Resumo: O presente artigo tem por intuito apresentar a trajetória percorrida pela mulher, todos os obstáculos e empecilhos enfrentados pela mesma durante a busca do reconhecimento e valoração dos seus direitos e igualdade. Aprofundando-se da problemática que faz dela vítima de violência doméstica e familiar, a criação dos juizados especiais e a suas representações em tal âmbito. Adotou-se como texto-base a obra Manual de Direito das Famílias, de Maria Berenice Dias, e outros artigos científicos. Os métodos de pesquisa utilizados foram o de Revisão Bibliográfica e Pesquisa Empírica.
Palavras-chave: Mulher. Judiciário. Lei Maria da Penha. Violência doméstica e familiar.
INTRODUÇÃO
A princípio, o caminho percorrido pela mulher, é marcado pela ausência, por sua voz nunca ser ouvida e seu pensamento não ser valorizado. Isentas de seus direitos civis e sempre assumindo a responsabilidade de serem cheias de deveres servis, nunca tiveram força ou cenário político ao seu favor, onde houvesse reconhecimento do valor econômico do seu trabalho e encontrada sempre em situação de ser obediente ao pai e submissa ao marido.
Por mais que, infelizmente, até então ainda seja ridicularizado pelos homens, o movimento feminista teve uma importância grandiosa. Foi através dele que as mulheres conseguiram sua liberdade e igualdade. Chegando a ser considerado um novo ramo da Filosofia do Direito, denominado Feminismo Jurídico, pois os institutos tradicionais foram criados sob uma perspectiva extremamente masculina com tendências a garantir somente ao homem determinados privilégios que as mulheres não teriam.
Com isso, a busca pela igualdade acabou estabelecendo reflexos no âmbito das relações familiares e hoje, na totalidade e integridade de sua condição feminina, a mulher é parte fundamental da estrutura social e passou a executar trabalhos importantes para sua emancipação tanto pessoal quanto profissional. Contudo, para que o direito possa compreender por completo a ideia de justiça é necessário também que haja o entendimento da subjetividade feminina.
A mulher e o que sofre na violência doméstica e familiar
Graças a Lei Maria da Penha foram criados procedimentos para reprimir a violência no âmbito das relações familiares e domésticas contra a mulher, visando sua segurança física, psíquica, sexual, moral e patrimonial, além de dar cumprimento ao comando constitucional.
Dando fim ao martírio da vítima que, logo depois de registrar a ocorrência na polícia, necessitava constituir advogado ou chegar até a procurar a Defensoria para que houvessem medidas que lhe trouxessem segurança. Não tendo tão somente essas vantagens, a vítima deve estar a todo momento acompanhada de seu advogado (LMP 27), seja no momento de fase policial quanto na judicial, assegurando a admissão aos serviços da Defensoria Pública e à Assistência Judiciária Gratuita (LMP 18 II). Não pode ser a vítima a portadora da notificação ao réu agressor (LMP 21 parágrafo único), sendo informada quando o mesmo for preso ou liberado, sem que haja prejuízo da intimação de seu procurador (LMP 21).
Ao ser registrada uma ocorrência, se dá início ao desencadeamento de um leque de providências, onde é dever da autoridade policial garantir proteção à vítima, fornecendo transporte para um lugar seguro e levando-a ao hospital, acompanhando para a retirada de seus pertences do local da ocorrência (LMP 11). Se tem 48h para que seja encaminhado a juízo o pedido de medidas protetivas e restritivas de urgência (LMP 12 III). Ao ser averiguado o local e considerado de risco atual ou iminente à vítima, o agressor pode ser distanciado do lar pela autoridade policial civil ou militar (LMP 12-C), sendo comunicado ao juiz no prazo de 24h.
Para além da instauração do inquérito (LMP 12 VII), é de competência do delegado colher o depoimento do agressor e das testemunhas do caso (LMP 12 V). Ao ser feita a identificação criminal (LMP 12 VI), o inquérito policial deve ser direcionado à justiça no período de 30 dias (CPP 10).
