O Conceito de Classe e a Sociedade Moderna

O Trabalhador Como Empreendedor de Si Mesmo

28/04/2021 às 14:39
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Este artigo é um esboço, trata do conceito de classe em Marx e a atual fragmentação da classe trabalhadora, devido a desregulamentação das relações de emprego, bem como a falácia do empreendedorismo que tem como reflexo um novo modelo a Gig Economy

O Conceito de Classe e a Sociedade Moderna: O Trabalhador Como Empreendedor de Si Mesmo


 

Introdução


 

Hodiernamente, existe uma grande dificuldade da população em geral sobre o conceito de classe. A maioria das pessoas entendem que a classe se distingue pela sua capacidade de aquisição de bens de consumo, o que de certa forma está correto se adotarmos o critério proposto pelos economistas liberais. Ocorre que este engano faz com que muitas pessoas se acreditem “melhores” que outras, como exemplo, pode-se citar o caso que foi apresentado pelo programa jornalístico Fantástico, onde uma pessoa, descontente com a fiscalização da prefeitura do município do Rio de Janeiro, que em tom intimidatório dirigindo-se ao fiscal proferiu as seguintes palavras, de forma acintosa: “Cidadão não, Engenheiro Civil, formado, melhor que você!’’

A pessoa em questão, no dia posterior a veiculação da matéria de cunho jornalístico foi demitida de seu emprego, o que lhe mostrou a que classe ela pertence, qual seja, a classe trabalhadora, embora pela atitude apresentada na reportagem, acreditamos, que ela não se entenda desta forma.

A abordagem que se pretende apresentar neste artigo, é o conceito de classe proposto por Marx, este conceito é trabalhado em diversas obras, entre elas “O Capital”, “O Manifesto do Partido Comunista” e em “O 18 de brumário de Luís Bonaparte”, em cada uma destas obras conceito tem um determinado grau de abstração. Em “O Capital” a abstração é maior do que em “O 18 brumário de Luís Bonaparte”, onde percebe-se um grau de Concretude elevado, se analisarmos em minucias o conceito de classes apresentado.

Além da definição de classe, de Marx, analisar-se-á como em nossos dias o trabalhador se identifica e as dificuldades do mesmo em ser reconhecido como membro de uma classe, passando por diversos autores dentre eles o Filosofo Germano-Sul Coreano Byung-Chu Han, que apresenta a ideia do trabalhador como empreendedor de si mesmo, e que estamos em uma Sociedade do Cansaço, pois cada vez mais os trabalhadores estão se auto explorando.

Deste modo, o objetivo geral do presente artigo é estudar o conceito de classe introduzido por Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, de 1848 e trabalhado mais adiante na obra de Marx “O 18 brumário de Luis Bonarparte”. E entender como este conceito é importante para a Consciência de Classe nos trabalhadores.

Como Objetivo específico, que é demonstrar a importância do conceito de classe, bem como, relacioná-lo a maneira como ele é confundido, na atualidade, com o conceito econômico de Classe e para além disto como influi nas relações modernas de subsistência e em como o trabalhador nos dias de hoje se percebe, não como um trabalhador e sim um empreendedor de si mesmo.

O Método de pesquisa utilizado será a revisão bibliográfica, onde através da leitura da Obra O Manifesto do Partido Comunista e do 18 brumário de Luis Bonaparte será analisado o conceito de classe, de acordo com a tradição Marxiana e a obra do filósofo Germano-Sul Coreano Byung-Chu Han.


 


 

O Conceito de Classe em Marx


 

O Manifesto do Partido Comunista, foi publicado originalmente em 21 de fevereiro de 1848 o prefácio da edição alemã publicada no ano de 1872 conta um pouco da história da Obra, conforme abaixo:

“No congresso realizado em novembro de 1847, em Londres, a Liga dos Comunistas, uma associação internacional de trabalhadores que, sob as condições outrora reinantes, naturalmente só podia ser secreta, encarregou os abaixo-assinados da redação de um pormenorizado programa partidário teórico e prático destinado a publicação. Assim surgiu o Manifesto que se segue, cujo manuscrito foi enviado a Londres para impressão poucas semanas antes da revolução de fevereiro1. Ele foi publicado primeiramente em alemão, língua na qual foi impresso na Alemanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos em pelo menos doze edições.”

