Soluções tributárias para abalo econômico das empresas com a pandemia

26/03/2021 às 11:01
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O abalo social vivido no período pandêmico, fruto do enfraquecimento das atividades econômicas, gerou um empobrecimento da massa produtiva em níveis jamais vistos em tão curto tempo. Cabe ao Estado, à iniciativa privada e à sociedade, buscar alternativas.

Luiz Fernando Maia

Para o economista francês Charles Gide, as necessidades da pessoa humana constituem a motivação para o empreendimento de todas as atividades econômicas e, por via de consequência, o ponto de partida de toda a ciência econômica. De outra banda, tanto a economia pública como a privada têm razão existencial de satisfazer estas necessidades, o que ocorre diretamente pelas empresas privadas ou pelo Poder Público (necessidade públicas), que via de regra contrata empresas para tal mister.

Este breve intróito se fez necessário para trazer a ideia nuclear deste artigo, de que cabe ao Estado, à iniciativa privada e à sociedade, buscar todas as alternativas legítimas, legais e constitucionais na recuperação das atividades econômicas, em essência canalizada nas empresas privadas, já que somente com a recuperação destas, é possível falar em recuperação econômica.

O abalo social vivido no período pandêmico, fruto do enfraquecimento das atividades econômicas, gerou um empobrecimento da massa produtiva em níveis jamais vistos em tão curto tempo. Importante ainda ressaltar que o tema não tem o propósito de, sequer tangencialmente, criticar as medidas sanitárias, em especial o afastamento social, fundamental para salvar vidas, que, pelos elevados índices de contágio e mortalidade ainda constatados e a demora na imunização, nos antevê perdurarem pelo menos até o fim de 2021.

Por mais que houve esforços governamentais em âmbito Federal e dos Estados, o custo Brasil não permitiu que projetos de socorro emergencial ou de renda mínima, fossem nos patamares que seriam eficazes a atender a carência da classe mais pobre do país. Hoje, quando falamos de renda mínima no Brasil, ainda estamos na tênue divisa de faminto ou não faminto.

A atividade econômica, através das empresas, é a mola propulsora para gerar empregos, renda e os tributos que viabilizam o Estado provedor. A este último, cabe, doravante, um planejamento consciente de seus gastos administrativos, que permita a recuperação do erário, o que não significa afastar a necessidade de forte investimento de verbas públicas ao amparo das camadas mais carentes, na busca de uma renda mínima que efetivamente garanta uma vida digna. De outra parte, cabe ao meio empresarial reinventar-se para a volta ao mais próximo do normal.

São vários os flancos que deverão ser trabalhados e prospectados para mais rápida e eficiente recuperação da nossa economia e, por consequente do nosso déficit social, infinitamente agravado pela Covid-19. Pedindo escusas pelo longo prelúdio, chego ao objeto deste breve estudo.

Aponto que a recuperação econômica das empresas é o primeiro passo para os vagões voltarem aos trilhos, bem como que já ocorreram prontas e necessárias intervenções do estado no âmbito dos socorros às empresas, como financiamentos especiais e pontuais para micros e pequenas empresas, viabilização da regularização do passivo tributário das empresas, com parcelamentos ou transação tributárias, cite-se a LC nº 174, que autorizou a extinção por transação de créditos tributários apurados na forma do Regime do Simples Nacional.

Mais recentemente a Portaria ME/PGFN nº 1.696/2021, que institui a transação de tributos federais inscritos em Dívida Ativa da União Federal e não pagos até 31 de dezembro de 2020, em razão dos impactos econômicos advindos da Covid-19, com prazo de adesão fixado até 30 de junho de 2021. Acrescente-se ainda, a alteração da Lei do parcelamento Federal nºº10.522/2002, com inclusão do artigo 10-A, através da lei nº 14.112/2020 (que também veiculou as alterações das regras da Recuperação Judicial,com opção de parcelamento e transação às empresas recuperandas).

No entanto, não há como fugir a realidade de que tais viabilizações de composição do passivo tributário das empresas não são suficientes para retorná-las ao novo normal. Praticamente, todos os segmentos experimentaram aguda queda de faturamento, e por certo isto não se recupera em curto prazo. A consequência lógica é de que não há como pagar o tributo de mês vincendo, mais os valores de parcelamentos de tributos cumulativamente, nos limites máximos de parcelamentos estabelecidos até aqui.

