RESUMO
O presente artigo objetiva analisar como se dá a interferência do Executivo na produção legislativa brasileira em âmbitos federal, estadual e municipal. Para tanto, identifica os elementos políticos-institucionais que condicionam a atividade legislativa; estuda de que maneira se manifestam as relações entre o Executivo e o Legislativo no âmbito dos processos de elaboração de leis; e relaciona como o conjunto de elementos previamente identificados contribui para a formação da agenda governamental no contexto do processo legislativo nas diversas esferas, bem como buscar as justificativas dessa interferência. Como metodologia, foi empregada a revisão de literatura realizada em material já publicado, a exemplo de livros e artigos que abordam o tema em análise. Conclui-se que as políticas públicas precisam estar pautadas nas necessidades dos cidadãos. O gozo minimamente adequado dos direitos fundamentais é indispensável para o funcionamento da própria democracia e, por conseguinte, para a existência do controle social das políticas públicas. Assim, o legislativo deve estar a serviço do povo e de seus interesses, não devendo haver intervenção do Poder Executivo na elaboração de políticas públicas, a fim de que estas não sejam esvaziadas de sentido.
1 INTRODUÇÃO
As decisões operadas pelo poder público, quase sempre, estão permeadas por interesses e demandas dos diversos atores envolvidos em uma dada conjuntura social, não se limitando aos anseios dos que têm poder para tomar decisões. Nesta perspectiva, as políticas públicas podem ser concebidas como respostas dos governos às demandas, reivindicações e insatisfações da população e de seus respectivos segmentos.
Sabe-se que o ordenamento jurídico brasileiro conta com três poderes: legislativo, responsável por legislar, por fazer as leis; o executivo, que deverá executá-las; e o judiciário, cuja função é julgar. No entanto, estas funções não são estáticas; a depender do caso contrário, é possível que estas funções sejam relativizadas e um poder invada a competência do outro, a exemplo do que ocorre com o judiciário, quando interfere para efetivar políticas públicas que deveriam ser implementadas pelo Executivo; ou quando o executivo interfere na produção legislativa.
Assim, admitindo-se que há interferência do Executivo na produção legislativa, questiona-se: Como ocorre a formação da agenda governamental no contexto do processo legislativo brasileiro, e quais são as razões que a justificam?
O presente estudo tem como objetivo geral analisar como se dá a interferência do Executivo na produção legislativa brasileira em âmbitos federal, estadual e municipal.
Para atingi-lo, foram eleitos os seguintes objetivos específicos: identificar os elementos políticos-institucionais que condicionam a atividade legislativa; estudar de que maneira se manifestam as relações entre o Executivo e o Legislativo no âmbito dos processos de elaboração de leis; e relacionar como o conjunto de elementos previamente identificados contribui para a formação da agenda governamental no contexto do processo legislativo nas diversas esferas, bem como buscar as justificativas dessa interferência.
O interesse pelo tema proposto se desenvolveu a partir de contato inicial com o tópico através da disciplina Introdução à Ciência Política, Direito Constitucional e Processo Legislativo.
A expressão social do tema se dá em vista do significativo distanciamento percebido entre o eleitorado brasileiro e os seus representantes, nas diversas esferas de atuação política. Dessa forma, pretende-se elucidar certos aspectos referentes ao processo legislativo, notadamente no que concerne às relações Executivo-Legislativo, a fim de contribuir, ainda que superficialmente, para a conscientização dos cidadãos acerca dos elementos que interferem diretamente na produção legislativa.
Salienta-se a relevância científica da pesquisa por se propor a abordar um tema de fundamental importância para a efetivação de garantias constitucionais relativas à separação dos poderes, à democracia e ao exercício da cidadania.
Foi assumido como método de abordagem o dedutivo, segundo o qual se chega à uma conclusão, partindo-se de premissas verdadeiras. Como método de procedimento, valeu-se do monográfico, haja vista que, para o exame do tema escolhido, devem-se observar todos os fatores que o influenciaram e analisando-os em todos os seus aspectos. A técnica de pesquisa adotada dispõe que o trabalho será desenvolvido a partir da revisão de pesquisa bibliográfica, fundamentando-se na leitura de artigos de revistas científicas e periódicos para compreender os aspectos específicos e gerais do presente estudo.
