Tutela efetiva dos direitos das mulheres no Brasil

A novíssima Lei nº 14.149/21 e o Formulário Nacional de Avaliação de risco de violência doméstica e familiar.

06/05/2021 às 11:29
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O presente texto tem por escopo principal analisar a Lei nª 14.149, de 05 de maio de 2021, aplicando as suas disposições à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para determinar a aplicação do Formulário Nacional de Risco e Proteção..

 

O Formulário Nacional de Avaliação de Risco deve ser preferencialmente aplicado pela Polícia Civil no momento de registro da ocorrência (Lei nº 14.149/21)

Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social (Art. 2º da Lei nº 11.340/2006).

 

RESUMO. O presente texto tem por escopo principal analisar a Lei nª 14.149, de 05 de maio de 2021, aplicando as suas disposições à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para determinar a aplicação do Formulário Nacional de Risco e Proteção à Vida (Frida).  Assim, a nova legislação institui o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, a ser aplicado à mulher vítima de violência doméstica e familiar.

Palavras-Chave. Violência; doméstica; familiar; mulher; formulário; risco; proteção.

 

INTRODUÇÃO.

 

A Lei Maria da Penha nasceu no Brasil em 2006 num determinado contexto social e histórico, com a missão de alertar a sociedade brasileira sobre a abominável e cruel violência doméstica e familiar contra a mulher, fazendo mister a criação de comandos normativos para proteger Marias, Júlias, Elisabetes, Anas, Célias, Fabianas, Andrezas, Patrícias, Laíses, Marixas, Lauras, Vivianes, Marianas, Lorenzas, e todas as mulheres deste país que ainda padece de um sofrível modelo de cultura atrasada e machista, portanto, retrógada, onde mulheres ainda são agredidas diariamente, levando o legislador a continuar criando normas de coação, na tentativa de prevenir por meio de leis, de cunho afirmativo, alertando o povo em geral de que vivemos numa sociedade de viés igualitário, sem diferenças entre homens e mulheres, onde ninguém é superior a ninguém e se houvesse uma escala de valores sociais, o que se refuta, peremptoriamente, os homens, na acepção da palavra, certamente teriam que repensar suas condições psicológicas e pessoais para ostentar a falsa ideia de sobrepujança.

Nesse sentido, pode-se afirmar que depois da edição da Lei Maria da Penha em 2006, foram publicadas diversas normas de reforço dessa proteção, agregando novas regras como a tipificação do descumprimento de medidas protetivas, o direito da mulher vítima de violência doméstica ou familiar matricular seus filhos nas proximidades de sua residência, prioridade nos atendimentos nos IMLs para a submissão ao auto de corpo de delito, a proibição de conduzir no mesmo compartimento de viatura policial, o agressor e a vítima, além de outros casos.

E desta forma, por tudo que se apresenta às vistas sociais, escancarados para todo mundo ver, pode-se afirmar de que estamos longe de fazer cessar esse tipo violência e revogar a norma regente, porque a ideia originária seria criar uma norma de caráter temporário ou excepcional, para depois revogar esse sistema de normas, isto porque a sociedade deveria aprender, passaria a respeitar os direitos e interesses das mulheres, de forma que a lei deixaria de ser necessária, e pudesse ser revogada porque os direitos das mulheres estariam sendo respeitados na sua integridade de maneira que não houvesse mais necessidade de normas coercitivas para proteger esses direitos, que passariam a ser considerados direitos naturais, sem exigência de normas de garantias, como o oxigênio, o ar, o horizonte azul, o sol que lança seus raios no planeta Terra.

Como se percebe, claramente, o Brasil é signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ratificado pelo Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002, que assegura a todas as mulheres os direitos humanos, notadamente, no artigo 3º da Convenção e que s Estados Partes tomarão, em todas as esferas e, em particular, nas esferas política, social, econômica e cultural, todas as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher, com o objetivo de garantir-lhe o exercício e gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem.

