O ensino religioso nas escolas públicas, ADI 4.439/DF:

uma crítica ao voto divergente.

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Hermenêutica empregada pelo STF à ADI 4.439 trazida pela PGR em 2017, ensino religioso nas escolas pública. Crítica aos argumentos trazidos ao plenário. Reflexão acerca do voto vencido e do voto que prevaleceu: representa realidade sociopolítico atual?

RESUMO

Este paper tem a pretensão de discorre de forma breve acerca dos métodos hermenêuticos empregados pelo Supremo Tribunal Federal, STF, na Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI 4.439, apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que questionou, no ano de 2017, o modelo de ensino religioso nas escolas da rede pública de ensino do país. O texto em tela, também, procura fazer uma crítica holística, data maxima venia, levantando-se, na visão dos presentes autores, os principais pontos positivos e negativos trazidos ao plenário como argumento que se destaca como elemento justificador e representativo do posicionamento frente aos votos declarados por ambos os grupos de Ministros do STF (voto vencido e voto divergente). Por fim, provoca-se uma reflexão polêmica acerca do voto vencido, que ao contrário do voto que prevaleceu, seria, na humilde opinião dos que escrevem esse ensaio, o que melhor representaria a realidade sociopolítico brasileira.

Palavras-chave: Ensino Religioso. Escola Pública. Hermenêutica Jurídica.

1 APRESENTAÇÃO DA ADI 4.439/DF

A Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI 4.439, tratou, em 2017, do tema em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou o modelo de ensino religioso nas escolas da rede pública de ensino do país. Na ação, a PGR pedia a interpretação conforme a Constituição Federal de 1988 ao dispositivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (caput e parágrafos 1º e 2º, do artigo 33, da Lei 9.394/1996) e ao artigo 11, parágrafo 1º do acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé (promulgado por meio do Decreto 7.107/2010) para assentar que o ensino religioso nas escolas públicas não pode ser vinculado a religião específica e que fosse proibida a admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas. Sustentava que tal disciplina, cuja matrícula é facultativa, deve ser voltada para a história e a doutrina das várias religiões, ensinadas sob uma perspectiva laica.

2 HERMENÊUTICA UTILIZADA

A ADI 4.439 reconheceu a possibilidade conferida às escolas públicas de ofertarem o ensino religioso confessional, sem que isso implique violação ao caráter laico do Estado brasileiro (art. 19, CF/1988) ou à garantia fundamental à liberdade religiosa (art. 5º, VI, CF/88). Desta feita, a Ação Direta de Inconstitucionalidade foi julgada improcedente por 6 votos divergentes respaldados sob a perspectiva interpretativa histórica e 5 votos vencidos que buscou arrimo interpretativo sistemático a luz da hermenêutica jurídica. Portanto, foi declarada a constitucionalidade dos artigos 33, caput e §§ 1º e 2º, da Lei 9.394/1996, e do art. 11, § 1º, do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, e afirmando-se a constitucionalidade do ensino religioso confessional como disciplina facultativa dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

2.1 Voto Divergente: Interpretação Histórica

Segundo o que consta na indexação do documento, ADI 4.439, o recurso sob a égide da hermenêutica que deu respaldo ao convencimento do voto divergente foi a interpretação histórica, uma vez que se buscou abarcar “tanto a mens legislatoris (corrente subjetivista) [...] quanto a mens legis (corrente objetivista)”. (TAVARES, 2021, p.8). Assim, traz-se como ponto para explicitar a dimensão subjetivista na interpretação histórica, o fragmento do documento ADI 4.439 que se encontra no site do STF, onde temos apontada a “análise das razões excepcionais que levaram o legislador constituinte a estabelecer [...] um dispositivo constitucional determinando a inclusão de ensino religioso, de matrícula facultativa, como disciplina dos horários normais das escolas públicas”. (BRASIL, ADI 4.439, 2017, p.77). Bem como sua dimensão objetivista ao trazer da interpretação da norma, a necessidade do Estado observar o binômio da Laicidade (CF, art. 19, I) consagrando a Liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI) e o princípio da Igualdade (CF, art. 5º, caput) no oferecimento de ensino confessional das diversas crenças.

O Poder Público, observado o binômio Laicidade do Estado (CF, art. 19, I) / Consagração da Liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI), deverá atuar na regulamentação integral do cumprimento do preceito constitucional previsto no artigo 210, §1º, autorizando na rede pública, em igualdade de condições (CF, art. 5º, caput), o oferecimento de ensino confessional das diversas crenças, mediante requisitos formais previamente fixados pelo Ministério da Educação. (Ibid., p.77).