O magistrado não está restrito a aplicação somente das medidas solicitadas pela vítima (LMP 12 II, 18, 19 e § 3º) ou pelo Ministério Público (LMP 19 e § 3º). Tendo a competência de agir de ofício (LMP 20, 22 § 4º, 23 e 24). Dessa maneira, pode estabelecer o distanciamento do agressor (LMP 22 II) e a recondução da vítima e seus dependentes de volta ao lar (LMP 23 II), podendo também impossibilitar que o réu se aproxime da casa da vítima, impondo um limite mínimo de distanciamento, além de vedar a comunicação com a família e até suspender visitas.
É de sua competência também o encaminhamento a um lugar, abrigo, seguro para mulher e seus filhos, dando-lhes alimentos provisórios (LMP 22 V). Pode então haver outras medidas, como a restrição de bens indevidamente subtraídos da vítima, proibição temporária de venda ou locação de bens comuns e a suspensão de procuração outorgada pela vítima (LMP 24). Para que seja garantido a eficácia do adimplemento de tais medidas executadas, é permitido o requisito, em qualquer momento, do auxílio da força policial (LMP 22 § 3º).
Foi também gerada mais um hipótese de prisão preventiva (CPP 313 III), a qual pode ser determinada por iniciativa do magistrado, a requerimento do Ministério Público ou por meio de representação da autoridade policial (LMP 20).
A medida protetiva que tenha maior eficácia ao ser determinada pelo magistrado é obrigar a presença do réu agressor aos chamados grupos reflexivos de gênero, sendo esses programas de recuperação e reeducação. Caso ocorra descumprimento de uma liminar ou medida protetiva, após ter sido inserida na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984), é permitido que seja decreto a prisão preventiva do mesmo.
O maior e mais importante progresso foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDEM), possuindo aptidão tanto no âmbito cível e quanto no criminal. Para que se houvesse uma aplicação certa da lei, o essencial seria que todas as comarcas dispusessem de um JVDEM contando com uma equipe de atendimento multidisciplinar com profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.
Uma outra modificação substancial foi o afastamento da violência doméstica do âmbito dos Juizados Especiais. Essa alteração de competência é considerada justificada, pois a Constituição assegura algumas benesses aos delitos de menor potencial, delegando à legislação infraconstitucional determinar os crimes a serem considerados. Pondo em prática a Lei 9.099/1995, a qual elegeu como de menor lesividade o crime de lesão corporal leve e lesão culposa sem que houvesse nova redação ao Código Penal.
Enquanto não ocorre a instalação e execução de maneira concreta dos JVDEM’s, as vítimas são encaminhadas às varas criminais, mesmo que a maioria das procidências sejam tomadas no âmbito do Direito das Famílias. É indispensável a criação dos juizados especializados devido as tramitações de ações de réu preso nas varas criminais, colocando o magistrando em circunstância complicada ao ter que dar prioridade a um ou outro caso.
Podem ser geradas duas demandas a cada denúncia de violência doméstica: o encaminhamento da autoridade policial para execução de medidas protetivas de urgência e o inquérito policial, sendo enviados a juízo em ocasiões distintas.
Independentemente de ser conferida ou não a tutela de urgência, o magistrado deve determinar audiência. Essa deliberação, por mais que não esteja prevista em lei, concede segurança à vítima. Em seguida, adota-se os provimentos em questão do Direito da Família. Contudo, não se tem como objetividade induzir a vítima a abdicar da representação ou sequer aconselhar a reconciliação do casal, isso só é permitido em casos de crimes de ação penal pública condicionada onde é permitido à vítima renunciar à representação. Não sendo permitido aos crimes de lesão corporal, considerados ação penal pública incondicionada.
No momento que decorre a audiência, é indispensável a presença do Ministério Público, da vítima e do réu agressor, ambos acompanhados de seus advogados. O magistrado deve tentar solucionar, consensualmente, problemáticas como a guarda dos filhos, regime de convivência, pensão alimentícia, etc. Sendo constituído título executivo judicial o acordo homologado pelo magistrado, sua transação não exprime renúncia à representação e nem muito menos empecilho a continuidade do inquérito policial. Se não houver êxito na tentativa de conciliação, é permanecido o que foi decidido em sede liminar.
