelos Ministros militares. E, para justificar a medida afirmou-se “nos considerandos” da Carta outorgada, que em face os referidos atos institucionais, "a elaboração de Emendas à Constituição, compreendida no processo legislativo (art. 49, I), está na atribuição do Poder Executivo Federal.
Enfim, naqueles considerando, fora inserida um rol de preceitos constitucionais de 1967 que salvo emendas de redação, continuaram inalterados. E, em seguida, reproduziu-se integralmente o novo texto já com as mudanças incorporadas, que foram inúmeras. E, até o nome oficial do país foi alterado, de Brasil para um nome mais pomposo chamado República Federativa do Brasil, o que se mantém até os presentes dias.
É discutível em doutrina se o texto em comento realmente consubstanciou nova Constituição, ou se, ao contrário, representou simples Emenda Constitucional, conforme pareciam crer os seus autores. A segunda posição foi sustentada por alguns juristas mais próximos ao regime militar, mas a primeira, é certamente amplamente majoritária doutrinariamente.
De fato, não se tratou de apenas uma Emenda Constitucional, mas de Constituição se é que merece tal designação por ser norma editada de forma ilegítima. Não somente pela extensão de mudanças promovidas, como também pelo seu fundamento de validade. É que as emendas, tal como a emanação de um Poder Constituinte Derivado, possuem o seu fundamento na própria Constituição que modificam.
Porém, restou chamada de “Emenda Constitucional nº1”[20] e não foi outorgada com base na Constituição brasileira de 1967, mas sim, com fulcro em suposto poder constituinte originário da Revolução vitoriosa dos militares que se corporificava, nem se exauria nos atos institucionais editados posteriormente.
O sistema jurídico-normativo e as principais instituições da Carta de 1969, que coincidem, no geral, com as da Constituição de 1967. Assim, far-se-á apenas breves registros sobre as principais mudanças promovidas pela nova Carta Constitucional, que continha, na época de sua outorga, 201 artigos.
Ocorreram modificações relevantes no que tange ao funcionamento dos poderes e, o mandato presidencial foi ampliado de quatro para cinco anos. O Vice-Presidente deixou de acumular a função com a de Presidente do Congresso, como ocorria na Constituição de 1967. Doravante, o Congresso Nacional seria presidido pelo Presidente do Senado Federal.
Os poderes presidenciais brasileiros foram reforçados, com a ampliação da competência do Presidente, bem como das hipóteses de sua iniciativa privativa no processo legislativo. Na mesma linha, que se majorou o campo de incidência do Decreto-Lei, estabelecendo-se, ainda que a sua rejeição pelo Congresso Nacional não importava em nulidade de atos praticados durante a sua vigência.
Na seara do Legislativo, deu-se sensível redução de número de deputados federais, com a adoção de novos critérios para definição do quantitativo de parlamentares por Estado. As variações do número de deputados por Estado passaram a ser determinadas em razão da diferença, nos respectivos eleitorados, e não mais daquela entre o tamanho das populações.
A diminuição na representação também ocorreu nas Assembleias Legislativas, cujo número de deputados estaduais passou a estar atrelado à representação do Estado na Câmara de Deputados. Deu-se, igualmente, restrição à imunidade parlamentar material, que passou a excluir os crimes contra a honra ou contra a segurança nacional. Os militares não desejavam mais ter os dissabores como ocorreu o Deputado Moreira Alves.
Instituiu-se, ainda, a hipótese de perda de mandato por infidelidade partidária. Quanto ao Judiciária, o Carta de 1969 fixou em onze o número de Ministros do STF, mantendo a redução que fora fixada pelo AI-6. O Ministério Público, que, na Constituição brasileira de 1967, estivera inserido no capítulo pertinente ao Poder Judiciário[21], passou a constar da parte que disciplinava do Poder Executivo.
No campo dos direitos fundamentais, houve claros retrocessos. E, autorizou-se o legislador a condicionar o ingresso do cidadão em juízo à prévia exaustão das vias administrativas, criou-se nova restrição à liberdade de expressão, pela proibição de publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes, e incorporou-se à Constituição a possibilidade, estabelecida no AI-14, de imposição de pena de morte em outros casos além do de guerra externa.
Ampliou-se o prazo máximo de estado de sítio, afora os casos de guerra, de 60 para 180 dias e, diminuiu-se o quórum para o afastamento das imunidades parlamentares durante o seu interregno de 2/3 para maioria absoluta dos membros da casa legislativa respectiva.
Também se dificultou o processo de mudança da Constituição. Retirou-se o poder de iniciativa das Assembleias Legislativas e, a iniciativa de deputados e senadores, doravante só poderia ser deflagrada por 1/3 dos membros de cada casa e, não mais por 1/4 como ocorria com a Constituição anterior, a de 1967.
