Sequestro e cárcere privado (art. 148, CP)

05/04/2021 às 14:53

Resumo:


  • O artigo 148 do Código Penal brasileiro tipifica o crime de sequestro e cárcere privado, ambos consistindo na privação da liberdade de ir e vir de uma pessoa, mas sem distinção clara entre os termos no caput do artigo.

  • Enquanto o sequestro pode acontecer em um espaço mais amplo, o cárcere privado caracteriza-se pelo confinamento em um recinto fechado; o objeto jurídico protegido é a liberdade de locomoção, e o crime é considerado consumado no momento em que essa liberdade é efetivamente restrita.

  • O crime admite tentativa e possui diversas figuras qualificadoras, como a prática contra menores de 18 anos ou com fins libidinosos, e a ação penal é pública incondicionada, não dependendo da vontade da vítima para que o Ministério Público ofereça a denúncia.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Previsto no caput da parte especial do artigo do código penal, sequestro e cárcere privado são conceitos, juridicamente, diferentes. Contudo um é mais agravante que outro. Neste conteúdo jurídico, será abordado esta linha tênue que a doutrina fez

Sumário: Introdução. 1. Conceitualização. 2. Objeto jurídico. 3. Ação nuclear. 4. Momento consumativo. 5. Tentativa. 6. Sujeitos. 6. 1. sujeito ativo. 6. 2. Sujeito passivo. 7. Distinção de sequestro e extorsão mediante a sequestro. 7. 1. Extorsão (art. 148) e extorsão mediante a sequestro (art. 159). 7. 2. Sequestro e extorsão mediante a sequestro. 8. Figuras qualificadoras (§1º). 9. Qualificadora pelo resultado. 10. Ação nuclear. 11. Prescrição (art. 111, CP).


Introdução

Previsto no código penal no art. 148, estão descritas as condutas que tipificam o sequestro e o cárcere privado, dispondo que:

“privar alguém, de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado”.

Contudo, como podemos observar, no próprio caput não distingue o sequestro do cárcere privado, prevendo a mesma pena para tipificações diferentes. Dessa forma, acredito que o legislador tenha errado em não distinguir tais termos, há diferença nestes e será justamente esta diferença que veremos a seguir.


1. Conceitualização

Analisando o caput de tal artigo, a doutrina conceitua tais termos, sendo:

  1. Sequestro pode ser considerado como sendo o ato de tolher a liberdade ou reter alguém em algum lugar, prejudicando lhe a sua liberdade de ir e vir. Portanto, a vítima é mantida num espaço de privação maior, que pode ser até em um local aberto, como uma casa no campo, por exemplo. Tem seu direito de ir e vir vedados pelo sequestrador, mas pode se locomover e ter acesso a vários ambientes.

  2. Cárcere privado é prender alguém em um recinto fechado, sem que tenha amplitude de locomoção (como uma prisão mesmo, uma cela). Portanto, diferente do sequestro, a vítima fica confinada em um ambiente de pequenas proporções, podendo ser um quarto ou banheiro, e dificilmente é pedido algo em troca de sua liberdade. Isso pode ocorrer em ambiente familiar, por exemplo, quando o marido sai de casa e deixa a esposa trancada e impedida de ter contato o exterior.


2. Objeto jurídico

De acordo com o caput do art. 148, o objeto jurídico trata-se de minguar a liberdade de ir e vir da pessoa, podendo ser as modalidades de sequestro ou cárcere privado.


3. Ação nuclear

Ação nuclear é o verbo previsto no artigo, ou seja, o verbo previsto no art. 148. é o “privar”, sendo retirar a liberdade da pessoa.


4. Momento consumativo

Ocorre no momento quando há privação de liberdade de ir e vir. Portanto, não há que se falar em consumação apenas quando a vítima ficar um tempo razoável em poder do agente. Portanto, para tipificação do artigo 148, CP, é necessário minguar a liberdade da vítima de ir e vir, confinar o sujeito passivo em um recinto fechado ou ambiente com locomoção limitada, dessa forma considerado um crime permanente, pois a consumação ocorre enquanto a vítima estiver com sua liberdade tolhida.

Entretanto, o dolo é específico: privar a liberdade de pessoa humana, ou seja, privada a liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado, restará consumado o delito.


5. Tentativa

Como se trata de crime material admite-se a tentativa, que se verifica com a prática de atos de execução, sem chegar à restrição da liberdade da vítima, por intervenção alheia, por exemplo, quando o sujeito ativo está encarcerando a vítima em um deposito sendo surpreendido e impedido de consumar o delito. Entretanto, tratando-se da forma omissiva, a tentativa é de difícil ocorrência.