Por fim, por mais que seja da competência e responsabilidade da União, dos Estados e dos Municípios a estruturação de tais serviços, executados por profissionais capacitados, sua implementação é difícil. Sendo a sociedade, então, escolhida como responsável para deslindar as falhas cometidas pelo Estado.
Influenciando as universidades e organizações não governamentais à criação de serviços voluntários que se disponibilizem a concretização de mais uma arma, como forma de eficácia, para represar a violência doméstica. Dando-lhe a tarefa de fazer com que gere na consciência do réu agressor que ele não é possessor da mulher, não podendo dispor do seu corpo e muito menos dos seus direitos e vida quando lhe achar conveniente. Além de não comprometer sua integridade física, psicológica e sexual.
A lei nos dias de hoje
A finalidade de transformar a mulher em excludente de criminalidade era algo que se tinha como, no mínimo, abominoso. Mas foi graças a Lei 11.106/2005 que excluiu os incisos VII e VIII do art. 107. do Código Penal, o qual prediziam que o casamento da vítima com o réu como motivo de revogação da punibilidade.
Assim, foi desfeita a possibilidade de consentir o casamento de uma jovem para impedir imposição de penal criminal. O que significa dizer nada mais além do que a descriminalização do ato de estupro, inocentando o estuprador, então réu, se ele casasse com a vítima, mesmo sendo ela menor de idade.
Os crimes que antes eram denominados como “crimes contra os costumes”, passaram a ser chamados de “crimes contra a dignidade sexual”. Fazendo com que quem determina, seja homem ou mulher, a ter relação sexual não desejada é considerado pratica de crime de estupro. Se enquadra também como crime outros atos contra a liberdade sexual, classificando-se como violência: assédio sexual; violação sexual; importunação sexual; crime sexual contra vulneráveis; estupro de vulneráveis; registro não autorizado da intimidade sexual.
Os crimes realizados contra as vítimas femininas, no contexto das relações domésticas, familiares ou de afeto, são tidos como violência doméstica enquadrada na Lei 11.340/2006 também conhecida como Lei Maria da Penha. Com o surgimento da lei é se constatou à conjunção de total vulnerabilidades das mulheres vítimas no seu próprio lar. Infelizmente, isso ocorre de maneira muito mais frequente do que se imagina.
As mulheres não são vítimas apenas de violência física e sexual, mas como também de violência psicológica, moral e sofrem de danos patrimoniais. Foi então criado mais um tipo penal, o denominado feminicídio, devido o assombroso número de mortes de mulheres vítimas de tais situações. Ocorre também o assassinato de mulheres em função do gênero, assim, a Lei 13.104/2015 modificou o Código Penal introduzindo uma qualificadora ao homicídio, cuja penalidade é de 12 a 30 anos de reclusão (CP, art. 121, VI). A penalidade do feminicídio se impõe à majoração de um terço até a metade se o crime for realizado em descumprimento de medida protetiva de urgência (CP, art. 121, § 7º, IV).
Por fim, o feminicídio foi assentido como crime hediondo, enquadrado na Lei 8.072/1990, 1º, sendo inafiançável e sua penalidade é realizada em regime fechado. Vagarosamente o legislador vem levando em conta e dando maior grau de importância a consideração de garantir proteção diferenciada à mulher.
A proteção legal à vítima e a Lei Maria da Penha
No decurso da história, a figura feminina trouxe consigo o descrédito de ser um indivíduo com capacidades inferiores comparada à figura do homem. Este fator é definitivo quando se refere ao tema relacionado à violência contra a mulher pois, por mais que seja um narrativa não verídica, é algo instituído socialmente e culturalmente desde muito tempo e que ainda se encontra enraizado nos dias de hoje. A violência doméstica contra a mulher ainda é uma vivência que amedronta o público feminino, devido a violação dos seus direitos em diversos lugares, em quaisquer que sejam as variadas idades, descendência, classe cultual e social.