Por favor, queiram acordar o autor desse ensaio, que talvez motivado por uma ária encantadora, numa bela manhã de domingo, dia ensolarado na querida Contagem, nas Minas Gerais, se encheu de sonhos e de esperança, inundado por quimeras de arrebóis, uma Fonte Grande de prazer tudo isso para acreditar nesse futuro, por enquanto inimaginável.

E porque ainda não se alcançou esse estágio tão almejado é que foi publicada hoje, 06 de maio de 2021, a Lei nº 14.149/2021, legislação que institui o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, a ser aplicado à mulher vítima de violência doméstica e familiar.

 

1. A PREVISÃO DO FRIDA E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DAS MULHERES

 

A Lei nº 14.149, de 05 de maio de 2021, é oriunda do PL nº 6298/2019, de autoria da deputada federal e pedagoga Elcione Therezinha Zahluth Barbalho,  criando o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, a saber:

Art. 1º Esta Lei institui o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, a ser aplicado à mulher vítima de violência doméstica e familiar, observado o disposto na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

Art. 2º É instituído o Formulário Nacional de Avaliação de Risco para a prevenção e o enfrentamento de crimes e de demais atos de violência doméstica e familiar praticados contra a mulher, conforme modelo aprovado por ato normativo conjunto do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.

§ 1º O Formulário Nacional de Avaliação de Risco tem por objetivo identificar os fatores que indicam o risco de a mulher vir a sofrer qualquer forma de violência no âmbito das relações domésticas, para subsidiar a atuação dos órgãos de segurança pública, do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos órgãos e das entidades da rede de proteção na gestão do risco identificado, devendo ser preservado, em qualquer hipótese, o sigilo das informações.

§ 2º O Formulário Nacional de Avaliação de Risco deve ser preferencialmente aplicado pela Polícia Civil no momento de registro da ocorrência ou, em sua impossibilidade, pelo Ministério Público ou pelo Poder Judiciário, por ocasião do primeiro atendimento à mulher vítima de violência doméstica e familiar.

§ 3º É facultada a utilização do modelo de Formulário Nacional de Avaliação de Risco por outros órgãos e entidades públicas ou privadas que atuem na área de prevenção e de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 3º Aplica-se às disposições previstas nesta Lei o disposto na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

A autora do Projeto chama a atenção para os riscos aos direitos das mulheres, no tocante à violência doméstica, in verbis:

“(...) Diante do vertiginoso aumento da violência contra a mulher nos últimos anos, no Brasil, não obstante várias alterações da Lei Maria da Penha, é necessário o contínuo aperfeiçoamento dos procedimentos inerentes ao atendimento qualificado das mulheres vítimas de violência. É nesse contexto que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), do Ministério da Relações Exteriores, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, do Ministério dos Direitos Humanos, da Delegação da União Europeia no Brasil (DELBRA) e do Observatório Nacional de Violência de Gênero, uniram esforços para oferecer uma ferramenta que uniformizasse a percepção do risco de vitimização, disponibilizando documento pertinente aos diversos operadores. Segundo o próprio documento, intitulado de FRIDA, o Formulário Nacional de Risco e Proteção à Vida, surgiu em razão dos projetos capitaneados no âmbito do CNMP, trazendo perguntas, cujas respostas contribuem na identificação do grau de risco em que a vítima mulher se encontra. O FRIDA, que foi estudado e desenvolvido cientificamente pelos peritos Ana Lúcia Teixeira, Manuel Lisboa e Wania Pasinato, indica, de forma objetiva, o grau de risco da vítima em virtude das respostas dadas às perguntas do formulário, o que pode reduzir a probabilidade de uma possível repetição ou ocorrência de um primeiro ato violento contra a mulher no ambiente de violência doméstica. Para que a uniformização do atendimento no tocante à análise de risco é que propusemos a presente alteração na Lei Maria da Penha, de forma a determinar que todos os operadores envolvidos passem a empregar o FRIDA na análise de risco(...)”

