O direito do preso militar a comunicação e a ilegalidade do artigo 17 do Código de Processo Penal Militar

10/03/2021 às 13:46
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O presente trabalho tem por objetivo destacar a ilegalidade do artigo 17 do Código de Processo Penal Militar, em que é tratado a incomunicabilidade do preso militar, confrontando-o com a Constituição Federal e legislações pertinentes.

RESUMO- O presente trabalho tem por objetivo destacar a ilegalidade do artigo 17 do Código de Processo Penal Militar, em que é tratado a incomunicabilidade do preso militar, confrontando-o com a Constituição Federal e legislações pertinentes. Sendo utilizado o método de Revisão Bibliográfica, através de pesquisas na rede mundial de computadores, onde a pesquisa teve como base trabalhos, artigos científicos e publicações em sites renomados. Como resultado já esperado, a pesquisa se tornou muito complexa, visto ser um assunto não muito debatido e estudado atualmente, onde foram necessárias várias horas de pesquisas na internet para obter materiais análogos ao debate proposto. Através deste, concluiu-se a ilegalidade do artigo supracitado, visto sua dissimilitude com a Constituição Federal, nas suas garantias e preceitos fundamentais, sendo imprescindível sua análise para posterior alteração e retirada, garantindo assim a comunicação do preso militar, algo indispensável no estado democrático de direito.

PALAVRAS-CHAVE: Código de Processo Penal Militar. Incomunicabilidade do preso militar. Artigo 17. Comunicação. Ilegalidade. Estado democrático de direito.

 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal Brasileira é nítida, quando cita que todos somos iguais perante a lei. Porém, quando se refere ao assunto Direito Militar, a pesquisa por estudos, artigos, trabalhos e outros instrumentos do gênero, se torna muito árduo. Visto ser um assunto não muito debatido, levando a acreditar que não há direitos inerentes aos militares.

O preso militar necessita de uma atenção maior, principalmente quando seus direitos fundamentais são infringidos, inclusive o privando do contato com a sociedade, ficando a mercê de uma ‘pessoa’ que poderá decidir se este militar pode ou não ter acesso a um direito inerente a todos os presos, o direito a comunicação.

Por conseguinte, o presente trabalho visa expor a ilegalidade do artigo 17 do Código de Processo Penal Militar, onde o mesmo declara que o preso militar poderá ficar incomunicável por até 3 dias, a depender do entendimento do encarregado do presente inquérito.

Consoante à nossa Constituição Federal e ao entendimento jurisprudencial, o preso militar goza dos mesmos direitos do preso comum, tendo estes como amparo a Lei de Execuções Penais. Desta forma, seus direitos fundamentais devem ser respeitados, e este não deve ser privado da comunicação com o mundo exterior, configurando assim, uma grande afronta ao que manifesta a jurisdição brasileira.

Isto posto, objetiva-se exteriorizar os direitos que o preso militar detém desde o momento da sua prisão até o seu julgamento com trânsito em julgado e que sua comunicação não deve ser privada em nenhum momento, não ficando à mercê de uma só pessoa o seu direito constitucional.

Este estudo apresenta uma colossal relevância e importância para o meio jurídico, ao tempo que direitos fundamentais de uma pessoa, no caso exposto, do preso militar, então sendo cerceados, e por ser uma assunto que não é amplamente divulgado, tampouco recorrente na sociedade, acaba por ser deixado de lado e esquecido por uma grande gama de estudiosos e juristas, chegando a crer em alguns momentos, que militares não merecem usufruir dos mesmos direitos da população civil.

Por fim, foi utilizado a metodologia Revisão Bibliográfica, através de pesquisas na rede mundial de computadores, onde a pesquisa teve como base trabalhos, artigos científicos e publicações em sites renomados. A pretexto de ser um assunto não amplamente debatido e estudado, sua pesquisa por outras fontes se tornou muito difícil e em alguns casos não encontradas.

1 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988  

Nossa constituição, promulgada em 1988, serve como norte para todas as demais leis criadas e que estão em projetos, incluindo nestas o código civil, código penal, dentre outras. Conhecida como a nossa Carta Magna, nela contém todos os direitos, deveres, princípios fundamentais, e muitos outros temas relacionados a estrutura do território nacional.

