A audiência de conciliação e mediação e o desinteresse de uma das partes pela sua realização

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O presente artigo visa o estudo de uma questão debatida na doutrina brasileira: se uma das partes não quiser realizar a audiência de conciliação, ela ainda assim será realizada ou se há a necessidade de que ambas as partes manifestem o desinteresse?

Resumo: o presente trabalho trata sobre a audiência de conciliação e mediação. Primeiramente tratará do início do procedimento comum, até o momento da audiência de conciliação e mediação. Distinguindo a mediação e a conciliação. Discorrendo sobre a importância dada pelo Código de Processo Civil e pela Constituição Federal à autocomposição. Contendo a análise das hipóteses de dispensa da audiência de conciliação e mediação que trata o art. 334, §4ª do CPC, mas com enfoque no inciso I do dispositivo, que trata sobre a necessidade de ambas as partes manifestarem o desinteresse na realização da audiência. Trazendo, ainda, questionamentos sobre a eficácia do dispositivo e de como a doutrina e os tribunais vem interpretando-o. Este artigo trata, ainda, sobre a análise da Lei Federal nº 13.140/2015 e como ela pode, ou se deve, interferir na interpretação do artigo 334 do Código de Processo Civil. Assim, indaga-se, ao final deste documento, se a obrigatoriedade de que ambas as partes se manifestem contrárias à audiência, caso haja a interpretação literal do art. 334, §4º, inciso I do CPC, não fere a celeridade e efetividade do processo, acarretando numa possível maior morosidade do poder judiciário.

Palavras-chave: Audiência 1. Conciliação 2. Mediação 3. Obrigatoriedade 4. Desinteresse 5.

1. INTRODUÇÃO

A audiência de conciliação e mediação é tratada no Código de Processo Civil e é um dos principais meios de solução de conflitos, pois utiliza a autocomposição das partes para pôr fim ao processo, resolvendo o mérito do que era discutido.

Sendo a temática específica do trabalho a análise da vontade das partes em comparecer à audiência de conciliação, analisando o art. 334, §4º, inciso I do CPC, que trata, expressamente, da necessidade de que ambas as partes se manifestem contra a realização da audiência.

A problemática é que, mesmo que uma das partes do processo não tenham quaisquer interesses pela autocomposição, são compelidas a comparecer na audiência caso a outra queira que esta ocorra, gerando um aumento na duração do processo.

Objetivando analisar este problema, será discorrido neste artigo o modo que a Constituição Federal trata a autocomposição, bem como o Código de Processo Civil, e como isto implica na interpretação do dispositivo do art. 334, §4º, inciso I do CPC, além de como a doutrina o analisa. Sendo relatado o possível impacto que a Lei Federal 13.140/2015 tem sobre a interpretação de como o Código de Processo Civil trata a realização da audiência.

A técnica metodológica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica, análise legislativa, doutrinária e artigos.

No primeiro tópico se abordará da autocomposição das partes e como os diplomas legais e a doutrina tratam da importância dela no processo.

O segundo tópico tratará sobre o procedimento comum, discorrendo brevemente sobre o trâmite até a ocorrência da audiência de conciliação e mediação.

Já o terceiro tópico versará sobre os casos que não terão a audiência de conciliação e mediação, com enfoque na hipótese de que ambas as partes se manifestem contrariamente a ocorrência da audiência de conciliação e mediação.

Por fim, o quarto tópico discorrerá sobre o modo que ocorrem as audiências e se há incentivo do sistema processual das partes manifestarem sua vontade de não participar da audiência, analisando a doutrina e a legislação.

2. A AUTOCOMPOSIÇÃO E O SEU INCENTIVO

No início do Código de Processo Civil o legislador impõe ao Estado o dever de promover, quando possível, uma solução consensual entre as partes para a resolução de conflitos.[3] Ressalta-se que esse dever de privilegiar e incentivar acordos entre as partes não é apenas do estado, mas também se aos advogados[4].

