1 – INTRODUÇÃO
O presente artigo trata sobre questões polêmicas e não pacificas sobre a Lei de Interceptação Telefônica e, posteriormente, o surgimento da Resolução nº 59 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Ponto principal do trabalho é a discussão em torno dos procedimentos adotados por juízes nos diversos Estados da Federação, que não tinha forma prescrita em lei, alcançando o ápice quanto a suspeição ou prevenção do magistrado que concede a interceptação telefônica.
2 - DESENVOLVIMENTO
A Lei que trata da Interceptação Telefônica é a de nº 9296/96, sancionada por Fernando Henrique Cardoso, então presidente do Brasil.
Quem olha a data de sua publicação, pode achar que trata-se de uma lei antiga, sem muito o que debater, com temas já pacificados nos Tribunais. Enganam-se os que pensam desta maneira.
A lei nº 9296/96 ainda é atual, embora muitas vezes omissa e confusa. É alvo de calorosos embates entre defesa e acusação e, justamente por essas omissões é que matérias são decididas nos tribunais superiores.
Uma das questões controvertidas sobre Interceptação Telefônica é justamente a decisão que defere o pedido. A Lei não trata nada sobre quem é o juízo competente para conceder ou negar a interceptação.
Com essa omissão, fica a dúvida: somente juízes da vara criminal podem analisar o pedido, ou se juízes de outras varas também teriam a competência? E casos graves fora do expediente; quem seria competente para apreciar os pedidos?
No ano de 2008 um caso de Interceptação Telefônica ficou conhecido no Brasil, após ação da Polícia Federal denominada “Operação Influenza”, deflagrada em 20 de junho daquele ano.
As investigações tiveram como “pilar” interceptações concedidas por um juiz substituto da justiça estadual, que não atuava com freqüência nas varas criminais, sendo estas decisões que autorizaram as interceptações contestadas pelas defesas.
Tão logo o Inquérito Policial fora encaminhado para a Justiça Federal, a juíza Ana Cristina Kramer, então juíza da 1ª Vara Federal de Florianópolis que recebeu o processo, julgou nula todas as escutas telefônicas durante a investigação da Polícia Federal.
A Juíza ainda anulou as escutas obtidas posteriormente por juiz competente da Justiça Federal, uma vez que sofreram contaminação das escutas ilegais, concedidas por juiz incompetente.
Diante desta decisão que tomou conta da mídia nacional e do crescente problema com interceptações telefônicas ilegais, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) resolveu criar a Resolução nº 59, em 09 de setembro de 2008.
O objetivo desta Resolução era disciplinar e uniformizar o procedimento para concessão da Interceptação Telefônica, que antes era previsto apenas da seguinte forma na Lei 9296:
Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.
Um aspecto positivo da Resolução já foi logo constato no artigo 2º da Resolução nº 59 do CNJ:
Art. 2°. Os pedidos de interceptação de comunicação telefônica, telemática ou de informática, formulados em sede de investigação criminal e em instrução processual penal, serão encaminhados à Distribuição da respectiva Comarca ou Subseção Judiciária, em envelope lacrado contendo o pedido e documentos necessários
Com a criação deste artigo, restou devidamente claro que o pedido de interceptação telefônica deve ser encaminhado, inicialmente, a Distribuição das Comarcas onde corre a investigação, o que a Lei da Interceptação não previa.
Nos casos de pedidos apreciados durante o Plantão Judiciário, as decisões que deferem ou indeferem o pedido também devem ser encaminhados para a Distribuição da Comarca. Quanto ao pedido de prorrogação do prazo de interceptação durante o Plantão Judiciário, esta somente será concedida em caso de risco eminente e grave à integridade ou à vida de terceiros, conforme previsto no artigo 13 da Resolução.
A Resolução nº 59 do CNJ veio, de fato, auxiliar na correta utilização da Lei de Interceptação Telefônica que, por mais de dez anos, vigorava sem qualquer artigo que tratasse sobre procedimentos para a sua concessão.
Passado quase dois anos da vigência desta Resolução mais de dez anos da Lei de Interceptação Telefônica, uma nova discussão surgiu diante da omissão quanto a suspeição ou não do juiz que concede a interceptação.
