UMA IMPOSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSDIÁRIA DA PÚBLICA

26/03/2021 às 13:06
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TRATA-SE DE ARTIGO QUE DISCUTE OS LIMITES DA AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA.

UMA IMPOSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSDIÁRIA DA PÚBLICA  

Rogério Tadeu Romano  

Segundo a Folha, em sua edição de 26 de março do corrente ano, “a representação feita pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, denuncie Jair Bolsonaro por crimes praticados na condução da pandemia é vista até por integrantes da entidade como sem futuro.” 

A leitura de alguns advogados, no entanto, é a de que Aras não vai tomar as providências pedidas, mas, assim, pode abrir caminho para a OAB entrar diretamente com uma ação privada contra o presidente. 

Trata-se de uma ação penal privada subsidiária da pública pelo que entendi.   

O Ministério Público, a teor do artigo 129, I, da Constituição Federal, é o titular da ação penal pública, na forma da lei.  

Com relação ao inquérito policial, a opinio delicti cabe ao titular da ação penal e não àquele que se limita, simplesmente a investigar o fato infringente da norma e que tenha sido o seu autor. 

Por isso mesmo não pode, a autoridade que investiga ou o juiz determinar, de oficio, o arquivamento dos autos do inquérito. 

Dispõe o artigo 17 do CPP que a autoridade policial não poderá mandar arquivar autos do inquérito policial. O pedido de arquivamento, nos crimes de ação penal pública, fica afeto ao órgão do Ministério Público. Somente ele pode requerer ao magistrado competente seja arquivado o inquérito e caso a autoridade judicial acolha as razões invocadas por ele, determina-lo-á. Do contrário, agira em conformidade com o artigo 28 do CPP. 

Note-se o que ocorre com a redação do artigo 231 do Regimento Interno, atualizado com a introdução da Emenda Regimental 44/2011, parágrafo quarto:   

O Relator tem competência para determinar o arquivamento, quando o requerer o Procurador-Geral da República ou quando verificar: RISTF: art. 317 (AgR). CPP: art. 522 (arquivamento da queixa). Lei 8.038/1990: art. 3º, I (arquivar inquérito). a) a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; b) a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; c) que o fato narrado evidentemente não constitui crime; d) extinta a punibilidade do agente; ou e) ausência de indícios mínimos de autoria ou materialidade, nos casos em que forem descumpridos os prazos para a instrução do inquérito ou para oferecimento de denúncia. 

Segundo o § 6º, o inquérito arquivado por falta de indícios mínimos de autoria ou materialidade poderá ser reaberto, caso surjam novos elementos(Atualizado com a introdução da Emenda Regimental 44/2011). 

Trata-se de um instrumento processual, de índole similar ao habeas corpus de oficio, já existente na legislação ordinária, que se coaduna com a proteção constitucional dada ao Supremo para resguardar preceitos fundamentais, dentre os quais o da liberdade, um direito fundamental. 

Há de se perguntar o que pode fazer aquele que se diz vítima diante da inércia do Parquet, titular da ação penal, para ajuizar a demanda. 

Discute-se a ação penal privada subsidiária da pública. 

São aqueles casos em que, diversamente das ações penais privadas exclusivas, a lei não prevê a ação como privada, mas sim como pública (condicionada ou incondicionada). Ocorre que o Ministério Público, titular da Ação Penal, fica inerte, ou seja, não adota uma das três medidas que pode tomar mediante um Inquérito Policial relatado ou quaisquer peças de informação (propor o arquivamento, denunciar ou requerer diligências). Para isso o Ministério Público tem um prazo que varia em regra de 5 dias para réu preso a 15 dias para réu solto. Não se manifestando (ficando inerte) nesse prazo, abre-se a possibilidade para que o ofendido, seu representante legal ou seus sucessores (art. 31, CPP c/c art. 100, § 4º., CP), ingressem com a ação penal privada subsidiária da pública. Isso tem previsão constitucional (artigo 5º., LIX, CF) e ordinária (artigos 100, § 3º., CP e 29, CPP). 

Diversa é a situação do Parquet nas ações penais privadas subsidiárias da pública, pois, no caso, é interveniente adesivo obrigatório. Pode intervir, diante da queixa-crime ajuizada pela vítima em face de sua inércia, obrigatoriamente, até para repudiar a ação, formulando nova peça processual(denúncia substitutiva) e até, diante do abandono do autor, prosseguir no polo ativo, ação penal indireta. Tal não se dá na ação penal privada propriamente dita e ainda naquela personalíssima. Afinal, se o Parquet for alijado da lide, na ação penal privada subsidiária da pública, haverá nulidade absoluta, que não se presume. 

