A liberdade de expressão pelo direito natural, uma construção humana mutável e elitista?

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Este artigo tem o propósito de reflexão sobre o que é ética e o que é direito natural, para as diversas comunidades na sociedade brasileira, principalmente pelas polarizações ideopolíticas atuais.

Este artigo tem o propósito de reflexão sobre o que é ética e o que é direito natural, para as diversas comunidades na sociedade brasileira, principalmente pelas polarizações ideopolíticas atuais.

Nunca se falou tanto em "direito natural" no Brasil. As redes sociais garantiram aos excluídos de conhecimento — no Brasil, o acesso à educação não foi para dar acesso ao conhecimento pleno sobre várias filosofias, somente para quem conseguisse, com muito custo, estudar nas universidades; ainda assim, antes de 1988, o conhecimento era filtrado pelos dogmas, tabus, racismo — um pouco do saber. Pouco, pois os resumos não condizem com a totalidade dos pensamentos dos filósofos, e ainda há a subjetividade de quem lê, ouve, fala, digita. No entanto, ainda assim é possível condensar os pensamentos dos filósofos do passado, mas sempre se faz necessário leitura das obras originais.

Quando se fala em ética, na atualidade, surge a ideia de proteção, manutenção da dignidade humana. A ética atual é o resultado de processos seculares de vastos filósofos sobre a melhor maneira de existir, do indivíduo consigo mesmo e do indivíduo com a comunidade. Outros foram mais além, como Sócrates, de que os demais povos também possuíam qualidades.

A escravidão, por muito tempo, foi considerada como direito natural. Em Ética a Nicômaco, o filósofo Aristóteles defendia e fundamentava o direito de escravidão. Por séculos a escravidão foi considerada como "direito natural". "Senhores e servos" também eram considerados parte do direito natural:

 

"Todo poder vem de Deus" — escrevia um monge de Saint-Laud, pelo ano de 1.000. "Deus mesmo quis que entre os homens uns fossem senhores e os outros servos, de tal modo que os senhores devem venerar e amar a Deus, e os servos devem venerar e amar os seus senhores." (BEAUVOIR, 1972)

 

A Revolução Francesa (século XVIII), pôs fim ao status quo anterior e possibilitou um novo status quo. Não tinha mais espaço para o Estado absolutista, consequentemente, subjugações, limitações dos súditos para com o Estado — controlados pelos reis, sacerdotes. Os Estado se confundiam com a figura do rei, com os princípios e as regras religiosas, o Estado teológico.

Um pouco de História:

"A transformação da Inglaterra de monarquia absolutista em monarquia constitucionalista representou um avanço no sentido do reconhecimento dos direitos do homem e se deveu à chamada Petição de Direitos (Petition of Rights), que constituiu a semente da chamada Revolução Inglesa.

Até 1628, o lema das monarquias absolutistas era:

“Um rei, uma fé, uma lei”, expoente da unidade política de um país, que tomava por base a unidade religiosa. Mas, com o advento de teorias liberais, especialmente as do inglês John Locke, nas suas três obras filosóficas principais (Tratado do Governo Civil – 1689; Ensaio sobre o Intelecto Humano – 1690 e Pensamentos sobre a Educação – 1693), a atitude dos povos diante do poder dos reis começou a mudar.

Como vimos, preconizava o jusnaturalismo pregava que os homens são dotados de direitos inalienáveis, dentre eles a vida e a liberdade. Locke sustentava mais, apoiado na doutrina de Thomas Hobbes: que havia um estado natural e uma lei natural a determinar que nenhum homem deve prejudicar outro em suas vidas, liberdade, saúde e propriedade. (CASTILHO, 2012)

"Por quase dois séculos, apesar da controvérsia provocada pela Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão encarnou a promessa de direitos humanos universais. Em 1948, quando as Nações Unidas adotaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo 1o dizia:

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Em 1789, o artigo 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão já havia proclamado: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”. Embora as modificações na linguagem fossem significativas, o eco entre os dois documentos é inequívoco.

As origens dos documentos não nos dizem necessariamente nada de significativo sobre as suas consequências. Importa realmente que o esboço tosco de Jefferson tenha passado por 86 alterações feitas por ele mesmo, pelo Comitê dos Cinco ou pelo Congresso? Jefferson e Adams claramente pensavam que sim, pois ainda estavam discutindo sobre quem contribuiu com o quê na década.