2.2 Voto Vencido: Interpretação Sistemática

Quanto ao voto vencido, que votou pela procedência da Ação, temos na indexação do documento, ADI 4.439, que o prisma de análise dos ministros estava alicerçado na interpretação Sistemática a luz da hermenêutica jurídica, uma vez que procuraram, em seus argumentos, além da dimensão sociopolítico contemporânea, também, “compreender o significado das palavras na perspectiva do texto inteiro da lei, bem como a compreensão da lei na perspectiva do ordenamento como um todo, evitando-se interpretações de palavras ou frases isoladas do seu contexto”. (TAVARES, 2021, p.9). Vejamos um recorte da arguição trazida pelo Ministro Luiz Fux, voto vencido:

O próprio Professor Chaïm Perelman, na Teoria da Argumentação, afirma que os professores usam o argumento de autoridade, que acaba por capturar a consciência. E o que a Lei e a Constituição Federal propõem? Que a criança vá formando a sua consciência paulatinamente, de acordo com suas próprias convicções. Isso está encartado até no núcleo da dignidade da pessoa humana, na visão kantiana, porque Kant afirmava que a dignidade está, acima de tudo, na autodeterminação. Qual será a autodeterminação religiosa de uma criança que estuda, desde a sua primeira infância, em um colégio, doutrinada para uma determinada religião, sendo certo que é absolutamente impossível o Estado contratar professores para 140 religiões hoje consagradas pelos órgãos federais? (BRASIL, ADI 4.439, 2017, p. 127).

3 A CRÍTICA

Ao fazermos um juízo do processo pelo qual culminou na ADI 4.439, percebemos que os grupos (voto divergente e voto vencido) se posicionaram em um formato bem representativo da sociedade brasileira, frente a religiosidade marcante do nosso povo. A dicotomia, religiosidade versus laicidade, essa última, mister a quem decide pelo interesse público, nos leva a entender e louvar o esforço dos Ministros ao se distanciarem de suas crenças para tomar tão polêmica e importante decisão, capaz de impactar na formação da consciência e convicções dos futuros adultos brasileiros.

A principal crítica que fazemos é no sentido de entendermos que o voto vencido seria o que melhor se acomodaria à realidade brasileira. Posição nossa, fixada com arrimo na literatura de Tavares (2021, p. 9) quando nos traz da interpretação sistemática, que “um artigo da Constituição deve ser sempre interpretado na perspectiva do contexto sociopolítico, como regra macro jurídica que alcança o todo da sociedade”.

Destacamos ainda, dentro da nossa ótica, que a expressão “católico e de outras confissões religiosas”, constante no art. 11, §1º, do Acordo Brasil-Santa Sé (Decreto Nº 7.107/2010), traz uma certa primazia à religião Católica, além do Acordo citado não ter sido feito com representes de todos os seguimentos religiosos brasileiros e sim com a igreja Católica. Outra, para além do positivado no Decreto supracitado não encontramos nos demais dispositivos normativos que tratam do ensino religioso nas escolas públicas, a expressão ensino confessional, conforme podemos constatar na sequência:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. (BRASIL, CF/1988).

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. (BRASIL, LDB/1996).

Diante do exposto, separamos como ponto negativo, o fato do grupo do voto vencedor (voto divergente) ter minimizado a impossibilidade de oferecer igualmente a todos os alunos um ensino religioso dentro das respectivas convicções e diversidades religiosas existentes entre os jovens alunos. Desta feita, embora seja verdadeiro que não podemos afastar a dimensão da religiosidade do povo brasileiro, também, percebemos ser necessário acolher a pluralidade dos seguimentos religiosos e não-religiosos em uma atitude de não eleição de uma religião específica e confessional.

Como ponto positivo no argumento do voto vencedor trazemos aqui a posição marcada por eles quanto a incongruência de transformar o ensino religioso nas escolas públicas em um momento para abordar temas como história, filosofia ou sociologia, uma vez que já são ministrados nos tempos destinados às respectivas disciplinas. Entendemos que nesse quesito o voto vencedor está com a razão. E, assim, com lume nesse mesmo aspecto, aproveitamos a contrapartida para enfatizar que esse é o ponto negativo na argumentação do voto vencido. Entendemos que teriam sido mais felizes no seu intento se tivessem trazido a dimensão comum dos valores humanos fundamentais, tais como, respeito ao próximo, alteridade e partilha, aspectos comum a todos que professam alguma religião e aceito como valores importantes e basilares, também, para ateus e agnósticos, e, com isso, oportunizaria a todos os alunos os relevantes benefícios dessa formação, ensino religioso em uma perspectiva holística.  