Com destaque, os direitos fundamentais do homem, amplamente amparados e não devendo ser desrespeitados, de acordo com a constituição brasileira.

1.1 OS DIREITOS DO PRESO

O preso tem assegurado pela Constituição Federal (CRFB) o respeito a integridade física e moral, e não poderá ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

Afinal, todos somos iguais perante a Lei, como preceitua a CRFB em seu artigo 5ª, inciso XII:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...] (BRASIL,1988).

De acordo com a Procuradoria Geral do estado de São Paulo, constituem os direitos básico dos presos:

a) Direito à alimentação e vestimenta fornecidos pelo Estado; b) Direito a uma ala arejada e higiênica; c) Direito à visita da família e amigos; d) Direito de escrever e receber cartas; e) Direito a ser chamado pelo nome, sem nenhuma discriminação; f) Direito ao trabalho remunerado em, no mínimo, 3/4 do salário mínimo; g) Direito à assistência médica.; h) Direito à assistência educacional: estudos de 1º grau e cursos técnicos; i) Direito à assistência social: para propor atividades recreativas e de
integração no presídio, fazendo ligação com a família e amigos do preso; j) Direito à assistência religiosa: todo preso, se quiser, pode seguir a religião que preferir, e o presídio tem que ter local para cultos; l) Direito à assistência judiciária e contato com advogado: todo preso pode conversar em particular com seu advogado e se não puder
contratar um o Estado tem o dever de lhe fornecer gratuitamente.(SÃO PAULO,2020)

Destarte, temos como um dos direitos básicos o direito a visitas de parentes, amigos, defensor público, ou de quem o preso desejar.

1.2 O DIREITO DO PRESO À COMUNICAÇÃO

Encontra-se previsto no inciso LXII, artigo 5ª da CRFB: “LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;” (BRASIL,1988). Ou seja, não devendo ser cerceado o direito de comunicação do preso desde o momento de sua prisão, conforme trecho explanado abaixo:

O presente inciso materializa um dos direitos dos cidadãos a partir do momento da prisão. Nesse sentido, estamos falando sobre a comunicação da prisão ao juiz competente e à família ou a pessoa indicada pelo preso. Dessa forma, a Constituição Cidadã demonstra, por meio desse e de outros de seus princípios, o que ela se propôs desde o seu início – a reinstauração de um regime democrático na República Federativa do Brasil, no qual direitos dos cidadãos situam-se em primeiro lugar.

Isso se justifica porque existe um sistema processual em vigor projetado para que as pessoas tenham a oportunidade de responder a qualquer tipo de acusação de maneira justa e coerente, ou seja, com o direito de defesa e um tratamento digno, respeitando os preceitos fundamentais da Constituição Federal. Considerando que a prisão é a privação da liberdade de uma pessoa – um direito garantido pelo ordenamento jurídico brasileiro – a prisão – não deve ser utilizada sem os procedimentos previstos em lei para legitimá-la, o que, inquestionavelmente, deve compreender o direito do cidadão reagir contra o ato da autoridade estatal. (RODRIGUES; SILVEIRA, 2020). 

Ainda, de acordo com Thalyta Martins Carvalho, alude em seu trabalho que:

A liberdade trazida pela Constituição Federal do Brasil em seu rol de direitos fundamentais é o corolário do Estado Democrático de Direito. Contudo, tal garantia também apontada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, não é ilimitada, pois sofre restrições necessárias aos direitos e interesses da coletividade, sobretudo no cárcere.

A princípio tem-se que o preso não perde nenhum direito incompatível com a perda de sua liberdade de “ir e vir” por estar sob custódia do Estado em um estabelecimento prisional. Ou seja, a rigor ele não está isolado do mundo exterior, no tocante a difusão de seus pensamentos, a receptação de informações e a comunicação com seus semelhantes, podendo receber visitas, ler livros, jornais e cartas. (CARVALHO, 2020).