A preferência e incentivo do Código de Processo Civil pela autocomposição é pelo simples motivo: quando a solução vem do acordo das partes, se terá uma satisfação maior que se o juiz impuser uma solução à divergência dos litigantes. Caso a solução advenha de terceiro, dificilmente se conseguirá agradar a todos, já que quando o juiz profere uma sentença, dará o provimento a algum dos pedidos de algumas das partes, seja pela procedência de algum dos pedidos da petição inicial, todos ou, ainda, pela total improcedência.

Numa autocomposição se é possível chegar a um meio termo e a um aceite maior da solução tida, tendo a maior probabilidade de aceite por todos. Por isso o incentivo do Código de Processo Civil pelos acordos, tendo recorrentes audiências ao longo do processo. Por exemplo, na fase inicial do processo poderão ter mais de uma sessão destinada à mediação e conciliação[5].

Ou seja, pode a audiência se desdobrar em diversas sessões, tantas quanto necessárias para que as partes cheguem a um acordo, desde que as sessões não ultrapassem 2 (dois) meses da realização da primeira. Ressalvados casos em que as partes convencionem uma prorrogação distinta desta[6]. As partes litigantes podem, inclusive, realizar acordos em qualquer momento do processo, inclusive, ainda que não estando no ato da audiência. Devendo apenas submeter o acordo para homologação do juiz[7].

2. AS ETAPAS NO PROCEDIMENTO COMUM ATÉ A AUDIÊNCIA DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO

O judiciário é inerte por natureza. Para se iniciar um processo, é necessário que alguém o impulsione[8] através de uma manifestação formal que, comumente ocorre por meio de uma petição (chamada petição inicial). É necessário que esta petição preencha os requisitos legais[9], que são a exigência de um padrão mínimo de elementos necessários para que o juiz obtenha o conhecimento da lide.

Assim, caso a petição não cumpra os requisitos, ou apresente demais causas que possam dificultar o julgamento, o juiz requererá ao autor que emende ou complete a petição inicial, caso não o faça, o juiz indeferirá. Não sendo causa de indeferimento[10], deve-se analisar se não é um caso de caso de se improceder liminarmente o pedido[11]. A improcedência liminar ocorre quando se contraria o entendimento tido pelos tribunais, na forma do art. 332 do CPC.

Passadas estas análises, estando a petição inicial adequada, designar-se-á a audiência, se não for um dos casos que não deve ocorrer a audiência, conforme o §4º do art. 334 do CPC.

3. OS CASOS QUE NÃO OCORREM AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO

O art. 334, §4º do CPC, preluz, em seus dois incisos, os casos que não ocorrerão a audiência de conciliação e mediação. Visando facilitar a compreensão, deve-se analisar primeiramente o inciso II do §4º, do art. 334 do CPC. Onde é exposto que não ocorrerá audiência quando não for possível a auto composição entre as partes.

Aqui é importante destacar que o Código optou por não dizer sobre direitos indisponíveis, mas sim sobre os casos que se não admita a autocomposição. A diferença entre eles é que os direitos indisponíveis é que estes, ainda que indisponíveis, permitem que ocorra a autocomposição. Um exemplo de direito indisponível são os direitos autorais[12].

Necessário destacar que o direito indisponível que admite transação é relativamente indisponível, a depender do grau de controle estatal que é dado ao tema. Portanto a disponibilidade de transação não descaracteriza o direito de algo como disponível ou indisponível[13].

Já os direitos que não admitem a auto composição são mais restritos, dificilmente se encontraram casos entre particulares que não se admitirá autocomposição. O mais corriqueiro de se enquadrar nesse inciso são direitos referentes ao patrimônio de algum ente federativo. Como exemplo são os direitos sobre as dívidas públicas. Em regra, não é possível que haja audiência sobre elas, por necessidade de lei que autorize a autocomposição.

Voltando para o inciso I, §4º, do art. 334 do CPC, a outra hipótese que não ocorra a audiência de conciliação e mediação é para os casos em que ambas as partes se manifestem contrariamente à sua realização. Aqui há controvérsias doutrinárias sobre como se deve aplicar este dispositivo, e é o enfoque deste artigo.