2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL
Segundo Bucci (2002), política pública é um conjunto de ações promovidas pelo governo com o objetivo de produzir efeitos específicos.
Os direitos sociais, também chamados direitos prestacionais, surgiram com o objetivo de assegurar que os indivíduos tenham melhores condições de vida seja na esfera social ou econômica, diminuindo a desigualdade e com o intuito de aproximar-se o máximo possível da almejada justiça social. Esses direitos demandam a atuação do Estado, através de prestações positivas, a fim de que sejam concretizados. Como explica Nobre Jr. (2007), são direitos que existem porque as desigualdades e, consequentemente, as necessidades por parte de seus titulares também existem. São caracterizados como direitos que libertam da necessidade, ou, dito de outra forma, direitos de promoção, que decorrem do direito à igualdade.
Os direitos ora aludidos não são direitos contra o Estado, mas direitos através que precisam da atuação estatal para que sejam concretizados, requerendo do poder público determinadas prestações materiais. Acrescente-se que são direitos que têm aplicabilidade imediata, consoante disposto no art. 5° da Constituição Federal. Assim, condicionar que esses direitos que estão previstos na Constituição dependam que leis ou decretos sejam editados a fim de que possam ser aplicados, é algo que não encontra guarida em sede doutrinária, tendo em vista que essa condição leva ao falso entendimento de que a lei e o decreto têm mais força do que a Constituição em si (MELLO, 1981).
É nesse contexto que as políticas públicas, que são instrumentos por excelência de efetivação dos direitos sociais, precisam ser adotadas com prioridade, independentemente de existir ou não regulamentação ou legislações que versem sobre os direitos sociais.
A expressão “política pública” traz em seu bojo o substantivo “política”, que precisa ser entendido como uma meta a ser alcançada, referente ao aperfeiçoamento de algum traço político, econômico ou social. O Estado tem como função assegurar que os direitos fundamentais tenham realmente eficácia, circunscrevendo que os poderes públicos devem atuar nesse sentido. Portanto, consiste em conferir maior praticidade aos princípios e valores estampados na Constituição e isto é concretizado pelo Estado com as políticas públicas (BONIFÁCIO, 2004).
Estas políticas consubstanciam em programas governamentais, não ficando restritas a normas ou atos singulares, mas principalmente, traduzem-se em uma diversificada sequência ordenada de normas e atos, conjugados com o objetivo de realizar um objetivo pré-determinado. Caracterizam-se por uma sequência de ação intencional planejadas por um ou mais atores para combater um problema ou algo que é motivo de preocupação e normalmente advêm de problemas sociais (FONTE, 2013).
O caráter deliberativo das políticas públicas assinala que essas são promovidas de forma consciente pelo governo, ainda que possam produzir efeitos não intencionais, esses últimos não reconhecidos como policies (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013).
Debates sobre políticas públicas se propõem a responder à questão sobre o papel que cabe aos governos na sua definição e implementação. Os direitos sociais se tornaram mais notórios a partir do século XIX, por ocasião da implantação de iniciativas políticas objetivando assegurar justiça acessível à população, tendo-se a igualdade como princípio de justiça social e embasando-se na certeza de que o reconhecimento formal da igualdade de direitos não era o bastante para a sua concretização (BEHRING; BOSCETTI, 2006).
Mas os governantes alegam insuficiência de recursos, o que em parte é verdadeiro, mas, o caos econômico e social em que o Brasil foi mergulhado, nada mais é do que consequência da má administração e corrupção.
Ainda se vê, no Brasil, gestores que governam como se o patrimônio público fosse uma extensão de seu patrimônio particular, impedindo a consolidação de uma administração pública eficiente.
A oposição entre os preceitos morais e a realidade social forma um ambiente de aceitação da corrupção que justifica o fato de a população consentir com a relevância de determinados padrões morais, mas, por outro lado, concordar que, em política, um pequeno desvio de conduta pode ser aceitável.
Importante ponto diz respeito ao envolvimento da população em geral na vida pública. Por exemplo, se um político sabidamente corrupto se reelege, levantam-se questões acerca da qualidade da participação democrática e, com isso, a classe política pode se sentir menos restringida pela população e se envolverá em mais atividades corruptas.