O FRIDA - FORMULÁRIO NACIONAL DE AVALIAÇÃO DE RISCO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público por meio da Resolução Conjunta 05, de 03 de março de 2020.

Sabe-se que o texto da proposta de Resolução Conjunta nº 05/2020 levou em consideração, entre outros pontos, o dever do Estado de criar mecanismos para coibir a violência doméstica (art. 226, § 8º, CF), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher "Convenção de Belém do Pará", promulgada pelo Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996, determina aos Estados Partes que incorporem na sua legislação interna normas penais, processuais e administrativas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como que adotem as medidas administrativas e jurídicas necessárias para impedir que o agressor persiga, intimide, ameace ou coloque em perigo a vida ou integridade da mulher, ou danifique seus bens (art. 7º, “c” e “d”), a Recomendação Geral nº 35 do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – Cedaw orienta os Estados Partes a implementarem mecanismos de proteção apropriados e acessíveis para prevenir a violência futura ou em potencial, que incluam “avaliação e proteção quanto a riscos imediatos” (item 31, alínea “a.ii”); a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas que “visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 3º, § 1º, da Lei nº 11.340/2006).

Considerou além disso, a importância de assegurar tratamento adequado aos conflitos decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, e ainda considerando que após o registro da ocorrência nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, deverá a autoridade policial, dentre outras providências, “remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência”(art. 12, inciso III, da Lei nº 11.340/2006).

E ainda a necessidade de se padronizar e de se disponibilizar, nacionalmente, um formulário que, fundado em critérios técnico-científicos, possa auxiliar os membros do Ministério Público e os juízes a identificarem o risco do cometimento de um ato de violência contra a mulher no âmbito das relações domésticas e familiares, bem como sua gravidade, para eventual requerimento e imposição de medida protetiva de urgência e/ou cautelar.

O formulário unificado compõe-se de questões que visam mapear a situação da vítima, do agressor e o histórico de violência na relação entre os dois.  Destarte, visa identificar os fatores que indiquem o risco de nova agressão ou de feminicídio, além de conscientizar a mulher do grau de risco em que se encontra, e em última análise tem por fim colimado ajudar na elaboração de um plano de segurança e de apoio à vítima.

Deve o formulário deve ser aplicado no instante em que as mulheres buscam ajuda nas unidades judiciárias, órgãos do MP ou delegacias, preferencialmente. Para além disso, as instituições públicas ou privadas que atuem na área da prevenção e do enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher também podem utilizar a ferramenta. A resolução conjunta permite que a própria vítima, na eventual ausência de um profissional capacitado para entrevistá-la, preencha diretamente o formulário, que será anexado aos inquéritos policiais para subsidiar os pedidos de medida protetiva de urgência ou cautelar.

Autoridades judiciarias e do Ministério Público destacaram que o formulário unificado será política pública essencial para a prevenção e o enfrentamento de crimes praticados no contexto da violência doméstica e familiar e para a salvaguarda de muitas vidas femininas.

Em termos práticos, a Resolução Conjunta 05 definiu os seus parâmetros, logo nos artigos iniciais do ato normativo. Sendo assim, criou-se o Formulário Nacional de Avaliação de Risco no âmbito do Poder Judiciário e do Ministério Público para a prevenção e o enfrentamento de crimes e demais atos praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme modelo que foi anexado a Resolução em testilha.

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O Formulário Nacional de Avaliação de Risco, como novo instrumento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres instituído pelo Conselho Nacional de Justiça e por políticas públicas implementadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público, tem por objetivo identificar os fatores que indiquem o risco da mulher vir a sofrer qualquer forma de violência no âmbito das relações domésticas e familiares (art. 7º da Lei nº 11.340/2006), para subsidiar a atuação do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos demais órgãos da rede de proteção na gestão do risco identificado, devendo ser preservado, em qualquer hipótese, o sigilo das informações.