Esta obra é de suma importância para a compreensão da sociedade da época, que estava adentrando na fase industrial do capitalismo, que se iniciou a partir da metade do século XVIII.

Nos primeiros parágrafos do Manifesto Comunista, Marx e Engels, discorrem sobre a existência de classes sociais e como elas se dividiam, bem como o antagonismo que as define neste momento da história.

Em 1888, Engels na edição Inglesa do Manifesto comunista, em nota explicativa esclarece sobre quais seriam as duas classes de forma bastante simplificada, quais sejam, a Burguesia e o proletariado, conforme lê-se abaixo:

“Por Burguesia entendemos a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção e empregadores do trabalho assalariado. Por proletariado, a classe de operários assalariados modernos que, não possuindo meios próprios de produção, reduzem-se a vender a força de trabalho para poderem viver”.

Na citação acima, os referidos autores ressaltam a existência destes dois grupos antagônicos, a Burguesia e o Proletariado, que se enfrentam diretamente por conta dos interesses inerentes de cada uma destas classes sociais, conforme transcrição abaixo:

“O poder político, em seu sentido real, é o poder organizado de uma classe para a opressão de outra. Se, na luta contra a burguesia, o proletariado, por necessidade, se une numa classe, torna-se a classe dominante por meio de uma revolução e, como classe dominante, se vale de seu poder para abolir as velhas relações de produção, com isso ele abole também as condições para a existência do antagonismo de classes, abole as próprias classes e, desse modo, sua própria dominação como classe.”

Em 1848, Marx já vislumbrava a necessidade da classe trabalhadora de unir-se para combater a dominação do homem pelo homem, isto é, a exploração do capital personificado pela opressão da classe dominante, a Burguesia, em relação a classe oprimida, composta pelos trabalhadores, o Proletariado. Através dessa união a classe trabalhadora poderia lutar por seus direitos, dando fim a toda essa dominação e opressão que remonta desde muito tempo e, infelizmente, perdura até os dias de hoje.

A mobilização da classe trabalhadora deve ser permanente. Uma vez que sempre existiram lutas das quais dependeram esta união e que, após vitórias temporárias, ocorre imediatamente a desmobilização da categoria. Cada pequena vitória do proletariado deve ser comemorada, sim! Entretanto, somente a coesão e o sentimento de pertencimento à classe trabalhadora que fará com que o proletariado permaneça unido, lutando em nome das pautas antiopressivas.

Marx e Engels, bem lembram que, infelizmente, a mobilização dos trabalhadores após obter pequenas vitórias é desmobilizada pela concorrência entre os próprios trabalhadores. Fato que ainda hoje é estimulado na sociedade moderna e que, também é abordado pelo Filósofo Germano-Coreano Byung Chu Han.

É importante salientar que a união da classe trabalhadora, que ao longo dos séculos os fez conquistar alguns Direitos, quais sejam, redução da jornada de trabalho para oito horas diárias, férias, 13º, entre outros. Por outro lado, esta desmobilização, provocada pelos detentores dos meios de produção, fez com que os trabalhadores perdessem o interesse em participar de sindicatos, sendo sempre instigados a pensar contra a utilidade do sindicato, tratando seus dirigentes de forma pejorativa.

O trabalhador, hodiernamente, tem uma grande dificuldade de se enxergar como pertencente a classe trabalhadora, uma vez que não entende a diferença entre Classe Social e Classe Econômica.