Por outro lado, o quórum para aprovação das emendas foi elevado, de maioria absoluta para 2/3 em cada casa (art. 48). A Carta de 1969 manteve expressamente o AI-5, bem como seus atos complementares (art. 182).
Porém, deixou entreaberta a porta de saída do regime de exceção, ao permitir que o Presidente, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, revogasse aquele malsinado Ato Institucional ou qualquer dos seus dispositivos (art. 182, Parágrafo único). Embora, como regra, tenha-se previsto a realização de eleições diretas para o cargo de Governador do Estado (art. 13 §2º), estabeleceu-se que seriam indiretos os pleitos para aquele cargo que ocorreriam em 1970, sendo as Assembleias Legislativas os colégios eleitorais (art. 189).
Na vida nacional, o impacto da Constituição brasileira de 1969 pode-se ser dividido em três momentos, o período de vigência da Carta de 1969, que corresponde aos chamados "anos de chumbo", abrange o governo Médici; o segundo momento quando se inicia progressivo e lento processo de distensão do regime do regime, ocorre durante os governos de Geisel e Figueiredo; e o terceiro momento, que começa com a derrota da ARENA nas eleições indiretas para a Presidência da República e a escolha de uma Presidente civil, transcorre durante o governo de José Sarney, já se encontrando finda a ditadura militar.
Novamente, à guisa de Costa e Silva, Médici também era um militar linha dura. E, seu governo correspondeu ao clímax da repressão durante a ditadura militar brasileira. E, a tortura generalizou-se e, saiu do controle até de lideranças do regime e da hierarquia militar. Enfim, a guerrilha fora derrotada e os focos de oposição ao governo, que completamente asfixiados.
E, foi implacável na censura dos meios de comunicação e às artes. E, em razão, de conjuntura externa favorável, o Brasil experimentou um período de grande crescimento econômico. Apesar de que isto não resultou em melhorias nas condições de vida da maior parte da população brasileira. Enfim, seguia-se um rígido receituário conservador que ditava que era preciso, primeiramente crescer o bolo, para somente depois, reparti-lo. Mas, a história confirma que a partilha do bolo nunca chegou realmente a ocorrer.
O tão afamado e capitalizado "milagre econômico" aliado à conquista do tricampeonato mundial de futebol na Copa do Mundo de 1970, o governo utilizou-se enormemente da propaganda ufanista para estigmatizar e perseguir seus opositores, e o slogan da época bem sintetizou tal tendência: Brasil, ame-o ou deixe-o.
"Brasil: Ame-o ou deixe-o!"[22], era usada por adultos e crianças, ostentada em objetos e nas janelas dos automóveis. "Brasil: AME-O", muitas empresas de transportes de valores utilizavam-na ostentada em seus veículos. "Quem não vive para servir ao Brasil, não serve para viver no Brasil".
O presidente da ARENA mandou baixar uma determinação aos candidatos do partido para que utilizassem como base de campanha eleitoral o êxito do futebol brasileiro Copa do Mundo, além de outras vitórias em todas as demais áreas do esporte. Foi aconselhada a associação das grandes realizações de governos anteriores às esportivas.
Durante o Governo de Médici, a Constituição de 1969 seria emendada por duas vezes. A primeira, foi a Emenda nº2 e foi promulgada em 9 de maio de 1972 e, previa eleições indiretas para os governadores dos Estados em 1974. Já a Emenda nº3, de 15 de junho de 1972, possibilitaria a posse de parlamentares federais nos cargos de Ministro de Estado, Secretário de Estado ou Prefeito de Capital, sem a perda dos respectivos mandatos.
Já em 15.01.1974, o Colégio Eleitoral escolheu o General Ernesto Geisel para a substituição de Médici, porém, diferentemente de seu antecessor, não era partidário da famosa linha dura. Dentro do arco ideológico militar situava-se mais no grupo moderado.
Assim, Geisel iniciou o processo de abertura, de forma lenta, gradual e segura do regime. Em 1973, ocorreram eleições parlamentares com relativa liberdade e, com excelentes resultados para oposição, que venceu no Senado, nas vagas em disputa e perdeu por pouco na Câmara dos Deputados, obtendo a formação de bancada suficiente para barrar propostas de emenda constitucional do governo.
Já no início de 1976, Geisel defrontou-se com a horda da linha dura militar, depois de dois casos de tortura e homicídio perpetrados pelas forças de repressão em São Paulo. O enfrentamento com os adeptos da linha dura se estendeu até 1977, quando Geisel demitiu o seu Ministro do Exército, Sílvio Frota[23], que planejava sucedê-lo[24] e chegou até tramar golpe para derrubá-lo do poder.