(...)

Ainda mais perturbador é que aqueles que com tanta confiança declaravam no final do século XVIII que os direitos são universais vieram a demonstrar que tinham algo muito menos inclusivo em mente. Não ficamos surpresos por eles considerarem que as crianças, os insanos, os prisioneiros ou os estrangeiros eram incapazes ou indignos de plena participação no processo político, pois pensamos da mesma maneira. Mas eles também excluíam aqueles sem propriedade, os escravos, os negros livres, em alguns casos as minorias religiosas e, sempre e por toda parte, as mulheres. Em anos recentes, essas limitações a “todos os homens” provocaram muitos comentários, e alguns estudiosos até questionaram se as declarações tinham um verdadeiro significado de emancipação. Os fundadores, os que estruturaram e os que redigiram as declarações têm sido julgados elitistas, racistas e misóginos por sua incapacidade de considerar todos verdadeiramente iguais em direitos.

(...)

Em 1798, somente 22 anos depois da declaração dos direitos iguais de todos os homens, o Congresso dos Estados Unidos aprovou as Leis dos Estrangeiros e da Sedição para limitar as críticas ao governo americano."(HUNT, 2009)

 

Depreende-se, a liberdade, enquanto direito natural, era bem diferente do direito natural vigente, isto é, pela força normativa dos direitos humanos.

Debates ocorrem sobre os gastos públicos, principalmente com os salários dos funcionários públicos (remunerações e subsídios). Tal objeto de debate se deve a ideia de que o direito natural não permite que o Estado seja uma possibilidade para privilegiar poucos, enquanto muitos ficam na miséria. A Revolução Francesa continha essa ideia, tanto que os Estados absolutistas terminaram.

Quando se fala que os impostos representam" roubo ", também se faz menção às ideais dos movimentos filosóficos responsáveis pela Revolução Francesa. Isso devido aos gastos esdrúxulos dos reis, da corte, enquanto os súditos sobreviviam como podiam. Como os reis não tinham nenhuma obrigação de justificarem as suas mordomias, os súditos nada sabiam.

Na atualidade se debate muito sobre tributação.

Sobre tributação. Impostos não representam problemas, quando bem empregados." Empregados ", no sentido de atenderem suas finalidades. Sobre o Sistema Tributário Nacional (LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966), qual a sua finalidade? Existem serviços públicos, como prestação de serviços de saúde, prestações de serviços educacionais, prestação de serviços jurídicos. O serviço prestado pelo Corpo de Bombeiros Militar é contraprestação, de serviço público; justificam-se as cobranças de taxas. Financiamento de políticas públicas são possíveis pelas contribuições.

Diante do caráter prestacional de serviços públicos, dependentes dos tributos, do Estado aos cidadãos, seria interessante, durante a pandemia, com uso de megafones, em frente aos hospitais públicos, os gritos de" Imposto é roubo ". Acredito que os seres humanos dependentes do SUS pensarão" Somos bandidos? ", e o estado de guerra se iniciaria.

Por que mencionei "seres humanos" em vez de "cidadãos" (brasileiros)? Não sendo cidadão brasileiro, pelo caráter universal, seres humanos na condição de refugiados têm direito ao Sistema Único de Saúde.

Pensando sobre livre iniciativa e direitos naturais. Na questão dos direitos naturais, o direito à vida. Na matéria" Americano não paga taxa, e bombeiros deixam casa queimar "(1), o proprietário teve sua casa incinerada por estar inadimplente.

Até aqui,"nada demais", pois o proprietário da casa consumida pelas chamas não se feriu, até o conhecimento deste articulista. Todavia, no caso de queimadura, a prestação de serviço de saúde nos EUA é para poucos norte-americanos, pois as cobranças pelos serviços de saúde são altíssimas, aquém das possibilidades econômicas e financeiras da maioria dos norte-americanos. Sem a intervenção do Estado, um show de horrores muito pior, no sistema de saúde dos EUA. E o que dizer da pandemia, e o sistema norte-americano de saúde e a ajuda do Estado com o" produto do roubo "dos impostos?