O critério de classe de Marx, não tem a ver com o quanto o trabalhador recebe, ou seja, qual a sua renda, e sim sua fonte, por exemplo se você trabalha em uma multinacional e recebe mensalmente o valor de R$ 10.000,00 isso não te faz pertencente a Burguesia/Classe Média, uma vez que você é assalariado e tem sua mão de obra explorada pelo detentor dos meios de produção, o mesmo ocorre se você ganha R$ 1.500,00 vendendo sua mão de obra.

O Critério Economicista liberal que avalia classe mediante o acesso a bens de consumo de massa, faz com que os trabalhadores sejam enganados. De acordo com este critério, dependendo da sua renda, dos bens de consumo que possui, e do grau de escolaridade, o indivíduo poderá pertencer a Classe A2 até a Classe E.

Esta avaliação, através do critério econômico, fez com que a socióloga Marilena Chauí fosse execrada por parte da Mídia ao em um encontro onde em 13 de maio de 2013 proferiu a seguinte frase: “Eu Odeio a Classe Média!”. Obviamente a frase foi tirada do contexto, uma vez que as palavras foram exatamente estas, mas deveriam ser contextualizadas, a fala completa tem aproximadamente 20 minutos, e começa baseado em uma frase do ex-presidente Lula, que defendia o surgimento de uma nova classe média. Chauí através da visão Marxiana, explicou a sua concepção, na qual reforçava a tese de que não havia uma nova classe média e sim uma nova Classe trabalhadora.

No ponto de vista desta pesquisadora, os sociólogos e os institutos de pesquisa liberais que definem classe social (A, B, C, D e E), adotando como critérios a escolaridade e renda, estão equivocados, pois estes critérios de pesquisa, voltado ao mercado de consumo, não podem ser apontados como válidos para o estudo de classe social. A Classe Social se define, portanto, através da propriedade ou não dos meios de produção.

De acordo com Marx, existe uma zona cinzenta, formada por aqueles que não detém os meios de produção, muito menos eram assalariados. Esta parcela da sociedade foi denominada por ele como a pequena burguesia (classe média). Ela seria formada por Pequenos Camponeses, Pequenos Comerciantes, Funcionários Públicos e os Profissionais Liberais.

Esta Pequena Burguesia, nos moldes atuais restou prejudicada, pois sobrou pouquíssimo dela. Visto que, Funcionários Públicos e Profissionais Liberais (médicos, advogados, engenheiros e etc) que trabalham em empresas são assalariados e/ou funcionários precarizados, ou seja, pertencem a classe trabalhadora. Portanto, é para esta Classe Pequeno Burguesa, composta por Pequenos Comerciantes Paulistanos que a Filosofa direciona tal ódio, externado na Frase “Eu odeio a classe média!”, por estes serem extremamente arrogantes e que acreditam ser parte da “elite”/Burguesia.

O trabalhador/operário da grande indústria de fertilizantes, que divide a fábrica com o auxiliar de escritório, analista de produção, faturista, entre outras categorias dentro da fábrica, não se enxergam como pertencentes a mesma classe, inclusive, ambos se veem como diferentes, distantes da categoria trabalhador, ou como uma categoria a parte de trabalhador, quais sejam, o trabalhador do “pátio” e o trabalhador do “escritório”.

A classe trabalhadora, importa compreender o seu local na sociedade e para isto é necessário que tenha clareza sobre o conceito de consciência de classe que é fundamental para esta tarefa, Marx na obra intitulada A Sagrada Família assim diz:

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“Não se trata do que este ou aquele proletário, ou até mesmo do que o proletariado inteiro pode imaginar de quando em vez como sua meta. Trata-se do que o proletariado é e do que ele será obrigado a fazer historicamente de acordo com o seu ser. Sua meta e sua ação histórica se acham clara e irrevogavelmente predeterminadas por sua própria situação de vida e por toda a organização da sociedade burguesa atual”.

A partir da citação de Marx no parágrafo anterior é que visitaremos o conceito de consciência de classe desenvolvido pelo pensador Georg Lukács, que em sua Obra História e Consciência de Classe, um livro publicado em 1922 onde o autor publicou uma série de ensaios em que versou sobre diversos temas entre eles a Consciência de classe.