O entendimento até então era de que, quem concedia a autorização para a escuta telefônica, tornava-se prevento para julgar aquele caso. Todavia, doutrinadores e defensores desenvolveram a tese de que, o juiz que concede a autorização ainda na fase policial, torna-se suspeito para julgar o caso, pois de certa forma já emitiu juízo de valor à causa, pois teve prévio conhecimento e análise da mesa.
Entende este autor que, de fato, o juiz que concede a interceptação telefônica não pode receber o processo ao fim do Inquérito Policial, não devendo ser considerado prevento para o julgamento, mas sim, suspeito.
No Código de Processo Penal, em seu artigo 252, III, traz que o juiz não pode exercer a jurisdição no processo em que “tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciado-se, de fato ou de direito, sobre a questão”.
Se o Inquérito Policial é a fase inquisitória, onde não cabe o contraditório e a ampla defesa e, justamente o juiz posiciona-se favorável a concessão da medida, por entender presentes indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, como pode ele não ser suspeito, já tendo emitido decisão na causa?
É dever da defesa argüir a suspeição de juízes que concedem a interceptação na fase de Inquérito e participam também da fase judicial, tendo como amparo legal os artigos 252, III e 564, I do CPP.
Desta forma, estará a defesa lutando não apenas pela defesa de seu cliente, mas pelo direito da sociedade em geral de ser julgada por um juiz neutro, imparcial e que não tenho tido prévio contato com o caso.
Outro ponto polêmico que a Lei de Interceptação Telefônica traz é quanto à pessoa competente para requerer a concessão da Interceptação.
Traz o artigo 3º da lei 9296/96:
Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:
I - da autoridade policial, na investigação criminal;
II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.
Conforme leitura deste artigo, constatamos que o legislador tornou possível a concessão da interceptação de ofício pelo próprio magistrado. Desta forma, o juiz passaria a desempenhar papel principal e ativo na investigação.
Não há menor dúvida que, ao determinar de ofício a interceptação, o juiz torna-se suspeito para julgar o caso. Essa determinação faz com que a imparcialidade do juiz possa e deva ser contestada, pois não pode o mesmo ser pólo ativo de uma investigação criminal.
O artigo 3º da lei, em seus incisos I e II também prevê expressamente a possibilidade de a autoridade policial e o representante do Ministério Público representarem pelo pedido de interceptação telefônica.
Cada um destes incisos gera dúvidas diferentes: primeiramente, quem é a autoridade policial competente para requerer a medida? Em seguida, como seria realizada a interceptação requerida pelo Ministério Público?
Para o Processo Penal, autoridade policial é o delegado de polícia de carreira. Nesse sentido, encontramos fundamento no artigo 4º, do Código de Processo Penal:
Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Na mesma direção, temos o artigo 144, § 4º da Constituição Federal: "às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares".
Todavia, não é raro encontrar pedidos de interceptação telefônica requeridas por Policiais Militares, na pessoa do Comandante da tropa.
Entende o autor que esta interceptação não pode ser aceita como prova, pois o Comandante da Polícia Militar não está elencado no rol do artigo 3º de referida lei.
Em cidades menores, com poucos habitantes, é comum encontrar representações por Interceptação Telefônica e mesmo Busca e Apreensão assinadas por oficiais da polícia militar, sob a justificativa de inexistência de autoridade policial no local.
Por último, entende o autor que, quando representada a interceptação telefônica por representante do Ministério Público, a mesma deva ser acompanhada por integrantes da polícia, pois a questão do poder de investigação do Ministério Público ainda não foi pacificada.
3 - CONCLUSÃO
A Lei nº 9.296/96 foi inovadora para a época de sua elaboração, mas deixou a desejar na questão processual, quando não tratou dos procedimentos a serem adotados nos pedidos e concessões de interceptação telefônica.
A Resolução nº 59 do CNJ veio a suprir algumas lacunas da lei, sendo muito bem recebida. Todavia, não tratou sobre o posicionamento do magistrado após a concessão da interceptação.
Após análise e estudo sobre o caso, este autor entendeu prudente a arguição de suspeição do juiz que concedeu a interceptação, haja vista que já emitiu previamente juízo de valor à causa, quando decidiu contra o investigado ainda na fase inquisitorial.
Encerrando o artigo, discutiu-se quem são as pessoas competentes para requerer a interceptação telefônica, onde viu-se que a Polícia Militar, na pessoa de seus oficiais, não está no rol do artigo 3º da lei de Interceptação Telefônica.