Oscila, então, o direito natural. Prepondera o direito de propriedade sobre o direito à vida, esta condicionada pelo poder econômico de quem necessita de prestação de serviço de saúde.

Antes da Revolução Francesa, os ideias sobre direito natural já vinham sendo construídos, por exemplo:

"Declaração de Direitos 1689 (Bill of Rights)

Os Lords espirituais e temporais e os membros da Câmara dos Comuns declaram, desde logo, o seguinte:

1. que é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para suspender as leis ou seu cumprimento.

2. que, do mesmo modo, é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para dispensar as leis ou o seu cumprimento, como anteriormente se tem verificado, por meio de uma usurpação notória.

3. que tanto a Comissão para formar o último Tribunal, para as coisas eclesiásticas, como qualquer outra Comissão do Tribunal da mesma classe são ilegais ou perniciosas.

4. que é ilegal toda cobrança de impostos para a Coroa sem o concurso do Parlamento, sob pretexto de prerrogativa, ou em época e modo diferentes dos designados por ele próprio.

5. que os súditos tem direitos de apresentar petições ao Rei, sendo ilegais as prisões vexações de qualquer espécie que sofram por esta causa.

6. que o ato de levantar e manter dentro do país um exército em tempo de paz é contrário a lei, se não proceder autorização do Parlamento.

7. que os súditos protestantes podem Ter, para a sua defesa, as armas necessárias à sua condição e permitidas por lei.

8. que devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento.

9. que os discursos pronunciados nos debates do Parlamento não devem ser examinados senão por ele mesmo, e não em outro Tribunal ou sítio algum.

10.que não se exigirão fianças exorbitantes, impostos excessivos, nem se imporão penas demasiado deveras.

11. que a lista dos Jurados eleitos deverá fazer-se em devida forma e ser notificada; que os jurados que decidem sobre a sorte das pessoas nas questões de alta traição deverão ser livres proprietários de terras.

12. que são contrárias as leis, e, portanto, nulas, todas as concessões ou promessas de dar a outros os bens confiscados a pessoas acusadas, antes de se acharem estas convictas ou convencidas.

13. que é indispensável convocar com frequência os Parlamentos para satisfazer os agravos, assim como para corrigir, afirmar e conservar as leis.

14. Reclamam e pedem, com repetidas instâncias, todo o mencionado, considerando-o como um conjunto de direitos e liberdades incontestáveis, como também, que para o futuro não se firmem precedentes nem se deduza consequência alguma em prejuízo do povo.

15. A esta petição de seus direitos fomos estimulados, particularmente, pela declaração de S. A. o Príncipe de Orange (depois Guilherme III), que levará a termo a liberdade do país, que se acha tão adiantada, e esperamos que não permitirá sejam desconhecidos os direitos que acabamos de recordar, nem que se reproduzam os atentados contra a sua religião, direitos e liberdades."

 

Sobre o direito à vida, isto é, de que a nenhum Estado é dado o direito (positivismo) de ceifar uma vida, arbitrariamente, muito menos pela razões pessoais, a"justiça pelas próprias mãos", já se debatia sobre o direito natural:

"Sócrates - A quem chama de amigos: aos que parecem honestos a uma pessoa, ou aos que o são de fato, ainda que não o pareçam? E outro tanto direi dos inimigos?

Polemarco - É natural amar a quem nos parece honesto e odiar a quem nos parece mal.

Sócrates - Mas os homens não se enganam a esse respeito, de maneira que lhes parecem honestos muitos que não o são e vice-versa?

Polemarco - Enganam-se

Sócrates - Logo, para esses, os bons são inimigos, e os maus, amigos?

Polemarco - Precisamente.

IX. Sócrates - Não obstante, para essas pessoas, a justiça é ajudar os maus e prejudicar os bons?

Polemarco - Assim perece.

Sócrates - E, contudo, os bons são justos e incapazes de cometer injustiças?

Polemarco - É verdade.

Sócrates - Então, é justo fazer mal a quem não cometeu qualquer injustiça?

Polemarco - De modo algum, Sócrates. Isso parece um raciocínio perverso.

Sócrates - Então – disse eu – é justo prejudicar os injustos e ajudar os justos?