Há renomados e respeitosíssimos doutrinadores que sustentam que a interpretação deve ser literal deste dispositivo. Aqui pode-se citar Daniel Amorim Assumpção Neves[14], Humberto Theodoro Junior[15], Marcus Vinicius Rios Gonçalves[16] e Fredie Didier[17]. Entendem estes que ambas as partes devem se manifestar no processo informando que não tem interesse em realizar a audiência. Se apenas uma das partes informar seu desinteresse, ainda assim ocorrerá.

Então seria necessário que o autor, na petição inicial, manifestasse expressamente que não tem interesse em realizar a audiência (caso de silêncio é entendido que quer que ocorra) e que o réu deverá fazê-lo por petição, a ser apresentada com no mínimo 10 (dez) dias de antecedência da audiência. O prazo para o réu contestar se iniciaria a partir do protocolo da petição que informa o desinteresse pela audiência.

Esta interpretação aparenta ser ineficiente. Se uma das partes já se manifestou contrária a realização da audiência, a ocorrência desta apenas prorrogaria o processo, além de ter baixíssima probabilidade de eficácia para que ocorra a conciliação.

Há outra corrente, minoritária se comparada a anterior, mas com mais lógica processual. Esta corrente defende que bastaria apenas uma das partes informar que não quer que ocorra a audiência. Aqui se encontra o ilustríssimo doutrinador e desembargador Alexandre Freitas Câmara[18].

A sustentação dessa corrente se encontra não apenas no Código de Processo Civil, mas também na Lei Federal 13.140 de 2015. Esta lei se estende, em diversos pontos, para as audiências de conciliação.

Por isso, quando a referida lei veio a entrar em vigor posteriormente ao Código de Processo Civil e, no art. 2º, §2º, que diz que “ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação”, é interpretativo, afirma a segunda corrente, que a não ocorrência da audiência é condicionada a manifestação de vontade de qualquer das partes.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É cediço concluir que, apesar da lógica processual acompanhar a segunda corrente, na qual indicaria que o caminho sensato seria a da necessidade de que apenas uma partes se manifeste contrariamente à audiência para que ela não ocorra, não pode-se deixar de lado a literalidade do código e, além disso, todo o sistema processual que predispõe à solução consensual de conflitos.

A audiência é um meio extremamente importante para a composição, já que coloca ambas as partes no mesmo ambiente. Além disso, sustentar que por conta do art. 2º, §2º da Lei nº 13.140 de 2015 a audiência não deve ocorrer não parece o mais adequado. O dispositivo diz que nenhuma das partes é obrigada a permanecer em procedimento de mediação.

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Estendendo o artigo e adentrando brevemente no campo da língua portuguesa, a palavra permanecer teria o significado[19] de “Seguir existindo; manter-se ou conservar-se; continuar”. Este verbo é referente a algo que já existe e se manterá neste estado de existência.

Agora, avançando para o art. 14, ainda da Lei nº 13.140 de 2015, que é o início da seção III, trate justamente do procedimento de mediação, denota-se que este se inicia com a primeira reunião, encerrando-se, conforme consta no art. 20, com a lavratura do termo final.

Como o início do procedimento de mediação é com a reunião das partes, ninguém será obrigado a permanecer nesta(audiência), mas há, sim, uma obrigação de comparecer, afinal, caso uma das partes opte para que a audiência ocorra, ela irá ocorrer. É esta a vontade do legislador em optar por uma preferência em resolução consensual, ainda que com isso ocorra uma provável dilação do processual, caso haja alguém atuando sem a boa-fé subjetiva. Uma das partes não ter o interesse de realizar a audiência já deveria ser o suficiente para que esta não ocorra.

Retornando ao rito, para se ter uma breve noção do tempo perdido com a ocorrência da audiência, quando o autor protocola a petição inicial informando que não tem o interesse na realização da audiência, ainda assim o juiz irá designá-la. O prazo para a audiência é pelo menos 30 (trinta) dias posteriores ao protocolo da inicial. Por conta da quantidade exorbitante de processos que há no judiciário brasileiro, esse prazo dificilmente será de apenas 30 (trinta dias).