Em suma, o direito a comunicabilidade do preso é inerente a ele desde o começo da sua prisão até o fim do cumprimento da pena, não devendo este direito ser refutado, sob pena de responsabilização aos que negarem tal feito.

2 DIREITO MILITAR

De acordo com Barreto Filho (2013), a história do Direito Militar, teve suas origens com a chegada da família Real portuguesa ao Brasil no ano de 1808. Com a presença da família real, alguns benefícios foram incorporados à pátria que nascia, podendo citar a Guarda Real, Biblioteca Nacional e o Jardim Botânico. A família Real era protegida por um Corpo Militar proveniente de Portugal, baseado nos princípios da hierarquia e disciplina, assim sendo, foi necessário a criação de organismos para efetuarem o controle dos desvios de condutas e das infrações cometidas pelo corpo militar que se concebia. Com a formação da estrutura do Estado, com sede no Rio de Janeiro, por ato do Príncipe Regente D. João VI foi criado em 01/04/1808 o Conselho Supremo Militar e de Justiça, com atribuições administrativas e judiciárias. Este conselho posteriormente deu origem ao que seria conhecido como Tribunal Superior de Justiça no Brasil.

Ainda, conforme Barreto Filho:

Portanto, no curso da história brasileira a Justiça Militar se apresenta como necessária e se confunde com momentos políticos importantes. As edições dos Códigos Penal Militar e Processo Penal Militar vem dispor de forma clara e incontestável que o crime militar tem um colorido próprio e precisa ser interpretado por pessoas que lidam com o assunto, para que haja a aplicação da lei em seus limites próprios, sem corporativismos ou protecionismos. (BARRETO FILHO, 2013).

Conforme supracitado acima, o direito militar merece uma atenção especial, principalmente por pessoas que lidam e conhecem do assunto, para que haja uma correta aplicação das leis, dentro de seus limites.

2.1O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR

Por volta dos anos de 1885, criou-se o Regulamento Processual Criminal Militar, onde no ano de 1920 este fora substituído, e repetidamente em 1922, alterando neste ano o seu nome, sendo conhecido por Código de Justiça Militar, outra vez, por força de um decreto, com o comando do Presidente Getúlio Vargas, o código foi substituído, onde neste mesmo ano, através da carta constitucional, passou a integrar a estrutura do poder judiciário. Com a vinda da Constituição de 1946, o nome que antes era chamado de Supremo Tribunal Militar passou para Superior Tribunal Militar, pois não poderia haver dois supremos. No ano de 1969, mais uma vez, o código foi revogado pelo então Código de Processo Penal Militar (CPPM) e pela Lei de Organização Militar, que perduram até os dias de hoje.

Em suma, o então CPPM tem como incumbência a aplicação da legislação penal militar. Sob o Decreto-lei 1002 de 1969, correspondente ao atual Código de Processo Penal Militar, este, possuindo as normas do direito processual brasileiro. Consequentemente, o presente decreto estabelece os procedimentos ordinário e especial que necessitam ser respeitados durante o andamento dos processos ante a Justiça Militar da União e a Justiça Militar do Estado.

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2.2 OS DIREITOS DO PRESO MILITAR

Após muitas pesquisas sobre o assunto na rede mundial de computadores, foi possível deslindar uma decisão do Tribunal de Justiça de Roraima, na qual se tornou uma jurisprudência:

HABEAS CORPUS POLICIAL MILITAR PRISÃO CAUTELAR EM QUARTEL CONDENAÇÃO RECORRÍVEL TRANSFERÊNCIA PARA O SISTEMA PENITENCIÁRIO IMPOSSIBILIDADE PRERROGATIVA PREVISTA NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR RISCO DE VIDA DO PACIENTE SE TRANSFERIDO PARA UNIDADE PRISIONAL ART. 40 DA LEP ORDEM CONCEDIDA. I. Aos policiais militares é garantido o direito à prisão especial, nos termos do art.242, do Código de Processo Penal Militar, até o trânsito em julgado da condenação; II. Prevê o art. 40 da LEP: Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios; II. Ordem concedida. (TJ-RR,2012, on-line)

Da presente jurisprudência, que foi concebida a favor do Policial Militar, visando a garantia de seus direitos como preso, a relatora invocou a Lei de Execuções Penais, garantindo assim o pedido formulado. Desta forma, realça que o preso militar incorpora todos os direitos que foram aludidos na subseção 1.1 quanto aos direitos do preso que não seja militar.