Reiterados episódios de desvios de recursos públicos, má utilização indevido da máquina administrativa, redes de conchavos e tantos outros males encerram na população uma sensação de impotência, que nos faz olhar de maneira deveras pessimista aos caminhos que a política tem seguido em nosso país.
A corrupção começa a deformar a representação política dos cidadãos já no momento eleitoral. As práticas de compra de votos e as desigualdades das campanhas eleitorais em razão de abusos econômicos, por exemplo, sem mencionar as diversas formas de fraude eleitoral, afetam sobremaneira a representação, constituindo, portanto, exemplos básicos de corrupção política (BARBUGIANI, 2017).
A corrupção por parte administração pública no Brasil é, atualmente, um dos maiores obstáculos para que se atinja uma democracia verdadeiramente social. São bilhões de reais desviados anualmente dos cofres públicos, ora para contas privadas, ora para financiar projetos para que determinados políticos e partidos se perpetuem no poder.
A desigualdade e a falta de coesão social são fatores que colaboram com a sistematicidade da corrupção. A corrupção pode ser considerada, ainda, como causa da decadência da confiança, lealdade e consideração entre cidadãos de um Estado. Por isso, a solução do problema está tanto na educação moral do povo quanto na sua participação nos processos democráticos, acompanhada de maior igualdade econômica. Portanto, é importante fazermos o uso do conceito de corrupção para a sociedade, não apenas como sinônimo de práticas tidas então por delituosas, mas também como sinônimo dos seus efeitos devastadores sobre toda a sociedade (BARBUGIANI, 2017).
No Brasil, o Estado ainda é o principal motor do desenvolvimento social e econômico. A população brasileira, sobretudo nos estados mais pobres da federação, ainda é muito dependente das políticas públicas de desenvolvimento. Todavia, em que pese existirem no plano normativo tais políticas, estas não tem sido executadas de maneira a atender as principais carências da sociedade (GARCIA, 2011).
Com efeito, a corrupção, por vezes, se coloca como obstáculo entre a política pública, como pensada, e a sua materialização, ou seja, priva a população de seus direitos sociais e econômicos, impactando sobremaneira no desenvolvimento do país. O impacto da corrupção sobre os menos abastados é notório posto que são contemplados com menos serviços sociais, a exemplo da saúde e educação.
Dessa forma, dentro do contexto de desigualdades que marcam o Brasil, demonstra-se imperiosa a atuação estatal no sentido de realizar políticas tendentes a proporcionar essa justa igualdade de oportunidades, através da realização de políticas públicas redistributivas, instrumentos operacionais e executórios de concretização prática da vontade da população, representada nos programas estabelecidos pelos governantes por eles eleitos (GURGEL; JUSTEN, 2013).
A democracia pressupõe mecanismos pelos quais a sociedade possa buscar a concretização de seus direitos, em especial aqueles mais básicos conferidos na Constituição Federal, como saúde, educação, moradia, dentre outros. O próprio texto constitucional prevê, como objetivo fundamental da república, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais, reafirmando o estado brasileiro como de bem-estar social (CARDOSO JR; JACCOUD, 2005).
Não se pode negar que, dentro de um Estado Democrático de Direito e, mais, num regime de democracia representativa, as práticas administrativas devem ser direcionadas de modo a dar consecução a vontade política estabelecida segundo os procedimentos democráticos.
Quando a corrupção se insere nesse cenário, veem-se absolutamente abalados os alicerces estruturais necessários à efetivação da justiça, porquanto esta corrói suas estruturas produzindo efeitos deletérios por toda a atividade estatal.
Um dos fatores que impedem o Brasil de avançar na diminuição do abismo entre as oportunidades oferecidas aos membros da sociedade é a corrupção, que desvia recursos públicos e não aprimora o desenvolvimento social brasileiro.
O Brasil é um país rico em recursos, mas ao mesmo tempo pobre e desigual, fato este que decorre dos efeitos da corrupção, como obstáculo do desenvolvimento social. Embora seja considerado uma potência econômica mundial, ainda não consegue diminuir a desigualdade e a pobreza resultando em um atraso no desenvolvimento social.
