A LGPD no âmbito das MEI, Micro e Pequenas Empresas

19/05/2021 às 09:07

Resumo:


  • A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é obrigatória para todas as empresas, incluindo micro e pequenas empresas, e visa proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade das pessoas naturais.

  • Apesar da importância da LGPD, a adequação pode representar um desafio para as micro e pequenas empresas devido às multas e complexidade das medidas de segurança exigidas.

  • O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte prevê um tratamento diferenciado e simplificado para essas empresas, garantindo que obrigações que não cumpram esses critérios se tornem inexigíveis.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo aborda uma dúvida recorrente entre os micro e pequenos empresários quanto à exigibilidade da adequação de seus negócios aos moldes da Lei Geral de Proteção de Dados.

Nesse artigo vamos abordar uma dúvida recorrente entre os micro e pequenos empresários quanto à exigibilidade da adequação de seus negócios aos moldes da Lei Geral de Proteção de Dados. Essa dúvida atinge não só os Empresários, mas também alguns profissionais que atuam junto a esse segmento de Empresas, Logo de pronto já se pode afirmar a obrigatoriedade estampada na LGPD, em seu artigo 1º, que deixa clara essa exigibilidade quando do tratamento de dados pessoais:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

Como pode se depreender, até mesmo em uma rápida leitura, que a obrigação se estende até mesmo a pessoa natural, quando ela trata os dados, e inclui toda e qualquer empresa pública e privada, aí incluído claro, as Micro e Pequenas Empresas. Uma exceção se dá quanto à pessoa natural e está estampada em seu artigo 4º, que determina que não se aplicará a lei quando realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos, ou para fins exclusivamente jornalístico e artísticos ou acadêmicos.

A proteção dada pela LGPD muda um importante paradigma, a informação, que antes pertencia àquele que a detinha, e a partir da publicação da LGPD de forma muita acertada, passa a ser de titularidade da pessoa natural a quem aquelas informações se referem. Importante ressaltar que atualmente a informação é o patrimônio mais importante e estratégico para as organizações de qualquer porte sejam elas privada ou públicas. Mas esse patrimônio é formado de forma inequívoca por dados pertencentes às pessoas naturais a que se referem. E dessa forma segundo esse importante código, o titular da informação passa a ter vários direitos e poderá determinar, por exemplo, o acesso às suas informações e que seus dados sejam modificados, anonimizados ou excluídos quando assim o desejar.

Para que se possa entender a representatividade e o impacto desse importante setor no dia a dia das pessoas e na economia nacional como um todo, me utilizo de dados do Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, que tem por objetivo fomentar o empreendedorismo no Brasil auxiliando as pequenas empresas e microempreendedores individuais. Os pequenos negócios empresariais são formados pelas micro e pequenas empresas e pelos microempreendedores individuais (MEI). No Brasil existem 6,4 milhões de estabelecimentos. Desse total, 99% são micro e pequenas empresas (MPE). As MPEs respondem por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado (16,1 milhões). Os pequenos negócios respondem por mais de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Juntas, as cerca de 9 milhões de micro e pequenas empresas no País representam 27% do PIB. E ainda de acordo com o Portal do Empreendedor, no Brasil existem mais de 10 milhões de MEI.

Apesar da representatividade, da importância e do impacto na economia do País, quando vistas individualmente são geralmente pouco capitalizadas e com estrutura limitada. Dessa forma, estar em plena conformidade com tudo o que determina a LGPD pode representar enorme problema, como a obrigação de pagar multa equivalente a até 2% do faturamento bruto como penalidade conforme previsão legal, para cada ato de infração, pode por vezes inviabilizar atividades que por vezes é mais do que exorbitante para algumas empresas que mal conseguem pagar aluguel e tributos.

A lei nesse ponto não fez nenhuma distinção levando em conta a estrutura do negócio. Dessa forma, em uma primeira análise vemos que não existe nenhuma diferenciação no tratamento das Empresas, o que pode sob uma análise do corolário do princípio da igualdade formal, estampada no artigo Art. 5º da Constituição Federal: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza[...] a princípio parecer correto. Mas na prática sabemos que se aplica a igualdade material, e aqui peço licença para citar o ilustríssimo Rui Barbosa em trecho de discurso no Largo de São Francisco, em São Paulo, intitulado de Oração aos Moços:

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.

É muito importante ressaltar que esse segmento empresarial conta com uma Lei federal, Lei Complementar 123/06 que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Essa lei confere importante proteção a essas Empresas levando em conta a igualdade material que deve permear as relações do segmento com os diversos setores da economia. A referida Lei em seu artigo 1º confere de maneira incisiva um tratamento diferenciado e favorecido a essas Empresas de modo que toda obrigação que recaia sobre esse segmento, deverá apresentar, no instrumento que institui essa obrigação, tratamento simplificado e diferenciado de acordo com o §3º. Ainda de acordo com o §4º, do mesmo artigo, a ausência de previsão de tratamento diferenciado e simplificado, tornará a nova obrigação inexigível. Como podemos conferir abaixo:

Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:

[...] § 3º Ressalvado o disposto no Capítulo IV, toda nova obrigação que atinja as microempresas e empresas de pequeno porte deverá apresentar, no instrumento que a instituiu, especificação do tratamento diferenciado, simplificado e favorecido para cumprimento. (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

§ 4º Na especificação do tratamento diferenciado, simplificado e favorecido de que trata o § 3o, deverá constar prazo máximo, quando forem necessários procedimentos adicionais, para que os órgãos fiscalizadores cumpram as medidas necessárias à emissão de documentos, realização de vistorias e atendimento das demandas realizadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte com o objetivo de cumprir a nova obrigação.