Diante do exposto, entendemos que a tese defendida pela Procuradoria-Geral da República quando nos traz que “a única forma de compatibilizar o caráter laico do Estado brasileiro (CF/1988, art. 19, I) com o ensino religioso nas escolas públicas (CF/1988, art. 210, §1º) consiste na adoção de modelo não-confessional” (BRASIL, ADI 4.439, 2017, p.8-9) e, desta feita, o mais coerente com a realidade sociopolítico brasileira.

4 APORTES FINAIS

Para além dos instrumentos normativos analisados, trazemos como contribuições as referências consultadas para elaboração deste ensaio. Em Canotilho et al. (2018) temos os comentários de renomados juristas e magistrados que se debruçaram sobre cada um dos dispositivos aqui analisados. Em Lenza (2020), Masson (2020) e Novelino temos tanto a análise da questão trazida ao STF pela Procuradoria-Geral da República por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade posta em tela, como os aspectos da hermenêutica jurídica, essa ciência norteadora na delicada atividade de quem precisa dar interpretação a norma jurídica.  

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REFERÊNCIAS CONSULTADAS

BRASIL, Palácio do Planalto.  CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 07 abr. 2021.

BRASIL, Palácio do Planalto.  Decreto Nº 7.107/2010. Promulga o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, em 13 de novembro de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7107.htm. Acesso em: 07 abr. 2021.

BRASIL, Palácio do Planalto.  Lei Nº 9.394/1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. – LDB. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 07 abr. 2021.

BRASIL, STF. ADI 4.439/DF – Ação Direta de Inconstitucionalidade. Relator: Min. Roberto Barroso. Redator do acórdão: Min. Alexandre de Moraes. Julgamento: 27/09/2017. Publicação: 21/06/2018. Órgão julgador: Tribunal Pleno. PROCESSO ELETRÔNICO, DJe-123 DIVULG 20-06-2018 PUBLIC 21-06-2018. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur387047/false. Acesso em: 07 de abr. de 2021.

CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz; LEONCY, Léo Ferreira. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva educação, 2018.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24. ed. São Paulo: Saraiva educação, 2020.

MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional Esquematizado. 8. ed. Salvador: JusPODIVM, 2020.

MIGALHAS, Redação do. Estado Laico. STF: Ensino religioso público pode ser vinculado a crença específica. Migalhas, online, 27 de setembro de 2017. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/266179/stf-ensino-religioso-publico-pode-ser-vinculado-a-crenca-especifica. Acesso em: 07 de abr. de 2021.

NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional Esquematizado. 14. ed. Salvador: JusPODIVM, 2019.

RAMALHO, Renan. Supremo permite promoção de crenças no ensino religioso em escolas públicas. G1, Brasília, 27 de setembro de 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/supremo-permite-promocao-de-crencas-no-ensino-religioso.ghtml. Acesso em: 07 de abr. de 2021.

STF, Notícias. STF conclui julgamento sobre ensino religioso nas escolas públicas. STF, Brasília, 27 de setembro de 2017. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=357099. Acesso em: 07 de abr. de 2021.

TAVARES, Jessie Coutinho. Hermenêutica Jurídica: Fase 3 – Hermenêutica Jurídica Clássica. In: ALMEIDA, Andrea Chagas Alves de et al. (orgs). Núcleo de Educação a Distância. Fortaleza: Unifor, 2021.

Sobre os autores
Wlahilma Maria de Queiroz Bezerra

Doutora em Ciências da Educação, especialidade em Tecnologia Educativa (UMinho) - defesa em jan/2019. Mestre em Computação Aplicada a Informática Educativa pela Universidade Estadual do Ceará (2012). Especialista em Ensino de Matemática pela Faculdade Farias Brito (2007), Especialista em Informática na Educação pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (2007). Possui graduações em: Gestão da Tecnologia da Informação pela Faculdade de Tecnologia do Nordeste (2012), Licenciatura Plena em Matemática pela Universidade Estadual do Ceará (2002) e Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Ceará (2000). Professora concursada da SEDUC-CE. Atualmente é graduanda em Direito na Universidade de Fortaleza - Unifor.

Jônata Freitas Virgínio

Médico anestesista e graduando em Direito pela Universidade de Fortaleza, Unifor. CV: http://lattes.cnpq.br/6213548916003257.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Ensaio apresentado junto a disciplina de Hermenêutica Jurídica.

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