No Brasil existe a Lei nº. 11.340/2006, também conhecida como Lei Maria da Penha, a qual revela uma oportunidade jurídica para que sejam resguardados os direitos da mulher vítima de violência doméstica e familiar, além de considerar tal crime como uma das formas de violação dos direitos humanos. Como prescreve a jurisprudência a seguir:
Violência Doméstica contra Mulher. Conflito negativo de competência. Questão Patrimonial. Violação de direitos humanos. Medidas protetivas de urgência. Competência. Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Vara especializada. Previsão Legal. Conflito julgado Improcedente. 1. A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos (art. 6º da Lei n. 11.340/2006), daí porque impõe-se a adoção de um novo paradigma para orientar as respostas que o Estado deve dar para esse problema social, punindo os agressores, promovendo os direitos das mulheres em situação de violência doméstica. 2. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras, a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades (art. 7º, IV, da Lei Maria da Penha). 3. A competência para apreciar o feito, quando a conduta for praticada com violência doméstica e familiar contra mulher, é do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. 4. Conflito conhecido e julgado improcedente para declarar competente o juízo de direito do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Porto Velho/RO. (Conflito de Jurisdição, Processo nº 0004638-34.2016.822.0000, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, Câmaras Criminais Reunidas, Relator (a) do Acórdão: Des. Miguel Monico Neto, Data de julgamento: 19/05/2017)
(TJ-RO - CJ: 00046383420168220000 RO 000463834.2016.822.0000, Relator: Desembargador Miguel Monico Neto, Data de Julgamento: 19/05/2017, Câmaras Criminais Reunidas, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 02/06/2017.)
Dessa forma, consta-se que há uma grande quantidade de denúncias de vítimas as quais seus agressores não sofreram punições ou estas foram mínimas. A Lei Maria da Penha foi mentora da criação de juizados especiais para os crimes previstos em sua legislação, além de determinar diligências em assistência e proteção às vítimas e garantir a elaboração de políticas públicas para a preservação dos direitos da mulher.
A Lei Maria da Penha traz um novo paradigma jurídico o qual visa uma proteção exclusiva para a mulher e a criação de juizados especializados para julgar os crimes nela previstos em conformidade com o art. 14. da lei:
Art. 14/Lei 11.340/2006: Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
É previsto que os juizados irão disponham de uma equipe multidisciplinar composta por profissionais das demais áreas, entre elas jurídica, psicossocial e de saúde. Após a implantação da Lei nº 11.340/2006, as delegacias de polícia também precisaram passar por mudanças e se adequarem aos novos procedimentos de atendimento as mulheres vítimas de violência. Em casos de comarcas as quais ainda não dispõem desse tipo de juizado, os crimes devem ser julgados nas varas criminais e não é permitido, em lei, a execução de penas pecuniárias e distribuição de cestas básicas como forma de pagamento.
Na esfera judicial
Surgiram então, novos valores sociais relacionados à dignidade feminina e à sua autonomia, liberdade e privacidade no âmbito da sexualidade. Contudo, ainda há uma forte resistência para que haja um reconhecimento das novas funções realizadas pela figura feminina. Se tendo como exemplo a própria Ordem dos Advogados do Brasil, o Instituto dos Advogados do Brasil e a Associação dos Magistrados Brasileiros, as quais todos se reconhecem seus integrantes pelo masculino, como se fosse um gênero “igualitário” para abranger os dois sexos.
A interferência de paradigmas discriminatórios contra as mulheres conduz a composturas judiciais que potencializam sua vitimização, visto que nem sempre lhes é garantido a privacidade no instante em que formalizam suas declarações. Ouvidas diversas e repetidas vezes, detalhando sua vida pessoal, hábitos, comportamentos, personalidades, etc. além de serem sujeitas ao escrutínio forense, devendo esperar por demorados períodos de tempo até que seus casos alcancem a merecida atenção judicial, onde geralmente não são avisadas a respeito da tramitação dos seus processos de maneira geral.
Independentemente do número, considerável significativo, de magistradas, o Poder Judiciário ainda é uma entidade sexista e retrógada. Nos casos os quais envolvem relações familiares é onde se tem a certeza os progressos legislativos dos últimos tempos não modificaram o discurso e posicionamento dos juízes. É requerido da mulher uma atitude de subtileza, colocando-as em situações de dependência, permanecendo nos julgados a tendência protecionista, o que desfruta de dupla moral.