2.3 O ARTIGO 17 DO CODIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR

Assevera o artigo 17 do presente código que: “O encarregado do inquérito poderá manter incomunicável o indiciado, que estiver legalmente prêso, por três dias no máximo.” (BRASIL,1969).

Em outros termos, o direito do preso militar fica a depender da boa vontade do encarregado. Isto é considerado uma ignomínia para o meio jurídico, para os direitos individuais, os princípios e garantias elencados na Constituição Federal.

Fica explicitamente exposto o quão medieval é este artigo, datado de 1969, e que não sofreu nenhuma alteração até então. Podendo ser notado inclusive através da escrita, onde a palavra ‘prêso’ ostenta uma escrita que não é mais usual pela Língua Portuguesa Brasileira há vários anos. Ademais, o CPPM com sua vigência iniciada antes da Constituição Federal de 1988, expõe muitas afrontas a esta, devendo ser revisto por toda sua extensão principalmente quando concerne a direitos individuais que rotineiramente são oprimidos.

3 CONCLUSÃO

Fica evidentemente claro as afrontas constitucionais aos direitos dos presos militares, e que estes direitos estão sendo mitigados com base em um código que entrou em vigor antes da Constituição Federal de 1988.

O seu direito a comunicação não deve ser suprimido, tampouco baseado em uma decisão de uma só pessoa. Os presos militares possuem os mesmos direitos que os presos civis, com base em entendimentos jurídicos e amparado por diversos fundamentos e garantias constitucionais.

O artigo 17 do presente Código de Processo Penal Militar deve ser imediatamente revisto e abolido, se adequando aos tempos modernos e como sempre houvera de ser, em que todos são iguais perante a lei, merecendo assim, o devido respeito por parte da legislação pertinente.

O direito a comunicação é importante e essencial para o correto andamento e cumprimento do devido processo legal e, afim de que o direito de defesa seja empregado corretamente. Garante-se assim, ao preso militar, com alicerce constitucional e sem supressão de direitos, o que preconiza a Constituição Federal Brasileira.

4REFERÊNCIAS

BARRETO FILHO, Jordelino Rodrigues. A HISTÓRICA JUSTIÇA MILITAR BRASILEIRA. 2013. Disponível em: http://site.fenord.edu.br/revistaaguia/revista2013/textos/artigo%2007.pdf. Acesso em: 10 dez. 2020.

BRASIL. Código de Processo Penal Militar. Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1002.html. Acesso em: 11 dez. 2020

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico, 1988.

CARVALHO, Thalyta Martins. O direito do preso a comunicação e informação e a incompatibilidade do art. 50, inciso VII da Lei de Execuções Penais. 2020. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/o-direito-do-preso-a-comunicacao-e-informacao-e-a-incompatibilidade-do-art-50-inciso-vii-da-lei-de-execucoes-penais/. Acesso em: 10 dez. 2020.

RODRIGUES, Bianca Lopes; SILVEIRA, Matheus. DIREITO DE COMUNICAÇÃO DA PRISÃO. 2020. Disponível em: https://www.politize.com.br/artigo-5/inciso-lxii-direito-de-comunicacao-da-prisao/. Acesso em: 10 dez. 2020.

SÃO PAULO. PROCURADORIA GERAL DO ESTADO. Diretos em Geral. Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/presos/parte1.htm. Acesso em: 10 dez. 2020.

TJ-RR. Habeas Corpus: HC 0000120000120. Relatora: DESª. Tânia Vasconcelos Dias. DJ: 18/02/2012. JusBrasil, 2012. Disponível em: https://tj-rr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/294612775/habeas-corpus-hc-120000120/inteiro-teor-294612795. Acesso em: 11 dez. 2020.

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