Introdução
O legislador constituinte originário criou mecanismos por meio dos quais se controlam os atos normativos, verificando sua adequação aos preceitos previstos na “Carta Magna”.
Como requisitos fundamentais e essenciais para o controle, lembramos a existência de uma Constituição rígida e a atribuição de competência a um órgão para resolver os problemas de constitucionalidade, órgão esse que variará de acordo com o sistema de controle adotado.
Contudo, a Constituição Federal é rígida, ou seja, é aquela que possui um processo de alteração mais dificultoso, mais árduo, mais solene que o processo legislativo de alteração das normas não constitucionais. Dessa forma, estamos diante das regras procedimentais solenes de alteração previstas em seu art. 60.
A ideia de controle emanada da rigidez, pressupõe a noção de um escalonamento normativo, ocupando a Constituição o grau máximo na aludida relação hierárquica, caracterizando-se como norma de validade para os demais atos normativos do sistema. Portanto, trata-se do princípio da supremacia da Constituição, que, nos dizeres de José Afonso da Silva:
“significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas, resulta o da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a Constituição. As que não forem compatíveis com ela são inválidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das inferiores”
Dito isso, a Constituição está no ápice da pirâmide, orientando e “iluminando” os demais atos infraconstitucionais. Ressalta-se que há uma tendência a ampliar o conteúdo do parâmetro de constitucionalidade de acordo com aquilo que a doutrina vem chamando de bloco de constitucionalidade.
- Conceito
Conforme vimos, podemos conceituar o controle de constitucionalidade, como um instrumento por meio do qual a jurisdição constitucional incumbe prevenir ou reprimir, a todos os Poderes do Estado, o ingresso do enunciado jurídico corrompido de nulidade na respectiva ordem jurídica, sendo o meio adequado para tal o controle de constitucionalidade, assim havendo as espécies de controle político, judicial e misto.
Contudo, nos dizeres de Marcus Augusto de Vasconcelos Diniz, consta-se que:
“O controle de constitucionalidade, preservando a supremacia, formal e material, da Constituição, elimina do sistema as normas com ela incompatíveis, mantendo a unidade (formal) de sua estrutura escalonada’’
Por fim, Gilmar Ferreira Mendes assevera sobre as denominações sobre constitucionalidade e inconstitucionalidade:
“Os conceitos de constitucionalidade e inconstitucionalidade não traduzem, tão-somente, a ideia de conformidade ou inconformidade com a Constituição. Assim, tomando de empréstimo a expressão de Bittar, dir-se-á que constitucional será o ato que não incorrer em sanção, por ter sido criado por autoridade constitucionalmente competente e sob a forma que a Constituição prescreve para sua perfeita integração; inconstitucional será o ato que incorrer em sanção – de nulidade ou de anulabilidade – por desconformidade com o ordenamento constitucional.’’
- Teoria da Nulidade no direito brasileiro
Ao lado do princípio da nulidade, que adquire, certamente, o status de valor constitucionalizado, tendo em vista o princípio da supremacia da Constituição, outros valores, de igual hierarquia, destacam-se, por exemplo, o princípio da segurança jurídica e o da boa-fé.
Dessa forma, Lúcio Bittencourt afirma que:
“... a doutrina da ineficácia ab initio da lei inconstitucional não pode ser entendida em termos absolutos, pois que os efeitos de fato que a norma produziu não podem ser suprimidos, sumariamente, por simples obra de um decreto judiciário.”
- Regulamentação da ação direta de inconstitucionalidade
A lei nº 9.868/99 regula ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, estabelece o art. 27 da Lei n. 9.868/99:
Art. 27 - Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Trata-se da denominada, pela doutrina, técnica de modulação dos efeitos da decisão e que, nesse contexto, permite uma melhor adequação da declaração de inconstitucionalidade, assegurando, por consequência e conforme visto, outros valores também constitucionalizados, como os da segurança jurídica, do interesse social, da boa-fé, da proteção da confiança legítima, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito (impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, Celso de Mello, ARE 709.212).
Nesse sentido foram as razões apontadas na exposição de motivos do projeto de lei que deu origem à referida Lei n. 9.868/99:
“Entendeu, portanto, a Comissão que, ao lado da ortodoxa declaração de nulidade, há de se reconhecer a possibilidade de o Supremo Tribunal, em casos excepcionais, mediante decisão da maioria qualificada (dois terços dos votos), estabelecer limites aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, proferindo a inconstitucionalidade com eficácia ex nunc ou pro futuro, especialmente naqueles casos em que a declaração de nulidade se mostre inadequada (v.g.: lesão positiva ao princípio da isonomia) ou nas hipóteses em que a lacuna resultante da declaração de nulidade possa dar ensejo ao surgimento de uma situação ainda mais afastada da vontade constitucional”.