Nas resoluções judiciais, nota-se com bastante frequência termo como inocência da mulher, modo desregrado, perversidade, vida dissoluta, atitude extravagante, circunstâncias moralmente irregulares, entre outras demonstrações de expressões de forte peso ideológico. A igualdade formal decantada enfaticamente no texto constitucional não deu, por si, para obter a total equivalência jurídica e social entre mulheres e homens.
NOTAS CONCLUSIVAS
No tocante que retrata a violência contra as mulheres e a as suas representações do judiciário é de extrema importância salientar que, no decorrer da criação dos direitos humanos, a organização dos movimentos feministas encadearam uma disputa acentuada dos direitos das mulheres, intitulando os direitos humanos das mulheres. Houve a elaboração de um discurso sobre os direitos humanos equipado com um olhar de igualdade de gênero, difundindo que os direitos só serão tidos como direitos humanos quando integrarem por completo as questões feministas.
Existe no Poder Judiciário uma veemência típica e a aplicação de normas definidas de escrita. Entretanto, na área destinada à decisão judicial, há o benefício de uma expressão mais livre, permitindo a identificação e representação de alguns temas abrangidos. Contudo, é possível considerar que, na prática, serem as sentenças escritas por funcionários auxiliares e em seguida restauradas e corrigidas pelo magistrado.
Assim, não é possível afirmas que os posicionamentos apresentados em sentenças sobre a violência contra as mulheres são posicionamentos, opiniões, crenças e afins, dos juízes titulares das varas. É possível apenas afirmar que são posicionamentos do Poder Judiciário tidas dentro do contexto do julgamento ocorrido. Assinalando os seguintes pontos:
O encadeamento da circunstância de violência: refere-se à maneira como os magistrados entendem e percebem o contexto da violência contra as mulheres, ou seja, como entendem o cenário onde ocorre esse tipo de violência. Formando assim, quatro subcategorias: reconciliação, idealização da família, ambiguidade quanto à prova do material do crime e a negação da violência conjugal como crime.
Reconciliação: é o procedimento que ocorre onde a vítima se reconcilia com o réu, descaracterizando o crime, tornando-se não mais provável a possibilidade de imputação de pena. Porém, não se propõe fazer uma verificação da Ciência Jurídica e levando em conta que ela tem seus parâmetros técnicos e teóricos, com intuito de apresentar uma análise do ponto de vista exclusivo das representações. Assim, a identificação da ameaça deixa de ser do ponto de vista da vítima e passa a ser do ponto de vista do magistrado, tendo ele então que fazer uma investigação e verificação da existência ou não da ameaça. Agindo ele, levando em conta a ocorrência de reconciliação, a ameaça não foi considerada. O curioso é compreender que essa modificação de entendimento é estabelecido por crenças sobre as mulheres geradas no sistema patriarcal.
Ambiguidade quanto à prova material do crime: infelizmente, no contexto da violência contra a mulher, muitas vezes o réu é tido como verdadeiro em desfavor da palavra da vítima. A justificação está na ausência de provas, o que não impede a possibilidade de comprovação de violência caracterizada na Lei 11.340/2006 sejam limitadas. Além de, mesmo quando for comprovadas a materialidade do crime, existem maneiras de minimizá-lo. É preciso que a materialidade seja devidamente comprovada através de Boletim de Ocorrência, laudo de exame de corpo de delito e por uma prisão em flagrante.
O que for comprovado pelos exames e reafirmado pelo juiz, passa a ser categoria de suposição. Evidenciando que a fala da vítima é tida como verdade, mesmo que o laudo seja negado, que há o estatuto de comprovação oficial da materialidade. Possivelmente seja uma forma implícita dos magistrados de conversarem a estrutura familiar, de certa forma suavizando a ação do homem e dando apoio a resignação da mulher. Agindo assim, em tese, é resolvido o problema. Nota-se que a mulher ao minimizar a ação violenta, tem sua fala acatada pelas autoridades, entretanto, quando faz uma acusação resulta o contrário.