Polemarco - Esse raciocínio já me parece mais coerente do que o anterior.

Sócrates - Logo, ó, Polemarco, acontecerá que, para muitos que errarem em seu juízo sobre os homens, será justo prejudicar os amigos, pois não são maus aos seus olhos, e ajudar aos inimigos, pois o tomam por bons. E assim afirmaremos exatamente o contrário que concluímos ser o pensamento de Simônides.

Polemarco - É assim que acontecerá. Mas vamos corrigir-nos, pois é provável que não tenhamos definido corretamente o que é amigo e o que é inimigo.

Sócrates - Como o definimos, Polemarco?

Polemarco - O que parece honesto, esse é o amigo.

Sócrates - E agora – disse eu – como conseguimos corrigir a definição?

Polemarco - Amigo, é o que parece e é na realidade honesto. O que parece, mas não o é, apenas aparenta ser amigo sem o ser. E, sobre o inimigo, a definição é a mesma.

Sócrates - Logo, segundo esse raciocínio, parece que amigo é o homem de bem, e inimigo é o malvado.

Polemarco - Sim.

Sócrates - Acrescentamos à definição da justiça, tal como a formulávamos primeiro – de que é justo fazer bem ao amigo e mal ao inimigo – a ideia de que é justo fazer bem a um amigo bom e mal a um inimigo mal?

Polemarco - Exatamente. Parece-me que isso seria falar com propriedade.

Sócrates - Então, é próprio de um homem justo fazer mal a qualquer espécie de homem?

Polemarco - Precisamente. Deve-se fazer mal aos malvados e inimigos.

Sócrates - Quando se faz mal aos cavalos, eles se tornam melhores ou piores?

Polemarco - Piores.

Sócrates - Em relação à perfeição dos cães ou à dos cavalos?

Polemarco - À dos cavalos.

Sócrates - Mas, caso se fizer mal a cães, eles se tornam piores relativamente à perfeição de cães, e não à de cavalos?

Polemarco - Forçosamente.

Sócrates - E quanto aos homens, ó, companheiro, não teremos de dizer o mesmo: que, se lhes faz o mal, tornam-se piores em relação à perfeição humana?

Polemarco - Exato.

Sócrates - Mas a justiça não é a perfeição dos homens?

Polemarco - Isso também é forçoso.

Sócrates - E, se se fizer mal aos homens, são forçosos que eles se tornem mais injustos?

Polemarco - Assim parece.

Sócrates - Acaso os músicos podem tornar outrem ignorante na música através de sua arte?

Polemarco - Impossível.

Sócrates - E os tratadores de cavalos podem tornar outrem incapaz de montar através de sua arte?

Polemarco - Não pode ser.

Sócrates - Mas os justos podem tornar outrem injusto através da justiça? Ou, de um modo geral, os bons podem tornar outrem mal através de sua perfeição?

Polemarco - É impossível.

Sócrates - Efetivamente, a ação do calor não é parece-me refrescar, mas o contrário.

Polemarco - Sim.

Sócrates - Nem a da secura umedecer, mas o contrário.

Polemarco - Exatamente.

Sócrates - Nem tampouco a do homem bom fazer o mal, mas o contrário?

Polemarco - Assim parece.

Sócrates - Então, o homem justo é bom?

Polemarco - Absolutamente.

Sócrates - Logo, ó, Polemarco, fazer mal não é a ação do homem justo, quer seja a um amigo, quer seja a qualquer outra pessoa, mas, ao contrário, é a ação de um homem injusto.

Polemarco - Parece-me inteiramente verdade, ó, Sócrates.

Sócrates - Portanto, se alguém afirmar que a justiça consiste em restituir a cada um, o que lhe é devido, e que isso significa que o homem justo deve fazer mal aos inimigos e bem aos amigos, quem assim afirmar não é sábio, porquanto não disse a verdade. Fazer mal não é justo de nenhuma maneira.

Polemarco - Concordo.

Sócrates - Logo, lutaremos, pois, tu e eu, se alguém pretender afirmar que disse semelhante coisa Simônides, Biante, Pítaco ou qualquer outro dos bem-aventurados sábios.

