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"Ordem ilegal não se cumpre"

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01/04/2021 às 09:55

Resumo:


  • A expressão "ordem ilegal não se cumpre" é afastada diante do dever legal do subordinado em cumprir a ordem superior.

  • No Código Penal, a obediência hierárquica é abordada no artigo 22, com previsão de causas excludentes de culpabilidade.

  • No Código Penal Militar, a obediência hierárquica é regulada no artigo 38, com previsão de responsabilização em caso de ordem manifestamente criminosa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

No âmbito militar, a expressão “ordem ilegal não se cumpre” é afastada perante o dever legal do subordinado em cumprir a ordem superior, uma vez que neste caso ele está agindo no estrito cumprimento do dever legal.

1. INTRODUÇÃO

No âmbito militar, essa expressão “ordem ilegal não se cumpre”, é afastada perante o dever legal do subordinado em cumprir a ordem superior, uma vez que neste caso ele está agindo no estrito cumprimento do dever legal. Por outro lado, essa expressão deve ser trocada pela “ordem manifestamente criminosa não se cumpre”.


2. OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA NO CÓDIGO PENAL

No pertinente ao regimento da obediência hierárquica, há previsão no artigo 22 do CPB, além de outras normas que tratam das causas excludentes de culpabilidade.

Na persecução penal, é a oportunidade para vislumbrar-se com relevo o exame da conduta do agente, com o escopo de ver-se caracterizado ou não a ocorrência de um crime. Assim sendo, levando-se em consideração de que a conduta disposta sob análise, configura um fato típico e antijurídico, necessário se faz perquirir sobre a culpabilidade, que é o elemento subjetivo da imputação de fato intencional ou não, ou seja, se o autor agiu com dolo ou pelo menos foi imprudente, negligente ou agiu com imperícia, nos casos em que a lei penal prevê tais modalidades como puníveis.

Seguindo o ambiente doutrinário, a culpabilidade do autor do crime exige a presença de três elementos: a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversas. Ausente um destes três elementos, excluída estará a culpa do sujeito ativo, de modo que não será possível impor-lhe pena (Cunha, 2016, p. 287).

No campo conceitual da obediência hierárquica, nada mais é do que o fiel cumprimento da ordem de superior hierárquico, no sentido de que o subordinado realize uma conduta. Na hipótese de que a ordem seja legal, ninguém comete crime, ou seja, nem o superior, tampouco o subordinado. Contudo, se a ordem é ilegal, a distinção deve ser averiguada se é manifestamente ilegal ou não manifestamente ilegal.

Para que se constitua uma ordem manifestamente ilegal, requisitos básicos devem ser preenchidos, senão vejamos:

  1. Quando a ordem é determinada por uma autoridade incompetente.

  2. Quando a execução da ordem não se enquadra nas atribuições de quem a recebe.

  3. Quando constitui uma infração a norma penal.

Nestes casos em que a ordem é manifestamente ilegal, respondem pelo crime o superior e o subordinado, a exemplo, quando o delegado de polícia determina que seu agente exija do autor do crime, certa quantia em dinheiro, com o esteio de não ser pedida sua prisão preventiva. Destarte, tanto o superior como o subordinado, respondem, em concurso, pelo crime de concussão, previsto no artigo 316, caput, do CPB. No pertinente ao subordinado é cabível uma atenuação genérica, nos termos do artigo 65, inciso III, alínea “c”, do CPB.

No que pertine a subordinação fundamentada no Direito Público, esta tem a sua previsibilidade e exclusividade amparada no preceito do artigo 22 do CPB, sendo-lhe incabível a sua abrangência, com relação a atividade profissional privada, entre patrão e empregado e relações familiares e religiosas.

Neste caso, é facultado ao funcionário ou servidor questionar sobre a legitimidade da ordem. Caso perceba que a ordem é manifestamente contrária à lei, não está obrigado a cumpri-la. Na hipótese do subordinado não tiver tempo para avaliar se a ordem está fundamentada em lei, deve perquirir sobre os pressupostos da legalidade da ordem.