Um outro ponto a ser destacado referente a efetiva lesão mostra que o exame de corpo de delito apenas aponta a gravidade da lesão quanto existente. Dessa maneira, se há materialidade da lesão é porquê há lesão. O que gera o questionando de como a vítima poderia tratar como suposição apenas por ter minimizado o fato? Assim, essa atitude, mostra que o magistrado ainda não possui uma percepção concreta das características de violência doméstica contra as mulheres. É entendido que por meio destes resultados que os magistrados não reconhecem a ambivalência das mulheres perante a situação de violência e ao parceiro, nem mesmo as tentativas existentes de salvaguardar sua relação afetiva ou nem mesmo o significado da violência para elas que são vítimas.
Negação da violência conjugal como crime: um outro elemento de importante destaque é que os magistrados, em algumas situações, evidentemente negam a lei. Essa negação do conceito de violência doméstica se torna uma problemática evidente com características peculiares, as quais as leis não dão conta e o novo estatuto jurídico mostra encaminhamentos já certos. Dessa maneira, a ameaça que ocorre dentro do âmbito familiar em discussão, é configurada uma condutada delituosa caracterizada como violência psicológica.
A violência contra as mulheres: trata-se da forma como os magistrados entendem a experiência de violência vivida pelas mulheres, dividindo-se em três subcategorias: justificativa à agressão pelo uso de álcool ou drogas; inconformismo ou não aceitação da separação por parte do homem agressor; proteção da mulher contra privações econômicas.
Justificativa da agressão pelo uso de álcool ou drogas: entre eles, é visto que o entendimento de que a violência contra as mulheres é “aceitável”, dada as circunstâncias que se encontra o agressor sob efeito de substâncias que ocasionam modificações em sua consciência. Fazendo com que, o indivíduo que esteja alcoolizado não possui discernimento dos seus atos, de maneira que não há dolo, não há crime.
Inconformismo ou não aceitação da separação: é uma justificativa de dolo que também não é considerada em outras situações. Se tem como exemplo um indivíduo, agressor e ex companheiro da vítima, invade a residência da mesma. Há casos onde, pelo entendimento do juiz, essa invasão foi justificada. Pois era algo já “esperado”, onde a vítima teria que aceitar tal ato pois seu ex companheiro estava inconformado, achando-se no direito de atormenta-la.
Proteção à mulher: o magistrado possui, de alguma forma, uma extrema necessidade de justificar sua decisão. Mostrando-se que seu trabalho em julgar está mais baseado em suas percepções do que na própria lei. Em alguns pontos, chegam a considerar que a condenação do agressor pode chegar a ter mais prejuízos para as vítimas, devido uma condição de submissão econômica que foi unicamente suposta. Assim, decidindo pela não condenação, estaria de alguma maneira protegendo a mulher de enfrentar dificuldades e situações mais graves. Mais uma vez, perante a justiça, o sentimento do agressor de, supostamente, ter o desejo de reatar a relação é tido como motivo suficiente para retirada da existência do dolo. Enquanto o sentimento de ameaça que a vítima carrega não é suficiente para incriminá-lo.
Por fim, as mais variadas mudanças sociais causam impactos no âmbito social. Tais mudanças são responsáveis por promoverem transformações nos estatutos jurídicos que ainda normatizam as formas referenciadas para a vida social. Contudo, as representações, crenças e valores, que norteiam tais práticas, podem não adaptar-se a tais mudanças. Tendo tendência, assim, a resistência onde promulgar a lei não é o bastante para que haja uma mudança de comportamento. Infelizmente há um cenário dificultoso para efetivação concreta dos direitos humanos das mulheres, principalmente das vítimas de violência. O entendimento dos magistrado é uma “cegueira de gênero”, desconsiderando a existência de um contexto já enraizado culturalmente o qual a mulher possui um papel submisso e é algo naturalizado.
REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
_________________. A Lei Maria da Penha na Justiça. www.berenicedias.com.br. Disponível em: <https://berenicedias.com.br/uploads/17_-_a_lei_maria_da_penha_na_justi%E7a.pdf >. Acesso em: 29/03/2021.
PORTO, Madge; COSTA, Francisco Pereira. A Lei Maria da Penha: as representações do judiciário sobre a violência contra as mulheres. 2010.