Ação de Revisão do FGTS: Ouro de tolo.

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A controvérsia envolve a possibilidade de revisão dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) por índice diferente da TR (Taxa Referencial), o qual é disposto em lei e nada tem de constitucional.

Nos últimos dias, com a outrora proximidade do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ADI 5090/DF, ocorreu um “mar” de propaganda visando a captação de clientes nas redes sociais, bem como uma gama de “vendedores de ações prontas” para que colegas de lida pudessem comprar o modelo de inicial pronta.

 

Propagandearam que o resultado dessa demanda, “praticamente certa”, permitirá que os trabalhadores consigam expressivas somas de dinheiro. Nas redes sociais, em certos anúncios, só faltavam colocar o trabalhador em uma banheira cheia de dinheiro jogando-o as alturas!

 

É o “legítimo” El Dourado!

 

Juridicamente, a controvérsia envolve a possibilidade de revisão dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) por índice diferente da TR (Taxa Referencial), o qual é disposto em lei e nada tem de constitucional.

 

No Recurso Especial nº 1.614.874/SC discutiu-se essa matéria, em que se alegava que entre os anos de 1999 e 2013 os trabalhadores foram prejudicados, pois, durante esse período a TR não teria sido capaz de “preservar o valor real da moeda”, gerando uma defasagem que poderia chegar a quase 90%. Por isso, pediram na ação a alteração da TR para o INPC ou IPCA, ou seja, índice diferente do que a TR.

 

A ementa do referido Recurso Especial (REsp 1.614.874/SC) foi a seguinte:

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 731. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. SUBSTITUIÇÃO DA TAXA REFERENCIAL (TR) COMO FATOR DE CORREÇÃO MONETÁRIA DOS VALORES DEPOSITADOS POR ÍNDICE QUE MELHOR REPONHA AS PERDAS DECORRENTES DO PROCESSO INFLACIONÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. FGTS QUE NÃO OSTENTA NATUREZA CONTRATUAL. REGRAMENTO ESTABELECIDO PELO ART. 17 DA LEI N. 8.177/1991 COMBINADO COM OS ARTS. 2º E 7º DA LEI N. 8.660/1993. 1. Para os fins de aplicação do artigo 1.036 do CPC/2015, é mister delimitar o âmbito da tese a ser sufragada neste recurso especial representativo de controvérsia: discute-se a possibilidade, ou não, de a TR ser substituída como índice de correção monetária dos saldos das contas vinculadas ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS. 2. O recorrente assevera que "[...] a TR deixou de refletir, a partir de 1999, as taxas de inflação do mercado financeiro, e, por conseguinte, o FGTS também deixou de remunerar corretamente os depósitos vinculados a cada trabalhador" (fl. 507). Defende a aplicação do INPC ou IPCA ou, ainda, de outro índice que melhor reponha as perdas decorrentes da inflação. 3. Por seu turno, o recorrido alega que a lei obriga a aplicação da TR como fator de correção de monetária, na medida em que o FGTS não tem natureza contratual, tendo em vista que decorre de lei todo o seu disciplinamento, inclusive a correção monetária que lhe remunera. 4. A evolução legislativa respeitante às regras de correção monetária dos depósitos vinculados ao FGTS está delineada da seguinte forma: (i) o art. 3º da Lei n. 5.107/1966 previra que a correção monetária das contas fundiárias respeitaria a legislação especifica; (ii) posteriormente, a Lei n. 5.107/1966 foi alterada pelo Decreto-Lei n. 20/1966, e o art. 3º supra passou a prever que os depósitos estariam sujeitos à correção monetária na forma e pelos critérios adotados pelo Sistema Financeiro da Habitação e capitalizariam juros segundo o disposto no artigo 4º; (iii) em 1989, foi editada a Lei n. 7.839, que passou a disciplinar o FGTS e previu, em seu art. 11, que a correção monetária observaria os parâmetros fixados para atualização dos saldos de depósitos de poupança; (iv) a Lei n. 8.036/1990, ainda em vigor, dispõe, em seu art. 13, a correção monetária dos depósitos vinculados ao FGTS com parâmetro nos índices de atualização da caderneta de poupança; (v) a Lei n. 8.177/1991 estabeleceu regras de desindexação da economia, vindo a estipular, em seu art. 17, que os saldos das contas do FGTS deveriam ser remunerados, e não mais corrigidos, pela taxa aplicável à remuneração básica da poupança; e (vi) a partir da edição da Lei n. 8.660/1993, precisamente em seus arts. 2º e 7º, a Taxa Referencial. 5. O FGTS não tem natureza contratual, na medida em que decorre de lei todo o seu disciplinamento. Precedentes RE 248.188, Relator Ministro Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, DJ 1/6/2001; e RE 226.855/RS, Relator Ministro Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ 13/10/2000. 6. É vedado ao Poder Judiciário substituir índice de correção monetária estabelecido em lei. Precedentes: RE 442634 AgR, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 30/11/2007; e RE 200.844 AgR, Relator: Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 16/08/2002. 7. O FGTS é fundo de natureza financeira e que ostenta característica de multiplicidade, pois, além de servir de indenização aos trabalhadores, possui a finalidade de fomentar políticas públicas, conforme dispõe o art. 6º da Lei 8.036/1990. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 8. A remuneração das contas vinculadas ao FGTS tem disciplina própria, ditada por lei, que estabelece a TR como forma de atualização monetária, sendo vedado, portanto, ao Poder Judiciário substituir o mencionado índice. 9. Recurso especial não provido. Acórdão submetido à sistemática do artigo 1.036 do CPC/2015. (STJ - REsp: 1614874 SC 2016/0189302-7, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 11/04/2018, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 15/05/2018).