No campo da obediência hierárquica putativa, constitui-se quando o funcionário supõe que a ordem seja lícita, incidindo em erro de proibição, nos termos do artigo 21 do CPB. Neste caso, o funcionário não responde pelo crime, por exclusão da culpabilidade, chamada de obediência hierárquica putativa. Contudo, nesta hipótese a ordem deve ser cumprida nos termos de sua determinação pelo seu superior. Assim, ultrapassando essa limitação, ou seja, o funcionário excedendo-se além do determinado pelo superior, deverá responder sozinho pelo excesso, caso constitua crime doloso ou culposo.

No caso de ordem não manifestamente ilegal, a autoridade judicial deverá analisar com todo cuidado as circunstâncias concretas do fático, como as condições de inteligência e cultura do subordinado, ou seja, dentro das atribuições de revisão e dos meios de conhecimentos do subordinado, a acerca da sua legalidade, a exemplo, de um soldado recruta sem experiência, que recebe uma ordem do delegado, para atirar no preso, caso este empreenda-se em fuga. Ocorrendo a fuga, o soldado recruta vem atirar e ferir o preso. Assim sendo, o soldado não responde pelo crime, porque supõe estar agindo em obediência. Porém, o delegado deverá responder pelas lesões corporais, enquanto o soldado recruta estará legalmente amparado pela regra do artigo 22 c/c artigo 21 do CPB, na condição de erro de proibição ou obediência hierárquica putativa.

No mesmo tom, o caso do chefe da repartição determinando que o funcionário, com pouco esclarecimento, retirar um objeto pertencente a um servente, como uma garantia de dívida, porque causar dano a repartição. Neste caso, o chefe da repartição deverá responder pelo crime de furto, permanecendo o subalterno sob o escudo preceitual do artigo 22 c/c artigo 21 do CPB, diante da obediência hierárquica putativa por erro de proibição, nos textos infra:

“Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena, se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”. Trata-se de erro sobre a ilicitude do fato.

“Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. Trata-se da coação irresistível e obediência hierárquica.

Em suma, no clássico exemplo do delegado que determina que o agente mate o seu vizinho, em vista de uma discursão no dia anterior. Esta ordem é manifestamente ilegal, porquanto, pelo crime ambos devem responder. Porém, para o agente há atenuante previsto no inciso II, alínea “c”, do artigo 65, do CPB, embora o agente não tenha o dever jurídico de cumprir ordem manifestamente ilegal, portanto, sua recusa não constitui crime, em vista de que não tem obrigação de cumprir o que é vedado por lei. Ademais, impõe-se, de da limitação necessária, discutir a ilegalidade da ordem, quando manifesta. Sendo a ordem não manifestamente ilegal, a exemplo do superior militar que determina seu subordinado matar um perigoso bandido que estava em fuga. Neste caso, só deverá responder pelo crime quem deu a ordem, nos termos do artigo 22 do CPB, desde que não haja o excesso por parte do inferior hierárquico.

Destarte, no pertinente a legislação penal, o subordinado somente responderá pelo crime praticado, juntamente com o seu superior, quando a ordem for manifestamente ilegal.


3. OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA NO CÓDIGO MILITAR

No que diz respeito a obediência hierárquica prevista no Código Penal Militar, observa-se inicialmente a previsão do seu artigo 38, na alínea “a”, que trata da Coação Irresistível, infra:

“Art. 38. Não é culpado quem comete o crime:

“a) sob coação irresistível ou que lhe suprime a faculdade de agir segundo a própria vontade.”

Em segundo lugar o Código trata da Obediência Hierárquica, nos termos da alínea “b”, e de seus §§ 1º e 2º, abaixo:

“b) em estrita obediência à ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços”.

“§ 1º. Responde pelo crime o autor da coação ou da ordem”.

§ 2º. Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma de execução, é punível também o inferior”.

