A importância das políticas públicas para a efetividade do direito à moradia

12/03/2021 às 23:08
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Breve análise da constitucionalização do direito social à moradia, bem como as políticas públicas que garantem sua efetividade.

A moradia é uma necessidade básica essencial para o ser humano, desde o nascimento da humanidade, estando na base da pirâmide de Maslow. Nesta senda, a falta de moradia para os cidadãos, em especial para os de baixa renda, é uma celeuma histórica, atrelada às desigualdades sociais constantes e às ausências de políticas públicas efetivas na sociedade brasileira.

Em sentido global, verifica-se que, no ano de 1948, em meados do século XX, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito à moradia passou a ser considerado um direito fundamental para os países integrantes das Organizações das Nações Unidas e pressupõe que todo indivíduo deve ter direito a um lar.

No Brasil, a moradia é um direito social previsto no rol do Direitos e Garantias Fundamentais, expresso no artigo  da Constituição Federal de 1988. In verbis:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Destarte, a Carta Magna estabelece que constituem um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização, além de reduzir as desigualdades sociais e regionais, nos termos do artigo , inciso III desse diploma legal.

Insta destacar o artigo 5º, incisos XXII e XXIII e o art. 170, I e II que disciplinam o direito à propriedade e sua função social. Assim também, o art. 182, do mesmo dispositivo, aduz sobre a política urbana, executada pelo Executivo Municipal que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Cumpre salientar que somente no ano de 2.000, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 26, a moradia fora incorporada entre os direitos sociais insculpidos no artigo  da Carta Magna, estando ausente no texto original da Constituição. Contudo, observa-se que a inclusão do direito à moradia no texto Constitucional está associada com a persecução do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no art. , inciso III da Constituição Federal, como fundamento do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil.

Serrano Junior (2012, p. 49), afirma que “Há uma relação de interdependência entre a moradia adequada e outros bens juridicamente protegidos como direitos essenciais da pessoa humana: a vida, a saúde, a integridade física, psíquica e moral, a intimidade, a liberdade, entre outros”.

Ora, o direito à moradia vai, portanto, muito além de se ter um teto sobre a cabeça, mas refere-se a uma habitação com espaço e amplitude digna para a vivência de um ser humano, o que também está correlacionado com a oferta de saneamento básico, acesso à iluminação pública, disponibilidade de água, energia, vias adequadas para o transporte, bem como acessibilidade a serviços essenciais, tais como, educação, saúde e lazer.

Nas palavras de Letícia Marques Osório (2014, p. 67) “O direito à moradia é um direito de todos de ter acesso a alguma forma de acomodação segura, acessível e habitável para viver em paz, com segurança e dignidade.”

As questões relacionadas à propriedade, à habitação e à moradia são problemas históricos no Brasil, sendo que necessária a implementação de Políticas Públicas voltadas para regularização fundiária, urbanização de favelas, erradicação de construções em áreas de risco e assentamentos precários, além de se garantir o controle sobre o uso e a forma de ocupação do solo, assim como é necessário promover ações afirmativas por parte do Estado a fim de acolher e cuidar de pessoas em situação de rua, questões intrínsecas à realidade brasileira.

Para Sofía Borgia Sorrosal (2010, p. 57) “A pessoa não pode viver uma vida digna sem uma moradia digna onde possa se proteger e desenvolver-se pessoal e familiarmente”.

Neste sentido, na Agenda Habitat II, realizada em Istambul, na Turquia, em 1996, de âmbito internacional, mencionou-se a despeito do conceito de moradia adequada, perfazendo:

Adequada privacidade, adequado espaço, acessibilidade física, adequada segurança, incluindo segurança de posse, durabilidade e estabilidade estrutural, adequada iluminação, aquecimento e ventilação, adequada infraestrutura básica, bem como o suprimento de água, saneamento e tratamento de resíduos, apropriada qualidade ambiental e de saúde, e adequada localização com relação ao trabalho e serviços básicos devendo todos esses componentes ter um custo disponível e acessível. (SAULE JUNIOR,1997, p.5)

Dessa forma, mediante a constitucionalização do direito à moradia, foi imposto ao Estado a responsabilidade de efetivar, adequadamente, este direito a todos os cidadãos. Pois bem, nesse sentido, o artigo 23 da Constituição Federal, em seu inciso IX, declara que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.

Cumpre ressaltar ainda que as Políticas Públicas de moradia, materializadas no texto constitucional, não se adstringem apenas aos anseios de partidos políticos. Estas, na verdade, deverão ser observada em todos os planos de governo, independente da corrente ideológica defendida.

Assim, para a efetiva aplicabilidade de Políticas Públicas voltadas para o direito à moradia, na esfera federal, no ano de 2009, foi criado o Programa Minha Casa, Minha Vida, com o intuito de conter o déficit habitacional, fomentar a economia brasileira e conter os efeitos recessivos da crise mundial de 2008. Este programa objetivava tornar acessível a aquisição de uma casa para as famílias de baixa renda, por meio de cooperativas habitacionais, associações e demais entidades privadas sem fins lucrativos.

As modalidades do Programa levavam em consideração a condição financeira dos interessados na aquisição de uma casa, sendo possível o parcelamento do valor do imóvel em vários meses, com subsídios do Estado proporcionais à condição socioeconômica do cidadão e isenção total de custos. Ademais, a fim de superar o déficit habitacional, o programa aumentou o volume de crédito para construção e aquisição de habitação, bem como para concessão de subsídios a fim de facilitar o acesso à moradia.

