Nacionalidade Portuguesa e estabelecimento de filiação

07/05/2021 às 10:05
Leia nesta página:

Entenda a questão do estabelecimento de filiação e suas implicações em sede de nacionalidade portuguesa

O artigo 14 da Lei de Nacionalidade portuguesa dispõe que “só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente a nacionalidade”.

A lei de nacionalidade portuguesa permite que os filhos e netos de cidadãos portugueses de origem possam obter a cidadania portuguesa, mesmo que nascidos fora de Portugal.

Para tanto, devem comprovar a descendência através de certidões obtidas nos órgãos de registro civil em Portugal e no Brasil e, demonstrar que o cidadão português não perdeu a nacionalidade portuguesa originária antes de transmitir o direito aos seus filhos.

Além disso, para que o filho ou neto tenha direito à nacionalidade portuguesa, também deve comprovar que a filiação foi estabelecida durante a sua menoridade, com relação ao progenitor português ou de origem portuguesa. Isto é o que consta no abominável artigo 14 da Lei da Nacionalidade.

Ocorre que, no Brasil era muito comum que apenas o pai comparecesse no cartório para registrar o filho.

Assim, supondo que uma pessoa nascida no Brasil, hoje com quarenta anos de idade, filho de pai brasileiro e de mãe portuguesa que não foram casados um com o outro, sendo o pai o declarante do nascimento, não terá direito a obter a cidadania portuguesa, mesmo sendo filho de mãe portuguesa, pois esta não o reconheceu antes deste completar 18 anos de idade.

Isso é apenas um exemplo dos absurdos que ocorrem na prática com a regra do estabelecimento da filiação na menoridade.

Neste sentido, inúmeros filhos e netos nascidos no exterior ficam impedidos de ter a nacionalidade dos seus pais ou avós, por conta deste tenebroso mecanismo previsto na Lei de Nacionalidade.

Podemos ainda citar outros casos, como pessoas que se autodeclaravam perante os registros civis ou eram registradas por um outro membro da família, pois os pais estavam impedidos de comparecer ao cartório ou já tinham falecido.

Há também situações de reconhecimento na maioridade por testes de DNA em ações de reconhecimento de paternidade, entre outras milhares de situações não previstas pelo legislador que manteve as normas arcaicas estabelecidas pelo Código de Seabra de 1867 e que deveriam ficar esquecidas no tempo.

Além disso, todas as gerações seguintes irão sofrer as consequências

É o caso do neto de cidadão português que pode requerer a cidadania portuguesa, mesmo que o filho do português tenha falecido sem ser reconhecido português.

Em princípio, este neto terá direito a ter a sua cidadania portuguesa reconhecida, desde que o estabelecimento de filiação tenha ocorrido na menoridade e este filho(a) tenha também declarado o nascimento do requerente (neto do português) também na menoridade.

Assim, se o avô português não reconheceu o filho quando este era menor de idade, mesmo que o interessado seja o neto, haverá uma quebra no estabelecimento da filiação na menoridade, fazendo com que este neto perca seu direito a nacionalidade portuguesa, assim, como seus filhos e gerações seguintes.

O estabelecimento da filiação também pode ser comprovado por outros meios, como sentença judicial, testamento, declaração do progenitor perante o cartório, que tenha sido feita durante a menoridade do filho/a, dentre outros.

INSCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 14 DA LEI DE NACIONALIDADE

Há inúmeros juristas portugueses que defendem a inconstitucionalidade do artigo 14 da Lei de Nacionalidade por distinguir pessoas que foram reconhecidas pelos seus pais até os 17 anos de idade e demais que foram reconhecidas após os 18 anos e que ficam prejudicadas no seu direito a ter a sua cidadania portuguesa.

Além disso, há também o fato de que a Constituição da República portuguesa dispõe que os filhos nascidos fora do casamento não podem ser discriminados quanto à filiação, nem mesmo pelas leis ou repartições oficiais:

 

Art. 36 (…)
4. Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objeto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação”.
 

Dessa forma, é necessário que esta discussão venha à tona para que este entrave seja removido da legislação portuguesa.

 

LUZ NO FIM DO TÚNEL: Projeto de Lei pretende eliminar a injustiça e com filhos e netos de portugueses reconhecidos na maioridade

Foi apresentada no mês de abril de 2021 no Parlamento português o Projeto de Lei 810/XIV/2, em que prevê a exclusão do artigo 14 da Lei de Nacionalidade.

Caso seja aprovada, será a décima alteração na Lei de Nacionalidade, deixando de ser necessária a comprovação do estabelecimento da filiação na menoridade.

Essa medida irá beneficiar milhares de brasileiros, filhos ou netos de portugueses que foram reconhecidos após os 18 anos de idade e que poderão ter acesso à cidadania portuguesa.

 

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Sobre o autor
Cleber Sasso

CK Sasso Assessoria Juridica - Advogado no Brasil e Portugal, especialista em nacionalidade portuguesa, homologação de sentenças estrangeiras no Brasil e em Portugal, retificação de registro civil, registro tardio para dupla cidadania.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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