Vislumbra-se de forma imediata a diferenciação entre os preceitos do CPM e do CPB, cujo o texto do primeiro faz referência a uma “ordem direta” do superior hierárquico, enquanto que no CPB dispõe sobre a condição da “ordem não manifestamente ilegal”, no pertinente a probabilidade de penalizar o superior e seu subordinado, que somente será possível a responsabilização criminal, na hipótese de que a ordem do superior tenha por escopo a prática de um ato “manifestamente criminoso”, nos termos do artigo 38, alínea “b”, § 2º, do CPM, ou no caso de haver excesso no estrito cumprimento da ordem.

Ademais, verifica-se que o preceito acima citado, afasta a excludente de culpa de modo diferenciado, quando há o cumprimento de ordem manifestamente criminosa, responsabilizando o autor da determinação e na ocorrência de excesso por parte do inferior, este deverá também ser punido.

De acordo com a doutrina, as duas expressões “manifestamente criminosa” e a “ordem manifestamente ilegal”, possuem significados semelhantes.

Revela, ainda, a posição doutrinária que no pertinente a obediência hierárquica, quando esteja em conexão típica delituosa, o ato provocado pelo subordinado não desaparece, de forma material o seu caráter antijurídico da sua conduta omissiva ou comissiva. Porquanto, a sua excludente de culpa surge do interesse disciplinar e do princípio da autoridade que, em face da política criminal, o direito penal militar é obrigado a tolerar com conceito jurídico error juris neminem excusat (erro da lei não escusa ninguém) ou seja a ignorância ou má interpretação da lei, não justifica a falta do seu cumprimento, tampouco isenta seus agentes das sanções nela estabelecidas. Destarte, o subordinado que executou a ordem, não sofre sanção penal, por obediência, desde que a ordem seja não manifestamente ilegal.

Neste caso, nos mesmos moldes do CPB, necessário se faz perquirir dentre as circunstância fáticas, o grau de instrução do executor da ordem e o tempo que lhe foi coibido, para distinguir sobre a legalidade ou não da ordem, uma vez que ninguém está obrigado a atender uma ordem ilegal, independentemente do grau de cultura do agente.

Consequentemente, presentes estão as hipóteses seguintes:

  • 1 – Quando o subordinado cumpre uma ordem legal, claro que ele não pratica crime, uma vez que se encontra no estrito cumprimento do dever legal, uma das causas de exclusão da ilicitude.

  • 2 – Quando o subordinado cumpre uma ordem aparentemente legal, ou seja, que não lhe possível avaliar imediatamente a sua ilegalidade, ficará isento de pena, nos termos da alínea “b”, do artigo 38 do CPM, enquanto que o autor da ordem deverá responder pelo crime praticado.

  • 3 – Quando o subordinado cumpre uma ordem manifestamente ilegal, deverá ser punido, mas com uma penalidade atenuada, nos termos do artigo 41 do CPM, infra:

“Art. 41. Nos casos do art. 38, letras a e b, se era possível resistir à coação, ou se a ordem não era manifestamente ilegal; ou, no caso do art. 39, se era razoavelmente exigível o sacrifício do direito ameaçado, o juiz, tendo em vista as condições pessoais do réu, pode atenuar a pena”.

Ora, aqui observa-se que o precitado dispositivo legal prevê a condição de a ordem não era manifestamente ilegal e que (...), pode atenuar a pena. Havendo, portanto, um erro na referida redação, pois já é sabido que se a ordem foi manifestamente ilegal, o subordinado fica isento de pena, nos termos da alínea “b”, do artigo 38. Porquanto, de qualquer maneira o autor da ordem deverá responder pelo crime.

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  • 4 – Quando o subordinado cumpre a ordem, com a suposição, por erro, ser legal, a pena dever ser atenuada, nos termos do artigo 35 do CPM, que cuida do erro de direito. Assim, o autor da ordem deverá responder pelo crime.