Definiu-se que o Formulário Nacional de Avaliação de Risco será preferencialmente aplicado pela Polícia Civil no momento do registro da ocorrência policial, ou, na impossibilidade, pela equipe do Ministério Público ou do Poder Judiciário, por ocasião do primeiro atendimento à mulher vítima de violência doméstica e familiar.

É facultada a utilização do modelo de Formulário Nacional de Avaliação de Risco por outras instituições, públicas ou privadas, que atuem na área da prevenção e do enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher.

O Formulário Nacional de Avaliação de Risco é composto de questões objetivas (Parte I) e subjetivas (Parte II), e será aplicado por profissional capacitado, admitindo-se, na sua ausência, o preenchimento pela própria vítima, tão somente, quanto às questões objetivas (Parte I).

Após sua aplicação, o Formulário Nacional de Avaliação de Risco de que trata esta Resolução será anexado aos inquéritos e aos procedimentos relacionados à prática de atos de violência doméstica e familiar contra a mulher, para subsidiar a apreciação judicial de pedidos de medida protetiva de urgência e/ou cautelar, bem como a atuação do Ministério Público e dos demais integrantes da rede de proteção.

O Formulário Nacional de Avaliação de Risco será disponibilizado eletronicamente pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público, observada a interoperabilidade com outros sistemas de processo eletrônico. Na impossibilidade de acesso ao formulário eletrônico, deverá ser aplicada a sua versão impressa.

No artigo 8º da predita Resolução Conjunta, define que os Tribunais de Justiça e as unidades do Ministério Público promoverão a capacitação em direitos fundamentais, desde uma perspectiva de gênero, de magistrados, membros do Ministério Público e servidores que atuem em Varas do Júri e em Juizados e Varas que detenham competência para aplicar a Lei nº 11.340/2006, com vistas à interpretação do formulário instituído por esta Resolução e à gestão do risco que por seu intermédio for identificado.

 

  1. DA LAVRATURA DO REDS NO ESTADO DE MINAS GERAIS

 

Em Minas Gerais, os casos de registros de ocorrência policial, conhecidos popularmente de BO – Boletim de Ocorrência, são realizados por meio do REDS – Registro de Eventos de Defesa Social. Existe um campo destinado ao alvo do evento, onde se pergunta: Evento da violência doméstica e/ou familiar contra Mulher? () não () sim.

Esses registros são efeitos em qualquer Unidade Policial em Minas Gerais, sendo que para alguns registros, permite-se que seja realizado por meio da Delegacia Virtual, geralmente em casos de menor gravidade e atípicos, acidentes de trânsito sem vítima, dano simples, ameaça, extravio de documentos e perda de objetos, pessoas desaparecidas, localização de desconhecido, localização de desparecido, vias de fato, lesão corporal, além de outros.

Em razão do momento pandêmico da Coronavírus, foi publicada a Lei nº 23.644, de 22 de maio de 2021, norma de caráter temporário, que dispõe sobre o registro de ocorrência e o pedido de medida protetiva de urgência relativos a ato de violência doméstica e familiar contra a mulher durante o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia de Covid-19, causada pelo coronavírus.

Destarte, o registro de ocorrência e o pedido de medida protetiva de urgência relativos a ato de violência doméstica e familiar contra a mulher previstos na Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, poderão ser feitos por meio da Delegacia Virtual do Estado durante a vigência do estado de calamidade pública em decorrência da pandemia de Covid-19, causada pelo coronavírus, reconhecido pelo Decreto nº 47.891, de 20 de março de 2020.

Ao receber o registro de ocorrência a que se refere o caput, o delegado de polícia, em cumprimento do disposto no art. 12 da Lei Federal nº 11.340, de 2006, ouvirá a ofendida preferencialmente por meio eletrônico ou telefônico.