Certamente que existiram recuos e retrocessos na distensão do regime brasileiro. E, o processo de abertura atuava feito sístoles e diástoles, conforme afirmava uma das maiores lideranças do regime.
A expressão é de Golbery do Couto e Silva, uma das mais poderosas autoridades durante o regime militar, que também compunha o grupo dos “moderados”. Sístoles são as contrações dos músculos do coração, e diástoles os movimentos de distensão desses mesmos músculos.
A Carta de 1969 tinha previsto eleições diretas para governador, mas excepcionara as eleições de 1970 (art. 189), e, posteriormente, a Emenda Constitucional nº 2 também havia consagrado eleições indiretas para o mesmo cargo nos pleitos de 1974.
Entre as sístoles ditatoriais, a mais aguda foi o Pacote de Abril, imposto por Geisel em 1977. E, com o temor de haver novas derrotas eleitorais, e sem a base parlamentar suficiente para aprovar reformas constitucionais, o Presidente da República, em primeiro de abril de 1977, invocando os poderes do AI-5, decretou o recesso do Congresso Nacional, do qual se aproveitou para editar unilateralmente as Emendas Constitucionais nºs7 e 8.
A Emenda nº 7 alterou diversos dispositivos constitucionais atinentes ao Poder Judiciário. Dentre outras mudanças, criou a ação avocatória — que permitia ao STF, a pedido do Procurador-Geral da República, avocar qualquer causa em trâmite no país, quando houvesse “imediato risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas” (art. 119, I, alínea “o”) — bem como o Conselho Nacional de Justiça, órgão composto por sete Ministros do Supremo, com competência disciplinar sobre todo os órgãos judiciais (art. 120).
Já a Emenda nº 8, dentre outras medidas, perenizou as eleições indiretas para governadores de Estado (art. 13, §2º); estabeleceu números mínimos e máximos de deputados federais por unidade federativa (art.39, §2º), de modo a fortalecer a representação parlamentar dos Estados menos populosos, em que a ARENA era mais forte; determinou que 1/3 dos senadores seriam eleitos indiretamente nos Estados (art. 41, §2º); facilitou a aprovação de emenda à Constituição, reduzindo o quórum de 2/3 para a maioria absoluta dos congressistas (art. 48); e ampliou a mandato presidencial, de cinco para seis anos (art. 75, §3º) — norma que não se aplicaria ao próprio Presidente Geisel.
Não obstante essas previsões constitucionais, o processo de abertura democrática continuou e, outro fenômeno muito importante ocorreu que foi a reorganização da sociedade civil, que tinha no combate ao regime militar uma convergência. Assim, instituições como a OAB, ABI e a CNBB (Conferência Nacional de Bispos do Brasil) intensificaram a sua atividade reivindicatória em prol da democratização do país e do respeito aos direitos humanos. Surgia, em paralelo, no Brasil novo sindicalismo, mais combativo e independente daquele que existia na Era Vargas.
E, este se articulou sobretudo na região do ABC paulista, promovendo grandes greves como as dos anos de 1978 e 1979. Na contramão da abertura democracia, em na reação à esta, surgiram bolsões de direito radical nas Forças Armadas que se mostravam muito insatisfeitos com a abertura e, passaram a promover atos terroristas a partir do final dos anos setenta.
E, antes de encerrar o mandato presidencial, Ernesto Geisel propôs ao Congresso que aprovou, a Emenda Constitucional nº 11, revogando todos os atos institucionais e complementares. A Emenda nº 11 continha também uma novidade polêmica, que foi muito criticada pela oposição: introduzia a figura do “estado de emergência”, similar ao estado de sítio, que implicava a suspensão de diversas garantias constitucionais, e podia ser decretado pelo Presidente para “impedir ou impelir atividades subversivas”(art. 158).
Entre os militares, o escolhido para sucessão do General Geisel foi o General João Batista de Figueiredo que tomou posse em 15 de março de 1979 e, em seu mandato, deu continuidade ao processo de abertura democrática, aprovando a Lei de Anistia, que permitiu o retorno ao país de centenas de pessoas que haviam se exilado[25], ou simplesmente fugido para o exterior, dentre os quais, um dos mais relevantes líderes da esquerda, bem como decretou a libertação de inúmeros presos políticos.
Também foi aprovada a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, possibilitando a reorganização partidária sob bases mais pluralistas e democráticas. Esta deu fim ao bipartidarismo brasileiro e, permitiu a formação de partidos que até hoje ocupam o cenário brasileiro, tal como o PT, o PMDB, PDT e o PTB. Na sustentação do governo, a ARENA foi sucedida pelo PDS.
