Polícia fecha mineradora de bitcoins do PCC

11/03/2021 às 00:14
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A Rede TV tem o programa Operação de Risco, em parceria com a Polícia Militar de São Paulo, onde transmitiu em setembro de 2020 o quadro intitulado “Polícia Militar fecha mineradora de bitcoins do PCC”

Polícia fecha mineradora de bitcoins do PCC

 

A Rede TV tem o programa Operação de Risco, em parceria com a Polícia Militar de São Paulo, onde transmitiu em setembro de 2020 o quadro intitulado “Polícia Militar fecha mineradora de bitcoins do PCC”. Uma cópia da gravação pode ser acessada no canal desta emissora, com link nas referências.

 

O quadro começa com a equipe de no mínimo 5 policiais deslocando-se a uma casa familiar, em bairro desconhecido, segundo o policial condutor para “averiguar uma denúncia (do disk-denúncia), de um indivíduo filiado a uma facção criminosa [...] e também possui armas na residência dele e também drogas, segundo a denúncia”; deve ter sido uma denúncia anônima, pois ao final, nada encontraram de drogas ou armas.

 

Ato contínuo, esta equipe policial acaba invadindo a residência, fato ao qual não nos interessa neste momento, se uma simples denúncia (provavelmente anônima), sem mandado judicial, pode servir de suporte para invasão domiciliar.

 

O que nos assombra é o que ocorre dentro da residência; embora não tenham encontrado ninguém na casa, nem armas e nem drogas, acharam algo interessantíssimo num dos quartos: vinte máquinas ASICs de mineração de (provavelmente) bitcoin. Digo provavelmente, pois apenas em meados de 2020 os engenheiros conseguiram desenvolver uma ASIC capaz de minerar o algoritmo ethash (também conhecido por Dagger-Hashimoto), das moedas ether.

 

Logo adiante - nas imagens - dá para ver algarismos em mandarim (apontando provável fabricação chinesa), acompanhada das letras M3, o que nos leva a crer (em conjunto com imagens facilmente obtidas na internet) se tratar da ASIC MicroBT Whatsminer M3, modelo ainda viável economicamente para locais de energia gratuita ou muito baixa, já que este modelo gasta muita energia e minera (relativamente) pouco bitcoin. Gera aproximadamente US$ 4,60/dia cada máquina, segundo o site Asic Miner Value.

As 20 máquinas (que ao final foram apreendidas) minerariam - se colocadas em funcionamento - aproximadamente US$ 92,00 por dia.

 

Voltando a cena fatídica, rapidamente eles - os PMs - identificaram que se tratava de uma máquina mineradora de bitcoin. Logo em seguida, ouve-se vozes dos PMs que identificaram uma câmera espiã, com a explicação do policial que “ele [o proprietário] está acompanhando ao vivo o prejuízo”. Grande golpe estes PMs estão dando no PCC!

 

Em seguida, o tenente responsável (vamos poupá-lo de divulgar seu nome, quem quiser saber pode verificar nas referências) explica que “possivelmente eles estão fazendo a lavagem do dinheiro; Que eles utilizam o equipamento, que é muito avançado para eles”.

 

Continua: “Eles injetam dinheiro na máquina, fazem a compra do bitcoin, e faz armazenamento dele. É uma estratégia para lavar o dinheiro. Uma máquina dessa, não dá para saber nem o quanto de valor que tá acumulado nela. Cada máquina dessa pode estar acumulado milhões de reais.”

 

UAU!!! Uma única equipe da PM - averiguando denúncia anônima - achou 20 máquinas ASICS, e em cada uma delas está acumulado milhões de reais. Se são milhões de reais, são mais de 1, logo, no mínimo 2 milhões em cada uma, o que seria 40 milhões no total! Uma das maiores apreensões da PM e um duro golpe no PCC!

 

Eles acabam por levar as máquinas para a delegacia, para - segundo o policial, bem empolgado com o achado: “ver o quanto que tem em cada máquina, para fazer um levantamento de todo o valor que tem nelas; foi um golpe bem duro contra eles, foi um golpe muito duro no crime organizado”.

 

Continuando, com questionamento do repórter que acompanhava a ação, o tenente responsável tirou algumas fotos e encaminhou para um “especialista” avaliar, ao que nosso oficial continua explicando, após receber instruções do “especialista”: “da noite para o dia consegue praticamente dobrar o valor” e que esta máquina gira em torno de “um milhão ou dois por dia”. Incrível mesmo esta máquina, é só injetar dinheiro nela que ela dobra nas noites.