O Ministério Público deverá fundamentar o repúdio, fornecendo elementos de prova. 

Poderá o Parquet, caso entenda que ação penal proposta pelo particular não atende os mínimos requisitos legais, deverá se manifestar pela rejeição da inicial pelo magistrado. Caso assim não entenda o juiz, poderá, outrossim, o Parquet ajuizar habeas corpus para trancar essa ação penal que foi iniciada. 

Poderá o Parquet interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal. Ora, a ação penal privada subsidiária da pública é indisponível. Caso se o querelante vier a apresentar perdão ou, se for desidioso, tentando ocasionar a perempção, deve ser afastado do polo ativo da relação processual, assumindo o Ministério Público, dali por diante, como parte principal(ação penal indireta). Ao querelante afastado lhe será dada a faculdade de ingressar como assistente. 

Aliás, nessas ações penais privadas subsidiárias da pública, não tenho dúvida de que o Parquet tem legitimidade e interesse de recorrer. 

O que dizer se terminado o rumoroso inquérito determinado e conduzido ex officio pelo Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria Geral da República nada fizer. 

Ora, dir-se-á que diante de uma possível inércia do titular da ação penal perante o STF, as chamadas vítimas poderão tomar providências para a iniciativa para o ajuizamento de ação penal? 

Ora, há o artigo 28 do Código de Processo Penal, em plena vigência.  

  O dispositivo estabelece que se o órgão do Ministério Público, em vez de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do MP para oferecê-la ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual, só então, o juiz estará obrigado a atender. 

Mas a matéria foi examinada no  Inquérito (Inq 2028) pelo STF.  

  O ministro Peluso disse que, diante do previsto pelo artigo 28 do Código, o pedido de arquivamento é um ato administrativo “unilateral, irrevogável e irretratável, mas condicionalmente revisível”. Explicou que se o Ministério Público pede o arquivamento e ele é acolhido pela Justiça, “não é possível rever o conteúdo do ato estatal, a menos que surjam novas provas”. 

    Segundo o ministro Gilmar Mendes, a jurisprudência do STF diz que, em face do pedido de arquivamento do Inquérito Policial, cabe ao Tribunal apenas deferi-lo. “Emitido o juízo do procurador-geral da República pelo arquivamento, ainda que pendente de decisão do Supremo Tribunal Federal, o Inquérito deverá ser arquivado, não sendo legítimo qualquer desvio da orientação proferida pela Procuradoria Geral da República, a não ser que haja novas provas”, afirmou o ministro Gilmar Mendes. 

Trago ainda à colação: 

"Inquérito - Arquivamento. Requerido o arquivamento do processo pelo Procurador-Geral da República, não cabe ao STF examinar o mérito das razões em que o titular único e último do dominus litis apóia seu pedido." (STF - Inq. - Rel. Min. Francisco Rezek - j. 26/6/85 - RT 608/447). 

Rômulo de Andrade Moreira(O Supremo Tribunal Federal e o arquivamento do inquérito policial ou de peças de informação em caso de atribuição originária do procurador-geral) disse:  

“Um dos princípios basilares da ação penal pública, como se sabe, é o da obrigatoriedade (ou da legalidade), segundo o qual deve o Ministério Público, havendo justa causa, oferecer denúncia imputando um fato delituoso a alguém (neste sentido o art. 24 do Código de Processo Penal). 


É bem verdade, outrossim, que este dogma processual penal sofreu uma certa mitigação com o advento da Lei nº. 9.099/95 quando consagrou no seu art. 76 a transação penal, instituto que permite ao Ministério Público, ainda que à vista de lastro probatório mínimo para iniciar a persecução criminal, abdicar da denúncia e propor ao autor do fato a aplicação de uma pena não privativa de liberdade. 

Tal é a importância do princípio da obrigatoriedade em nosso sistema processual penal que o Código de Processo Penal concedeu ao Juiz, como função absolutamente anômala, a possibilidade de fiscalizá-lo, disciplinando o disposto no seu art. 28. 

Assim, requerido que seja pelo Promotor de Justiça o arquivamento do Inquérito Policial ou de qualquer outra peça informativa, deve o Juiz, discordando do parecer ministerial, encaminhar os autos ao Procurador-Geral de Justiça que dará a última palavra, insistindo no arquivamento ou não (a bem da verdade, o Magistrado que assim agisse deveria, para preservar a sua imparcialidade, imediatamente afastar-se do ulterior processo). 