 

Nesse sentido, em 16/09/2016, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou essa matéria, na qualidade de recurso repetitivo, e decidiu o obvio, no mérito, por unanimidade, que não caberia ao Poder Judiciário alterar o índice de correção previsto em lei, mas ao Legislativo. A decisão ficou consignada no Tema 731, cuja tese firmada foi a seguinte:

 

Tema 731 – STJ: remuneração das contas vinculadas ao FGTS tem disciplina própria, ditada por lei, que estabelece a TR como forma de atualização monetária, sendo vedado, portanto, ao Poder Judiciário substituir o mencionado índice.

 

Além disso, a matéria também chegou ao Supremo Tribunal Federal, sendo que, em setembro de 2019, o Ministro Luís Roberto Barroso suspendeu todos os processos em tramitação que discutem a correção das contas do FGTS, proferindo, inclusive, que a suspensão seria mantida até que o STF desse uma resposta definitiva sobre o tema.

 

Portanto, todos os processos envolvendo essa matéria foram suspensos no país, “ressalvadas as hipóteses de autocomposição, tutela provisória, resolução parcial do mérito e coisa julgada, de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto, a critério do juízo” (decisão de afetação do Ministro Relator no STJ em cumprimento a determinação do Ministro Barroso do STF).

 

Essa decisão do STF ocorreu porque, em 2014, o partido político Solidariedade ajuizou ação sustentando que a TR, a partir de 1999, sofreu uma defasagem em relação ao INPC e ao IPCA – E, pretendendo com a ADI que o STF definisse que o crédito dos trabalhadores na conta do FGTS fosse atualizado por "índice constitucionalmente idôneo". Além disso, o partido contestou dispositivos das Leis 8.036/1990 (artigo 13) e 8.177/1991 (artigo 17) que impõem a correção dos depósitos nas contas vinculadas do FGTS pela TR, alegando que as normas violam o direito à propriedade privada (art. 5º, inc. XXII), o direito ao FGTS (art. 7º, inc. III) e a moralidade administrativa (art. 37, caput), todos consignados na Constituição Federal de 1988.

 

Nessa mesma oportunidade, o STF não reconheceu a Repercussão Geral (RG) do tema no recurso extraordinário.

 

A ADI 5090/DF, objeto dessa controvérsia, ainda não foi julgada pelo Plenário do STF. Foi tirada de pauta.

 

Em 05/02/2020, o STJ alterou o cadastro do Tema 731, no qual o Ministro Benedito Gonçalves, em 19/11/2019, havia determinado o sobrestamento do REsp 1.614.874/SC, representativo da controvérsia repetitiva do referido Tema, até o julgamento da ADI 5.090/DF (por cumprimento de decisão do Ministro Relator). Sendo assim, o tema, atualmente, encontra-se sobrestado.

