DANOS MORAIS DA TRAIÇÃO
Na modernidade, tem-se o afeto como princípio elementar nas relações de família. Maria Berenice Dias em sua doutrina cita a famosa frase: você é responsável por quem cativas.[1]
Do Código Civil, consta previsão expressa sobre lealdade nas uniões estáveis (art. 1.724) e sobre fidelidade recíproca no casamento (art. 1.566).
Ocorre que a jurisdição não vem se valendo de tais institutos na análise do dano moral por relacionamento extraconjugal. Os julgadores parecem sentir que, se migrarem para princípios de Direito de Família, a condenação por danos morais tornar-se-á automática, in re ipsa, dada a configuração de ilícito civil. Assim, no intuito de manterem restritas as hipóteses de condenação por dano moral, preferem analisar a situação à luz dos conceitos de responsabilidade civil.
Há precedente isolado do TJDFT, tribunal conhecidamente conservador, em que se ensaiou imputar à infidelidade dano moral in re ipsa.[2] Difícil entender por que esse precedente não se tornou a regra. Entre tornar mais objetiva a aplicação do dano moral nesses casos e evitar a tão temida “industrialização dos danos morais”, a atividade judicante parece preferir o segundo.
A redação do Enunciado nº 444 das Jornadas de Direito Civil é enfática: o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento”.
Cristiano Chaves também é enfático: qualquer ofensa a um bem jurídico da personalidade é séria, e, se objetivamente constatada, caracterizará dano moral. [3]
Porém, não há expectativa de virada jurisprudencial. Os julgados são na direção de que a traição por si não gera dano moral indenizável, dependendo a sua configuração de situações peculiares.
Nesse rol de situações peculiares há as mais óbvias, como é o caso em que a companheira ou a esposa não revela ao consorte a verdadeira paternidade do seu filho, fruto de relação extraconjugal.
E há as situações menos óbvias, que dependem de um exame mais acurado sobre a real violação a direito da personalidade.
O direito da personalidade envolve a imagem-atributo, que é a reputação desenvolvida perante o meio social. É a repercussão social da imagem[4], cujos danos atingem a honra subjetiva (apreço por si próprio) e a objetiva (imagem social cultivada por terceiros)[5]. É nesse ponto que reside o maior apoio daqueles que pretendem obter indenização por dano moral em caso de traição. É preciso demonstrar ao magistrado o grau de humilhação perante o meio em que o(a) traído(a) vive.
Foi nessa linha que a Sétima Turma do TJDFT entendeu recentemente ser cabível dano moral em caso de situação vexatória, com exposição pública. Ademais, acrescentou ser necessário extremo sofrimento ou situações humilhantes que ofendam a honra, a imagem, a integridade física ou psíquica do indivíduo. [6]
Nesse sentido, ainda, entendimento da mesma Turma no sentido de configuração por dano moral em razão da exposição própria do adúltero com sua amante em rede social.[7]
A Primeira Turma Cível do TJDFT inclina-se pelo dano moral da traição em situações em que um consorte expõe o outro socialmente a situação passível de afetar sua honorabilidade e dignidade, transmudando-se em motivo de comiseração e sujeitando-se ao ridículo.[8]
Em julgado de 15 de março de 2021, a 2ª Câmara Cível do TJGO apontou ser indispensável a configuração de humilhação ou constrangimento perante o meio social e familiar. [9]
Enfim, essa tem sido a linha. Como dito, os julgadores têm preferido afastar institutos de Direito de Família na análise da indenização por traição. Não fosse assim, a situação poderia se tornar passível de dano moral in re ipsa. Àqueles que perseguem tal indenização, resta demonstrar ao magistrado a humilhação sofrida em seu meio social, ficando manifesta a violação a direitos da personalidade.
[1] DIAS. Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 13ª edição. 2020. Editora Jus Podium. Fl. 73.
[2] Processo 20180910032479APC. 3ª Turma Cível. Relatora Maria de Lourdes Abreu. DJ: 16/10/2018.
[3] FARIAS. Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald. Manual de Direito Civil. 6ª edição 2021. Editora Jus Podium. Fl. 676.
[4] TARTUCE. Flávio. Citando Maria Helena Diniz. Fl. 102. Manual de Direito Civil. 2018. Editora Método.
[5] Recurso Especial 1.210.732. Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. DJ: 15/03/2013.
[6] Processo 07132809520188070001. 7ª Turma Cível TJDFT. DJE: 04/05/2020. Relatora: Des. Gislene Pinheiro.
[7] Processo 20160310152255APC. 7ª Turma Cível TJDFT. DJE: 26/03/2018. Relatora: Des. Fábio Eduardo Marques.
[8] 20130111560109APC. 1ª Turma Cível TJDFT. DJE: 24/07/2017. Rel: Des.Teófilo Caetano.
[9] 5601108-56.2018.8.09.0006. 2ª Câmara Cível do TJGO. DJ: 15/03/2021. Relator: Des. José Carlos de Oliveira.