§ 6º A ausência de especificação do tratamento diferenciado, simplificado e favorecido ou da determinação de prazos máximos, de acordo com os §§ 3o e 4o, tornará a nova obrigação inexigível para as microempresas e empresas de pequeno porte. (grifo nosso)

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O difícil ponto de equilíbrio reside na criação de um nível mínimo de proteção dos interesses das pessoas naturais, sem onerar excessivamente as MEI, micro e pequenas empresas, uma vez que exigir estruturas complexas de governança para pequenos comércios e prestadores de serviço, pode até inviabilizar essas empresas. Claro que não se fala em desobrigação da adequação desse segmento, na aplicação da lei, pois aqui o elo mais frágil da relação com essas empresas é o titular dos dados, a pessoa natural. A lei é feita para proteção dos dados da pessoa natural, dos abusos perpetrados por muitos empresários inescrupulosos, e aí se incluem Empresas públicas e privadas de todos os setores e tamanhos.

Recentemente, foi noticiado pela mídia o mega vazamento, como foi intitulado o vazamento de informações de 200 milhões de brasileiros. As informações expostas incluíram dados como o número de CPF, nome, sexo e data de nascimento, entre outros dados. Esse vazamento ocorreu após o evento da LGPD. Esse fato mostra a importância fundamental desse regramento para proteção dos dados pessoais. O foco das Empresas sempre foi a lucratividade em detrimento da proteção e segurança das informações. A tendência é que com o advento da LGPD, esse cenário mude drasticamente. Ainda não existe uma cultura predominante, tanto da parte dos usuários como das Empresas com a segurança da informação. A Segurança da Informação e suas boas práticas são a linha de frente na proteção dos dados, tanto corporativos quanto individuais.

Dessa forma entende-se que embora a LGPD vise a proteção e preservação dos dados pessoais, deve refletir diretamente em uma mudança de paradigmas, na forma em que as Empresas seja qual for seu porte irão proteger seu patrimônio informático. Os Agentes de Tratamento previstos nessa norma possuem deveres que, em resumo, evidenciam o desafio que as empresas privadas e órgãos públicos encontrarão para estar em conformidade com a LGPD. Os efeitos do não-atendimento do regramento previsto quanto ao tratamento dos dados passam não só pelas sanções administrativas que podem ser eventualmente impostas pela ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados, mas em maior escala, por ações de responsabilidade civil.

Pode-se então concluir pelo que foi exposto, que a obrigação do zelo, guarda, proteção, e uso adequado das informações pessoais, é obrigação inequívoca de todos que realizam seu tratamento, seja pessoa natural, que tem proveito econômico desse tratamento, bem como empresas Públicas e Privadas de qualquer porte. E que apesar da obrigação ser igual para todos a Lei deve conferir tratamento diferenciado para pessoas naturais que realizam esse tratamento bem como àquelas amparadas pelo Estatuto das Micro e Pequenas Empresas, sob pena de inviabilizar a sobrevivência desses empreendimentos. Temos também que os mecanismos e dispositivos empregados nas boas práticas da Segurança da Informação são um aliado muito valioso e fundamental na salvaguarda e na prevenção das informações. E aqui vamos frisar a palavra prevenção que é fundamental para preservação dos pilares básicos da segurança da informação: confidencialidade, disponibilidade, integridade.


Referência

_______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso: 15 abr. 2021.

_______. Lei Complementar Nº 123, DE 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm. Acesso em: 16 abr 2021.

_______. Lei 12.965/2014, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 30 Mar 2021.

_______. Lei 13.709/2018, de 23 de abril de 2014. Dispõe sobre a proteção de dados pessoais e para criar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados; e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /_ato2015-2018/2018 /lei/l13709.htm. Acesso em: 30 Mar 2021.

BARBOSA, Rui. Discursos Parlamentares. Emancipação dos Escravos. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1945 (Obras Completas de Rui Barbosa, vol. 11, t. 1, 1884).

SEBRAE. Micro e pequenas empresas geram 27% do PIB do Brasil. Disponível em: <https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/mt/noticias/micro-e-pequenas-empresas-geram-27-do-pib-do-Brasil,ad0fc70646467410VgnVCM20 00003c74010aRCRD

Sobre o autor
Ernesto Portella

Advogado atuante no Direito Digital e Professor. Profissional Liberal. DPO as a service e Consultor LGPD. Membro da ANADD - Associação Nacional de Advogados do Direito Digital, Membro da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas (CDAP) da OAB/RJ. Atuou como Consultor autônomo e Profissional da área de TI durante 20 (Vinte) anos e na área de redes de computadores e segurança da informação, por 10(Dez)anos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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