Polemarco - Eu estou disposto a acompanhar-te na luta.

Sócrates - Mas, sabes tu, por acaso, a quem pertence esta afirmação: “é justo fazer bem aos amigos e mal aos inimigos”?

Polemarco - De quem?

Sócrates - Penso que é de Periandro, de Perdicas, de Jerjes, de Isménias de Tebas ou de qualquer outro homem rico muito convencido de seu grande poder."

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Sócrates sintetiza seu pensamento ético com"(...) fazer mal não é a ação do homem justo, quer seja a um amigo, quer seja a qualquer outra pessoa, mas, ao contrário, é a ação de um homem injusto. Portanto, se alguém afirmar que a justiça consiste em restituir a cada um, o que lhe é devido, e que isso significa que o homem justo deve fazer mal aos inimigos e bem aos amigos, quem assim afirmar não é sábio, porquanto não disse a verdade. Fazer mal não é justo de nenhuma maneira".

Verifica-se o teor de cada pensamento sobre o que deve ser o direito natural.

Continuando sobre direito natural e sua convencionalidade.

Por obra dos direitos naturais, pelos direitos humanos, por exemplo, não é permitido o estupro marital, o qual era considerado" justo "pelos tribunais brasileiros, antes de 2009.

Direito de o marido estuprar sua"mulher de família"— anterior às novas redações da Lei n. 12.015, de 2009 -, pelo débito conjugal:

"Exercício regular de direto. Marido que fere levemente a esposa, para constrangê-Ia à prática de conjunção carnal normal. Recusa injusta da mesma, alegando cansaço. Absolvição mantida. Declaração de Voto. (...) A cópula intra matrimonium é dever recíproco dos cônjuges e aquele que usa de força física contra o outro, a quem não socorre escusa razoável (verbi gratia, moléstia, inclusive venérea, ou cópula contra a natureza) tem por si a excludente da criminalidade prevista no art. 19, n. III (art. 23, III, vigente), de Código Penal, exercício regular de direito.” (TIGB RT, 461/444).

 

Porém, tal mudança quanto ao não estupro marital não foi questionado pelos defensores dos direitos naturais do status quo anterior a Lei n. 12.015, de 2009.

Ainda pela direito natural, o filósofo John Locke concebeu a propriedade privada e a defendeu; é considerado "o pai da propriedade privada". Ou seja, fundamentou o direito de propriedade privada como direito natural. Todavia, como humanista, considerava que o excedente da produção na propriedade privada deveria ser distribuído aos necessitados. Por quê? Porque ele acreditava em Deus, e Ele deu tudo para todos os filhos. Ora, ainda que seja possível a propriedade privada, pelo pensamento de Locke, a sua ética se fundamentava na dignidade humana, de que nenhum proprietário pode se apropriar de tudo, sem possibilitar aos necessitados o mínimo necessário (mínimo existencial?). Com a Revolução Industrial, do século XVIII, o excedente não foi mais distribuído.

Houve relativização do direito natural à vida. O mesmo em relação à ética escravagista.

Nas tribos africanas ainda se encontra o direito de propriedade com a distribuição do excedente. Esse sistema de troca garante as sobrevivências de tribos diferentes e, por consequência, a paz entre elas. Evita-se o estado de guerra.

Prossigo sobre o direito de propriedade. Os hospitais privados devem fixar, em locais de fácil acesso, com fontes capazes para pronta identificação e leitura, o aviso:

"Constitui crime a exigência de cheque caução, de nota promissória ou de qualquer garantia, bem como do preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, nos termos do Artigo 135-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal."

 

Em época de pandemia. Os defensores da propriedade privada, no mais absoluto grau de independência contra a "coação" do Estado, devem tirar tais avisos. Também devem os planos de saúde desobedecerem decisões do tribunais sobre obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos por prescrição médica, e não pelas vontades dos planos.

Na questão da liberdade de expressão. Há limites ou não? Se há, seria subjetivo ou não? O Estado é uma construção humana, ou seja, nada faz sem a vontade humana. Qualquer Estado existirá enquanto houver vida humana, do contrário, a sua existência somente se restringirá aos bancos de dados sobre a História Humana. Os ETs poderão consultar os tipos de Estados, as suas leis etc. E no final pensarão: "Assim era a humanidade?".

