Da hipótese de incidência até a obrigação tributária

15/03/2021 às 08:53
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Alguns doutrinadores utilizam-se de uma linha do tempo tributária imaginária para facilitar o entendimento de como um tributo surge, é cobrado e se extingue. O presente artigo pretende demonstrar os primeiros três itens desta linha tributária.

 

Alguns doutrinadores utilizam-se de uma linha do tempo tributária imaginária para facilitar o entendimento de como um tributo surge, é cobrado e se extingue. Isso com vários procedimentos e hipóteses no meio. Em resumo, alguns dos principais aspectos dessa linha tributária seriam a hipótese de incidência (HI), o fato gerador (FG), a obrigação tributária (OT), o lançamento (L), o crédito tributário (CT), a inscrição (I), a dívida ativa (DA) e a execução fiscal (EF).

HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA

A hipótese de incidência (HI) é uma situação abstrata descrita pela lei tributária quando o legislador recorta um fato da vida real como tributável, ou passível de incidência tributária. Segundo o princípio da legalidade tributária, todo tributo deve ser previsto em lei para que possa ser cobrado. A hipótese de incidência é essa descrição legal da situação em que o tributo deverá ser pago se tal fato previsto ocorrer. Exemplos: deverá pagar IPTU aquele que comprar um imóvel urbano, deverá pagar IPVA aquele que comprar um automóvel etc. Em se configurando concretamente a hipótese de incidência legalmente prevista, haverá a incidência do tributo.

FATO GERADOR

O fato gerador (FG) é a prática concreta, no mundo real, da hipótese de incidência descrita em lei (arts. 114 e 115, do CTN). Assim, enquanto a hipótese de incidência é abstrata, uma mera previsão legal de que determinado fato deve ser tributado, o fato gerador é concreto, a realização por uma pessoa do que está previsto na lei como hipótese de incidência. Exemplos: se eu comprei um imóvel urbano, terei de pagar IPTU, se eu comprei um automóvel, terei de pagar IPVA etc.

É importante lembrar que o que diferencia um tributo do outro não é o nome, mas sim a natureza jurídica, que é definida pelo fato gerador. Desta forma, pode existir um tributo com nome de taxa mas que seja contribuição. O que deve ser analisado é o fato gerador, para definir se a natureza do tributo é taxa, imposto ou contribuição de melhoria. Como os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais são definidos pelas finalidades a que se destinam, os seus fatos geradores acabam sendo irrelevantes.

Conforme o princípio da igualdade tributária, o existe incidência tributária tanto sobre as atividades lícitas quanto sobre as atividades ilícitas ou imorais (pecunia non olet), bastando que seja praticado o fato gerador. Exemplo: incide IRPF sobre renda proveniente de tráfico de drogas, corrupção, agiotagem etc.

Para o fato gerador, a capacidade tributária passiva independe da capacidade civil. Desta forma, mesmo o menor de idade (incluindo o recém-nascido), o deficiente mental, o bêbado, o drogado, o falido, o interditado, o preso, a empresa em situação irregular etc. serão contribuintes ser praticarem o fato gerador.

Classificação do fato gerador

O fato gerador pode ser classificado como:

  1. Instantâneo ou simples: ocorre com a prática de um simples ato, negócio ou operação no tempo. O fato gerador se inicia e se completa em um só instante. Exemplo: saída do produto da fábrica incide IPI.
  2. Periódico ou complexo: ocorre durante um período de tempo estipulado em lei, em que são somados vários fatos isolados para formar o fato gerador. Exemplo: a incidência do IRPF é mensal, formado por todas as rendas (atos individuais) que o sujeito passivo obteve durante o mês.
  3. Contínuo ou continuado: ocorre de forma duradoura e estável por um determinado período de tempo, geralmente de um ano. Exemplos: quem tem o status de proprietário pagará IPTU, IPVA ou ITR.

OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

A obrigação tributária (OT) é o dever estipulado pelo ente tributante para a pessoa física ou jurídica, contribuinte ou não, para pagar, fazer ou deixar de fazer algo. Exemplos: todas as pessoas devem se inscrever no cadastro de contribuintes (CPF para PF e CNPJ para PJ); bancos, operadoras de cartão e cartórios têm o dever de repassar informações ao Fisco; os contribuintes têm o dever de prestar declarações ao Fisco, como a Declaração de Ajuste Anual do IRPF.

Classificação da obrigação tributária

A obrigação tributária se divide em algumas espécies:

  1. Contributiva: com o dever de pagar os tributos (obrigação principal), conforme a capacidade contributiva, para o sujeito passivo;
  2. Colaborativa: de caráter formal, para contribuintes ou não, visando facilitar a fiscalização e diminuir a sonegação, com o dever de repassar informações, prestar declarações, emitir documentos, efetuar retenções etc.; e
  3. Punitiva ou sancionadora: após o descumprimento de uma obrigação tributária, será aplicada a multa, visando reprimir a prática de ilícitos.

Elementos da obrigação tributária

A obrigação tributária é composta por quatro elementos: sujeito ativo, sujeito passivo, objeto e domicílio.