Outrossim, movimentou a economia do país, aquecendo o mercado da construção civil. Um ponto interessante é que o programa se articulou e ainda articula com a iniciativa privada deste ramo, o qual proporciona geração de emprego, renda e desenvolvimento econômico. Nesse sentido:

Além de reduzir o déficit habitacional e contribuir para diminuir os riscos de impacto da crise internacional na economia brasileira, o Programa Minha Casa, Minha Vida também trouxe à tona o fato de que o problema da habitação para a população de baixíssima renda (até três salários mínimos) somente será enfrentado se houver um grande aporte de recursos públicos. (Revista Brasileira da Habitação, 2009, p.10)

Conforme a avaliação da equipe de especialistas da Organização das Nações Unidas para Habitação (ONU-Habitat), o programa Minha Casa Minha Vida é considerado um exemplo para o mundo, eis que tem uma visão adequada para atacar o problema do déficit habitacional. Nas palavras de Erik Vittrup, representante da ONU-Habitat:

“O programa entende que essa questão não se resume à construção de casas, mas que a solução depende de um modelo de governança, envolvendo as três esferas de poder para a construção de cidades. Trata-se de um modelo de parceria e interação entre governo federal, estadual e local, o que em muitos países, mesmo grandes, sequer existe”.

Pontua-se que, a partir de dados analisados do período de maio de 2009 a julho de 2019, o Programa supracitado firmou contratos para a construção de 5,7 milhões de unidades habitacionais no Brasil, sendo que foram 4,3 milhões de unidades já entregues e 222 mil unidades ainda se encontram em construção, nos termos do relatório da FGV, Fundação Getúlio Vargas, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE.

Dessa forma, clarividente se tornam as conquistas propiciadas pelo Programa Minha Casa, Minha Vida ao longo dos anos. Porém se faz necessária a persistência de esforços para o combate à falta de moradia, em especial, da população carente e daqueles que vivem em habitações precárias, visto que o déficit habitacional ainda continua alto no Brasil, sendo primordial o prosseguimento de políticas públicas habitacionais nessa dimensão.

Nesse sentido, o Presidente da República, em agosto de 2020, editou a Medida Provisória nº 996 que lançou o programa habitacional Casa Verde e Amarela, em substituição ao Programa Minha Casa, Minha Vida, com redução de juros e enfoque nas regiões Norte e Nordeste do país. Após a tramitação, o texto foi aprovado pelo Senado Federal no dia 08 de dezembro do mesmo ano, com modificações feitas pelos parlamentares, seguindo para sanção ou veto presidencial.

Observa-se que esta atual política habitacional inova no sentido de abarcar as ações de regularização fundiária, reforma e melhorias das moradias e produção financiada. No entanto, o Grupo 1, cujo público alvo são famílias com renda de até R$ 2.000,00, terão taxas a partir de 4,25%, o que extingue a faixa que não tinha juros previsto no Programa Minha Casa, Minha Vida. Entretanto a alteração poderá criar entraves para a parcela mais pobre da população, pois a cobrança de juros compromete o orçamento familiar, vindo a frustrar o sonho da casa própria.

Diante do exposto, conclui-se que se faz necessária a continuidade e ampliação de Políticas Públicas habitacionais em âmbito federal, por meio do fortalecimento do antigo Programa Minha Casa, Minha Vida, hoje Casa Verde e Amarela, uma vez que possibilita o acesso a uma moradia digna aos cidadãos brasileiros, assim como fomenta a economia, com a consequente geração de empregos.

Ademais, torna-se primordial que se desenvolva, efetivamente, em âmbito municipal, programas de habitação e financiamento de imóveis, regularização fundiária, prevenção de construções em áreas irregulares ou de risco geológico, urbanização de vilas e favelas, com o intuito de se proporcionar a consolidação de Políticas Públicas em parcerias com o governo estadual e federal.

Em que pese a Constituição Federal estabelecer em seu art. 23, inciso IX a responsabilidade dos entes federais, estaduais e municipais quanto à construção de moradias e melhorias no saneamento básico, observa-se que na órbita estadual e municipal são quase inexistentes ações afirmativas nesta temática.

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Diante disso, orienta-se a positivação no texto da Constituição Federal, por meio de uma Emenda Constitucional, a obrigatoriedade dos Estados e Municípios apresentarem e efetivarem uma articulação nas Políticas Públicas de urbanização e construção de moradias. Insta ainda mencionar que as políticas de moradia devem ser orquestradas conjuntamente com ações afirmativas de combate à desigualdade social e divisão de renda, respeitando-se com isso o cumprimento dos direitos constitucionais.

Indubitavelmente, o direito à moradia é um grande desafio a ser enfrentado pelos governantes deste país, os quais precisam empenhar esforços quanto à temática habitacional, de saneamento básico e urbanização, com fincas a promover uma vida digna para milhares de cidadãos brasileiros.

Portanto, incumbe aos gestores públicos adotar um forte posicionamento na implementação e efetivação de programas habitacionais, de forma apartidária, posto que não se trata de projeto de um partido, mas de direito constitucional. Deve-se, portanto, executar e manter, isoladamente ou em parceria com os demais órgãos federativos, a manutenção de política públicas urbanísticas, a fim de que efetivamente sejam concretizados tais direitos.


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Sobre o autor
Carlos Almeida

Carlos Henrique Vieira de Almeida é advogado (OAB/MG nº 218.374). MBA Gestão Jurídica da Saúde e Hospitalar pela Defensoria Popular do Brasil (2021-2022). Pós Graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (2021). Bacharel em Direito pela Instituição de Ensino Superior Nova Faculdade (2020).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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