 

1.2 PROGRAMAS DE PREVENÇÃO A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM MINAS GERAIS

 

De bom alvitre salientar que em Minas Gerais as forças de Segurança promovem a capacitação de seus agentes públicos em direitos fundamentais, desde uma perspectiva de gênero, para melhor atuarem em eventos de violência doméstica e familiar contra as mulheres, à guisa de exemplos, têm-se as patrulhas da Polícia Militar, que exercem atividades laborativas importantes no combate à violência doméstica no Estado. Existem as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, unidades policiais com dedicação exclusiva para esse enfrentamento, programas e redes específicos de enfrentamento à violência, pugnando para a defesa das mulheres, e ainda em Minas Gerais, existe uma importante e exitosa rede de proteção, a exemplo do Aplicativo MG Mulher, desenvolvido pelo Governo de Minas Gerais, por meio da Polícia Civil de Minas Gerais, com apoio da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, uma plataforma tecnológica voltada à divulgação de conteúdos de orientação e informações relativas à temática da violência contra a mulher. Será utilizado também como suporte às vítimas por meio da operacionalização de uma rede de apoio, serviços e rápido contato em caso de violação de direitos.

Insta afirmar que no Estado de Minas Gerais, o Formulário de Avaliação de Risco DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER deve somar a uma arrojada rede de proteção dos direitos das mulheres, como a Patrulha de Prevenção de Prevenção à Violência Doméstica, lançada em 2010, serviço preventivo policial militar, com um portfólio de serviços prestados em diversos  municípios do estado, que obedece a um conjunto de procedimentos adotados após a identificação pela triagem das ocorrências registradas de casos reincidentes e de maior gravidade, que orienta o atendimento às vítimas reais e/ou potenciais, realiza visitas aos autores e faz os encaminhamentos da vítima à rede de atendimento.

Destaca-se, também a Mediação de Conflitos, programa da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), no qual os atendimentos às mulheres são maioria, totalizando aproximadamente 70% do público atendido. Assim, ao intervir de forma preventiva e/ou no enfrentamento à violência contra a mulher, o programa esclarece direitos, media conflitos e intervém em busca da proteção da mulher que relata risco à sua vida.

Outrossim, nessa mesma toada, em campo o Projeto Dialogar da valiosa Polícia Civil, núcleo de facilitação ao diálogo, criado em 2011. Por meio dele, são realizadas práticas restaurativas de convivência, valorização da vida e dos direitos humanos, através de oficinas de reflexão e responsabilização dos autores de violência doméstica. O programa atua em parceria com o Tribunal de Justiça, que realiza os encaminhamentos compulsórios dos autores. Há, ainda, o atendimento aos homens que comparecem voluntariamente ou são encaminhados por outras instituições.

Outro destaque como Projeto de prevenção criminal da Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais, são as Centrais de Acompanhamento de Alternativas Penais – CEAPA, que está presente em 14 municípios do Estado de Minas Gerais e é responsável pelo acompanhamento das pessoas em cumprimento de alternativas penais e pela fiscalização acerca do cumprimento da determinação judicial. Uma das modalidades de alternativas penais desenvolvidas pelo Programa são as Ações de responsabilização com homens autores de violências contra as mulheres. Através de grupos reflexivos e atendimentos individuais, a CEAPA atende homens encaminhados pelo Poder Judiciário através das medidas protetivas de urgência ou medidas cautelares diversas da prisão, baseadas na Lei Maria da Penha.

Nessa perspectiva, “são construídos espaços semanais de responsabilização e reflexão, que buscam ampliar a compreensão sobre as várias formas que a violência pode ser exercida (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral) e estimular mudanças de atitude, comportamento e especialmente, promover formas não violentas de resolução de conflitos”, assevera com autoridade a Subsecretária de Prevenção Criminal em Minas Gerais, Dra. Andreza Rafaela Abreu Gomes.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A graça é um reflexo do amor sobre um fundo de pureza. A pureza é a própria mulher. (Jules Michelet)

 

Diante de tudo que foi exposto, evidentemente, sem caráter exauriente, percebe-se que a sociedade brasileira ainda não está preparada para conviver sem a Lei Maria da Penha, criada para combater de maneira excepcional a brutal violência contra as mulheres.