- Controle Concentrado
Este procura-se obter a declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo em tese, diretamente com o Supremo Tribunal Federal, independentemente da existência de um caso concreto (abstrato), visando-se à obtenção da invalidação da lei, por via direta de ação, a fim de garantir-se a segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais.
Ademais, no art. 103, CF, a Constituição é taxativa em autorizar ação de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade, quem:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Sob outra perspectiva, do ponto de vista formal, o sistema poderá ser pela via incidental ou pela via principal.
No sistema de controle pela via incidental (também chamado pela via de exceção ou defesa), o controle será exercido como questão prejudicial e premissa lógica do pedido principal.
Por outro lado, já no sistema de controle pela via principal (abstrata ou pela via de “ação”), a análise da constitucionalidade da lei será o objeto principal, autônomo e exclusivo da causa.
Por via exemplares de controle concentrado e incidental, citamos o art. 102, I, “d”, que estabelece ser competência originária do STF processar e julgar o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal.
- Efeitos da decisão
Em regra, seus efeitos são Erga Ommnes, isto é, a decisão do Supremo Tribunal Federal é para todos.
Portanto, chama-se concentrado, pois somente o STF pode declarar a inconstitucionalidade, mas seus efeitos será erga ommes, ou seja, os efeitos de algum ato ou lei atingem todos os indivíduos. Aliás, somente quem pode propor ação de inconstitucionalidade são os que estão no rol do art. 103, CF.
- Ação do controle concentrado
Temos quatro tipos de ação do controle concentrado de constitucionalidade:
- ADI (ADIn): Ação Direta de Inconstitucionalidade;
- ADC (ADECON): Ação Declaratória de Constitucionalidade;
- ADO: Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão;
- ADPF: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
- Controle difuso
Quanto ao controle difuso, é exercido por qualquer juiz ou tribunal, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, de todas as esferas normativas (leis ou atos normativos federais, estaduais, distritais e municipais) estão sujeitas a este controle respeitada a competência do órgão jurisdicional. Contudo, também conhecido como controle por via de exceção, caracteriza-se pela permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição.
Entretanto, na via de exceção, a pronúncia do Judiciário, sobre a inconstitucionalidade, não é feita sobre manifestação do objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito. Nesta via, o que é outorgado ao interessado é obter a declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou ato normativo, produzidos em desacordo com a Lei maior. Por toda via, este ato normativo ou lei permanece válido no que se refere à sua força obrigatória com relação à terceiros.
- Efeitos da decisão
Regra geral, seus efeitos são inter partes, ou seja, o julgamento do mérito é somente para as partes, entretanto, caso o STF julgue o mérito, o efeito pode ser erga ommes. No momento que a sentença declara ser a lei inconstitucional (controle difuso realizado incidentalmente), produz efeitos pretéritos, atingindo a lei desde a sua edição, tornando-a nula de pleno direito, ou seja, produz efeitos retroativos (Ex tunc).
Dito isso, no controle difuso, para as partes os efeitos serão:
- inter partes a decisão está limitada às partes do processo (e essa regra terá que ser lida com os temperamentos decorrentes da perspectiva de efeito erga omnes da tese do julgamento a partir de uma perspectiva de mutação constitucional do art. 52, X, que discutimos nos itens seguintes);
- ex tunc: consagra-se a regra na nulidade. Se a lei ou o ato normativo é inconstitucional, estamos diante de vício congênito, ou seja, vício de “nascimento”. Assim, a declaração de inconstitucionalidade produz, em regra, efeito retroativo.
Essas regras apresentam exceções.
No tocante à perspectiva da nulidade, o STF tem admitido a técnica da modulação dos efeitos da decisão também no controle difuso, aplicando-se, por analogia, o art. 27 da Lei n. 9.868/99 (lei da ADI).
Portanto, chama-se difuso pelo fato de qualquer juiz ou tribunal (inclusive o STF) julgar o mérito ao caso concreto, mas seus efeitos são inter partes, ou seja, o julgamento do mérito é somente para as partes, entretanto, caso o STF julgue o mérito, o efeito pode ser erga ommes. Neste, ao contrário do controle concentrado, qualquer interessado pode mover ação de inconstitucionalidade.