 

Ou seja, concluindo até agora, cada máquina tem milhões dentro dela, e da “noite para o dia” elas conseguem dobrar! Nossa, isto é realmente incrível.

 

Continuando, eles efetuam a apreensão e encaminham para o delegado plantonista, a quem caberá instaurar os inquéritos para averiguação.

 

Esclarecimentos

Bem, a partir de agora, vamos ver os absurdos cometidos pelos nossos policiais.

 

Primeiramente, vamos pontuar e - tentar - esclarecer algumas passagens:

 

  1. “ele [o proprietário] está acompanhando ao vivo o prejuízo”

 

Realmente o responsável pelas máquinas poderia estar sim acompanhando ao vivo, pois a câmera em questão é espiã (em forma de lâmpada), que - segundo informações facilmente localizáveis - tem visão noturna e sensor de movimento, que alerta diretamente no celular, email, whatsapp, qualquer movimentação no local.

 

Sorte dos policiais que não havia no lugar algumas armadilhas, bombas, gases nocivos, dispositivos de choque e de repulsão, instalado por este proprietário. Risco altíssimo eles correram acessando sem autorização este local, pois estas máquinas são caríssimas e geralmente contam com forte esquema de inteligência na segurança. 

 

  1. “possivelmente eles estão fazendo a lavagem do dinheiro;

 

É impossível se fazer lavagem de dinheiro com máquinas ASICs, eis que estas máquinas apenas mineram os bitcoins, entregando o resultado de seu trabalho imediatamente para as pools de mineração, que 100% delas são online.

 

É lógico que elas são online, pois existem milhões destas máquinas, e estão todas buscando quebrar os blocos de criptografias de bitcoins, e quando uma determinada pool quebra o bloco, isto é comunicado a todas as outras pools, para partirem para outro trabalho. As principais pools mundiais são F2Pool,  Poolin, Antpool, ViaBTC, Huobi.pool, Btc.top, SlushPool (segundo dados oficiais da Blockchain, acessado em https://www.blockchain.com/pt/pools).

 

Se os criminosos fazem lavagem de dinheiro com bitcoin - e isto é possível - eles o fazem em outros meios (corretoras, hard wallet), assim como podem fazer com dolar, real, euro, ouro, petróleo, empresas e contratos fictícios, etc. As ASICs não se prestam nem um pouco para isto.

 

  1.  Que eles utilizam o equipamento, que é muito avançado para eles”.

 

As ASICs são e não são tecnologia muito avançadas, depende do observador. Para quem pouco estudou é sim, muito avançada. Mas estas máquinas estão no mercado desde pelo o menos 2012 (segundo Academy Bit2me, acessado em https://academy.bit2me.com/pt/quem-s%C3%A3o-mineiros-asic/ ) e são conhecidas de qualquer técnico de informática há alguns anos.

 

A conclusão a que estamos chegando é que nosso oficial militar é que precisa se informar de tecnologia.


 

  1. “Eles injetam dinheiro na máquina”

 

Talvez o maior erro cometido na declaração, pois é fisicamente impossível “injetar” milhões de reais na máquina ASIC. Mesmo que ela viesse vazia, apenas o gabinete metálico, o máximo que caberia seria alguns poucos milhares de reais.

 

Mas provavelmente estas máquinas estavam completas, eis que podemos notar inclusive as fontes. Dentro delas só havia processadores, cabos, capacitores, placas, CIs; nem um centavo de nenhuma moeda, nada mesmo, certeza absoluta. Nem bitcoin tinha nelas, nas memórias.

 

  1. “fazem a compra do bitcoin, e faz armazenamento dele”

 

Novamente, a ASIC não se presta para comprar bitcoin ou mesmo armazená-los. Elas apenas processam à semelhança de um notebook, pc, celular, só isto e nada mais.

 

Para comprar bitcoin, o procedimento é um: procurar quem tem à venda. Geralmente nas corretoras, igualzinho às ações das bolsas de valores.

 

Para armazená-los, pode-se utilizar os serviços das corretoras também, mas existem empresas especializadas em armazenamento web de carteiras; existem também as hard wallets (dispositivos à semelhança de pendrives para guardar as chaves de acesso às carteiras), assim como as steel wallets, para gravar no aço as chaves de acesso às carteiras.