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Quanto ao desfecho da controvérsia, na jurisprudência do STJ a temática está pacificada no sentido de não ser permitida a revisão do FGTS com base em outro índice senão a TR, visto que entende que esse é o índice legalmente estabelecido, sendo desarrazoado o Judiciário substituí-lo.

 

Aliás, a própria jurisprudência do STF também é neste sentido, visto que em 2014 fixou o Tema 787, pelo qual consignou o seguinte:

 

Tema 787 – STF: Validade da aplicação da Taxa Referencial - TR como índice de correção monetária dos depósitos efetuados na conta vinculada ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS.

 

Essa decisão foi proferida nos autos do ARE nº 848240 (Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 1º, III, 5º, caput, XXII e XXXVI, e 37, caput, da Constituição Federal, a legitimidade da utilização da Taxa Referencial - TR como índice de atualização monetária das contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS), de relatoria do então Ministro Teori Zavaski.

 

Inclusive, na época, o STF, sabiamente, nem mesmo reconheceu a existência de Repercussão Geral por entender se tratar de matéria infraconstitucional. Essa decisão ficou assim ementada:

 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. FGTS. DEPÓSITOS EFETUADOS NA CONTA VINCULADA. ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. Esta Suprema Corte, em diversas manifestações de seu órgão plenário, afirmou a legitimidade da Taxa Referencial (TR) como índice de atualização de obrigações, com a única ressalva da inviabilidade de sua aplicação retroativa para alcançar situações pretéritas. Nesse sentido: ADI 493-MC, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, DJ de 4/9/1992; ADI 768-MC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJ de 13/11/1992; ADI 959-MC, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, DJ de 13/5/1994. 2. Assim sendo, o exame da inaplicabilidade da TR em situações específicas pertence ao domínio da legislação ordinária pertinente a cada caso, a significar que eventual ofensa à Carta Magna seria apenas reflexa. 3. Portanto, é de natureza infraconstitucional a controvérsia relativa à aplicação da TR como índice de correção monetária dos depósitos efetuados em conta vinculada do FGTS, fundada na interpretação das Leis 7.730/89, 8.036/90 e 8.177/91. 4. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608 RG, Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/03/2009). 5. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 543-A do CPC.

 

Sendo assim, é possível concluir que, possivelmente, a decisão do Supremo Tribunal Federal, se não recair em populismo, quando do julgamento da ADI 5090/DF, será na mesma linha de entendimento do Superior Tribunal de Justiça, argumentando ser caso de autocontenção judicial por proibição de o Judiciário atuar como legislador positivo. Isso porque, caso a Corte entendesse pela possibilidade de atualização do FGTS por outro índice diferente da TR, estaria transgredindo frontalmente disposição especifica de matéria legislativa, isto é, de competência do Poder Legislativo.

 

Essa lógica, inclusive, desagua em atuação indevida do Poder Judiciário dentro de sua esfera de competência no plano do desenho democrático da repartição dos poderes, representando emitente e indubitável ativismo judicial. Ativismo judicial e as consequências econômicas, as quais são sabiamente analisadas muito bem pelo Ministro Relator Barroso, que já proferiu votos importantes sobre a atuação judicial e as consequências econômicas das decisões. Por isso o entendimento de que o STF não julgará procedente esse pedido da mencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) é o que se entende vislumbrar, mormente pela infraconstitucionalidade do tema, as decisões pretéritas da corte e pela visão de parte do Supremo sobre as consequências econômicas das decisões judiciais.

Sobre os autores
Dartagnan Limberger Costa

Advogado militante nas áreas de Direito Empresarial, Tributário e Contratos. Foi professor de Graduação nas áreas de Direito Empresarial, Direito Civil e Falimentar. Graduação e Mestrado em Direito (UNISC) Graduação em Ciências Contábeis (UNINTER) MBA em Direito da Economia e da Empresa (Fundação Getúlio Vargas) Pós Graduado em Direito Empresarial do Trabalho pela Universidade Cidade de São Paulo Pós Graduado em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes Pós Graduado em Direito Penal com fulcro em Direito Econômico pela Verbo Jurídico Pós Graduado em Contabilidade, Auditoria e Controladoria (UNINTER)

Mateus Henrique Schoenherr

Acadêmico do 7º semestre de Direito na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC/RS), com bolsa PUIC de iniciação científica. Estagiário jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo escrito para refletir sobre a popularização de uma espécie de ação que já nasceu natimorta.

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