É claro que diante de um número exorbitante de casos ainda registrados no Brasil, deve o legislador continuar sua peregrinação no aprimoramento da nossa legislação, ampliando a muralha de proteção e colocando nas mãos dos órgãos de persecução criminal uma artilharia de guerra para debelar a aviltante violência que nos atormenta nos dias atuais.

O formulário de Avaliação de Risco de violência doméstica e familiar contra a Mulher foi criado em 2020 pelo CNJ e CNMP, por meio da Resolução Conjunta nº 05, de 03 de março de 2020, agora reforçado com a publicação da Lei nº 14.149, de 05 de maio de 2021, sem dúvidas, uma ferramenta de prospecção da violência no âmbito doméstico e familiar, que doravante, positivada neste Torrão de agressões vis e ultrajantes contra as mulheres.

É certo que para operacionalizar a nova ferramenta, torna-se urgente e necessário criar no âmbito das Polícias, geralmente, as agências da lei que têm o primeiro contato com vítimas de violência doméstica e familiar, de equipes especializadas para aferir o grau de risco potencial em cada caso concreto, isso para não se tornar meramente um instrumento de marcação de “x” em espaços determinados em formulários frios e sem condições de aferir o real grau de periculosidade em cada situação posta.

Insta salientar que talvez o autor dessas humildes palavras não esteja mais por aqui para vivenciar a tão sonhada e desejada revogação da Lei Maria da Penha, que teria sido retirada do ordenamento jurídico porque ela tenha perdido a sua finalidade teleológica e tenha caído em desuso, porque não existe mais entre nós a abominável violência doméstica ou familiar contra a mulher, transformando numa norma meramente simbólica, claro que tudo isso é um sonho, uma quimera, tudo bem, mas importa salientar que quando isso acontecer, mesmo distante de tudo, possivelmente em decúbito dorsal, no ataúde hermeticamente fechado, na necrópole da eternidade, na sua querida Teófilo Otoni/MG, estará o idealizador nessas linhas feliz em saber que a humanidade é o espelho refletindo a harmonia  da sociedade, de rostos serenos, de expressões soltas, de anatomia facial leve, de coração aberto, todo mundo se abraçando ao brilho lunar, as estrelas riscando o firmamento, cada um servindo de labaredas para iluminar as trevas da terra, os poetas rasgando o coração para jorrar o sangue da ternura, sem medo de ser feliz, que o amor possa aflorar sem medidas feito néctar na humanidade.

Assim, é sempre bom aprimorar o escudo de defesa e proteção aos direitos e bens das mulheres, que independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, gozam dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

E não se trata de mero favor do legislador assegurar esses direitos por meio de produção normativa e adoção de políticas públicas de tutela, mas obrigação do Estado e da sociedade proteger a mulher com zelo e cuidados necessários, até mesmo em face dos compromissos assumidos perante as Nações Unidas que reafirma a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e para além disso, deve a sociedade brasileira refirmar o compromisso inarredável firmando pela Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a Mulher concluída em Belém do Pará em 09 de junho de 1994, sobretudo, aqueles assegurados nos artigos 3º e 4º, asseverando que toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada, e que toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos, abrangendo, entre outros,  direito a que se respeite sua vida, direitos a que se respeite sua integridade física, mental e moral,  direito à liberdade e à segurança pessoais, direito a não ser submetida a tortura, direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família, direito a igual proteção perante a lei e da lei, direito a acesso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que violem seus direitos, direito de livre associação, direito à liberdade de professar a própria religião e as próprias crenças e direito a ter igualdade de acesso às funções públicas de seu pais e a participar nos assuntos públicos, inclusive na tomada de decisões.

