Quando e como você se torna um devedor do Estado

05/04/2021 às 08:36
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Já se perguntou como nasce uma dívida, um crédito tributário, em que você se torna devedor do Estado, podendo ser cobrado na Justiça? Para saber como funciona a execução fiscal, é preciso compreender a diferença entre obrigação e crédito tributários.

A obrigação tributária surge com a prática do fato gerador (ato um, art. 103, § 1º, do CTN), mas o crédito tributário é constituído pelo lançamento tributário (ato dois, art. 142, do CTN). Cabe aqui uma ressalva sobre outra das diferenças entre o Direito Tributário e o Direito Civil. No Direito Civil, o mesmo ato obrigacional já define quem é o devedor e quem é o credor. Assim, se Gumercindo faz um contrato de compra e venda de um imóvel com Alfreda, mesmo que negocie um prazo para que ela inicie o pagamento das prestações, já fica definido que ele é o credor e ela a devedora no momento da assinatura do contrato. Contudo, no Direito Tributário, primeiro o sujeito passivo se torna devedor do Estado quando pratica o fato gerador. Por exemplo, se eu comprar um Camaro amarelo, estou ciente que terei de pagar o IPVA. Porém, só depois, quando o Fisco efetuar o lançamento do tributo, é que o Estado se torna credor, podendo cobrar o tributo em uma ação de execução fiscal. Seguindo o mesmo exemplo, o Estado só poderá cobrar o IPVA de mim depois que efetuar o lançamento do IPVA e me enviar uma notificação da cobrança.

O lançamento constitui o crédito tributário, mas também declara a existência da obrigação tributária (art. 143, do CTN). Assim, ao mesmo tempo é um ato constitutivo e um ato declaratório.

O Estado não pode cobrar uma dívida se não souber quem deve, porque deve e quanto deve, por exemplo. Dizemos que, quando faltam essas informações básicas, as obrigações ainda são ilíquidas e inexigíveis. Para torná-las líquidas e exigíveis, é que existe o lançamento tributário. Assim, enquanto a obrigação tributária não pode ser cobrada, o crédito tributário pode ser cobrado.

Art. 142, do CTN. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

Segundo o art. 142 do CTN, o lançamento tributário tem cinco funções:

  • Verificar se o fato gerador foi praticado, quando a hipótese de incidência ocorreu na vida real;
  • Determinar o tributo a ser cobrado, já que o fato gerador é que identifica a natureza tributária;
  • Calcular o valor a ser pago, multiplicando a base de cálculo (valor fixo) pela alíquota (percentual);
  • Identificar quem vai pagar, pois o sujeito passivo pode ser quem praticou o fato gerador (contribuinte) ou um terceiro definido em lei (responsável tributário); e
  • Aplicar a multa, quando for constatado algum ilícito tributário.

Alguns critérios devem ser observados para determinar qual a legislação tributária aplicável no momento do lançamento (arts. 106 e 144, do CTN), sendo que se aplica a lei tributária:

  1. Em vigor na data do fato gerador, para o levantamento dos aspectos materiais do tributo, como hipótese de incidência, fato gerador, base de cálculo, sujeito passivo etc.;
  2. Em vigor na data do lançamento, para o levantamento dos aspectos processuais (formais) do tributo, como os critérios de apuração e de fiscalização; e
  3. Mais favorável ao sujeito passivo, no caso da aplicação de penalidades (multas).

A competência para efetivar o lançamento é exclusiva da autoridade administrativa (Fisco). Desta forma, é proibida a delegação do lançamento à particulares. O lançamento é um direito do Estado, mas um dever da autoridade administrativa (atividade vinculada), sob pena de responsabilidade funcional (art. 141, § único, do CTN). Na União, a autoridade administrativa é o auditor fiscal da Receita Federal; nos Estados, o Agente-Fiscal de Rendas ou equivalente; e nos Municípios e no Distrito Federal, o Auditor Fiscal do Município ou equivalente.

O lançamento não é auto executório, não tendo coercibilidade (não pode se utilizar de métodos forçosos de pagamento), sendo que, em caso de descumprimento da obrigação tributária, cabe à Fazenda Pública ajuizar uma ação de execução fiscal.

MODALIDADES DE LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO

O lançamento é dividido em três modalidades: de ofício, por declaração ou por homologação.

No lançamento de ofício ou direto, o Fisco possui todos os dados necessários ao lançamento do tributo, não necessitando do auxílio do sujeito passivo, que não é obrigado a declarar ou pagar nada antecipadamente (art. 149, do CTN). Exemplos: IPTU, IPVA, taxas, contribuições de melhoria, contribuições corporativas (de conselhos profissionais) e a COSIP.

Por sua vez, no lançamento misto ou por declaração, o Fisco realiza o lançamento baseado em informações declaradas pelo sujeito passivo (art. 147, do CTN). O sujeito passivo cumpre o seu dever de informar e espera ser notificado do valor a ser pago. Exemplos: II sobre bagagem acompanhada, ITCMD e ITBI. Caso o sujeito passivo queira corrigir a sua declaração para reduzir ou excluir o tributo, deverá comprovar o erro antes de receber a notificação do lançamento (art. 147, § 1º, do CTN).