Comunidades, de diversas ideologias, defendem a liberdade de expressão como sendo direito natural. Ocorre que há defesas subjetivas de cada comunidade. O que é antiético?

Sobre 'ser ético':

Ética é o conjunto de valores e princípios que usamos para responder a três grandes questões da vida: (1) quero?; (2) devo?; (3) posso?

Nem tudo que eu quero eu posso; nem tudo que eu posso eu devo; e nem tudo que eu devo eu quero. Você tem paz de espírito quando aquilo que você quer é ao mesmo tempo o que você pode e o que você deve. (Mario Sérgio Cortella)

 

COMPREENSÃO SOBRE ÉTICA

Três exemplos de ética:

 

1) Império Romano (27 a.C. - 476 d.C.), dois cidadãos romanos:

· (1) quero?;

· (2) devo?;

· (3) posso?

Quero queimar um cristão?

Devo? Sim!

Posso? Posso!

Para os romanos (a.C.), queimar ou jogar cristão aos leões: diversão, prazer, agir 'corretamente'.

 

2) Dois cristãos, dentro dos muros da Cidade de Roma Antiga:

· (1) quero?;

· (2) devo?;

· (3) posso?

Quero queimar um romano?

Devo? Não!

Posso? Não!

Os primeiros cristãos aplicavam, ao pé da letra, os ensinamentos de Jesus de Nazaré. Por mais que o ódio surgia, nos pensamentos e nos sentimentos, ao ver romanos rindo de cristãos devorados pelas feras, Cristo, por meio de Jesus, ensinou 'perdão', 'amor', 'todos são ignorantes', 'pegue a sua cruz' etc. Não havia dualismo: ou cristão, ou Barrabás.

 

3) Dois católicos, na Idade Média:

· (1) quero?;

· (2) devo?;

· (3) posso?

Quero chamar um judeu de assassino?

Devo? Sim!

Posso? Sim!

Antes da DECLARAÇÃO NOSTRA AETATE, séculos de antijudaísmo. Os judeus eram 'impuros', 'assassinos de Jesus' etc.

Compreende-se, ética é conforme os 'ânimos' — psiquismo, valores sociais de 'certo' ou 'errado' — de cada cultura. A ética não é imutável, como é possível constatar nos exemplos acima. Recomendo ler: Justiça, o lado moral da internet — Parte IX. Ética (https://sergiohenriquepereira.jusbrasil.com.br/artigos/597133363/justicaolado-moral-da-internet-pa....)

A liberdade de expressão no Brasil é bem diferente dos EUA. Da Embaixada dos Estados Unidos da América, o documento sobre liberdade de expressão (https://photos.state.gov/libraries/amgov/133183/portuguese/P_Freedom_of_Expression_UnitedStates_Port...):

"RESTRIÇÕES DE CONTEÚDO NEUTRO

O governo pode, de maneira geral, colocar restrições de tempo, lugar e modo no exercício da liberdade de expressão, desde que as restrições não sejam baseadas no conteúdo do discurso ou no ponto de vista do orador.

(...)

RESTRIÇÕES COM BASE EM CONTEÚDO

Embora restrições baseadas em conteúdo sejam geralmente inadmissíveis, há algumas exceções muito específicas. Categorias especiais de expressão que podem ser restringidas ao abrigo da Primeira Emenda incluem incitação à violência iminente, ameaças reais, discursos difamatórios e

obscenidades." (grifos do autor)

Baseando-me no livro sobre antropologia (WERNER, Dennis. Uma introdução às culturas humanas / Comida, sexo e magia. Ed. Vozes. 1987). Sobre "discursos difamatórios e obscenidades", depende de cada cultura, de seus símbolos e conceitos. Assim, com base na subjetividade — temos que considerar que o Brasil foi desenvolvido pela tradição judaico-cristã — pedofilia é construção com base na tradição judaico-cristã, e tal tradição repudia. Pelos gregos (a.C.), a prática de pederastia, ainda que os ensinamentos eram todos direcionado para o perfeito convívio na sociedade, em Atenas, não é possível pela tradição judaico-cristã. Há peculiaridades distintivas entre pedofilia e pederastia.