Em suma, doutrinariamente, existem três tipos de ordens: a legal, a ilegal e a duvidosa quanto a sua legalidade, senão vejamos:

  1. Legal, quando o agente cumpre esta ordem, ele age em estrito cumprimento do dever legal.

  2. Ilegal, quando o agente cumpre a ordem ilegal, responde pelo delito cometido (CPM, § 2º, art. 38).

  3. Duvidosa ordem, configura-se no pertinente a obediência hierárquica, sendo isento de pena e absolvido.

No pertinente ao erro da redação do artigo 41, acredita-se que esse equívoco se originou da compilação da redação do artigo 26 do CPB, aglutinando a expressão “ato manifestadamente criminoso” (CPM, § 2º, art. 38), com a expressão compilada do CPB, “ordem manifestação ilegal”, fazendo referência como esta fosse aquela expressão. Daí acredita-se piamente a origem do equívoco.

É cediço que no âmbito militar, onde prevalece a hierarquia-disciplinar, como o sustentáculo para a manutenção da instituição militar, a ordem ilegal não é considerada um obstáculo para o seu fiel acatamento e execução por intermédio do subordinado, desde que a ordem não seja manifestamente criminosa. Porquanto, essa expressão “ordem ilegal não se cumpre”, é afastada perante o dever legal do subordinado em cumprir a ordem superior, uma vez que neste caso ele está agindo no estrito cumprimento do dever legal. Por outro lado, essa expressão deve ser trocada pela “ordem manifestamente criminosa não se cumpre”.

Ademais, necessário se faz que o subordinado, ao receber uma ordem e notar ser difícil de compreensão, cumpre-lhe solicitar ao superior maiores esclarecimentos, para que a ordem seja executada, conforme prevê o § 1º, do artigo 10 do RDPM da PMESP – LC 893/01. Contudo, na hipótese de a ordem superior ser clara, mesmo que ilegal, incumbe ao subordinado o seu acatamento, em virtude do que prevê o ordenamento jurídico militar, sob pena de incorrer em crime militar, nos termos do artigo 163 do CPM.

Ressalte-se, por conseguinte, que esse fiel cumprimento da ordem ilegal por parte do subordinado, salvante a não manifestamente criminosa, não impede o subordinado valer-se de uma representação contra o superior hierárquico, conforme consta no Regulamento Disciplinar, nos termos do artigo 30 do RDPM – PMESP – LC 893/01, porém, de modo algum, o subordinado pode deixar de cumprir a ordem superior hierárquico.

De efeito, evidencia-se que no pertinente ao regime de exclusão da culpa, com esteio na obediência hierárquica militar, o tratamento é diferenciado no CPB, em decorrência da diferenciação entre os regimes jurídicos dispostos aos servidores civis e militares pela nossa Carta Fundamental de 1988.


4. A MORTE DO SOLDADO WESLEY

Na perquirição da ocorrência policial, que no dia 28/03/2021, o Soldado Wesley Soares foi assassinado por colegas de fardas da polícia militar do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), na área do Farol da Barra, em Salvador (BA).

De acordo com a mídia, a vítima estava acometida de um aparente surto, quando por voltas das 14:20 horas, invadiu o gramado em frente ao Farol e ao descer do veículo, começou a dar tiros para cima. E, já por voltas das 18:30 horas, segundo o Comandante do Bope, major Clédson Conceição, “o Soldado Wesley falou que havia chegado o momento, fazendo uma contagem regressiva e iniciou disparos contra as equipes do Bope”. Segundo, ainda, o comandante do Bope, “buscamos utilizando técnicas internacionais de negociação, impedir um confronto, mas o militar atacou as nossas equipes, além de colocar em risco os militares, estávamos em uma área residencial, expondo também os moradores”. Após o Soldado Wesley permanecer mais de três horas negociando com o Bope quando, por volta das 18:30 horas, foi morto, atingido por tiros em três regiões do corpo, dentre elas o tórax e o abdômen.

Segundo seus colegas de farda, o Soldado Wesley é tido como um garotão de farda, com 13 anos na Polícia Militar, um policial sempre prestativo, brincalhão e sorridente, além de cumpridor de suas obrigações na 72ª CIMP. Porém, nos últimos dias parecia nervoso e divergia sobre a atual situação no Estado, pois não concordava em fazer cumprir o fechamento do comércio, cuja medida foi adotada visando combater o avanço da pandemia.