Além disso, há as renegociações de dívidas com bancos e inadimplência dos seus clientes, atípica no período da pandemia. Pesa ainda, o fantasma do aumento da tributação pelos estados, fruto do término de programas de incentivos fiscais, o qual, embora inoportuno em termos de recuperação da economia das empresas, oportuno em termos de recomposição do erário, esvaziado para atender as necessidades da pandemia.

Por melhor que seja a resposta do mercado pós-pandemia, ainda fica remota a possibilidade de voltar a contratar, caso novas soluções não ocorram. Vivemos sob a égide de um sistema constitucional rígido, que contém em seu bojo o sistema tributário, como também a responsabilidade fiscal do administrador.

Por isso, não basta querer é preciso garimpar instrumentos legítimos e constitucionais que ampliem ainda mais a intervenção do estado na economia neste momento, na medida exata que a intervenção se faz necessária. Criatividade e constitucionalidade.

O instituto da transação tributária poderia vir a ser usado com maior amplitude, como meio e solução para o passivo tributário das empresas e o reforço do erário público. Previsto no artigo 171 do Código Tributário nacional e relegado desde a vigência do mesmo, em 2015, com o advento do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105.15), na construção dos artigos 3, §§2º e 3º, artigos 190, 165 ao 175, 334, 515, III e §2, 695, 725, VIII, avivou-se o instituto da transação tributária. O instituto do negócio jurídico processual (art. 190 do CPC) permitiu às partes estipularem mudanças nos procedimentos processuais, segundo a característica da ação, inclusive no âmbito das demandas tributárias, trazendo a potencialidade do diálogo contribuinte e fazenda pública em juízo ou mesmo administrativamente.

A efetividade do artigo 171 do CTN deve-se também à adequação da jurisprudência no sentido de superar a até então radical posição de em nome da defesa do interesse público impedir a promoção e a produção de efeitos dos negócios jurídicos processuais envolvendo a Fazenda Pública. Isto se deu pelo reconhecimento da supremacia do interesse público não se configurar como um princípio e sim como regra, aplicável nos casos em que a lei expressamente prever.

Nesta linha, cite-se o art.19, §12 da Lei nº 10.522/2002, alterado pela Lei nº 13.874/2019 (Lei de Liberdade Econômica) que alberga expressamente a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais atípicos entre a Fazenda Nacional e os Órgãos do Poder Judiciário, para dispor sobre regras para intimações, prazos, forma e divulgação de atos processuais etc. Torna-se assim, atualizadas as premissas do tributarista Ricardo Lobo Torres.

“A nova processualidade fiscal pressupõe a crítica vigorosa ao princípio da supremacia do interesse público. Hoje, parte importante da doutrina brasileira repeliu a tese da superioridade do interesse público, separando o interesse da Fazenda Pública do interesse público. O interesse fiscal, na época do processo administrativo tributário equitativo, só pode ser o interesse de arrecadar o imposto justo, fundado na capacidade contributiva”.

A Legislação Tributária sobre o Negócio Jurídico Processual no âmbito federal veio restritivamente através das Portarias nº 985/1615, ampliadas na portaria PGFN nº 33/2018. Finalmente, a transação tributária na Lei de Liberdade Econômica (nº 13.988/2020 nascida da MP 899/19, art. 19 §12). Em nível dos Estados, cite-se o pioneirismo de Minas Gerais, com regramento da transação tributária desde 2015. Some-se a tais evoluções a possibilidade da transação envolver dação de bens imóveis para pagamento de tributos inscritos na dívida ativa ou não, por força da Lei Complementar nº 104/2001, que alterou a redação do artigo 156 do CTN, incluindo tal modalidade de extinção do crédito tributário, o que veio a ser regulamentado em âmbito federal pela Portaria PGFN nº 032/2018.

O arcabouço jurídico acima, não está a equiparar os institutos do negócio Jurídico processual, da transação ou a dação em pagamento no âmbito tributário, mas sim a explicitar as possibilidades da negociação do passivo tributário direta entre o fisco e o contribuinte, em juízo ou administrativamente.