- Constitucionalidade e inconstitucionalidade superveniente
Antes de mais nada, em regra, não se pode admitir nem o fenômeno da constitucionalidade superveniente, nem o da inconstitucionalidade superveniente.
- Constitucionalidade superveniente
Constitucionalidade superveniente significa o fenômeno no qual uma lei ou ato normativo que tenha “nascido” com algum vício de inconstitucionalidade, seja formal ou material, e se constitucionaliza. Esse fenômeno é inadmitido na medida em que o vício congênito não se convalida, ou seja, se a lei é inconstitucional, trata-se de ato nulo (null and void), írrito, natimorto, ineficaz e, por regra, não pode ser “corrigido”, pois o vício de inconstitucionalidade não se convalida, é um vício insanável, “incurável”.
Como exceção a essa regra, vale apenas citar a ADI 2.240 e da ADO 3.682, pelas quais se possibilitaria, artificialmente, a “correção” do processo de criação do município Luís Eduardo Magalhães. Estaríamos diante do fenômeno da constitucionalidade superveniente por decisão judicial, o que não se verificou, pois o prazo fixado na ADO 3.682, para se corrigir o vício congênito da lei estadual que criou o novo município, transcorreu in albis (prazo que passou em branco).
- Inconstitucionalidade superveniente
Inconstitucionalidade superveniente, seria o fenômeno pelo qual uma lei ou ato normativo que “nasceu perfeita”, sem nenhum tipo de vício de inconstitucionalidade, vem a se tornar inconstitucional.
Em regra, esse fenômeno não é observado. Vou abordar dois exemplos clássicos da doutrina que, na visão da jurisprudência do STF, afastam essa possibilidade em razão da caracterização de outros institutos específicos e próprios:
- lei editada antes do advento da nova Constituição (fenômeno da recepção):
Se a lei foi editada antes do advento de uma nova Constituição, surgem duas situações: ou a lei é compatível e será recepcionada, ou a lei é incompatível e, então, nesse caso, será revogada por não recepção.
Por todavia, não se pode falar em inconstitucionalidade superveniente nesse caso, pois não haverá preenchimento da regra da contemporaneidade. Ou seja, para se falar em controle de constitucionalidade, a lei tem que ter sido editada na vigência do texto de 1988 e ser confrontada (parâmetro de controle) perante a CF/88 ou toda normatividade que tenha status de Constituição, dentro de uma perspectiva de “bloco de constitucionalidade”.
- Lei editada já na vigência da nova Constituição e superveniência de emenda constitucional futura que altere o fundamento de constitucionalidade da lei:
O STF entende que, se a lei foi editada já na vigência da nova Constituição sem nenhum tipo de vício, eventual emenda constitucional que mude o parâmetro de controle pode deixar de assegurar validade à referida norma, isto é, a nova emenda constitucional revogaria a lei em sentido contrário. Portanto, não se do fenômeno de inconstitucionalidade superveniente.
Contudo, a regra da impossibilidade de inconstitucionalidade superveniente apresenta duas exceções:
a) mutação constitucional - A redação do dispositivo da Constituição não é alterada, mas o seu sentido interpretativo muda, surgindo, então, uma nova norma jurídica. Portanto, as mutações constitucionais exteriorizam o caráter dinâmico e de prospecção das normas jurídicas, por meio de processos informais, isto é, informais no sentido de não serem previstos dentre aquelas mudanças formalmente estabelecidas no texto constitucional, como as alterações por emendas constitucionais, por exemplo;
b) mudança no substrato fático da norma – Não se tem uma alteração no parâmetro da Constituição, mas nos novos aspectos de fato que surgem e que não eram claros no momento da primeira interpretação.
Vale apenas lembrar, como exemplo, o precedente do amianto. Em um primeiro momento, o STF pronunciou-se no sentido de se declarar a constitucionalidade da lei federal que admitia o uso controlado de uma das modalidades do amianto (asbesto branco). Logo após, em razão da mudança no substrato fático da norma, referida disposição se tornou inconstitucional, passando a norma por um processo de inconstitucionalização.
- Espécies de inconstitucionalidade
- Inconstitucionalidade por ação e por omissão
Neste veremos quando uma norma infraconstitucional padecerá do vício de inconstitucionalidade, que poderá verificar-se em razão de ato comissivo ou por omissão do Poder Público.