De acordo com a manifestação de um policial militar lotado na 72ª CIPM, o Soldado Wesley “era contra o fechamento do comércio, porém nunca deixou de cumprir as ordens. Fazia, mas sempre dizia que não estava correto, e que o comerciante tinha que trabalhar”.

Ademais, segundo seus colegas de farda, “nunca imaginávamos que ele fosse reagir dessa forma. Nunca apresentou surto no trabalho, não tomava remédio controlado, não usava drogas, não tomava bebida alcoólica. Era um cara da geração saúde. Nunca sequer levou uma advertência. Ele estava sempre sorrido, um menino bom”.

Na data de 29/03/2021, o governador Rui Costa (PT), publicou em um vídeo nas redes sociais, lamentando a morte do soldado Wesley, afirmando “lamentar profundamente o desfecho da operação que tentava controlar o agente em aparente descontrole emocional. Quero lamentar profundamente o fato ocorrido neste domingo e ao mesmo tempo manifestar meus sentimentos à família do policial envolvido. Também quero estender minha solidariedade a todos os policiais que participaram da operação e colocaram suas vidas em risco”, afirmou Rui Costa, além de criticar a “politização” da morte do PM.

Vale dizer que não está havendo politização sobre a morte do Soldado Wesley, o que na verdade havia era o dever de consciência dos seus direitos, deveres cívicos e porque não dizer políticos, por parte da vítima, que hoje em dia poucos têm, sendo ele sabedor de que a sua conduta, poderia, inclusive, excluí-lo da corporação, mas assim mesmo assumiu o risco de produzir, agindo de forma heroica, contra uma ordem manifestamente ilegal, que estava prejudicando a população baiana. Porquanto, os direitos por ele assumidos são direitos subjetivos que ninguém pode impedir de serem abraçados, nos termos do inciso VIII, do artigo 5º, da CF/88.


5. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS SOBRE O LOCKDOWN

A quaestio juris ora tratada, gira em torno da análise jurídica, em torno da situação fática precitada, da sua motivação e de sua legalidade, diante os preceitos constitucionais e infraconstitucionais vigentes.

Coincidentemente, na data de 27/03/2021, foi publicado o meu trabalho na Revista Jus Navigandi, com o tema Lockdown , que trata do bloqueio total ou confinamento, ou seja, um sistema de isolamento, que impede a movimentação de pessoas, de cargos e de outras atividades financeiras e comerciais, e de suas consequências, por meio de decretos executivos, totalmente inconstitucionais.

Neste ensaio, perquire-se primordialmente sobre a legalidade dos decretos executivos, baixados pelos governadores e prefeitos brasileiros.

Diante dessa ilegalidade constitucional, o nosso Presidente Jair Bolsonaro ingressou com uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade) junto ao STF, contra as medidas de restrições imposta a população brasileira pelos governadores e prefeitos municipais, em virtude desse ato ser privativo do Presidente da República.

Em resposta da ADI, o ministro relator, Marco Aurélio do STF, como já era esperado, monocraticamente negou o pedido do Presidente, sem sequer fundamentar as alegações da ação judicial, conforme determinado pelo inciso IX, do artigo 93, da CF/88, mencionando, como de praxe, o seu entendimento personalíssimo, em firmar a obrigação do Presidente de zelar pelo povo; de respaldar-se sobre uma decisão anterior sobre o assunto, ratificando a competência concorrente da União com os entes federativos, para cuidar da saúde e assistência pública, nos termos do inciso II, do artigo 23 da CF/88. Em ato contínuo, afirma que o Presidente da República não tem capacidade postulatória para ingressar, diretamente, com uma ADI no STF, considerando este ato como grosseiro e insanável.