Arrisca-se afirmar, sem nenhum receio de cometer erros, que Minas Gerais deve ser a primeira Unidade Federativa do Brasil a adotar a aplicação do Formulário de Avaliação de Risco de Violência Familiar ou Doméstica contra a Mulher depois da entrada em vigor da Lei nº 14.149, de 05 de maio de 2021, como forma de subsidiar as autoridades públicas, nos limites de sua atuação, sobretudo, na avaliação sobre aplicação de medidas protetivas de urgência, artigo 22 da Lei nº 11.340/2006, reafirmando o compromisso inarredável de Minas Gerais na defesa intransigente dos direitos das mulheres.

Diante de tudo que foi exposto, é importante que se diga que o combate a violência contra a mulher passa, necessariamente, pela análise de três eixos temáticos, quais sejam, a violência propriamente dita, a questão da legislação de tutela e a mudança de cultura diante da causa.

Assim, no campo normativo o Brasil ocupa 5º lugar, dentre os 84 países pesquisados, com a maior taxa de mortes violentas de mulheres, atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala (da América Latina e da Federação Russa, consoante Mapa da Violência de 2015. Nesse sentido, é triste lembrar que na luta pela afirmação dos direitos das mulheres, infelizmente há o registro de fatos gravíssimos como as mortes da juíza de direito no Rio de Janeiro, Viviane Viera, da brutal morte da jovem Laís Fonseca na cidade de Pavão, da cantora e influenciadora digital Lívia Bicalho em João Monlevade, além de tantas outras.

No campo da legislação de proteção, frisa-se que a Lei Maria da Penha do Brasil é considerada pela ONU a terceira Lei mais importante do mundo e por fim, completando a trilogia proposta neste ensaio, há necessidade de mudança de cultura coletiva, a começar pela formação dos jovens em salas de aulas, usando a Educação como fator de transformação de uma sociedade, havendo necessidade de constar na grade do conteúdo programático do ensino escolar em todos os níveis e graus, aspectos gerais sobre a perspectiva de gênero, absorvendo conhecimento sobre a igualdade entre as pessoas, em direitos e obrigações, punindo severamente o preconceito de raça, cor, etnia, sexo, religião ou procedência nacional, e em última análise criando uma cultura de respeito e senso ético no meio social.

Enquanto isso, cabe a cada cidadão a promoção dos direitos humanos, e para além disso, o Estado continuar a reafirmar as medidas de políticas públicas para a edificação de uma sociedade melhor para se viver.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS. Lei Estadual nº 23.644, de 2020. Disponível em https://www.editoraroncarati.com.br/v2/Diario-Oficial/Diario-Oficial/LEI-ESTADUAL-MG-N%C2%BA-23-644-DE-22-05-2020.html. Acesso em 17 de abril de 2021.

BRASIL, Lei Maria da Penha. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em 17 de abril de 2021, às 18h34min;

BRASIL, Lei nº 14.149, de 05 de maio de 2021. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14149.htm. Acesso em 06 de maio de 2021, às 10h45min;

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNMP E CNJ instituem formulário de avaliação de risco de violência doméstica. Disponível em https://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/12947-cnmp-e-cnj-instituem-formulario-de-avaliacao-de-risco-de-violencia-domestica. Acesso em 17 de abril de 2021, às 18h41min.

MINAS GERAIS.  Minas Gerais avança no combate à violência contra mulher. Disponível em http://agenciaminas.mg.gov.br/noticia/minas-gerais-avanca-no-combate-a-violencia-contra-a-mulher. Acesso em 17 de abril de 2021.

POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS. Delegacia Virtual. Disponível em https://delegaciavirtual.sids.mg.gov.br/sxgn/ocorrencia/renderTelaInicial. Acesso em 18 de abril de 2021, às 08h13min.

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente texto tem por escopo principal analisar a Lei nª 14.149, de 05 de maio de 2021, aplicando as suas disposições à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para determinar a aplicação do Formulário Nacional de Risco e Proteção à Vida (Frida).

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