Após estabelecer que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos”, a parte final do inc. XLIII do art. 5º da CR/88 preconiza: “por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. Estabeleceu-se aqui, por assim dizer, um mandado constitucional de criminalização da omissão penalmente relevante.
O legislador constituinte definiu como omissão relevante aquela na qual o omitente, podendo [um requisito apenas] agir para evitar o resultado, nada faz. Houve na CR/88, como se observa, um tratamento diverso do escrito no Código Penal, que considera a omissão penalmente relevante quando o omitente devia e podia [dois requisitos] agir para evitar o resultado (art. 13, § 2º).
Adotada ao pé da letra a prescrição constitucional, qualquer um que pudesse agir estaria sujeito a ser acusado de não haver feito algo para evitar o cometimento de determinado crime hediondo ou equiparado. Ora, é mister algo além do poder de evitar o delito. Há de se exigir, para a responsabilização do omitente, também o dever de agir. E, em nosso ordenamento jurídico, o dever de agir incumbe a quem: “a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado” (CP, art. 13, § 2º).
Destarte, apenas nas hipóteses fáticas em que caiba ao omitente o papel de garante do bem jurídico é que se pode vislumbrar, no seu não fazer, uma omissão criminosa pela não evitação dos resultados delitivos. Não por outra razão, o saudoso Min. Luiz Vicente Cernicchiaro (Direito Penal na Constituição. 2ª ed. São Paulo: RT, 1991, p. 176) deixou entre nós importante lição no sentido de que:
“não basta deixar de evitar que outrem cometa qualquer dos crimes elencados no inciso XLIII. Até aí, tem-se visão simplesmente naturalista. Necessário também o ingrediente normativo, consistente no dever de agir e que o agente pudesse interferir para evitar a conduta delituosa de outrem. Assistir à tortura, ao tráfico ilícito de entorpecentes, a atos de terrorismo ou a crimes hediondos, mantendo-se alheio, indiferente, por si só não é omissão, no sentido jurídico do termo. [...] Essa é a única interpretação coerente com o conjunto dos princípios de Direito Penal democrático, reeditado, diga-se, na Constituição de 1988. Acrescente-se, além do comando da Constituição, lei ordinária precisa definir a omissão como conduta delituosa. Só assim definir-se-á a obrigação de agir. Insista-se, omissão não é um simples não-fazer. É não cumprir o dever jurídico”.
Em síntese, com Alberto Silva Franco (Crimes hediondos: notas sobre a Lei 8.072/90. 2ª ed. São Paulo: RT, 1992, p. 28), deve-se concluir que “o texto constitucional disse, na realidade, menos do que pretendia dizer”.