Lukács, foi o pensador responsável pela fundação do Marxismo Ocidental, que foi o ponto de partida da Escola de Frankfurt e do Existencialismo Francês foi o responsável por melhor desenvolver o conceito de classe.

Para o autor Consciência de Classe é “... a reação racional adequada, que deve ser adjudicada a uma situação típica determinada no processo de produção”

Parafraseando Marx, continua explicando da seguinte forma: “Essa consciência não é, portanto, nem a soma, nem a média do que cada um dos indivíduos que formam a classe pensam, sentem etc.” , contínua: “… a ação historicamente decisiva da classe como totalidade é determinada em última análise, por essa consciência e não pelo pensamento do indivíduo; essa ação só pode ser conhecida a partir dessa consciência”.

A consciência que, tanto Marx, quanto Lukács, falam não é a Consciência psicológica, não é o seu entendimento de pertencimento, mas sim a consciência adquirida através da análise realizada pelo método materialista histórico dialético 2 , que ajuda a compreender que, “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.”

Lukács entende que a consciência de classe, não é a consciência de classe dos trabalhadores e sim a consciência desenvolvida pelo partido comunista, por que a consciência adquirida pelos trabalhadores é uma consciência imediata, ou seja, uma consciência forjada pelas suas necessidades do momento, sendo está uma consciência de classe considerada falsa, de modo diverso a verdadeira consciência é a formulada por uma vanguarda intelectual, no caso, o partido.

A título ilustrativo podemos exemplificar da seguinte forma o que Lukács fala sobre a consciência imediata, esta se manifesta da seguinte forma, a luta dos trabalhadores por melhores salários, já a consciência verdadeira, desenvolvida pela vanguarda a luta seria pela luta pela abolição da forma de pagamento através do salário e sim a remuneração pela divisão do lucro obtido pela empresa.

Segundo o Cientista Social, Rogério Tineu, nas últimas décadas houve uma perda do sentido original do conceito de classe que se confundiu com o de estratificação social. Para a posição marxista, não é a ocupação, renda ou estilo de vida que constitui o principal critério para a formação de uma classe social, embora todos constituam critérios secundários que vigoram em casos particulares. A política, as ideologias e a cultura conjuntamente às questões de ordem econômica são fatores determinantes para o processo de constituição da classe social.

Tineu, sobre a consciência de classe, assim escreve:

“...A consciência de classe é o elo que permite a passagem da classe “em si”, agrupamento com interesses objetivos e latentes, à classe “para si”, grupo de poder que tende a organizar-se para o conflito ou luta política com interesses objetivos claros e declarados. Contudo, a consciência de classe não surge espontaneamente a partir de uma situação de classe. São necessárias duas fases consecutivas para que ocorra o desenvolvimento da consciência de classe. Na primeira, uma classe social respeita outra classe devido à sua posição na organização socioeconômica. Na segunda fase, a classe tomou consciência de si mesma, de seus interesses e de sua missão histórica, como um grupo de ação política com efetivo papel nas lutas sociais ao contribuir para as mudanças sociais e para o desenvolvimento da sociedade.”

Por outro lado, de acordo com o referido autor, o economicismo liberal afirma existir classe, mas ao mesmo tempo a nega, quando vincula sua existência somente à renda e é isso que faz o liberal ao afirmar que os emergentes, pelo seu poder de consumo derivado da renda, sejam uma nova classe média. Na opinião deste, o marxismo enrijecido não percebe as novas realidades de classe por sempre vinculá-las a um lugar econômico, ou ainda a uma consciência de classe que seria produto desse lugar econômico.

Já, Werner Markert, alerta para o fato de que, em contraste com a consciência social dos trabalhadores, formou-se no grupo dos funcionários comerciais uma perspectiva individualista em relação a seu status social. Identificando-se, assim, com os valores da classe média baseados na qualificação pessoal, desempenho profissional e ascensão social.

