UMA POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE
Rogério Tadeu Romano
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) segundo o qual a renda do aluguel de propriedade exclusiva de um dos companheiros só pode ser considerada patrimônio comum durante a vigência da união estável, passando, após o falecimento do proprietário, a integrar o acervo a ser partilhado entre os herdeiros.
Para o colegiado, apenas eventuais aluguéis vencidos e não pagos ao tempo do óbito do proprietário poderiam ser considerados pendentes – circunstância que, se existente, autorizaria sua integração à meação da companheira.
Na ação de prestação de contas que deu origem ao recurso julgado pela turma, ajuizada contra a companheira, o espólio pediu esclarecimentos sobre depósitos em conta bancária conjunta, posteriores à morte do autor da herança, e sobre eventuais créditos em favor do falecido.
Em primeiro grau, a sentença rejeitou as contas apresentadas pela companheira sobrevivente e a condenou a restituir ao espólio os valores equivalentes a aluguéis originados de propriedade exclusiva do companheiro falecido. A decisão foi mantida pelo TJPR, que também considerou que a companheira não havia sido reconhecida como herdeira até aquele momento.
Por meio de recurso especial, a companheira alegou que os aluguéis, embora relativos a bem particular do falecido, seriam patrimônio comum do casal, pois foram recebidos em decorrência de contrato de locação firmado durante a união estável e ainda vigente na data do óbito.
Além disso, a magistrada lembrou que, de acordo com o artigo 10 da Lei do Inquilinato, no caso de morte do locador, a locação é transmitida aos herdeiros.
"Isso significa que, a partir da data do falecimento do locador – momento em que houve a transmissão dos direitos e deveres decorrentes do contrato de locação aos herdeiros –, todo e qualquer vínculo, ainda que indireto, apto a autorizar a recorrente a partilhar dos aluguéis (como aquele previsto na norma do inciso V do artigo 1.660 do Código Civil) foi rompido, cessando, por imperativo lógico, seu direito à meação sobre eles", concluiu a ministra ao manter o acórdão do TJPR.
Para o caso a decisão se fulcra no artigo 1.725 do Código Civil.
Na união estável prevalece o regime da comunhão parcial de bens, mas pode haver um contrato entre as partes sobre os bens dos companheiros com a mesma flexibilidade admitida no pacto antenupcial.
De acordo com a legislação, para que a união estável se configure e seja formalmente reconhecida, é preciso que apresente algumas características, devendo ser pública, contínua e duradoura e que as partes tenham a intenção de constituir família. Também, segundo a lei, a união estável deve ser equiparada ao casamento e sua conversão em casamento facilitada ao máximo.
Seus requisitos caracterizadores são bastante subjetivos, principalmente em relação ao tempo de relacionamento, se levarmos em conta que o único dado contido na lei acerca disso diz que a relação tem que ser “duradoura”. Dispositivo legal anterior ao Código Civil de 2002, hoje em vigor, fazia menção ao prazo de cinco anos, mas o fato de a lei ser omissa em relação a isso causa temor naqueles que mantêm entre si uma relação de namoro ou noivado.
Dir-se-á que “o companheiro só é convocado como sucessor único quando não houver nenhum parente sucessível do falecido”
Isso significa, que se o convivente morto possuía irmão, sobrinho, tio, primo, sobrinho-neto ou tio-avô, o sobrevivente herdará apenas um terço do patrimônio objeto de sucessão. A lei ignora a preferência do companheiro, em relação aos colaterais até quarto grau. Assim, apenas na falta destes, a herança será transmitida por inteiro ao parceiro da união estável.
Mas essa orientação se baseia no artigo 1.790 do Código Civil declarado inconstitucional.
Os direitos sucessórios do companheiro(a), ou seja, o direito à herança das pessoas que conviviam entre si em União Estável, eram disciplinados pelo polêmico artigo 1790 do CC/02, com a seguinte redação:
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança".
Em linhas gerais, o art. 1790 CC/02, restringe o direito do companheiro(a) aos bens adquiridos onerosamente da constância na união, nada tendo direito aos bens particulares (adquiridos anteriormente à união, ou adquiridos durante a vigência da união, porém através de doação ou herança), faz distinção entre a concorrência do companheiro com filhos comuns ou só do falecido, prevê o direito apenas à metade do que couber aos que descenderem somente do autor da herança e estabeleçe um terço na concorrência com herdeiros de outras classes que não os descentes do falecido, a exemplo dos colateriais, e só é chamado a concorrer com a totalidade da herança na falta destes; o conjuge, porém, prefere aos parentes colaterais e por último, não o inclui como herdeiro necessário e nem com um quinhão mínimo.
