No processo civil comum costuma-se dividir legitimidade em legitimação ordinária, pela qual a pessoa cujo direito foi violado, isto é, lesada, será responsável por postular em juízo a reparação daquela violação, como por exemplo, numa ação de perdas e danos ou repetição de indébito.
Quando se leva essa legitimação para a seara da ação coletiva, a legitimidade ganha maior destaque e relevância na medida em que o legislador conferiu a certos entes, a atribuição para perquirir em juízo defesa em nome da coletividade, seja grupo, classe ou categoria. Chama-se essa legislação de extraordinária ou anômala.
Por esta, entende-se aquela a qual o Estado não leva em conta a titularidade do direito material para atribuir a titularidade da sua defesa em juízo, permitindo que sua defesa seja feita por quem não seja o próprio titular do direito material, ou, nas palavras de Mazzilli, “por quem não seja o titular exclusivo desse direito”[1].
A legitimação extraordinária ou anômala por ser exceção, está adstrita aos termos da lei, e ocorrerá nas seguintes hipóteses: a) quando, em nome próprio, alguém esteja autorizado a defender direito alheio (na substituição processual); b) quando, numa relação jurídica que envolva vários sujeitos a lei permite que um só dos integrantes do grupo lesado defensa o direito de todos (ex.: obrigações solidárias).
Cabe aqui diferenciar a substituição processual da representação processual, sendo a primeira alguém sem estar na qualidade de procurador ou mandatário comparece em nome próprio em juízo para defender direito ou interesse alheio, e temos como exemplo o gestor de negócios e o curador especial. Por representação, entende-se aquele que defende interesse alheio em nome daquele que o outorgou. Na legitimação extraordinária como se pode notar pela diferenciação exposta, ocorre a substituição processual, dada a peculiaridade do interesse objeto de litígio, sendo lhe inviável sua reparação se restrito à legitimação ordinária.
Imagine-se por exemplo, uma questão que afrontasse os interesses de milhares de consumidores por todo o país, ao mesmo tempo, e todos eles resolvessem buscar tutela jurisdicional, isso acarretaria diversas decisões contraditórias, divergentes; abarrotaria o judiciário com idênticas matérias e contribuiria para a morosidade dos processos, principalmente aqueles que já estão sob o manto jurisdicional aguardando uma decisão.
Por conta disso, o legislador ao tratar do tema tutela dos interesses coletivos ou difusos, seja pela lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e Lei 12.016/09 (lei do Mandado de segurança), preocupou-se em definir os legitimados para postular em juízo, dada a complexidade da matéria tratada.
O presente artigo trará análise apenas da lei 7.347/85, por ser a norma principal de tutela coletiva, servindo de base para todas as demais.
O art. 5º da citada lei traz como legitimados o Ministério Público, cuja disposição constitucional lhe confere o status de instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, atribuindo-lhe a defesa da ordem social e jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, notadamente o principal foco da Lei 7.347/85.
A lei ainda confere a obrigatoriedade do Ministério Público assumir a ação na qual outro legitimado venha a abandonar, e mais ainda, a função de custus legis, mesmo quando não haver intentado a ação coletiva.
Seguindo o rol dos legitimados extraordinários temos, não menos importante, a Defensoria Pública, e como não poderia deixar de ser, visando o interesse público, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como foi dada igual atribuição às pessoas jurídicas de direito público como autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista.
Há de se fazer uma observação quanto se tratar de associações privadas, pois a lei prescreve determinados requisitos específicos, indispensáveis, quais sejam, a) esteja constituída há pelo menos 01 (um) ano; e b) tenha como finalidades institucionais a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Todavia, a lei permite ao juiz excecionar a regra acima (art. 5º, § 4º) quando houver manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Implica dizer que a regra poderá ser excecionada se no caso concreto restar devidamente evidenciado se tratar de legitimado apto a propor a demanda e prosseguir até o seu final, sendo notória sua preocupação com o interesse ali discutido, para evitar que sejam constituídas associações “temporárias”, ou seja, abertas para cuidar de determinados e corriqueiros interesses para adquirir benefícios e isenções de custas para postular em juízo.
Com este vasto rol de legitimados, procurou a lei deixar claro que o caráter difuso por ser demasiadamente abrangente, tornando peculiar a matéria posta e juízo, necessitava ser delegada á instituições que efetivamente tivesse dentre suas atribuições tutelar em nome alheio, da coletividade, a fim de alcançar os objetivos buscados pelos diversos grupos sociais.
Referencias
BRASIL. Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Brasília, DF: 1985.
________ Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: 1990.
_________ Lei n° 12.016, de 07 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Brasília, DF: 2009.
_________ Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: 2015.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2015.
[1] A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2015.