Este entendimento da “consciência de classe autêntica” separou-se da “consciência de classe empírica” do trabalhador individual e se transformou em norma absoluta, distanciando-se historicamente, nos últimos cinquenta anos, das imaginações sociais, dos habitus, das identidades fragmentadas do homem concreto.

Em suma, desde que Marx estabeleceu seu conceito de classe social, muitos outros pesquisadores estudaram o tema. Marx utilizou-se do critério detenção dos meios de produção x venda da mão de obra. Em oposição a isto, outros pesquisadores utilizaram-se como critério o acesso a bens de produção em massa, que desagregam as lutas antiopressivas da Classe Trabalhadora.


 

O Trabalhador Moderno, Empreendedor De Si Mesmo


 

O trabalhador moderno não percebe a importância de se organizar, muito disso alimentado pela Burguesia, que pretende fazer com que o trabalhador imagine que sozinho obterá “sucesso” em sua carreira. Sendo desnecessário a existência de sindicatos que viabilizem a luta por seus direitos, este foi inclusive o resultado mediato da reforma trabalhista de 2017.

Os sindicatos sempre foram peças fundamentais na luta por direitos trabalhistas, constituindo-se como principais responsáveis pelas mobilizações da classe trabalhadora. Tendo com a alteração do art. 545 da CLT que tratava do imposto sindical, principal fonte de financiamento do sindicalismo nacional, sofrido um golpe que feriu de morte a luta pelos Direitos Trabalhistas no Brasil. Causando um enfraquecimento ainda maior na estrutura sindical, já que desde muito tempo os sindicatos vêm sendo criminalizados de diversas formas, denominados pelas elites com termos pejorativos, tais como, “bando de vagabundos”.

Esta fragmentação da classe trabalhadora, refletida na desorganização e desmobilização de sua unidade classista, tende a desacreditar a existência dos sindicatos mesmo este sendo o primeiro momento de uma organização mínima na luta pelos direitos do proletariado. Os sindicatos em primeira instância são o microcosmos que engloba a classe trabalhadora, é o que dá um princípio de forma de integração de uma classe.

Os empresários estimularam e ainda estimulam ao trabalhador a acreditar em seu “potencial”, para sozinho negociar os direitos trabalhistas, tais como, reposição salarial, adicional de horas extras, entre outros. Pois, com a reforma trabalhista, ocorreu uma sobreposição acordado sobre o legislado, isso foi uma vitória do empresariado sobre a classe trabalhadora, uma vez que inexiste a possibilidade de negociação individual em se tratando do grande capital contra um trabalhador isolado.

Esta questão do individualismo do trabalhador, apresentada a partir final do século XX, início do século XXI, que é uma mudança no paradigma da sociedade, como por exemplo, muitas fábricas calçadistas do Rio Grande do Sul, neste período, mudaram sua localização para a China. Distanciando-se da concepção mais tradicional, voltada no imaginário popular da exploração da capacidade física do trabalhador, a prestação de serviços, apresenta uma nova forma, pois o tecnicismo mudou as formas de exploração do trabalhador, voltada a capacidade intelectual, mas, ainda assim, é opressão!

O trabalhador ao utilizar o seu potencial intelectual, laborando com maior afinco, ultrapassando as limitações formais de sua jornada de trabalho, com a opressão de seu empregador relativizada, que lhe cobra apenas o resultado, e deixa com que a auto exploração ocorra por conta do animal laborans3. Esta é a exploração vivenciada no século XXI.

Esta mudança de paradigma nos é alertada pelo filósofo sul coreano Byung-Chul Han sobre a sociedade do século XXI:

“não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade do desempenho. Também seus Habitantes não se chamam mais “sujeitos da obediência”, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos. Neste sentido, aqueles muros das instituições disciplinares, que delimitam os espaços entre o normal e o anormal, se tornam arcaicos...”

O mesmo autor, ainda destaca a alteração do paradigma da sociedade disciplinar4, apresentada como o da “negatividade”, ou seja, o da proibição. Contrapondo-se a esta, tem-se, então, a sociedade do desempenho que se desvincula desta “negatividade”, projetando ao indivíduo um poder ilimitado, onde impera a “positividade”.