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Pode-se armazenar (as chaves dos) bitcoins também em folhas de papel ou arquivos simples de computador, embora estas duas opções sejam extremamente frágeis.

 

  1. “É uma estratégia para lavar o dinheiro”

Sem lógica lavar dinheiro com uma máquina de simples processamento, impossível.

 

  1. “Uma máquina dessa, não dá para saber nem o quanto de valor que tá acumulado nela. Cada máquina dessa pode estar acumulado milhões de reais.”

Dá sim para saber com absoluta certeza quanto tem de dinheiro dentro dela: ZERO!

  1. foi um golpe bem duro contra eles, foi um golpe muito duro no crime organizado”

 

Na verdade, apenas pelos elementos apresentados na reportagem, inexiste relação com crime organizado, podendo ser um golpe muito duro num pai de família, num cidadão brasileiro.

 

  1. “da noite para o dia consegue praticamente dobrar o valor” e que esta máquina gira em torno de “um milhão ou dois por dia”

 

Esta máquina apenas processa algoritmos visando quebrar a criptografia do bitcoin, não dobra nem um tipo de valor, muito menos gira um milhão ou dois por dia. A produção de cada uma é de aproximadamente US$ 4,60 segundo o site Asic Miner Value, ou seja, muito longe dos milhões do nosso tenente


 

Para concluir, primeiramente vejo como um crime a invasão de um domicílio sem embasamento jurídico forte. Outro crime é pilhar os bens do cidadão sumariamente - mesmo que estes sejam entregues às delegacias - onde leva-se anos para raríssimas devoluções.

Tão sem nexo fica esta parte pela parte do cidadão, que vejamos, imaginemos no lugar dele: ele chegará em casa, encontrará as portas arrombadas, e seu cofre com suas máquinas ASIC ausentes. Quem fez isto? Algum ladrão? Será que os policiais deixaram pelo o menos um aviso para ele dirigir-se à delegacia?

 

É um golpe duro contra a segurança jurídica ter seus bens pilhados pelas forças de segurança. Assemelha-se a relatos vindos de forças das mais cruéis e perversas, que apropriam-se de bens dos cidadãos sem o devido processo legal. Sem contraditório, sumarissimamente.

 

Dá até vergonha alheia ver os oficiais falando este tipo de coisa sem nenhum estudo e bem, bem longe da tecnologia da máquina. Caberia a Polícia Militar do Estado de São Paulo - e fica aqui o alerta - solicitar a remoção deste tipo de conteúdo o mais rápido possível.

 

A vergonha que gera nossos agentes públicos é tão grande, que ao ver pela primeira vez as cenas, o espectador teme inclusive pela segurança dos próprios policiais, explico: eles tiveram muita sorte do proprietário não ter instalado e/ou ativado repulsores de ladrões dentro do imóvel, tais como cercas e outros dispositivos elétricos, dispositivos de gases, sirenes ou até mesmo armadilhas perigosas.

 

O que fica mais escancarado na reportagem é que a PM paulista está precisando com a máxima urgência melhorar os cursos e treinamento dos policiais, para que aprendam um pouco sobre informática e novas tecnologias, assim como não entrar nas casas sem mandado judicial ou flagrante delito. E, em se tratando de Brasil, não temos como acreditar se tratar de um caso isolado, que apenas este policial específico está por fora do bitcoin. Provavelmente algo perto da totalidade deles - incluindo altos oficiais - estão alheios às mudanças financeiras promovidas pelas moedas digitais.

 

Por fim, este é o único caso conhecido de máquinas mineradoras pilhadas, ops, apreendidas no Brasil, o que mostra que seus proprietários utilizam esquemas e inteligência de segurança muito mais avançados que os utilizados pelas forças de segurança pública.


 

Rede TV, Programa Operação de Risco, Polícia Militar fecha mineradora de bitcoins do PCC, podendo ser acessado em https://www.youtube.com/watch?v=E1YvEXYpgqQ

Asic Miner Value, especificações da ASIC MicroBT Whatsminer M3, que pode ser acessado em https://www.asicminervalue.com/miners/microbt/whatsminer-m3

 

Sobre o autor
Daniel Tiago Inácio Salina

Doutorando em ciências jurídicas, servidor (TRE-AM)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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