Fala-se em inconstitucionalidade por ação (positiva ou por atuação), a ensejar a incompatibilidade vertical dos atos inferiores (leis ou atos do Poder Público) com a Constituição; e, ao contrário, em inconstitucionalidade por omissão, decorrente da inércia legislativa na regulamentação de normas constitucionais de eficácia limitada.
Particularizando, a inconstitucionalidade por ação pode-se dar:
a) do ponto de vista formal – Neste, o vício formal decorre de afronta ao devido processo legislativo de formação do ato normativo, ou seja, dá-se a ideia de dinamismo, de movimento;
b) do ponto de vista material – Por outro lado, o vício material, por ser um vício de matéria, de conteúdo, a ideia que passa é de vício de substância, estático;
c) e a doutrina pensa em uma terceira forma em razão dos escândalos dos denominados “mensalões” e “mensalinho” para votar em um sentido ou em outro, batizada de “vício de decoro parlamentar”.
Mais a frente, abordarei um por um com mais detalhes
- vicio formal
Como o próprio nome induz, a inconstitucionalidade formal verifica-se quando a lei ou ato normativo infraconstitucional contiver algum vício em sua “forma”, ou seja, em seu processo de formação, isto é, no processo legislativo de sua elaboração, ou, ainda, em razão de sua elaboração por autoridade incompetente.
Nos dizeres de José Joaquim Gomes Canotilho, os vícios formais “... incidem sobre o ato normativo enquanto que tal, independentemente do seu conteúdo e tendo em conta apenas a forma da sua exteriorização; na hipótese inconstitucionalidade formal, viciado é o ato, nos seus pressupostos, no seu procedimento de formação, na sua forma final”.
Portanto, podemos falar em inconstitucionalidade formal orgânica, em inconstitucionalidade formal propriamente dita e em inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos objetivos do ato.
- Inconstitucionalidade formal orgânica
A inconstitucionalidade formal orgânica decorre da inobservância da competência legislativa para a elaboração do ato.
Vejamos como: o STF entende inconstitucional lei municipal que discipline o uso do cinto de segurança, já que se trata de competência da União, nos termos do art. 22, XI, legislar sobre trânsito e transporte (ADI 1.646, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 02.08.2006, D J de 07.12.2006).
- Inconstitucionalidade formal propriamente dita
Por todovia, a inconstitucionalidade formal propriamente dita decorre da inobservância do devido processo legislativo. Podemos falar, então, além de vício de competência legislativa (inconstitucionalidade orgânica), em vício no procedimento de elaboração da norma, verificado em momentos distintos: na fase de iniciativa ou nas fases posteriores.
- Vicio formal subjetivo – O vício formal subjetivo verifica-se na fase de iniciativa. A título de exemplo: algumas leis são de iniciativa exclusiva do Presidente da República, como as que fixam ou modificam os efetivos das Forças Armadas, conforme o art. 61, §1.º, I, da CF/88. Iniciativa exclusiva ou reservada, significa ser o Presidente da República o único responsável por deflagrar, dar início ao processo legislativo da referida matéria. Em hipótese contrária (ex.: um Deputado Federal dando início), estaremos diante de um vício formal subjetivo insanável, e a lei será inconstitucional.
- Vício formal objetivo – Este será verificado nas demais fases do processo legislativo, posteriores à fase de iniciativa. Como exemplo citamos uma lei complementar sendo votada por um quorum de maioria relativa. Existe um vício formal objetivo, na medida em que a lei complementar, por força do art. 69 da CF/88, deveria ter sido aprovada por maioria absoluta.
- Inconstitucionalidade formal por violação a pressuposto objetivo do ato normativo.
Voltando a citar os dizeres de Canotilho, “hoje, põe-se seriamente em dúvida se certos elementos tradicionalmente não reentrantes no processo legislativo não poderão ocasionar vícios de inconstitucionalidade. Estamos a referir-nos aos chamados pressupostos, constitucionalmente considerados como elementos determinantes de competência dos órgãos legislativos em relação a certas matérias (pressupostos objetivos).”
Dito isso, vejamos exemplo como: a edição de medida provisória sem a observância dos requisitos da relevância e urgência (art. 62, caput) ou a criação de Municípios por lei estadual sem a observância dos requisitos do art. 18, § 4.º.
- Vicio material (de conteúdo, substancial ou doutrinário)
Neste diz respeito à “matéria”, ao conteúdo do ato normativo. Dessa forma, aquele ato normativo que afrontar qualquer preceito ou princípio da Carta Magna deverá ser declarado inconstitucional, por possuir um vício material. Contudo, não interessa saber aqui o procedimento de elaboração da espécie normativa, mas, de fato, o seu conteúdo. Por exemplo, uma lei discriminatória que afronta o princípio da igualdade.
