Os vícios ocorridos no Inquérito Policial, são classificados como irregularidades, podendo gerar trancamento ou nulidade do próprio Inquérito Policial, bem como criar eventuais nulidades na ação penal. O Inquérito Policial possui natureza investigativa e preliminar, feito pela Polícia Judiciária e destinada à apuração das infrações penais e sua autoria, tendo natureza jurídica de procedimento administrativo pré-processual.
As irregularidades ocorridas durante a investigação preliminar podem ensejar a nulidade do próprio Inquérito Policial, bem como gerar nulidades no processo penal subsequente, embora o entendimento majoritário compreenda que, eventual ilegalidade no Inquérito Policial não gera reflexos na ação penal. Dentre as inúmeras sustentações utilizadas pela jurisprudência com intuito de afastar a tese de nulidade do processo por vícios do inquérito, menciona-se a arguição de que o inquérito policial é dispensável para o oferecimento da denúncia. Entretanto, ignora-se que, quase sempre, a denúncia é acompanhada de um inquérito.
Frisa-se, que as eventuais irregularidades ou ilegalidades na condução do inquérito podem vir a contaminar o consequente processo criminal, gerando eventuais nulidades. Dessa forma, certas ilicitudes poderão, ao seu turno, ensejar no próprio trancamento do Inquérito Policial ou a nulidade do mesmo. O entendimento majoritário requer uma reflexão mais profunda, tendo em vista que é indiscutível que o inquérito policial não produz exclusivamente elementos de informação, porém contribui consideravelmente para a formação da convicção do julgador. Assim sendo, pode-se verificar a importância do estudo para a sociedade brasileira, tendo em vista que as eventuais nulidades decorrerentes do Inquérito Policial podem gerar certas nulidades no processo penal subsequente. Tais afirmações possuem o intuito de se esclarecer, desde logo, que o presente estudo não esgota o assunto, dada a sua natureza complexa. Na verdade, o estudo é um convite para a análise do tema, onde o leitor refletirá acerca das informações colocadas à disposição.
A Investigação Preliminar, devido a sua importância, costuma ser propícia para reducionismos e generalizações, principalmente quanto a vícios que ocorrem no Inquérito Policial e suas consequências. É comum afirmarem que as irregularidades e vícios ocorridos no Inquérito Policial não contaminem a ação penal, nem se transmitem automaticamente para o processo. Isso se baseia no fato do Inquérito Policial consistir em procedimento apenas informativo, inquisitório e, ainda, ser dispensável para a propositura da ação penal. Atualmente, ainda se entende que os defeitos no Inquérito Policial consistem em meras irregularidades que não afetam a substância do ato, nem atingem o processo penal subsequente. Nesse caso, as imperfeições nos atos investigatórios não provocam nulidades, que é uma sanção aplicável ao ato defeituoso, para que não produza seus regulares efeitos.
Logo, verifica-se a probabilidade de vícios no inquérito policial, em face da existência da formalidade dos atos, bem como da forma garantida do cidadão frente aos atos do Estado, na esfera criminal. Do mesmo modo, verifica-se uma extensão processual dos atos policiais, ou seja, os elementos informativos e probatórios são incorporados na sentença como motivação, convertendo-se os atos do inquérito policial em atos processuais decisórios. Em razão disso, os atos investigatórios, quando ingressam na esfera processual, submetem-se aos mesmos critérios de legalidade e constitucionalidade da própria sentença, transmitindo-se a esta suas virtudes e defeitos.
Nesse mesmo raciocínio, tendo como base que a tipicidade processual a atividade estatal no processo penal é regulada por meio de formas a serem seguidas, existe uma tipicidade a ser seguida no inquérito policial, tanto em relação aos atos administrativos ordenados pela autoridade policial própria do Delegado, quanto às medidas cautelares determinadas pela autoridade policial após homologação judicial. Isto é, a teoria da ilicitude de provas é perfeitamente aplicável à fase policial da persecução penal. Levando-se em conta a doutrina processual penal e também a administrativa, Hoffmann (2017, p.23) classifica os vícios em:
a) irregularidades (ato irregular): imperfeições sem consequência - ex: não entrega da nota de culpa ao preso em flagrante que em seu interrogatório foi cientificado de suas garantias constitucionais, do motivo da prisão e dos nomes do condutor e testemunhas;b) invalidações (ato anulável ou ato nulo): defeitos que acarretam a invalidação do ato, seja por nulidade relativa (prejuízo precisa ser comprovado- ex: decisão de indiciamento não fundamentada) ou absoluta (presume-se a perda - ex: interceptação telefônica sem autorização judicial);
c) inexistências: deficiências que acarretam a não existência do ato, pois a imperfeição antecede a própria consideração sobre a validade do ato ex: relatório de inquérito policial assinado não pelo Delegado, mas pelo Escrivão.