Nos regimes democráticos, os reflexos indiretos da corrupção pública sobre os direitos da população são bastante evidentes. Nesse aspecto, entende-se que um dos grandes dilemas sobre a corrupção é não a ver como um crime de elevada gravidade por não ser praticada usando de violência direta e em razão de seus efeitos serem coletivos e difusos. Ou seja, observa-se que nocividade da corrupção para a sociedade não é percebida imediatamente. Os efeitos deste tipo de corrupção administrativa recaem principalmente sobre os direitos sociais fundamentais das populações mais carentes em áreas como a saúde, a educação, o saneamento, a segurança e a habitação, atingindo um número indeterminado de vítimas (REZENDE, 2005).
Os recursos perdidos no ralo da corrupção, na área da saúde, deixam de ser utilizados onde realmente se fazem necessários, como na aquisição de medicamentos, construção e equipamento de hospitais, contratação e melhoria das condições de trabalho dos servidores, ou seja, permitir que seja efetivamente prestada ao cidadão a possibilidade de acessar os serviços públicos de saúde.
De igual modo, certamente a corrupção impacta no direito à educação, o que trará consequências em diversos outros direitos, na medida em que reduz a possibilidade de ascensão social e inclusão de mercado de trabalho desses indivíduos, além de excluí-los dos processos políticos.
Se os recursos estatais são reconhecidamente limitados, embora haja previsão normativa de determinados direitos à população, sua efetivação será cada vez mais precária se os investimentos públicos forem ainda desviados dos fins inicialmente previstos, sendo destinados para objetivos ilegítimos dos detentores do poder. Daí decorre baixo desenvolvimento econômico e social da população brasileira, elevando o abismo entre as camadas sociais, obstaculizando a efetivação da justiça e dos direitos garantidos pela Constituição. Ademais, a corrupção atrapalha a execução de políticas públicas que visam atender os segmentos mais vulneráveis da população, como as crianças, mulheres e os idosos (GURGEL; JUSTEN, 2013).
Enfim, o custo da corrupção pode ser claramente visualizado no volume de recursos públicos desviados no país, prejudicando o aumento de renda, o crescimento e a competitividade do país, comprometendo a possibilidade de oferecer à população melhores oportunidade para incremento de seu bem-estar social.
2.1 PROCESSO LEGISLATIVO
Segundo Dantas (2018), as funções típicas do Poder Legislativo são as de legislar e de fiscalizar o Poder Executivo. Com efeito, como vimos anteriormente, a Constituição de 1988 confere ao Poder Legislativo a função típica de editar a maioria das espécies normativas previstas em seu art. 59, tais como as emendas constitucionais, as leis complementares, as leis ordinárias, os decretos legislativos e as resoluções. Referente à função do Poder Executivo, além da função típica de instituir as políticas públicas de governo, com base no texto constitucional, e a de atender aos comandos legais (na seara administrativa), o Poder Executivo também exerce funções atípicas, como, por exemplo, editar medidas provisórias (função legislativa) e também julgar os processos administrativos instaurados.
Não é razoável que o Poder Executivo interfira no Poder Legislativo, tendo em vista que o Legislativo deve estar a serviço da representação popular e a interferência pode contaminar esta representação.
Conforme apontado por Santos (2008), o processo legislativo compreende um macro variável endógeno, inerente à organização do Poder Legislativo, que diz respeito aos tipos de proposições apresentadas (consideradas as suas motivações), às regras de tramitação processual e aos seus impactos na produção legislativa.
Analisa-se o processo legislativo como processo de decisão político-institucional, conjugando aspectos próprios da arena eleitoral com determinantes da arena parlamentar. Consideram-se inicialmente as ponderações de Amorim Neto e Santos (2003) acerca do modelo de segredo ineficiente (MSI) como condicionante do comportamento parlamentar voltado para as políticas de cunho paroquial.