Ora, a Constituição Federal vigente é cristalina e incisiva ao editar em seu inciso I, do artigo 103, que o Presidente da República pode propor a ADI, não exigindo intermediação para este ato, a exemplo da impetração de um habeas corpus , por qualquer pessoa. Neste caso, entende o ministro relator que o Presidente da República estaria obrigado a recorrer ao Advogado da União, para ingressar com a ADI, divergindo de decisão pretérita do próprio STF, na decisão da ADI nº 127, relatada pelo Ministro Celso de Mello, afirmando que o Presidente da República pode apresentar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) diretamente e sem nenhuma representação, mesmo não sendo profissional da advocacia.

No que pertine ao emprego do lockdown, tem-se por assente a mácula da inconstitucionalidade, em face da sua imprevisibilidade legislativa pátria, em nenhuma situação, que possa vir a acontecer no território brasileiro, mormente inseri-lo no contexto de um decreto executivo estadual ou municipal, uma vez que o lockdown , denota ação de bloqueio total, medidas severas e generalizadas, impostas pelos estados e municípios, interferindo a circulação da população, com fechamentos de vias e ruas, coibindo os deslocamentos não essenciais, além do fechamento de locais privados e públicos. Destarte, todas essas medidas elencadas só poderão ser impostas em duas hipóteses, a primeira é a decretação do Estado de Sítio, previsto no artigo 137 usque 139 da CF/88, quando o Presidente da República poderá obrigar a permanência de pessoas em determinadas localidades; suspender a liberdade de reunião; além de outras medidas, como forma de coibir a livre mobilidade da população civil, em momentos de emergência nacional. A segunda, é a aplicação do Estado de Defesa, nos termos do artigo 136, da CF/88, quando o Presidente da República poderá impor várias medidas, com o objetivo de preservar ou prontamente estabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social, ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades públicas de grande monta na natureza, como, in casu, da pandemia da coronavírus (Covid-19). (Grifei).

Porquanto, somente nessas duas hipóteses são cabíveis as restrições de direitos e garantias fundamentais, impostas a população brasileira em geral. No entanto, como na atual conjuntura esses regimes de exceção no Brasil não estão vigorando, os direitos de utilização da propriedade privada, comercial e industrial, o do trabalho formal e informal, além do livre direito de locomoção de ir e vir, não podem ser restringidos, mesmo diante desse atual estado de calamidade pública que o Brasil está passando, sob pena de infringência aos incisos II, VI, XIII, XV e XLI, todos do artigo 5º, da CF/88, que cuidam dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos da sociedade brasileira.

No que se refere a inconstitucionalidade do decreto executivo, vislumbra-se que todos os decretos já baixados pelos gestores estaduais e municipais, estão respaldados na Lei Federal nº 13.979, de 2020, promulgada pelo Presidente da República, como base para instituir seus decretos, como forma de regulamentação da precitada lei federal. Daí, configura-se, a não mais poder, toda a inconstitucionalidade dos tais decretos executivos, uma vez que a Lei nº 13.979, de 2020, somente pode ser regulamentada por ato privativo do Presidente da República, nos termos do inciso IV, do artigo 84, da CF/88. Aliás, vale salientar, que esta lei já foi regulamentada por meio da Portaria nº 356, de 2020, que dispõe sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na lei, estabelecendo medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente da coronavírus (Covid-19), instituída nos termos atribuídos ao Ministro de Estado da Saúde, nos termos dos incisos I e II, do parágrafo único, do artigo 87, da CF/88.

No mesmo sentido, observa-se que os analisados decretos executivos, também, respaldam-se nas decisões prolatadas na ADPF nº 672 e na ADI nº 6341, pelo Supremo Tribunal Federal, que ratificam a competência concorrente da União, Estados e Municípios, para legislarem sobre normas que cuidam da saúde, que dirigem o SUS e executarem ações de vigilância sanitária e epidemiológica, para expedirem os seu decretos respectivos.