Por fim, no lançamento por homologação, também chamado de autolançamento, o sujeito passivo faz a apuração, declara e recolhe (paga) o tributo. O Fisco apenas confere se o valor recolhido está correto e homologa (chancela) o lançamento. Se a apuração não estiver correta o Fisco faz um lançamento de ofício da diferença. Se houve o pagamento antecipado e o Fisco não homologou expressamente o lançamento em 5 anos ocorrerá a homologação tácita, salvo se houve dolo, fraude ou simulação (art. 150, do CTN). Exemplos: ICMS, IPI, IR, PIS, COFINS e Empréstimos Compulsórios.

Existe ainda uma hipótese chamada de lançamento por arbitramento, mas que na verdade é um tipo de lançamento por declaração, que ocorre quando as informações fornecidas pelo sujeito passivo estão incorretas, fazendo com que o Fisco use um sistema próprio para verificar o valor de bens, serviços, direitos ou atos jurídicos (art. 148, do CTN). A autoridade administrativa desconsidera os valores declarados, presumindo e fixando o valor tributável mais próximo da realidade. Exemplo: no ITBI, quando se declara na transferência do imóvel um valor inferior ao de mercado. Como o arbitramento tem presunção relativa de veracidade, é o sujeito passivo quem deve provar administrativa ou judicialmente quais devem ser os valores corretos.

 TRIBUTOS

 Modalidade de lançamento

 De ofício

 Por declaração

 Por homologação

 Federais

 -

 II sobre bagagem acompanhada

 II, IE, IOF, IPI, IR, ITR, PIS e COFINS

 Estaduais

 IPVA

 ITCMD

 ICMS

 Municipais

 IPTU

 ITBI

 ISS

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NOTIFICAÇÃO E ALTERAÇÃO DO LANÇAMENTO

Assim como a lei só tem eficácia após a sua publicação, o lançamento só terá eficácia após a notificação do sujeito passivo. A notificação pode ser pessoal, pelos correios, por endereço eletrônico ou por edital (art. 23, caput e § 1º, do Decreto 70.235/72). A notificação do IPTU é feita pela comprovação via AR do envio do carnê ao seu endereço (Súmula 397, do STJ).

Antes de ser feita a notificação, a possibilidade de revisão do lançamento é absoluta, total. Porém, depois de notificado o sujeito passivo, o lançamento só pode ser alterado em três situações (arts. 145 e 149, do CTN):

  1. Por impugnação do sujeito passivo, ao apresentar defesa ou reclamação no âmbito administrativo público, em que o devedor discorda total ou parcialmente do lançamento. Assim, o lançamento original feito pelo Fisco foi contestado e corrigido no âmbito administrativo;
  2. Por recurso de ofício, quando ocorre o reexame obrigatório das decisões favoráveis ao reclamante no âmbito administrativo. O Fisco é obrigado a recorrer sempre que uma decisão for desfavorável a ele. Assim, o lançamento corrigido em 1º grau no âmbito administrativo sofre nova modificação em 2º grau administrativo;
  3. Por iniciativa de ofício da autoridade administrativa, exercendo o poder de autotutela administrativa, em que a autoridade administrativa revê os seus próprios atos, visando corrigir, sanar vícios e incorreções. Desta forma, o Fisco identifica e corrige o lançamento errado. É a única das três hipóteses não litigiosa.

OUTRAS FORMAS DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

O crédito tributário pode ser constituído de outras formas além do lançamento previstas em lei. Para distinguir o que é considerado lançamento tributário das demais formas de constituição do crédito tributário, basta ter em mente que o lançamento é uma atividade privativa da autoridade, que não pode ser delegada a particulares e que é a única forma estipulada no CTN (art. 142, § único). Porém, em todos os casos a seguir, os atos trazem certeza e liquidez ao valor do tributo.

Como visto, são exemplos de lançamento o de ofício, o por declaração e o por homologação. Mesmo que o sujeito passivo faça grande parte do trabalho, o ato lançamento não é feito por ele. O Fisco pode efetuar o lançamento por meio de auto de lançamento (tributo), auto de infração (AIOP e AIOA) ou notificação fiscal de lançamento de débito. A homologação do lançamento por homologação pode ser expressa ou tácita.

Porém, se o sujeito passivo, ao cumprir uma obrigação acessória e apresentar declarações, o crédito está constituído e já poderá ser cobrado. São exemplos a Declaração Anual de Ajuste do Imposto de Renda, a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), a Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP), a Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA), dentre outros documentos. Isto ocorre porque o documento constitui uma confissão de dívida, podendo já ser inscrito na Dívida Ativa (Decreto-Lei 2.124/84 e Súmula 436, do STJ). O pedido de parcelamento também é confissão de dívida (art. 12, da Lei 10.522/02). Da mesma forma, é o depósito integral para a discussão do crédito no âmbito administrativo ou judicial.

Outra forma de constituição de crédito é via Poder Judiciário. Em ações trabalhistas, o juiz pode determinar o recolhimento do imposto de renda e das contribuições previdenciárias (art. 879, § 1º-A, da CLT). Recentemente, vários Tribunais vêm retendo e repassando ao Fisco os valores referentes ao IRPF e INSS dos honorários advocatícios sucumbenciais.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 10. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Forense, 2016.

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 11. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 9. ed. - São Paulo: Saraiva, 2017.

Sobre o autor
Jefferson Luiz Maleski

Advogado previdenciarista, palestrante pela Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB Seccional Goiás e professor universitário. Pós-graduado em Direito e Prática Previdenciária e mestrando em Educação Profissional e Tecnológica. Juiz do Tribunal de Ética da OAB Goiás no triênio 2022-2024. Perito judicial. Membro da banca Celso Cândido de Souza Advogados, em Anápolis/GO.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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