"Obscenidade" é subjetivo, pelos tipos de valores, de certo ou errado, em cada cultura . Sendo assim, liberdade de expressão versus subjetividade; a liberdade de expressão, como direito natural superior a qualquer direito positivo, não pode ser impedida para os pederastas exigirem o direito de se expressarem. Os pedófilos também, pois a pedofilia é uma construção pelos dogmas, tabus e crenças da tradição judaico-cristã. Como assim? Baseando-me, ainda, no livro sobre antropologia (WERNER, Dennis. Uma introdução às culturas humanas / Comida, sexo e magia. Ed. Vozes. 1987), sobre culturas e sexualidades. Em certas comunidades era absolutamente normal os adultos mexerem nas genitálias das crianças, ou idosos terem relações sexuais com crianças. Imagine tais indivíduos reclamando o direito natural, de liberdade de expressão, na nossa sociedade?

Nazistas, pedófilos, pederastas, canibais etc., pela liberdade de expressão, não podem ser "censurados" por exporem suas ideologias. Nada demais? Pois bem. As normas jurídicas são criadas por seres humanos. Para ser exato, pelo Congresso Nacional. No positivismo, os juízes devem "acatar às normas", não podendo inová-las (ativismo judicial).

O ativismo judicial é, por algumas comunidades, conforme suas ideologias, atacado por subverter a ordem constitucional. Isto é, somente pelo Congresso Nacional é possível inovar o ordenamento jurídico. O problema está na legitimidade do Congresso Nacional. O Congresso representa todas as vozes no Brasil? Não. Por muito tempo a homofobia persistiu e fez vítimas. O PL 122/2006 (criminalização da homofobia) não surtiu efeito (não se tornou norma) por forte oposição religiosa. Somente com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, a homofobia e a transfobia passaram a ser crimes de racismo, por omissão legislativa.

Na questão da prisão do depositário infiel, a norma do art. 5º, LXVII, da CRFB de 1988, é "letra morta":

"É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito." (Súmula 25, do STF)

Deve, então, por analogia, no caso do STF sobre omissão constitucional por crimes de racismo aos LGBTQI+, quando se diz que há ativismo judicial, considerar "inconstitucional" a Súmula 25? Também pode ser considerado "inconstitucional", em "visível" submissão do Estado brasileiro à Corte Interamericana de Direitos Humanos, a condenação do Brasil pela omissão quanto ao dever do Estado brasileiro garantir, proteger o gênero feminino conta a violência doméstica? No caso de "positivo", a Lei Maria da Penha é uma "afronta" à soberania do Brasil. E todos os depositários infiéis devem ser presos.

Uma "violação" de status quo ocorreu nos anos de 1970, no Brasil, a Lei do Divórcio.

"Em maio, uma comissão especial mista foi instalada para analisar as seis proposições divorcistas que tramitavam no Parlamento. Em 14 de junho, uma terça-feira, elas entraram na pauta do Congresso para análise em primeiro turno, e a proposta de emenda à Constituição (PEC) de Carneiro e Acciolly foi a escolhida para ir à votação. O texto permitia a dissolução do casamento para quem já estivesse judicialmente separado há mais de três anos.

Os divorcistas esperavam se beneficiar de uma alteração recente no Regimento: o quórum para aprovação de PECs, que antes exigia os votos favoráveis de dois terços dos parlamentares, havia sido reduzido para maioria absoluta (metade mais um). A mudança fora determinada pelo presidente Ernesto Geisel no Pacote de Abril, poucos meses antes. Entre outras medidas para conter a oposição, Geisel diminuíra o quórum para aprovação de emendas constitucionais.

 

Ao longo daquela terça-feira e no dia seguinte, dezenas de senadores e deputados se alternaram na tribuna em defesa ou no ataque ao divórcio, mostram documentos do Arquivo do Senado. Os discursos dos divorcistas citavam a necessidade de extinção do malfadado desquite e regularização das famílias formadas em segundas uniões.