6. Sujeitos

6.1. Sujeito ativo

Tratando-se de crime comum, pode ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma qualidade ou condição particular. No entanto, apresentar a qualidade de funcionário público e praticar o fato no exercício de suas funções, poderá configurar-se o crime de abuso de autoridade (Lei n. 4.898/65). Igualmente e recebe e/ou recolher alguém à prisão, sem ordem escrita da autoridade competente, também incorre em crime de abuso de autoridade.

6.2. Sujeito passivo

Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade de ir e vir .


7. Distinção de sequestro e extorsão mediante a sequestro

Conforme vimos, sequestro trata-se, na forma simples (caput), o ato de tolher a liberdade ou reter alguém em algum lugar, prejudicando lhe a sua liberdade de ir e vir. Por toda via, é comum estudantes confundirem o sequestro de extorsão mediante a sequestro, mas são conceitos e tipificações diferentes.

7.1. Extorsão (art. 158) e extorsão mediante a sequestro (art. 159)

Antes de falarmos sobre sequestro e extorsão mediante a sequestro, iremos distinguir a extorsão, prevista no art. 158, de extorsão mediante a sequestro, art. 159, sendo:

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:

Pena – reclusão, de quatro a dez anos e multa.

Perceba que na extorsão há o requisito “mediante violência ou grave ameaça” incluindo também “o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica”, caracteriza-se por ser um crime formal, situação na qual o sujeito emprega os meios aptos para constranger a vítima, visando sempre a vantagem indevida.

Vejamos a seguir a extorsão mediante a sequestro, previsto no art. 159:

“sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”

Pena – reclusão, de oito a quinze anos.

Neste, em ambos os casos ocorre a indevida vantagem econômica, mas perceba as diferenças de extorsão e extorsão mediante a sequestro, sendo:

  • A tipificação do art. 159. não tem o requisito “violência ou grave ameaça”, pois sequestrar já presume este requisito.

  • A ação nuclear é “sequestrar” e na extorsão é “constranger”.

  • A pena é aumentada de 4 a 10 anos e multa (na extorsão) para 8 a 15 anos (no art. 159), de reclusão.

Em outras palavras, o crime de extorsão mediante sequestro será praticado quando o agente sequestra uma determinada pessoa para exigir de outrem vantagem indevida para liberar o refém.

7.2. Sequestro e extorsão mediante a sequestro

Após diferenciarmos extorsão e extorsão mediante a sequestro, podemos afirmar que nesta última há o requisito da “qualquer vantagem com condição ou preço de resgate”, ou seja, sempre que houver sequestro e o agente exigir indevida vantagem econômica para liberar o refém, este estará tipificado no art. 159; ao contrário, não exigindo indevida vantagem econômica, estará no art. 148.

Por ex.: No dia 10 de agosto de 2017, por volta das 18h os denunciados em comunhão de vontades e conjugação de esforços, sequestraram as vítimas, mãe, filho e sogra, com o fim de obter, para si, vantagem, R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), a ser sacado do banco, de que a primeira vítima era gerente, como condição de resgate.


8. Figuras qualificadoras

8.1. §1º, inc. I

§1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:

Inc. I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)

Devido a redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005, ocorreu a inclusão a proteção de “companheiros” e a pena agravada de 2 anos a 5 anos, conforme prevê o §1º. Ademais, houve também a necessidade de igualdade entre “cônjuge” e “companheiro”, tendo o sentido apontado acrescentando punição mais severa ao réu (ou à ré), vedada em razão da ausência de expressa cominação legal.

Portanto, neste inciso, na primeira parte, abarca as vítimas de parentesco, sendo: consanguíneos, adotados e laços por afinidades; já na segunda parte, é ligada a idade da vítima.

8.2. §1º, inc. II

Inc. II – se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

Nesta qualificadora, o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital sem consentimento do internado, ou seja, é preciso que tal internação ocorra com o dissentimento do indivíduo, para que a internação configure o delito em estudo. Nesse mesmo modo, exige que a internação não decorra de permissão legal ou não seja tolerada pelo meio social – se houver justa causa para a privação da liberdade física, não há que se falar no crime em tela.

8.3. §1º, Inc. III

III – se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias;

Neste, pouco importa o tempo de duração da restrição de liberdade para consumar o delito, por ser crime permanente, mas se ultrapassar o tempo de 15 dias, o crime passa a ser qualificado.

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8.4. §1º, Inc. IV

IV se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005);

A modificação fica estabelecido a harmonia no sistema de proteção ao menor de 18 (dezoito) anos, em coerência com o disposto na segunda figura do § 1º do art. 159 do Código Penal.