O sujeito ativo é o credor, é o ente público competente para criar e cobrar o tributo (art. 119, CTN). O sujeito ativo se divide em direto e indireto.

Sujeito ativo direto é o detentor da competência tributária (União, Estados, Municípios ou DF), quem pode criar ou majorar o tributo.

Sujeito ativo indireto é o detentor da capacidade tributária ativa de arrecadar e fiscalizar (CREA CRM, CRC). Não existe solidariedade tributária ativa (mais de um ente público podendo cobrar o mesmo tributo). Enquanto a competência tributária é indelegável, a capacidade tributária pode ser delegada a terceiros. Exemplo: a União delega a cobrança e fiscalização (capacidade tributária ativa) do ITR aos municípios mediante convênio, em troca do repasse de 100% da arrecadação.

O sujeito passivo é o devedor, é a pessoa estipulada em lei obrigada ao pagamento do tributo, independente de acordos privados (art. 123, CTN; Súmula 614, STJ). Assim, se a lei determina que o proprietário do imóvel é quem deve pagar o IPTU, mesmo que este faça um contrato de aluguel repassando a cobrança do IPTU para o inquilino, em caso de inadimplência, a prefeitura irá entrar com ação de execução fiscal contra o proprietário. O sujeito passivo se divide em direto e indireto.

Sujeito passivo direto é o contribuinte que praticou o fato gerador.

Sujeito passivo indireto é um terceiro que, apesar de não ter praticado o fato gerador, a lei indica como responsável para o pagamento do tributo. Exemplo: o pai (responsável tributário) é quem deve pagar o IPTU do filho menor de idade (contribuinte) que possua algum imóvel urbano em seu nome (art. 134, I, CTN).

O objeto da obrigação tributária é a prestação a que o sujeito passivo se submete (art. 113, §§ 1º e 2º, CTN). A obrigação tributária pode ser principal ou acessória. Esqueça a máxima do Direito Civil que o acessório segue o principal. Em direito tributário as duas obrigações são independentes uma da outra. A obrigação acessória pode existir mesmo sem a obrigação principal. Exemplo: as entidades religiosas têm imunidade tributária apenas para a obrigação principal, mas não para as obrigações acessórias (arts. 175 e 194, do CTN).

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A obrigação principal envolve o pagamento do tributo ou da multa tributária (obrigação de pagar) (art. 113, § 1º, do CTN). Exemplo: a obrigação principal no IPTU é pagar o imposto quando se é proprietário de um imóvel urbano. A obrigação principal deve ser criada apenas por lei (princípio da legalidade estrita) (art. 150, I, da CF e 90, V, do CTN).

A obrigação acessória existe quando a lei determina que a pessoa física ou jurídica deve fazer ou se absterem de fazer (obrigação de fazer ou não fazer) (art. 113, § 2º, do CTN). Exemplo: emitir notas fiscais de mercadorias, não rasurar os livros fiscais da empresa ou não atrapalhar a fiscalização do auditor da Receita Federal. A lei sempre indica quem é o responsável pelo cumprimento das obrigações acessórias. Se a obrigação acessória for descumprida, irá gerar uma obrigação principal, a multa (art. 113, § 3º, do CTN). A obrigação acessaria pode ser criada por decreto (exceção ao princípio da legalidade) (arts. 115 e 96, do CTN).

Art. 113, CTN. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Por fim, o domicílio tributário é o local onde o contribuinte receberá notificações e intimações (postais, telegráficas etc.) para cumprir a obrigação tributária (art. 23, II, do Decreto 70.235/72). A regra é que o domicílio seja escolhido pelo contribuinte (domicílio de eleição) (art. 127, do CTN). O Fisco pode recusar a escolha do domicílio e escolher de ofício caso isso dificulte ou impossibilite a cobrança. Exemplo: escolha por município em que o contribuinte não resida, não tenha atividades e não tenha patrimônio.

Não havendo eleição, existem regras de fixação do domicílio. O domicílio da pessoa física será a residência habitual ou o centro habitual das suas atividades. O domicílio da pessoa jurídica privada será o local da sede ou do estabelecimento praticante do fato gerador. O domicílio da pessoa jurídica pública será qualquer de suas repartições. Caso não se consiga fixar o domicílio conforme essas regras, o domicílio será o lugar dos bens ou da ocorrência do fato gerador (art. 127, do CTN).

Existe ainda o domicílio eletrônico, com endereço de e-mail fornecido aos Fiscos federal, estadual, municipal e distrital para o recebimento de intimações eletrônicas (art. 23, III, do Decreto 70.235/72).


REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 10. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Forense, 2016.

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 11. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 9. ed. - São Paulo: Saraiva, 2017.

Sobre o autor
Jefferson Luiz Maleski

Advogado previdenciarista, palestrante pela Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB Seccional Goiás e professor universitário. Pós-graduado em Direito e Prática Previdenciária e mestrando em Educação Profissional e Tecnológica. Juiz do Tribunal de Ética da OAB Goiás no triênio 2022-2024. Perito judicial. Membro da banca Celso Cândido de Souza Advogados, em Anápolis/GO.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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