Em vista disso a proibição, o mandamento e/ou a lei são substituídos pelo projeto, a iniciativa e a motivação. Nessa visão, a sociedade disciplinar gera loucos e delinquentes, aqueles que são fora do padrão exigível por esta sociedade, em oposição a isto, nessa “nova” sociedade, a do desempenho, produz depressivos e fracassados, como os indesejáveis da sociedade disciplinar.

O Autor cita o sociólogo francês Alain Ehrenberg, para explicar como a depressão atinge as pessoas neste século, apontando como o imperativo de obediência, única e exclusivamente, a nós mesmos como expressão do Fracasso de sermos nós mesmos e que a síndrome de Burnout é a expressão da Alma consumida. O que nos torna doente não é o excesso de responsabilidade, mas o “imperativo do desempenho” como um novo mandado da sociedade pós-moderna do trabalho. Ser você mesmo significa bastear-se, ser autossuficiente, não precisar de ninguém para ser feliz e para ser completo.

O Ser autossuficiente é aquele que consegue tudo sozinho, desprezando a vida em sociedade onde não chegamos a lugar nenhum sozinho, é a meritocracia em sua expressão mais crua. Aquele que sozinho através de seu esforço torna-se um vencedor, ignorando todos aqueles que no seu caminho rumo ao “sucesso”, o ajudaram de qualquer forma, seja ela das mais complexas até as mais simples. Aquele que despreza a mão estendida na “noite mais escura”, aquele sorriso no dia mais tenso, ou então aquela boa vida que a riqueza familiar o proporcionou em detrimento aqueles mais pobres, que para estudar precisam trabalhar.

Han enfatiza, que o homem depressivo é aquele animal laborans que explora a si mesmo e, sem qualquer elemento externo, sendo ao mesmo tempo Agressor e Vítima. E este sujeito do desempenho como denomina o autor, esta sempre conflitante consigo mesmo. Porque se fracassa o único responsável é ele mesmo, não é considerado as condições adversas que enfrentou desde o inicio de sua vida até aquele momento.

No pensamento moderno o trabalhador entende-se como livre do domínio externo que o explora, senhor e soberano de si mesmo. Han salienta, que a sociedade do trabalho, do animal laborans, sociedade do desempenho não é uma sociedade livre. E a dialética entre senhor e escravo, está nesta sociedade, na qual cada um é livre e, leva a uma sociedade do trabalho, na qual o próprio senhor se tornou escravo do trabalho.

Ainda na perspectiva de Han, a psicanalise Freudiana, pertencente a sociedade disciplinar onde estão presentes o aparelho repressivo e impositivo, dos quarteis, asilos, presídios, hospitais, fabricas e manicômios, não apresenta mais respostas a sociedade moderna, do esgotamento e do empreendedor de si mesmo.

Hoje não vivemos mais na Era do dever freudiano, e sim na do poder hábil, onde impera o sujeito do desempenho da modernidade tardia, que não se submete a nenhum trabalho compulsório. Onde as suas marcas não são a obediência, lei e cumprimento do dever, mas a sociedade da boa vontade, onde do trabalho espera-se alcançar apenas o prazer. Devendo ser um empreendedor de si mesmo, entretanto, alerta o sociólogo, que a dialética da liberdade do outro, causada pelo fenômeno do empreendedorismo de si mesmo transforma esta liberdade em novas coações.

Uma destas coações é a do desempenho que força-o a produzir cada vez mais. É o trabalhador que responde prontamente, just in time, manifestam-se dizendo que não param, atendem 24hs por dia o interesse de seus patrões, sempre prontos a responder, animal laborans em estado bruto. Produzindo cada vez mais, não pelo que lhe cobram, mas por que cobra de si mesmo até sucumbir. Han, neste ponto desperta sobre o fato do sujeito de desempenho se realiza somente na morte, pois a realização está na sua autodestruição, no seu esgotamento.