De todo modo, supondo que seja este o prazo da designação da audiência e o autor seja citado corretamente, ocorra a audiência, não tendo acordo, o autor terá 15 (quinze) dias úteis para protocolar a contestação. A economia de tempo é exorbitante nesse caso.

O prazo da contestação poderia ter sido já da citação dele ao processo, caso o magistrado não designasse a audiência. Tendo assim uma economia processual enorme para as partes, que terão suas pretensões atendidas mais rapidamente. Logo, apesar de que atualmente a interpretação do art. 334, §4º, I do CPC deva ocorrer de maneira literal, é necessária uma mudança neste dispositivo, para que não se haja uma dilação sem sentido no processo.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARTINS, Gabriela Freire, “DIREITOS INDISPONÍVEIS QUE ADMITEM TRANSAÇÃO”: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI Nº 13.140/2015, Caderno Virtual, 2016, Brasília.

NEVES, Daniel Amorim, Manual do Direito Processual Civil, Volume Único, 10ª Edição, São Paulo/SP, Juspodvm, 2018.

THEODORO JR., Humberto, Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 56ª Edição, São Paulo/SP, Gen Forense, 2016.

GONÇALVES, Marcus Vinicius, Direito Processual Civil Esquematizado, 8ª Edição, São Paulo/SP, Saraiva, 2017.

DIDIER JR., Fredie, Curso de Direito Processual Civil, Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento, Vol. I, Salvador/BA, Juspodvm, 2019.

CÂMARA, Alexandre, O Novo Processo Civil Brasileiro, 6ª Edição, São Paulo/SP, Atlas, 2020.

https://www.dicio.com.br/permanecer/, acessado em 18.06.2020, às 00:55h.


[3] Art. 3º, §2º do Código de Processo Civil de 2015.

[4] Art. 3º, §3º do Código de Processo Civil de 2015.

[5] Art. 334, §2ª do Código de Processo Civil de 2015.

[6] Art. 28 da lei nº 13.140 de 2015.

[7] Art. 487, III, b, do Código de Processo Civil de 2015.

[8] Art. 2º do Código de Processo Civil de 2015.

[9] Art. 319 do Código de Processo Civil de 2015.

[10] Art. 330 do Código de Processo Civil de 2015.

[11] Art. 332 do Código de Processo Civil de 2015.

[12] Disponível em: http://www.unesc.net/portal/blog/ver/571/39373, acessado em18.06.2020, às 00:09h.

[13]  Martins, Gabriela Freire, “DIREITOS INDISPONÍVEIS QUE ADMITEM TRANSAÇÃO”: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI Nº 13.140/2015, Caderno Virtual, 2016, Brasília.

[14] NEVES, Daniel, Manual do Direito Processual Civil, Volume Único, 10ª Edição, São Paulo/SP, Juspodvm, 2018.

[15] THEODORO JR., Humberto, Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 56ª Edição, São Paulo/SP, Gen Forense, 2016.

[16] GONÇALVES, Marcus Vinicius, Direito Processual Civil Esquematizado, 8ª Edição, São Paulo/SP, Saraiva, 2017.

[17] DIDIER JR., Fredie, Curso de Direito Processual Civil, Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento, Vol. I, Salvador/BA, Juspodvm, 2019.

[18] CÂMARA, Alexandre, O Novo Processo Civil Brasileiro, 6ª Edição, São Paulo/SP, Atlas, 2020.

[19] Disponível em: https://www.dicio.com.br/permanecer/, acessado em 18.06.2020, às 00:55h.

Sobre o autor
Gabriel Freitas Bergamo Martins

Advogado e Pós-graduando em Direito Processual Civil no Curso Fórum e em Direito e Planejamento Tributário na Universidade Estácio de Sá.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O texto foi elaborado visando o estudo da questão levantada por parte da doutrina pátria nacional: é necessário que apenas uma das partes manifeste o desinteresse em realizar a audiência de conciliação e mediação ou precisa das duas partes manifestando o desinteresse?

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