Proteção de Dados Pessoais no Dia Mundial do Consumidor

15/03/2021 às 17:05
Leia nesta página:

O artigo analisa as relações entre o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018).

No dia 15 de março é comemorado o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor (ou Dia do Consumidor), porque em um discurso realizado no dia 15/03/1962, o então presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, falou ao Congresso sobre a proteção dos interesses do consumidor.

O presidente Kennedy expôs a sua intenção de fortalecer os programas de proteção existentes e de promulgar uma nova lei para a defesa dos consumidores contra monopólios e para a ampliação do controle regulatório sobre alimentos, medicamentos e cosméticos. Nas suas palavras:

"Se os consumidores receberem produtos inferiores, se os preços forem exorbitantes, se os medicamentos não forem seguros ou sem valor, se o consumidor for incapaz de escolher com base em informações, então seu dinheiro é desperdiçado, sua saúde e segurança podem ser ameaçadas, e o interesse nacional sofre" (leia a Special Message to Congress on Protecting Consumer Interest de John Kennedy aqui).

Atualmente, o Dia do Consumidor é utilizado como mais um dia (ou semana) de promoções e descontos, especialmente no comércio virtual.

A exposição diária a ofertas (não solicitadas) enviadas na tela do smartphone, a coleta de dados por diversos aplicativos, o rastreamento de passos dos consumidores na internet a partir dos cookies, levam a um retorno às reflexões de John Kennedy, especialmente sobre a incapacidade do consumidor de escolher com base nas informações que são apresentadas.

A diferença principal entre 1962 e 2021 é que a escassez foi substituída pelo excesso de informações, que também dificultam a tomada de decisão pelos consumidores.

Por isso, neste Dia do Consumidor em 2021 é importante recordar que a coleta e outras atividades de tratamento dos dados pessoais dos consumidores (mesmo antes da existência de qualquer contrato com os fornecedores) são reguladas pela Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), que deve ser observada nos meios físico e digital.

Além disso, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) contém as primeiras normas sobre a regulação da formação dos bancos de dados no Brasil. Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, o CDC deve ser aplicado em conjunto para reger especificamente as práticas de tratamento de dados pessoais nas relações de consumo.

O diálogo das fontes entre a LGPD e o CDC para a regulação da obtenção, tratamento e proteção de dados nas relações de consumo (entre outras atividades relacionadas aos dados pessoais) deve ser, na prática, a combinação de normas legais mais utilizada.

As relações jurídicas mantidas entre uma pessoa (natural ou jurídica, de direito público ou privado) que realiza atividades de tratamento de dados e outra pessoa (natural) titular desses dados, em regra, enquadra-se no conceito de relação de consumo submetida ao microssistema do Código de Defesa do Consumidor.

Com isso, a incidência do CDC nas atividades de tratamento de dados pessoais deve ocorrer principalmente para equilibrar as relações entre fornecedor e consumidor, assegurar a informação adequada, coibir práticas abusivas, prevenir ou reprimir métodos comerciais coercitivos ou desleais, entre outras situações.

Além disso, no Direito Processual, o consumidor também possui um tratamento diferenciado para a facilitação de seus direitos, como, por exemplo, na inversão do ônus da prova a seu favor (art. 6º, VIII, do CDC), o que também poderá incidir nos processos sobre tratamento de dados nas relações de consumo (tendo em vista a existência de norma semelhante no art. 42, § 2º, da LGPD).

Entre as normas comuns, é necessária a prestação da informação adequada e clara sobre os serviços (art. 6º, III, do CDC). A informação é relevante para conduzir a tomada de decisões, razão pela qual o seu controle e as regras de acesso têm relevância jurídica. Na prestação de serviços de tratamento de dados pessoais, o consumidor deve ser devidamente informado sobre tudo o que será feito com eles, o que compreende a autorização, o conhecimento, a retificação, a boa-fé, a interrupção e a exclusão.

Destaca-se ainda a proibição de condutas enganosas, abusivas ou desproporcionais e de venda casada (art. 37, §§ 1º e 2º, e art. 39, I, do CDC). Existem diversas práticas consideradas ilícitas e abusivas no CDC, que se aplicam às atividades de tratamento de dados pessoais nas relações de consumo. A divulgação de comunicações, informações e publicidade falsa ou abusiva, como meio para a obtenção dos dados pessoais, ou o condicionamento da entrega dos dados pessoais para o fornecimento de produto ou de serviço, são condutas ilícitas porque violam os citados dispositivos do CDC e fazem com que o consentimento do titular não seja informado (art. 5º, XII, e art. 7º, I, da LGPD). Essas regras devem ser objeto de dúvidas e controvérsias, nas hipóteses em que se exige o consentimento do titular para o tratamento de dados, considerando a quantidade e as formas variadas de estratégias e técnicas utilizadas (especialmente em meio digital) para a obtenção desse consentimento, o que leva a diversas situações limítrofes sobre a clareza – ou não das informações.

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Há, dessa forma, uma dupla proteção legal do titular dos dados pessoais em relações de consumo: pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei Geral de Proteção de Dados.

Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

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