A um exame perfunctório da precitada e unificada decisum, observa-se que essa expressão “legislarem sobre normas”, significa dizer que as Câmaras Legislativas estaduais e municipais devem instituir leis que tratem da matéria de saúde pública para, a posteriori , serem expedidos os decretos executivos, regulamentando-as, e não como ora vêm sendo executados, totalmente desprovidos de legalidade formal, uma vez que tais decretos executivos são criados com exclusividade para regulamentar a lei, conferindo o fiel cumprimento à lei. Não lhe sendo admitido inovar, criando obrigações, regras e medidas não prevista em lei, para impedir do direito de locomoção, fechamento do comércio e da indústria, impedir o direito ao trabalho formal e informal, prender cidadãos e aplicar multas. Destarte, são decretos autônomos, sem valor de lei, a exemplo do decreto executivo compilado, baixado pelo governador do Estado da Bahia, Rui Costa (PT), abaixo:

DECRETO Nº 20.349 DE 29 DE MARÇO DE 2021

Institui, nos Municípios do Estado da Bahia, as restrições indicadas, como medidas de enfrentamento ao novo coronavírus, causador da COVID-19, e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DA BAHIA, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 105. da Constituição Estadual,

considerando que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem reduzir o risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, na forma do art. 196. da Constituição Federal;

considerando a classificação pela Organização Mundial de Saúde, no dia 11 de março de 2020, como pandemia do Novo Coronavírus, bem como a ascendência dos casos ativos e a transmissibilidade das cepas identificadas no Estado da Bahia;

considerando que a situação demanda o emprego urgente de mais medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública, a fim de evitar a disseminação da doença;

considerando o aumento dos indicadores - número de óbitos, taxa de ocupação de leitos de UTI e número de casos ativos - divulgados diariamente nos boletins epidemiológicos e o iminente colapso das redes públicas e privadas de saúde,

D E C R E T A

Art. 1º - Ficam autorizados, de 12h de 01 de abril até às 05h de 05 de abril de 2021, nos Municípios constantes no Anexo Único deste Decreto, somente o funcionamento dos serviços essenciais, notadamente as atividades relacionadas à saúde e ao enfrentamento da pandemia, como transporte, serviço de entrega de medicamentos e demais insumos necessários para manutenção das atividades de saúde e as obras em hospitais e a construção de unidades de saúde, bem como à comercialização de gêneros alimentícios e feiras livres, à segurança e a atividades de urgência e emergência.

§ 1º - Para fins do disposto no caput deste artigo, consideram-se serviços públicos essenciais, cuja prestação não admite interrupção, as atividades relacionadas à segurança pública, saúde, proteção e defesa civil, fiscalização, arrecadação, limpeza pública, manutenção urbana, transporte público, energia, saneamento básico e comunicações.

§ 2º - A lotação máxima permitida em cada estabelecimento, cujo funcionamento esteja autorizado na forma do caput deste artigo, levará em consideração o tamanho do espaço físico e será regulamentada por cada Município, ao qual caberá a sua fiscalização.

§ 3º - Os estabelecimentos comerciais que funcionem como restaurantes, bares e congêneres, localizados nos Municípios constantes no Anexo Único deste Decreto, só poderão operar de portas fechadas, na modalidade de entrega em domicílio (delivery) até às 24h.

§ 4º - Para fins deste Decreto, não serão consideradas como unidades de saúde os estabelecimentos de serviços estéticos. Art. 2º - Durante o período previsto no art. 1º deste Decreto e no art. 1º do Decreto nº 20.311, de 14 de março de 2021, os estabelecimentos, localizados nos Municípios constantes no Anexo Único deste Decreto, que funcionem como mercados só poderão comercializar gêneros alimentícios, bebidas não alcoólicas e produtos de limpeza e higiene, sendo vedada a venda de bebidas alcoólicas, e as farmácias só poderão comercializar medicamentos e produtos voltados à saúde.

Parágrafo único - A fiscalização do quanto disposto neste artigo será realizada pelos respectivos Municípios.

Art. 3º - Fica vedada, nos Municípios constantes no Anexo Único deste Decreto, a venda de bebida alcoólica em quaisquer estabelecimentos, inclusive por sistema de entrega em domicílio (delivery), das 12h de 01 de abril até às 05h de 05 de abril de 2021.