De acordo com o sociólogo Germano-coreano, “A sociedade do desempenho atual, com sua ideia de liberdade e desregulamentação está trabalhando intensamente no desmonte de barreiras e proibições, que perfazem a sociedade disciplinar.”.

O sujeito do desemprenho explora a si mesmo do modo mais efetivo, quando se mantem aberto para tudo, justo quando se torna flexível. Torna-se o último homem de Nietzsche. É na sociedade do desempenho que se faz necessário a presença de uma pessoa flexível para poder aumentar a produção.

Aponta Han, que hoje a luta não se dá entre grupos, ideologias e classes, mas entre os indivíduos. O sujeito do desempenho concorre com ele mesmo se auto coagindo, diuturnamente forçado a superar a si mesmo, novamente a coação não é mais do patrão, a coação é proposta por si mesmo, ele mesmo se “autocoage”, a liberdade de não ser oprimido por outrem se torna o próprio cárcere, ele é carcereiro e encarcerado. É o que nos mostra o filósofo, não existe mais o sujeito, existe o projeto, que de qualquer sorte não suprime as coações. Neste sentido explica o autor:

“O sujeito do desempenho está livre da instância de domínio exterior que o obrigue ao trabalho e o explore. Está submetido apenas a si próprio. Mas a supressão da instância de domínio externa não elimina a estrutura de coação. Ela, antes, unifica liberdade e coação. O sujeito de desempenho acaba entregando-se à coação livre a fim de maximizar seu desempenho. Assim ele explora a si mesmo. Ele é o explorador e ao mesmo tempo explorado, o algoz e a vitima, o senhor e o escravo. O sistema capitalis mudou o registro da exploração estranha para a exploração própria, a fim de acelerar o processo. O sujeito do desempenho, que se imagina como soberano de si mesmo, como homo liber, aparece como homo sacer.

É baseado nestas liberdades e desregulamentação que opera o desmonte de barreiras e proibições que o animal laborans, por falta de consciência de pertencimento a classe trabalhadora, quer se “libertar” do sindicato, pois na perspectiva individualista de nossa sociedade, onde o trabalhador é empreendedor de si mesmo não se vê representado e somente em sua individualidade pode negociar individualmente com o patrão.


 


 

Conclusão


 

O conceito de classe pensado por Marx previa a existência de duas classes antagônicas que viviam em conflito de interesses, o Proletariado e a Burguesia. Este conflito, se dá devido ao fato de que Burguesia vive da exploração e opressão da Classe Trabalhadora (Proletariado). Por sua vez, cabia ao Proletariado se unir e lutar contra esta opressão perpetrada pela Burguesia que explora a sua mão de obra afim de obter lucro.

Como visto no decorrer do texto, os trabalhadores desunidos atualmente perdem seus direitos pela sua incapacidade de entender-se como Classe. Isso ocorre por vários motivos, dentre eles, a confusão ao enquadrar-se em classe social, visto que a classificação pelo acesso aos bens de consumo de massa não pode ser considerada de acordo com o pensamento Marxiano.

Outro ponto analisado foi o porquê do Trabalhador não se entender como pertencente a sua classe, sendo a mudança de paradigma da sociedade apresentada por Byung-Chu Han, que aponta a transformação da sociedade disciplinar, desenhada por Focault, que não apresenta respostas para a modernidade do século XXI, representada pela sociedade do desempenho, onde os trabalhadores enxergam-se como empreendedores de si mesmo.

Este paradigma da sociedade do desempenho faz com que os trabalhadores sejam ao mesmo tempo senhores e escravos de si mesmo, onde a auto exploração impera e o único responsável por seus insucessos são os próprios agentes. Esses sujeitos somente se satisfazem na sua auto aniquilação. É uma sociedade do individual que não permite a associação em categorias de trabalhadores, uma vez que são empreendedores de si mesmos, e por este motivo entram na era da “uberização” das relações trabalhistas. Nesse cenário os vínculos entre o empregador e o empregado inexistem. Ao tornar-se uma relação fluida, não há patrões ou empregados, somente o contratante e o contratado, ligados por um elo, o aplicativo, que sequer se responsabiliza pelas obrigações trabalhistas.