Nesta linha, apresentamos abaixo duas potências alternativas que vão de interesse ao contribuinte e à Fazenda Pública, dentro da premissa de abrir-se novos flancos para viabilizar a recuperação das empresas, aqui, com especificidade, quanto a sua regularização tributária, concomitantemente ao momento de difícil recuperação da economia.

Transação Tributária entre créditos da fazenda pública e indébitos reconhecido ao contribuinte e com dação em pagamento de bens móveis (mercadorias).

Segundo Relatório Contábil do Tesouro Nacional (2) de julho de 2020, no ano de 2019, constatou-se um aumento expressivo das provisões para perdas judiciais da União, que chega a cifra de R$ 681,2 bilhões dos quais, pelo  menos 50% decorrem de indébitos tributários. Somente a vitória dos contribuintes quanto a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins representa cerca de R$ R$ 250,3 bilhões.

A tese da exclusão da base do PIS e da Cofins do valor do ICMS foi julgada como Tema 69 de repercussão Geral no STF (RE 574.706/PR), com cerca de 10 mil processos suspensos nas instâncias de origem aguardando a definição da Suprema Corte, que deu vitória aos contribuintes. Atualmente, o acórdão só não transitou em julgado porque pende de um Embargo de Declaração da União, para dirimir se o valor do ICMS a ser abatido da base das contribuições é o ICMS pago no mês ou o valor do ICMS constante na Nota Fiscal.

Qualquer um que tenha analisado os votos de cada ministro, constatará facilmente que os embargos tiveram finalidade postergadora e que, inevitável a  condenação de que o valor do ICMS a ser abatido da base de cálculo das indigitadas contribuições é o lançado na Nota Fiscal. No entanto, o legítimo direito do indébito pelos contribuintes dorme na Suprema Corte, já que o acórdão foi prolatado em março de 2017, a União (Amicus curiae) ingressou com embargos de declaração em outubro do mesmo ano, que teve a pauta para julgamento em 5 de dezembro de 2019 cancelada e, até hoje, não há qualquer previsão de ser novamente pautado para julgamento.

Parece-nos que a União não poderá furtar-se a cumprir a decisão do Supremo “Ad eternum”, escorando-se na lentidão do STF em resolver definitivamente a questão, cujo mérito é absolutamente inquestionável, ao ponto da União, para fins de cumprimento da LDO, ter lançado a provisão para pagar tal passivo junto aos contribuintes nos exatos R$ 250,3 bilhões, que corresponde ao indébito correspondente ao desconto da base de cálculo do PIS e da Cofins do Valor do ICMS, constante na Nota Fiscal.

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Entre anos de suspense e a solução imediata do impasse, atendendo a União e aos contribuintes credores, crível a União abrir transação com os contribuintes interessados para mediante transação quitarem passivos tributários inscritos ou não, com redução do valor do indébito, razoável ao mérito já esculpido no acórdão (Ex: 15/20%).

Lembramos, por similitude, a negociação conduzida pela AGU e pelo Banco Central em conjunto com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Frente Brasileira dos Poupadores (Febrapo) e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban)  para extinguir ações na Justiça que corriam há mais de 20 anos.

Recordemos agora, a situação da efetividade das Execuções Fiscais em todos os níveis no Brasil. No caso federal, do total médio de arrecadação de tributos federais, cerca de R$1,5 trilhão, havia um volume de dívida ativa inscrita em 2019 de R$ 844 bilhões, conforme Relatório do Tesouro Nacional, publicado em julho de 2020.

Pois bem, novamente aqui, a razoabilidade com legitimidade, legalidade e constitucionalidade pode trazer mais uma forma de transação facilitadora a composição das empresas com o Fisco neste momento pandêmico, pagando seus tributos vencidos com dação em pagamento de mercadorias por ele produzidas ou comercializados. A Fazenda Pública teria atendido sua necessidade de compras de produtos para os inúmeros fins atribuídos à administração pública, desde a manutenção de seus imóveis, materiais assépticos para hospitais, cestas básicas, material escolar etc e, ao mesmo tempo, o contribuinte solvido sua dívida com esta.

Em primeira vista, a proposta acima parece incompatível com a redação da Lei Complementar n° 104/ 200, que ao incluir o inciso XI no art. 156 do CTN trouxe a possibilidade do crédito tributário ser extinto pela dação em pagamento de bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. No entanto, a dação em pagamento introduzida no artigo 156, XI trata-se da dação em pagamento de imóveis levada em efeito em transação dentro de uma execução fiscal.