Art. 4º - Excepcionalmente, ficam autorizados, durante os períodos de restrição previstos neste Decreto, os serviços necessários ao funcionamento de toda e qualquer atividade industrial, do setor eletroenergético, das centrais de telecomunicações (call centers) que operem em regime de 24h e dos Centros de Distribuição e o deslocamento dos seus trabalhadores e colaboradores.

Art. 5º - Ficam suspensos, no período de 01 de abril até às 5h do dia 05 de abril de 2021, os atendimentos presenciais do Serviço de Atendimento ao Cidadão - SAC, nos Municípios constantes no Anexo Único deste Decreto.

Art. 6º - Aplicam-se aos Municípios constantes no Anexo Único deste Decreto as restrições previstas no caput e §§ 1º, 2º, 3º e 5º do art. 1º e arts. 6º, 7º, 8º e 9º, todos do Decreto nº 20.311, de 14 de março de 2021.

Art. 7º - A Secretaria da Segurança Pública, através da Polícia Militar da Bahia e da Polícia Civil, apoiará as medidas necessárias adotadas nos Municípios, tendo em vista o disposto neste Decreto, em conjunto com Guardas Municipais.

Art. 8º - O disposto neste Decreto será aplicado a órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Estadual e Municipal, nos termos dos atos normativos editados pelos respectivos entes.

Art. 9º - Os órgãos especiais vinculados à Secretaria da Segurança Pública observarão a incidência dos arts. 268. e 330 do Código Penal, nos casos de descumprimento do quanto disposto neste Decreto. (Grifos nossos).

Art. 10. - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA, em 29 de março de 2021.

RUI COSTA Governador

Carlos Mello Secretário da Casa Civil em exercício

Ricardo César Mandarino Barretto Secretário da Segurança Pública

ANEXO ÚNICO 1. Andorinha 2. Antônio Gonçalves 3. Campo Alegre de Lourdes 4. Campo Formoso 5. Cansanção 6. Canudos 7. Casa Nova 8. Curaçá 9. Filadélfia 10. Itiúba 11. Jaguarari 12. Juazeiro 13. Nordestina 14. Pilão Arcado 15. Pindobaçu 16. Ponto Novo 17. Queimadas 18. Remanso 19. Senhor do Bonfim 20. Sento Sé 21. Sobradinho 22. Uauá.

Vale ressaltar que, o precitado decreto executivo não faz referência a nenhuma lei estadual, mas assim mesmo institui obrigações e medidas, inovando de modo inconstitucional, além de invadir as searas dos governos municipais precitados, uma vez que o precitado decreto estadual, em atenção ao princípio da simetria, está violando as decisões proferidas pelo STF, na ADPF 627-DF e nas ADins 6341-DF e 4102-RJ, que tratam do reconhecimento da competência concorrente dos governos municipais, visando adotar ou manter o gerenciamento da pandemia da coronavírus.

Neste tom, observa-se que o precitado decreto, em sua maioria não atendem a realidade dos problemas local, exigindo que os municípios enumerados obedeçam de forma exclusiva as normas estaduais, conforme as previsões do decreto, que por si só, vem a violar a própria autonomia municipal e as decisões do STF.

Não obstante, verifica-se que o Estado, legislando com tal decreto, assevera à vontade em interferir de modo indevido na definição das políticas públicas sanitárias, definidas em nível municipal, afrontando, a não mais poder, a decisão avistável na Adin n. 4102.

Nesta inteligência, chega-se ao entendimento de que as administrações públicas municipais, podem alegar a invalidade ou ineficácia do precitado decreto estadual, uma que vez os atos normativos executivos afrontam a Constituição Federal vigente, por violar o princípio federativo e das regras de repartição de competência dentre os entes federativos, nos mesmo moldes dos gestores estaduais, que ora estão invadindo a competência privativa do Presidente da República, com alhures comentado.

No pertinente a questão municipal, cabível é manejar uma Reclamação Constitucional junto ao STF, para fazer haja o fiel cumprimento das decisões da ADPF 672-DF e das ADins 6341 e 4102-RJ, precitadas.

Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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