A Lei de Anistia envolveu aspecto que hoje é objeto de intensa controvérsia tanto política como jurídica. Apesar da ambiguidade do seu texto, ela foi editada visando a anistiar “os dois lados”, ou seja, a proteger também os responsáveis por graves violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura. Nos últimos tempos, esta dimensão da Lei de Anistia vem sendo justamente criticada, sob a alegação de que, ao assegurar a impunidade dos crimes da ditadura, ela violaria gravemente os direitos humanos[26].
Este aspecto da Lei de Anistia foi impugnado no STF por meio da ADPF nº 153, proposta pelo Conselho Federal da OAB, mas a Corte considerou que ele não ofenderia a Constituição de 1988 (Rel. Min. Eros Grau. DJe, 6 ago. 2010). Não obstante, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, seguindo a sua pacífica e reiterada jurisprudência na matéria, decidiu, no caso Gomes Lund versus Brasil, julgado em 14.12.2010, que a anistia às graves violações de direitos humanos cometidas no regime militar brasileiro afronta a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Apesar da salutar medida de abertura democrática, durante o mandato presidencial de Figueiredo, intensificou-se o terrorismo de direita, com a explosão de bombas e realização de sequestros.
E, o incidente mais famoso foi a tentativa de explosão de bomba no Riocentro[27], em 30 de abril de 1981, durante festival de música que contava com a presença de milhares de pessoas. Mas, a bomba acabou explodindo dentro do automóvel onde estavam os militares que a transportavam, sendo eles as únicas vítimas de atentado frustrado.
O governo permitiu que se abafasse o inquérito que apurava o caso, por meio de um inquérito instaurado pelo Exército, que confirmou na época uma absurda versão oficial dos fatos, isentando os militares vitimados de toda e qualquer responsabilidade do episódio e, pondo a culpa na esquerda.
Em 1980, com a edição da Emenda Constitucional nº 15 restabeleceu-se as eleições diretas para o cargo de Governador de Estado. E, em 1982, ocorreram as eleições gerais, em que a oposição ganhou o governo de nove Estados, dentre os quais São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e, ampliou muito a sua representação no Congresso Nacional.
Já em 1983 se iniciou o maior movimento popular da história brasileira, que foi a campanha pelas eleições presidenciais diretas. E, o Deputado Dante de Oliveira liderava a proposta de emenda para restituir as eleições diretas para a Presidência, já incidente na sucessão do então Presidente Figueiredo.
A missão era praticamente impossível, pois, desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 22/82, o quórum necessário para aprovar mudanças na Constituição voltara a ser o de 2/3 dos membros de cada casa.
No entanto, houve uma imensa mobilização popular, liderada por políticos da oposição e artistas de renome, que terminou em gigantescos comícios no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Em lamentável recaída autoritária, Figueiredo impôs estado de emergência em Brasília para impedir manifestações populares no dia da votação. No dia 25 de abril, a emenda é derrotada na Câmara dos Deputados: eram necessários 320 votos para aprová-la, num total de 479 congressistas, mas ela só obteve 298. Apesar da derrota, houve um grande saldo positivo na campanha das Diretas
Já, no sentido de engajamento cívico da população e de fortalecimento da sociedade civil. Plantaram-se ali algumas das sementes que germinariam, poucos anos depois, na Assembleia Constituinte de 87/88.
As eleições presidenciais de 1985 mais uma vez foram indiretas, mas daquela vez, os militares não tiveram o controle sobre o processo. O PDS que ainda tinha a maioria no Colégio Eleitoral, em disputada convenção realizada em ambiente tenso e de conflitos internos, escolheu como candidato o Deputado Paulo Maluf sobre o qual pesavam graves acusações de corrupção e improbidades.
Enquanto que a oposição lançou o nome de Tancredo Neves, político experiente e moderado. No PDS ocorreu uma cisão, pois um expressivo número de políticos não aceitava a candidatura de Maluf, criando a Frente Liberal, que mais tarde, daria origem ao PFL. E, passaram então apoiar o nome de Tancredo Neves para as eleições indiretas, fornecendo-lhe um candidato a Vice-Presidente: José Sarney.
Apesar de serem as eleições indireta, deu-se grande pressão polar em favor de Tancredo Neves e, em 15.1.1985, reuniu-se o Colégio Eleitoral que consagrou a vitória arrasadora da chapa de Tancredo Neves que recebera 480 votos contra os 180 de Maluf.
Por uma trágica fatalidade, Tancredo adoeceu gravemente e veio a falecer mesmo antes de tomar posse e, num momento de grande comoção popular, a Presidência da República fora assumida por José Sarney. Muito contrariado Figueiredo[28], resolveu não transmitir o cargo para seu sucessor, e literalmente, saiu do governo pela porta dos fundos do Palácio do Planalto. Esse foi o fim melancólico do regime militar brasileiro.
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