Hans Kelsen, a justiça e o Direito

Leia nesta página:

o texto trata da ideia de justiça, par Hans Kensen, que faleceu há 48 anos.

 

               Beatriz de Oliveira Claro

               Acadêmica de Direito

               Carlos Roberto Claro

               Mestre em Direito e Advogado

 

 

 

 

         O jurista e filósofo Hans Kelsen faleceu há 49 quase (quarenta e nove) anos[1], deixando obras de fôlego, perenes, que vão muito além da “Teoria pura do direito”. Dentre elas, há duas especiais[2], sendo que o pensador austríaco trata da justiça e o direito, tema deste pequeno ensaio. De início, Kelsen, na obra “Teoria pura do direito”, leva a efeito uma tentativa de construção de um conhecimento jurídico baseado não mais no ser e sim no dever ser, isto é, o Direito como ele deveria ser – ciência do Direito – e não como é. O Direito, como fenômeno bruto, é distinto do Direito enquanto ciência e ao mesmo tempo, os fatos brutos só são entendidos juridicamente desde que perpassados por um sentido normativo.

         Além disso, não são os fatos que dirão o que é o Direito, mas a interpretação da “norma” dos fatos; a norma que dirá quais fatos são considerados jurídicos.  Kelsen não está buscando um Direito puro, porquanto o Direito é contraditório. O filósofo tenta separar aquilo que é Direito daquilo que é ciência do Direito.

            Prosseguindo, desde logo é muito importante afirmar que os juízes aplicam o ‘direito’, os juízes não fazem ‘justiça’! Vamos à Faculdade de Direito aprender ‘direito’, não justiça. ‘Justiça’ é com a religião, a filosofia, a história, consoante ensinamento de Eros R. Grau[3]. Portanto, Direito e justiça não têm qualquer ligação[4], por mais que a sociedade pense em sentido contrário.

           No início do curso de Direito o aluno se pode deparar com a ideia de que o juiz faz justiça no caso concreto e que a lei, sendo “injusta” não pode ser aplicada. Com o passar dos anos, passa a entender que juiz aplica o Direito, simplesmente, e a lei não guarda qualquer relação com o caráter do justo ou injusto. No que se refere à lei posta pelo Estado, imediatamente, traz-se o pensamento sempre atual de John Autin, para quem:

The existence of law is one thing; its merit or demerit is another. Whether it be or be not is one enquiry; whether it be or be not conformable to an assumed standard, is a different enquiry. A law, which actually exists, is a law, though we happen to dislike it, or though it vary from the text, by which we regulate our aprrobation an disapprobation[5]

            No que se refere às decisões judiciais, não se coadunam com o direito natural e nada têm a ver com o metafísico, sendo que o juiz analisa o caso concreto em conformidade com a lei constante do sistema jurídico. Nada mais.

             Assevera Kelsen que a interpretação de uma lei não é necessária a uma decisão como a única certa, mas leva, possivelmente, a várias decisões - enquanto só se ajustam à norma a ser aplicada - do mesmo valor, mesmo que uma única dentre elas se torne direito positivo numa sentença judicial[6]. E prossegue:

Platão ensina que o justo, e apenas o justo, é feliz: ou que tempos de conduzir os homens a crer nisso. E, de fato, o problema da justiça tem uma importância tão fundamental para a vida social dos homens, a aspiração à justiça está tão profundamente enraizada nos seus corações porque, no fundo, emana da sua indestrutível aspiração à felicidade.

Nenhuma justiça simplesmente relativa, apreensível pela razão humana, pode atingir este fim. Uma tal justiça relativa apenas conduz a uma satisfação muito parcial. A justiça pela qual todo o mundo chama, ‘a’ justiça por excelência é, pois, a justiça absoluta. Esta é um ideal irracional. Com efeito, ela só pode emanar de uma autoridade transcendente, só pode emanar de Deus. Por isso, a fonte da justiça e, juntamente com ela, também a realização da justiça têm de ser relegadas do Aquém para o Além - temos de nos contentar na terra com uma justiça relativa, que pode ser vislumbrada em cada ordem jurídica positiva e na situação de paz e segurança por esta mais ou menos assegurada. Em vez da felicidade terrena, por amor da qual a justiça é tão apaixonadamente exigida, mas que qualquer justiça terrena relativa não pode garantir, surge a bem-aventurança supraterrena que promete a justiça absoluta de Deus àqueles que Nele creem e que, consequentemente, acreditam nela. Tal é o engodo desta eterna ilusão[7]

Por fim, a justiça não pode, portanto, ser identificada com o direito[8].

              Portanto, juiz não faz justiça às partes no caso concreto arpesentado à apreciação do Poder Judiciário, nunca fez e jamais fará, é bem de ver. Magistrado aplica o Direito no caso concreto, pura e simplesmente. Não há como discordar dos insignes juristas Grau e Kelsen.

           

        

 


[1] 19/04/1973.

[2] A ilusão da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008 [dedicada à filosofia de Platão]; O problema da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

[3] Por que tenho de juízes: (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). São Paulo: Malheiros, 2016, p. 21. Grifos no original. Sobre o tema: H.L.A. Hart. O conceito de direito. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

[4] Tomás de Aquino assim se posiciona: O direito é objeto da justiça? Quanto ao primeiro artigo, assim se procede: parece que o direito não é objeto da justiça. Com efeito, o jurisconsulto Celso diz: ‘O direito é a arte do bem e da equidade’. Ora, longe de ser objeto da justiça, a arte é em si mesma uma virtude intelectual. Logo, o direito não é objeto da justiça. Suma teológica. Vol. VI. São Paulo: Edições Loyola, 2005, pp. 45-46. Grifos no original.

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[5] The province of jurisprudence determined. New York: Prometheus Books, 2000, p. 184.

[6] Teoria pura do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 116.                                          

[7] O problema da justiça. São Paulo: Martins Fontes, pp. 65-66. Grifo no original.

[8] O problema da justiça, cit., p. 67.

 

Sobre os autores
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Beatriz de Oliveira Claro

Acadêmica de Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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