Inicialmente, cumpre esclarecer a contradição da figura do Juiz das Garantias com o sistema acusatório previsto expressamente no art. 3º-A, incluído pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anti-Crime) no Código de Processo Penal brasileiro, a saber:
Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. (grifo nosso)
Todavia, ainda não alcançamos um sistema acusatório puro, visto que o sistema acusatório tem como principal característica a presença de partes distintas, ou seja, acusação e defesa em igualdade de posições (paridade de armas), exercendo o pleno contraditório, enquanto há um juiz equidistante e imparcial.
Portanto, deve existir a nítida separação das funções de acusar, que cabe ao órgão ministerial, de defender, exercida pelo advogado ou defensor público, e de julgar que compete ao magistrado.
No que tange à gestão da prova, é função precípua exercida pelas partes, acusação e defesa, sendo assim, na fase de inquérito policial e na fase da ação penal o juiz só deveria intervir quando provocado, desde que haja a imperiosa necessidade da intervenção judicial, por isso em nenhuma fase o juiz pode produzir prova de ofício, sem que haja provocação das partes.
Nessa esteira, o art. 3º-A, do CPP, veda a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação, pois o titular, o dono, da ação penal pública é apenas o Ministério Público que oferece a denúncia com base nos elementos informativos e probatórios do inquérito policial, daí a importância da Polícia Civil na persecução penal, pois embora seja dispensável pelo MP, o inquérito fundamenta a denúncia.
Por outro lado, contrariando a vedação imposta pelo art. 3º-A no que se refere à iniciativa do juiz na fase de investigação, a Lei do Pacote Anti-Crime inseriu a figura do Juiz das Garantias no art. 3º-B, conferindo-lhe competências para atuar na fase de investigação criminal desde o início do inquérito até o recebimento da denúncia.
Destarte, o Juiz das Garantias terá iniciativa para atuar em toda a fase pré-processual, inclusive, algumas de suas competências não precisa de provocação das partes, como nos casos previstos no art. 3º-B, incisos: IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal; IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento; dentre outras competências que independem de provocação das partes e, portanto, afastam o sistema acusatório puro.
Ante o exposto, inobstante o Brasil adotar expressamente o sistema acusatório no Código de Processo Penal, não se trata do sistema acusatório puro, cujas características são separação rígida entre o juiz e acusação, paridade entre acusação e defesa (paridade de armas), publicidade e oralidade do julgamento, o que ainda está distante de acontecer na prática forense penal.