É importante frisar que o reconhecimento da nulidade do elemento informativo ou probatório produzido no inquérito policial pode ser feito, de ofício ou a requerimento, tanto judicialmente pelo Juiz, em virtude da inafastabilidade da jurisdição, quanto administrativamente pelo Delegado, em virtude do Princípio da Autotutela. Porém, o reconhecimento da nulidade não significa necessariamente o insucesso do processo penal, pois a imperfeição pode ser convalidada pela repetição, tanto no inquérito policial, quanto no processo penal, sendo que o elemento viciado pode estar acompanhado de outras provas válidas. A análise das nulidades do inquérito policial e o grau de contaminação do respectivo processo penal levam em consideração a individualidade ou pluralidade do elemento informativo ou probatório viciado, o efetivo saneamento do vício e a derivação das demais provas. Acerca do assunto Hoffman (2017, p.24) informa que:
De um lado, o processo penal restará prejudicado se o elemento de convicção nulo for o único a amparar a denúncia e não puder ser produzido novamente, ou se apesar de existirem outras provas elas decorrerem exclusivamente do vestígio viciado (teoria dos frutos da árvore envenenada). De outra banda, a persecução poderá seguir seu curso normalmente se for possível convalidar o elemento informativo ou probatório, ou se apesar de não saneada a nulidade do vestígio ele estiver acompanhado de outros elementos que dele não derivarem.
E, por fim, o direito à prova, como os demais direitos fundamentais, não é absoluto, sendo vedado provas ilícitas, conformar preceitua o art. 5, LVI, da 28Constituição federal de 1988, o qual informar que: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios de ilícitos”. Logo, a busca da verdade probatória não pode conter imperfeições, devendo-se sempre estar respaldada no respeito às garantias constitucionais e legais.
A problemática maior nesses casos de falhas é quando o acusado é preso provisoriamente ou até mesmo condenado injustamente. Tendo em vista que tais falhas podem mudar drasticamente a vida de um inocente condenado injustamente, não obstante o tempo perdido dentro de um sistema prisional, tendo sua liberdade cerceada, mas sofrendo as mais diversas atrocidades a que estão sujeitos, tornando- os vulneráveis por erros que deveriam ser evitados. Tendo em vista que o inquérito policial deveria ser apenas um procedimento investigatório, com intuito de colher elementos suficiente da autoria e da materialidade das infrações penais e não um procedimento condenatório em casos de falhas.
Dessa maneira, verifica-se que a Polícia Judiciária desempenha papel essencial na condução do inquérito policial, cuja atuação é extremamente importante para a fase de persecução penal consubstanciada na ação penal. Incluindo-se também o fato de que os componentes alcançados pela autoridade policial são imprescindíveis para a decretação das medidas cautelares afetando sem intermédios os direitos fundamentais do investigado.
Por fim, reitera-se que o inquérito policial, é um instrumento de investigação preliminar legalmente previsto no Código de Processo Penal, porém necessita de cuidados excepcionais quanto a sua natureza de investigação que podem condenar ou libertar um inocente. Bem como de um aprofundamento nas pesquisas acadêmicas, todavia desprovidos dos preconceitos, os quais tem permeado esse debate nos últimos tempos, visando, assim, a obtenção de vantagens para o sistema de justiça criminal e para sociedade em geral.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei n° 8.906, 04 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Diário Oficial da União. 05 jul. 1994.
HOFFMANN, Henrique. "Mera informalidade" do inquérito policial é um mito. Revista Consultor Jurídico, nov. 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-nov29/academia-policia-mera-informalidade-inquerito-policial-mito>. Acesso em: 29 Agosto de 2020.
HOFFMANN, Henrique. Investigação criminal pela Polícia Judiciária. 2º Ed. -Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2017.
NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de processo penal e Execução penal. 12.ª ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
OLIVEIRA FILHO, Ênio Walcácer de. Constituição & inquisição: o inquérito policial e sua (in) constitucionalidade no Brasil pós 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.