Questão que se apresenta, no entanto, é a que se refere àquelas peças de informação que têm como objeto fato delituoso praticado por alguém ocupante de cargo que lhe permite ser julgado por órgão superior: a chamada prerrogativa de função, quando é o próprio chefe do Ministério Público quem tem legitimidade para oferecer a peça acusatória. 

Pergunta-se: em tais casos, o arquivamento da respectiva peça de informação deve ser requerido ao Tribunal competente ou pode ser feito intra muros

A resposta é, decididamente, no segundo sentido. 

Não há razão plausível, nem do ponto de vista jurídico, nem sob o aspecto lógico ou prático para se exigir que o Procurador-Geral de Justiça (ou o da República, conforme o caso) submeta a sua opinio delicti ao Poder Judiciário que nada mais poderá fazer senão acatar o pronunciamento. 

Observa-se que no sistema acusatório, ao qual nos filiamos (em que pese alguns dispositivos encontrados em nosso ordenamento jurídico que o maculam vez por outra), estão perfeitamente definidas as funções de acusar, de defender e a de julgar, sendo vedado ao Juiz proceder como órgão persecutório. É conhecido o princípio do ne procedat judex ex officio, verdadeiro dogma do sistema acusatório. 

Pelo sistema acusatório, na lição do professor da Universidade de Santiago de Compostela, Juan-Luís Gómez Colomer, "hay necesidad de una acusación, formulada e mantenida por persona distinta a quien tiene que juzgar, para que se pueda abrir y celebrar el juicio e, consecuentemente, se pueda condenar". 

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Por ele proíbe-se "al órgano decisor realizar las funciones de la parte acusadora"2, "que aqui surge com autonomia e sem qualquer relacionamento com a autoridade encarregue do julgamento"3. 

Dos doutrinadores pátrios, talvez o que melhor traduziu o conceito do sistema acusatório tenha sido o mais completo processualista brasileiro, José Frederico Marques: 

"A titularidade da pretensão punitiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público, e não ao juiz, órgão estatal tão-somente da aplicação imparcial da lei para dirimir os conflitos entre o jus puniendi e a liberdade do réu. 

"Não há, em nosso processo penal, a figura do juiz inquisitivo. Separadas estão, no Direito pátrio, a função de acusar e a função jurisdicional. (...) O juiz exerce o poder de julgar e as funções inerentes à atividade jurisdicional: atribuições persecutórias, ele as tem muito restritas, e assim mesmo confinadas ao campo da notitia criminis. No que tange com a ação penal e à função de acusar, sua atividade é praticamente nula, visto que ambas foram adjudicadas ao Ministério Público."4 

Ora, se assim o é (e cada vez mais devemos procurar depurar tal sistema), não haveria necessidade, sequer, de submeter ao crivo do Poder Judiciário a decisão sobre o arquivamento de uma notícia-crime. Aliás, de lege ferenda, a reforma do Código de Processo Penal já altera substancialmente o art. 28 do CPP deixando ao Ministério Público, com exclusividade, tal atribuição.” 

Ora, diante disso, para a questão examinada Tourinho Filho(Código de Processo Penal Comentado, Vol. I, São Paulo: Saraiva, 6ª. ed., 2001, p. 103) disse, depois de reconhecer que o entendimento quanto à impossibilidade da queixa subsidiária nestes casos é "lição diuturna dos nossos Tribunais e posicionamento de toda a doutrina", pois "o art. 29 somente pode ter aplicação se houver desídia, relápsia do Ministério Público", aduz que se o Ministério Público "requer o arquivamento, não está sendo desidioso. Muito ao contrário. Todos sabemos que formular um pedido de arquivamento é mais laborioso que denunciar. Logo, não havendo desídia, nesse caso, não se pode admitir a atividade substitutiva do ofendido." 

O Supremo Tribunal Federal também assim já se posicionou em mais de uma oportunidade: 

"Admite-se a ação penal privada subsidiária em casos de desídia ou inércia do representante do Ministério Público, que não pode ser considerada como ocorrida no caso de arquivamento da representação determinado pelo Procurador-Geral da Justiça, por entender inexistir justa causa para a ação." (RT 613/431). 

"Quando o Ministério Público, não tendo ficado inerte, requer, no prazo legal (art. 46 do CPP), o arquivamento do inquérito ou da representação não cabe a ação penal privada subsidiária." (RT 653/389). 

Nesse sentido, ainda conferir no STF a RT 431/419 e a RT 534/456. 

Portanto, a matéria já tem um posicionamento no STF.  

Vejamos os próximos acontecimentos..... 

 

 

 

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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