Alegavam ainda que as separações já ocorriam, independentemente da existência do divórcio, e que ele seria apenas um instrumento legal para minorar o preconceito e dar segurança jurídica aos novos casais e a seus filhos." (1)

Pergunto, o direito natural previa o divórcio? Se pensarmos no direito individual contra o direito do Estado, o divórcio é um direito natural (autonomia da vontade e autopossessão, enquanto direito de propriedade), ainda que o Estado tenha positivado que não. Entretanto, observe que a Igreja Católica era contra o divórcio, e fez uso do Estado, através dos deputados, para ser impossível o divórcio, em forma de norma. Isto é democracia. Do mesmo jeito em que a Bancada Evangélica foi contra a criminalização da homofobia no PL 122/2006. A vontade do povo, nas questões do divórcio, da criminalização da homofobia e transfobia. Seria possível, na atualidade, não ter a Lei do Divórcio e a criminalização da homofobia e transfobia? Sim, pela vontade do povo materializada pelos deputados. Haveria "backslash" para um direito natural anterior ao direito natural vigente.

O direito natural que tanto se fala na atualidade, teve/tem participação dos povos indígenas ou somente dos povos não indígenas? Por quê? Alguns povos indígenas, antes das colonizações, eram canibais, outros concebiam relacionamentos como poliandria e poliginia. Pela tradição judaico-cristã, tanto canibalismo quanto poliandria e poliginia são impensáveis. Os povos colonizados já possuíam comércios (globalização), propriedades privadas e suas leis naturais [DARWIN, John. Ascensão e queda dos impérios : 1400-2000. (História narrativa; 42)]. O direito natural no Brasil é fruto de pensadores europeus, africanos, indígenas, asiáticos, ciganos, muçulmanos? Nos EUA? Na Europa? Na Rússia?

"Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos, resolveram expor, em uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que essa declaração, constantemente presente junto a todos os membros do corpo social, lembre-lhes permanentemente seus direitos e deveres (...)." (Declaração de direitos do homem e do cidadão - 1789)

O direito natural acima. Todavia, os conservadores, sendo o "pai do conservadorismo" Edmund Burker, consideravam, e consideram, a Revolução Francesa como "estado de coisas", por destituir valores (direito natural?) já preexistentes, por séculos de aperfeiçoamentos dos povos, que culminaram nas tradições de cada povo.

Posto tudo, cada qual irá defender sua liberdade de expressão, sendo o direito natural uma construção de quais etnias e crenças?

Se pensarmos nos direitos humanos, a ética foi elaborada para proteção do ser humano contra qualquer outra forma de desumanização, como aconteceu na Alemanha Nazista. Mas, a objeção, os neonazistas consideram as leis de censura ao nazismo como afronta à liberdade de expressão.

O Estado, em quais fatos deve intervir na liberdade de expressão? Qual direito natural se baseará já que cada povo possui sua compreensão sobre direito natural? O direito natural atual permite os advogados e os juízes ficarem pelados nos tribunais? Qual a origem, a essência do pensamento do direito natural construído para se impedir que todos fiquem pelados nos tribunais? Talvez pensarão que sou "lascivo" por dar tais exemplos. Todavia, numa país de tradição judaico-cristã, o "direito natural" vigente, por assim dizer, possui forte influência religiosa, isto é, o corpo é mundano. Se o "direito natural" vigente fosse desenvolvido pelos povos indígenas, ar condicionado não precisaria nas salas de audiências, já que pelados não sentem tanto calor. Um ventilador bem barato com pouca potência resolveria tudo. Menos gastos públicos.

As decisões do Supremo Tribunal Federal devem contemplar quais comunidades? As decisões do Congresso, quais comunidades devem ser contempladas? E temos exemplos:

 

NOTA:

(1) — BRASIL.Senado Federal. Divórcio demorou a chegar no Brasil. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/divórcio-demorouachegar-no-brasil

 

REFERÊNCIAS:

BEAUVOIR, Simone. O Pensamento de Direita, Hoje. Série Simone de Beauvoir. Rumos da Cultura Moderna. Direção de Moacyr Félix. Volume 4. 2ªedição. Tradução de Manuel Sarmento Barata. Ed. Paz e Terra, 1972.

CASTILHO, Ricardo. Direitos humanos / Ricardo Castilho. — 2. ed. — São Paulo : Saraiva, 2012. — (Coleção sinopses jurídicas ; v. 30) 

HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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