Considerando que o crime de sequestro ou cárcere privado é de natureza permanente, em certas hipóteses a privação da liberdade poderá iniciar quando a vítima for menor de dezoito anos e terminar após ela ter completado tal idade. Ainda será possível, em outra situação, que a privação da liberdade tenha se iniciado antes da nova lei e perdurado para além de seu ingresso no ordenamento.

8.5 §1º, inc. V

V se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)

Neste é o antigo crime de rapto, previsto nos arts. 219. a 222, capítulo III do código penal, revogados pela lei 11.106/05.

Pela inclusão dada pela lei 11.106/05, se o sequestro ou o cárcere privado for praticado para fins libidinosos ((aqueles praticados com a finalidade de satisfazer a lascívia, ou seja, o prazer sexual.) o crime também será qualificado e contará, obviamente, com pena agravada (reclusão, de dois a cinco anos).

Em outras palavras, se o crime for cometido para o fim de manter relação sexual (cópula vagínica) ou para a prática de qualquer ato libidinoso diverso da conjunção carnal (coito anal ou felação, por exemplo), a forma qualificada estará consumada.

Contudo, o agente que praticar o sequestro ou cárcere privado para fins libidinosos, responderá este e o estupro, pois se trata de concurso material (quando o agente, mediante a mais de uma ação ou omissão, prática dois ou mais crimes – art. 69, CP)


9. Qualificadora pelo resultado (§2º)

§ 2º – Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:

Pena – reclusão, de dois a oito anos.

Nesta, o sequestro e o cárcere privado pelo resultado no § 2º do artigo 148, de modo que, em virtude dos maus-tratos ou da natureza da detenção, o agente provoque à vítima lesões corporais ou a sua morte, haverá concurso material entre o sequestro qualificado e o resultado atingido. Por vias de fato, estas serão absorvidas; dessa forma, em virtude da natureza da detenção, a qual possa trazer sofrimento físico ou moral à vítima, haverá a incidência da qualificadora.

Em outras palavras, maus tratos trata-se de emprego de meios que acarretam graves sofrimentos físicos ou mentais a vítima; natureza de detenção, é o grave sofrimento decorrente das condições objetivas da privação da liberdade da vítima, ou seja, a sujeição em que a pessoa se encontra, o próprio local em que a vítima está detida, amarrada, em ambiente desumano, por exemplo. Perceba que esta se trata de majorante de pena, pois infringiu mais sofrimento a vítima, deixando em condições desumanas.


10. Ação penal publica incondicionada

De acordo com o conteúdo jurídico de processo penal de ação penal, disponível no site da página, ação penal publica incondicionada é quando Ministério público poderá denunciar o delito independentemente do consentimento da vítima.

É de supra importância ressaltar que este delito pode causar um sintoma psicológico denominado de síndrome de Estocolmo (é um estado psicológico em que a pessoa submetida a intimidação, medo, tensão e até mesmo agressões, passa a ter empatia e sentimento de amor e amizade por seu agressor), por conta disso, a ação penal é publica incondicionada.


11. Prescrição – art. 111, CP.

Conforme já havia expressado acima, este delito é crime permanente, ou seja, é quando a consumação se prolonga pelo tempo se consumando o tempo todo, em outras palavras, enquanto a vítima estiver sua liberdade privada o crime está se consumando. Dessa forma, há duas questões pertinentes no crime de sequestro, sendo:

  • Enquanto a vítima estiver sequestrada, haverá flagrante, pois o crime está se consumando.

  • Enquanto houver a consumação, a prescrição não ocorre, ou seja, se a vítima ficar 10 dias sequestrada e no 11º dia a vítima é libertada, dá-se início a prescrição.

Por fim, vale apenas citar que não há de se falar em sequestro e/ou cárcere privado em questão do reality show, como, por exemplo, Big Brother Brasil, pois os membros que quiseram participar do programa, abriram mão de sua liberdade de ir e vir para tal, não havendo a tipificação do delito em estudo.


REFERÊNCIA

Capez, Fernando, curso de Direito Penal, parte especial. Ed. 13º, Saraiva.

Masson, Cleber, Direito Penal, parte especial. Ed. 14º, Método.

Sobre o autor
Jonathan Ferreira

Acadêmico de Direito pela universidade Estácio de Sá com foco em Dir. Penal, Dir. Proc. Penal, Dir. Constitucional Brasileiro. Administrador e fundador da página Âmbito Criminalista, no qual ajudo pessoas a entenderem o Direito Penal de forma simples e descomplicada. Amante da Sabedoria e estudante da psicanálise lacaniana em conjunto com a seara penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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