Tendo em vista a desregulamentação das relações de trabalho, efeito da reforma trabalhista, onde, buscando a socialização dos prejuízos, a burguesia impõe ao trabalhador a perda fatal de diversos direitos. Restando a essa classe social como único horizonte a fuga em direção ao empreendedorismo, aniquilando, assim os sonhos de uma sociedade mais justa e igualitária com o fim da opressão da classe trabalhadora.


 


 

Referências Bibliográficas


 

CORREIA, Adriano. Quem é o animal laborans de Hannah Arendt?. Revista de Filosofia: Aurora (PUCPR. Impresso), v. 25, p. 199, 2013.

FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2020.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.

LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe: Estudos sobre a dialética Marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MARX, Karl. 18 Brumário de Luiz Bonaparte. Disponível em: <https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/4/o/brumario.pdf>. Acesso em: 03/08/2020.

MARX, Karl; ENGELS, Frederich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MARX, Karl; ENGELS, Frederich. Manifesto do Partido Comunista. Porto Alegre: L&PM, 2011.

MARX, Karl; ENGELS, Frederich. A Sagrada Família, ou, A crítica da Crítica crítica contra Bruno Bauer e consortes. São Paulo: Boitempo, 2011

MARKERT, W.. Trabalho e consciência - mudanças na sociedade de trabalho e a reconstrução da teoria de classe. A discussão na Sociologia de Trabalho Alemã. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 14, n.02, 2002.

TINEU, R.. Ensaio sobre a Teoria das Classes Sociais em Marx, Weber e Bourdieu. AURORA (PUCSP. ONLINE), v. 10, p. 89-107, 2017.

1 Este evento refere-se à Revolução de Fevereiro de 1848, episódio histórico também conhecido como primavera dos povos.

2 De acordo com Lukács, é um método cientifico para compreender os acontecimentos do passado em sua essência verdadeira. Mas em oposição aos métodos de história da burguesia, ele nos permite, ao mesmo tempo, considerar o presente sob o ponto de vista da história, ou seja, cientificamente, e visualizar nela não apenas os fenômenos da superfície, mas também aquelas forças motrizes mais profundas da história que, na realidade, movem os acontecimentos

3 Animal laborans é um conceito desenvolvido por Hannah Arendt e aparece pela primeira vez na obra publicada de Hannah Arendt no texto “Ideologia e terror” (1953), incorporado à segunda edição da obra As origens do totalitarismo em 1958, mesmo ano de publicação de A condição humana. E é definido como a dimensão fundamental da existência condicionada pela vida; como produto da sociedade atomizada; como mentalidade e “modo de vida” extraídos das condições do mero viver, que vive em um ciclo permanente de esgotamento e regeneração, dor e prazer.

4 Sociedade disciplinar é um conceito Focaultiano que retrata a sociedade da era da revolução industrial onde o controle dos corpos era essencial para ter maior controle produtividade dos empregados e a escola, o quartel, a fábrica, a prisão e o manicômio eram os meios de controle, assim na escola os alunos já eram preparados para acostumar-se com os padrões da fábrica, ou seja, assim como na escola, o sinal avisa que encerrou o expediente ou é hora do lanche, onde existem os gerentes na fábrica, os professores na aula, os sargentos nos quartéis, o vigia na prisão e os enfermeiros no manicômio (para aqueles que não se adequam a sociedade disciplinar).

Sobre o autor
Mauricio Soldati de Souza

Advogado regularmente inscrito na OAB/RS, Experiencia de 18 anjos trabalhando em comercio exterior quando decidi que era hora de advogar. Direito aduaneiro é uma das minhas paixões, mas também escrevo sobre Relações de emprego e precarização que é minha atual linha de pesquisa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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