O MSI decorre da interação de um Executivo dotado de fortes poderes legislativos, competindo ao chefe deste Poder a iniciativa privativa por determinados projetos de lei, conforme previsão constitucional, bem como a edição de medidas provisórias e a possibilidade de veto sobre os projetos aprovados pelo Congresso Nacional (ato que, não obstante, poderá ser derrubado), e a presença de líderes partidários com pouco controle sobre seus liderados, resultando em um sistema eleitoral que preserva líderes com autonomia local. Tal modelo implica na propositura de projetos de lei de baixo impacto pelos congressistas, pressupondo que estes buscam beneficiar tão somente os seus distritos eleitorais, e de projetos de impacto nacional pelo Executivo. Não obstante, ainda no trabalho de Amorim Neto e Santos (2003) as proposições básicas do MSI são relativizadas, considerando-se a sua importância para o estudo da matéria, porém admitindo-o como controverso.
Ultrapassada a breve análise dos elementos que definem o sistema legislativo brasileiro, volta-se ao estudo do papel desempenhado pelo Executivo no âmbito da produção legislativa.
2.2 A interferência do Executivo na Produção Legislativa
O Estado Democrático de Direito estrutura-se em instituições políticas. Na democracia representativa moderna, as deliberações coletivas que dizem respeito a toda a coletividade são tomadas não de forma direta, por aqueles que dela fazem parte, mas por políticos eleitos para este fim. As eleições se dão de forma institucional.
A ideia de representação envolve um elemento de delegação ou outorga. A coletividade autoriza alguém para agir por ela e aceita o que o representante decidir invocando sua condição de representante, pois foi eleito sob um procedimento institucional e assim possui legitimidade.
No entanto, na atual conjuntura social, a democracia pode ser considerada uma “pseudodemocracia”. Há obediência formal ao princípio da soberania, com eleições diretas dos representantes, em homenagem pelo menos aparente ao mandamento de que todo o poder emana do povo. Todavia, o exercício do poder pelo povo, através da participação popular, não foi devidamente implementado. Pelo que se vê diariamente, nem sempre há relação direta entre os programas e práticas governamentais em face à expressão da vontade popular que os legitima.
Penna (2011, p.111) afirma que as primeiras ideias sobre políticas públicas as relacionavam com a “sensibilidade”, “espírito público” e “habilidades políticas” do governante benevolente, como se a decisão política que reconhece necessidades possuísse conotação mítica e enquanto a sua execução corresponderia à concessão de benesses ou dádivas, sendo o cidadão o simples destinatário da política pública executada pelo bondoso governante.
Primeiramente sob essa concepção, a política pública possuiria sentido positivo, ou seja, as decisões políticas somente se tornariam políticas públicas quando materializadas por meio de prestações positivas de cunho individual ou coletivo.
Porém, certamente a questão em destaque acerca das primeiras concepções sobre políticas públicas é a revelação do governante como elemento principal das políticas públicas, fato este que colocava a policy como resultado do desejo do governante, desvinculada, portanto, das demandas sociais e dos direitos fundamentais, estando a sociedade distante da decisão que estrutura a política pública, ou seja, a sociedade estaria afastada das escolhas das opções que resultam na forma de concretização das ações destinadas a resolverem os problemas politicamente reconhecidos.
Inserido em um Estado Democrático de Direito construído sobre o alicerce neoconstitucionalista e pós-positivista, a ideia de política pública não pode se sujeitar aos desejos dos governantes, justamente porque a estrutura de sua validade está condicionada à participação jurídico-democrática na tomada de decisões tanto do objetivo como dos meios de sua execução, retirando o cidadão da condição de destinatário e colocando-o no posto de ator principal da formulação indispensável à materialização das políticas públicas (PENNA, 2011).
Salienta-se que a implementação das decisões políticas não produz impactos somente para os destinatários diretos das políticas, mas toda a sociedade, algo que amplia o leque de atores responsáveis por sua construção, justamente por também serem seus destinatários diretos ou indiretos.
Assim, embora as políticas públicas sejam de competência da Administração Pública, existe, segundo Dias e Matos (2012) uma tipologia de atores capaz de influenciar e formular estas políticas, a saber: os representantes políticos eleitos, os partidos políticos, as equipes de governo, o corpo técnico burocrático, os juízes, a mídia, as empresas, os sindicatos e as associações profissionais, as organizações do terceiro setor, os atores do conhecimento, os escritórios de assessoramento do Legislativo, os institutos vinculados a partidos políticos, os organismos internacionais, o centro de pesquisas, a ONG com unidade de pesquisa, as unidades de pesquisa de empresas e as corporações, o grupo de pressão, os movimentos sociais e as associações comunitárias.