Importante ter-se em mente que há total autonomia da dação em pagamento tratada no artigo 156, inciso XI, em relação a extinção do crédito tributário prevista no inciso III do mesmo artigo do CTN. Aqui, a extinção do crédito tributário não ocorre pela dação em pagamento em si, decorre em verdade da transação tributária, onde a dação se insere tão somente como um dos componentes do termo da transação, viabilizando o pagamento do passivo tributário administrativamente ou judicialmente.  Conforme afirma com precisão peculiar Diogo Ferraz Lemos Tavares, a diferença dos incisos XI e III não é meramente formal ou topológica e sim material.

“A diferença que fazemos acima não é meramente formal ou topológica; é material. A transação, seja qual for o mecanismo utilizado para o cumprimento da obrigação tributária que subsistir às concessões mútuas (pagamento em dinheiro, dação em pagamento, parcelamento etc.), é sempre facultativa, por imposição do art. 171 do CTN, como visto acima. A extinção do crédito tributário via transação não é potestade do Estado nem direito subjetivo do contribuinte; é uma faculdade concedida a ambos que só tem efetividade se ambos exercitam essa opção.”

Oportuno lembrar-se ainda que o CTN, ao tratar da transação tributária, nunca estabeleceu limites relacionados ao que poderia ou não ser objeto de transação. Em outras palavras, atendido o interesse da Fazenda Pública em receber o crédito tributário da forma que lhe seja mais vantajosa ou menos prejudicial, segundo a recuperabilidade do passivo, possível, portanto, a transação tributária com pagamento parcial ou total em bens móveis, além de imóveis.

A premissa acima, se reforça pelo histórico em alguns estados, como no caso de São Paulo, em que as Procuradorias da Fazenda Nacional em passado não tão remoto, ajustavam nas execuções fiscais o pagamento de tributos cobrados em mercadorias.

Assim, oportuniza-se aqui outro flanco a ser explorado para facilitar as empresas na solução dos passivos tributários, onde presente as seguintes vantagens, além da legalidade suso discorrida.

a. Redução do volume de dívidas inscritas ou não inscritas em aberto, inclusive com perspectiva da Fazenda Pública receber do contribuinte dívidas que em situação normal não viria a receber;

b. Viabilização do pagamento do crédito tributário por bens móveis, utilizando-se  do resultado de sua produção ou de seus estoques (com maior dificuldade de escoar neste período pandêmico), mantendo maior disponibilidade em caixa;

c. Vantagens financeiras para o contribuinte que, quando vende ao estado (no caso entrega mercadorias em dação em pagamento), quanto ao ICMS por exemplo, tem assegurado a isenção na saída dos produtos e a manutenção dos créditos da matéria-prima e insumos;

d. Vantagem financeira ao erário, que deixa de realizar despesas necessárias ao receber bens em dação de pagamento de tributos que irão suprir tais necessidades de despesas, podendo realocar as verbas que deixa de dar saída, em decorrência de receber produtos nestas condições;

e. Garantia da Fazenda Pública receber a mercadoria pelo menor preço, pois antes de formalizada a transação, previamente, a empresa interessada em participar dos processos licitatórios abertos pela administração para aquisição de bens e produtos.

Conclusão:

O grave momento sanitário e econômico não será resolvido por inércia do poder público e privado, e sim por rápidas medidas, pelo menos ousadas. No flanco das alternativas tratadas neste artigo, de forma não pretensiosa, buscamos externar que, em rápida visita a um dos pontos que aflige as empresas hoje, o passivo tributário e sua solvência pós-pandemia, existe um mundo novo a ser explorado no tocante a negociação Fisco e contribuinte, no ambiente da transação tributária. Este horizonte pode e deve ampliar-se em outros horizontes, como fiscal, financiamentos bancários incentivados, culminando em condições ideais que permitam ao país resolver seu maior passivo existencial, o social.

Luiz Fernando Maia é advogado e sócio-fundador do escritório LF Maia Sociedade de Advogados.

Sobre o autor
Luiz Fernando Maia

Advogado, mestre em Direito Constitucional, e sócio-fundador do escritório LF Maia Sociedade de Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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