O Supremo Tribunal Federal finalizou, no dia 10 de maio de 2017, o julgamento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, através do julgamento do recurso extraordinário nº 878.694/MG, que teve como relator o ministro Luís Roberto Barroso. No caso concreto, a decisão do julgador de primeira instância reconheceu ser a companheira de um homem falecido a herdeira universal dos bens do casal, vez que o falecido não tinha descendentes e nem ascendentes vivos, aplicando ao caso em júdice, o inciso III do 1829 CC/02, portanto, dando tratamento igual ao instituto da união estável em relação ao casamento. No caso em tela, o falecido possuía irmãos vivos (colateriais de 2º grau), que se aplicado o art. 1790 CC/02, de acordo com o inciso III, estes concorreriam à herança junto com a companheira, ficando esta apenas com um terço da massa patrimonial do falecido.
Ali foi dito:
Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988.
Pode verificar-se que a recente decisão do STF igualou cônjuges e companheiros para fins de recebimento de herança ou legado (fins sucessórios), sendo aplicadas aos companheiros as mesmas regras aplicadas aos cônjuges, ou seja, tanto para a união estável, quanto para o casamento, no tocante à divisão de herança, serão aplicadas as regras do art. 1829 CC/02, devido ao reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 1970 CC/02, que regia o efeito sucessório entre os companheiros.
Mas, por certo, fala-se em auferir frutos após a cessação da união estável pela morte.
Que são frutos?
No Livro IV, na parte do Direito de Família, o Código Civil do Brasil utiliza o termo frutos de forma ampla, tanto que o art.1.660, V,fala em frutos dos bens comuns, ou dos particulares percebidos na constância do casamento, declinando o termo rendimentos quando relativos a proveito econômico, como nos arts. 1.568 e 1.688, tratando o último dos rendimentos do trabalho e de bens. Do que se lê, o máximo a extrair acerca da conceituação de frutos no CCB é que ela se acha vinculada ao exercício de direitos sobre bens e a atividade ou direito com proveito pecuniário.
Os frutos têm a natureza jurídica de bens acessórios a outros bens, confirmando assim o conceito firmado também na doutrina brasileira, de que os frutos são bens e utilidades acessórios e provenientes de outros preexistentes, sejam móveis ou imóveis.
Os rendimentos são tratados no Brasil e em Portugal como frutos civis, consistentes em prestações periódicas em dinheiro, decorrentes da concessão do uso e gozo5 ou da remuneração pelo exercício de uma atividade (rendimentos do trabalho), não havendo, quanto à aplicação da lei, distinção entre bem e coisa.
Que dizer com relação aos frutos dos bens como elemento econômico do regime patrimonial familiar durante a união estável?
O art. 1.660, V, CCB, estabelece que os frutos dos bens comuns, ou dos particulares, de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou ainda os pendentes ao tempo de cessar a comunhão, encontram-se entre aqueles que são comunicáveis, quando sobrevie-rem ao casal, na constância do casamento.
No Direito de Família, a regulamentação quanto à divisibilidade dos frutos não segue a regra geral adotada pelo art. 1.232, CCB, segundo o qual os frutos pertencem, ainda quando separados, ao proprietário do bem principal, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem. Aplica-se, diversamente, como regra, a comunicabilidade dos frutos dos bens, em atenção aos princípios constitucionais da proteção especial devida à família e da solidariedade familiar, assim como ao conceito de casamento como uma comunhão plena de vida, presente no art. 1.511, CCB.
O CCB não distingue entre o casamento e a união estável quando se trata da comunicabilidade dos bens a partir do regime eleito, pelo que não caberá ao intérprete fazê-lo.
No entanto, repita-se, em relação à divisão dos frutos após a extinção do casamento ou da união estável, a ministra destacou jurisprudência do STJ no sentido de que o direito à divisão ocorre no tocante aos valores que foram auferidos durante a convivência.
Nesse sentido, Nancy Andrighi ressaltou que o que autoriza a comunicabilidade dos frutos é a data da ocorrência do fato que gera o direito ao seu recebimento – ou seja, o momento em que o titular adquiriu o direito ao ganho dos valores. Por isso, no caso dos autos, a ministra apontou que a meação dos aluguéis só poderia ocorrer no período relativo ao curso da união estável.