Como explica Freire Jr. (2005), é interessante ressaltar que, normalmente, as políticas públicas são os meios utilizados para efetivar direitos fundamentais, posto que somente reconhecer formalmente direitos pouco adianta já que é preciso que o reconhecimento venha acompanhado de instrumentos que sirvam para efetivar referidos direitos.
As políticas públicas têm como principal fundamento, a existência dos direitos sociais. Assim, como informa Bucci (2002), a função estatal referente à coordenação das ações públicas e privadas no sentido de realizar os direitos dos cidadãos é legitimada a partir do convencimento da sociedade de que é necessário realizar esses direitos.
No mesmo sentido, Barcellos (2010) entende que os direitos fundamentais sociais ocupam uma posição de centralidade no sistema constitucional, em razão da fundamentalidade da dignidade humana, de maneira que o Estado e o Direito existem em função das necessidades e direitos do homem, e, principalmente, para protegê-los e promovê-los, de forma que estas estruturas (Direito e Estado) precisam ser concebidas levando em conta essa diretriz.
Ademais, os poderes públicos também se encontram submetidos às diretrizes constitucionais. Desta feita, o exercício do poder é limitado e vinculado às normas jurídicas, de forma o texto constitucional precisa estabelecer vinculações mínimas aos agentes políticos, especialmente quando se trata de questões referentes à promoção dos direitos fundamentais.
Assim, o trabalho do jurista deve se orientar no sentido de resgatar a efetividade das normas que definem os direitos e garantias fundamentais, através de sua produção jurídica. Também, o aplicador do direito tem como missão realizá-la, dando-lhe um tratamento distinto dentre as demais normas que constam na Constituição, levando em conta, principalmente, a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (BONIFÁCIO, 2008).
Mesmo que se entenda que é necessária a interveniência do legislador, o responsável por aplicar a norma deve se valer do sistema jurídico, valores e princípios estampados na Constituição e atentar aos direitos fundamentais, a fim de que não seja desrespeitada a vontade do constituinte originário, nem os anseios e necessidades dos cidadãos.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, foi possível perceber que a presença do Estado com políticas públicas de garantia de direitos é falha e urge que a sociedade brasileira deixe de lado a sua postura indiferente e readquira sua capacidade de se indignar, cobrando para que sejam implantadas medidas capazes de modificar o contraditório cenário que se evidencia na atualidade.
Utopias não são as leis, mas os programas sociais do Poder Público que devem, com urgência, implantar as referidas leis. Se falhas existem, como existem em todas as atividades humanas, deve-se consertá-las.
A realidade vivida pelas administrações públicas, fora do alcance dos cidadãos, favorece a opção por investimentos desvinculados das prioridades básicas das populações, os quais se relacionam mais com os interesses partidários, de grupos ou de natureza pessoal dos governantes, do que com as necessidades reais vividas pelos administrados.
Do exposto concluiu-se que as políticas públicas precisam estar pautadas nas necessidades dos cidadãos. O gozo minimamente adequado dos direitos fundamentais é indispensável para o funcionamento da própria democracia e, por conseguinte, para a existência do controle social das políticas públicas. Em condições de pobreza e de extrema miséria, e na ausência de níveis básicos de educação, a autonomia do indivíduo para avaliar e participar do processo democrático estará amplamente prejudicada. Assim, o legislativo deve estar a serviço do povo e de seus interesses, não devendo haver intervenção do Poder Executivo na elaboração de políticas públicas, a fim de que estas não sejam esvaziadas de sentido.
A boa administração pública deve estar envolvida como processo democrático, com normas que fundamentam esse processo político que sejam justificáveis através dos direitos fundamentais. Trata-se de um novo paradigma administrativo estatal, com necessária revisão dos conceitos estruturais do poder público e da participação política voltada à promoção da cidadania.
Assim, o reconhecimento do direito fundamental à boa administração indica para o aperfeiçoamento institucional da gestão pública no Brasil, que deve ser mais democratizada para se comprometer com um projeto de nação. Ademais, a construção do bem comum é inerente à atuação do Estado, esse é o projeto de sociedade erigido constitucionalmente, isso ocorre na medida em que são instrumentalizados os direitos fundamentais.
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