Mais a fundo, como elenca Barroso, “a inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva entre a lei ou ato normativo e a Constituição. Pode traduzir-se no confronto com uma regra constitucional — e.g., a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI) — ou com um princípio constitucional, como no caso de lei que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou idade (arts. 5.º, caput, e 3.º, IV), em desarmonia com o mandamento da isonomia. O controle material de constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos e programáticas”.
- Vicio de decoro parlamentar
Conforme vimos através de canais jornalísticos, muito se falou em um esquema de compra de votos, denominado “mensalão”, para votar de acordo com o governo ou em certo sentido.
As CPIs vinham investigando e a Justiça apurando, e, uma vez provados os fatos, os culpados sofriam as sanções de ordem criminal, administrativa, civil etc. Contudo, o grande questionamento que se fazia, era se, uma vez comprovada a existência de compra de votos, haveria mácula no processo legislativo de formação das emendas constitucionais a ensejar o reconhecimento de sua inconstitucionalidade.
A doutrina entende-se que sim e, no caso, trata-se de vício de decoro parlamentar, já que, nos termos do art. 55, § 1º, “é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.
- Momentos de controle
Neste veremos o momento em que será realizado o controle, qual seja, antes de o projeto de lei virar lei (controle prévio ou preventivo), impedindo a inserção no sistema normativo de normas que padeçam de vícios, ou já sobre a lei, geradora de efeitos potenciais ou efetivos (controle posterior ou repressivo).
- Controle prévio ou preventivo
O controle prévio é realizado durante o processo legislativo de formação do ato normativo. Logo no momento da apresentação de um projeto de lei, o iniciador, a “pessoa”, o órgão que deflagrar o processo legislativo, em tese, já deve verificar a regularidade material do aludido projeto de lei.
O controle prévio também é realizado pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Judiciário.
- Realizado pelo legislativo
O legislativo verificará, através de suas comissões de constituição e justiça, se o projeto de lei, que poderá virar lei, contém algum vício a ensejar a inconstitucionalidade.
De acordo com o art. 32, IV, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o controle será realizado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (Res. da CD n. 20, de 2004 — DCD, de 18.03.2004, Suplemento, p. 3), enquanto no Senado Federal o controle será exercido pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania — CCJ, de acordo com o art. 101 de seu Regimento Interno. O plenário das referidas Casas também poderá verificar a inconstitucionalidade do projeto de lei, o mesmo podendo ser feito durante as votações.
Ademais, o § 2.º do art. 101 do Regimento Interno do Senado Federal dispõe que, se tratando de inconstitucionalidade parcial, a Comissão poderá oferecer emenda corrigindo o vício. No entanto, a regra geral é a do seu § 1.º, ao estabelecer que, quando a Comissão emitir parecer pela inconstitucionalidade e injuridicidade de qualquer proposição, será esta considerada rejeitada e arquivada definitivamente, por despacho do Presidente do Senado, salvo, desde que não seja unânime o parecer, se houver recurso interposto nos termos do art. 254 do RI, ou seja, interposto por no mínimo 1/10 dos membros do Senado, manifestando opinião favorável ao seu processamento.
Da mesma forma, o art. 54, I, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados estabelece que será “terminativo o parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, quanto à constitucionalidade ou juridicidade da matéria” (inciso com redação adaptada à Resolução n. 20/2004). No entanto, há a previsibilidade de recurso para o plenário da Casa contra referida deliberação, nos termos dos arts. 132, §2.º; 137, § 2.º; e 164, § 2.º, do referido Regimento Interno.
- Realizado pelo Executivo
Neste, o Chefe do Executivo, aprovado o projeto de lei, poderá sancioná-lo (caso concorde) ou vetá-lo.
O veto dar-se-á quando o Chefe do Executivo considerar o projeto de lei inconstitucional ou contrário ao interesse público. O primeiro é o veto jurídico, sendo o segundo conhecido como veto político.
Dessa forma, caso o Chefe do Executivo entenda ser inconstitucional o projeto de lei poderá vetá-lo, exercendo o controle de constitucionalidade prévio ou preventivo, antes de o projeto de lei transformar-se em lei.
Referido veto, necessariamente, nos termos do art. 66, § 4.º, da CF/88, será apreciado em sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, dentro de 30 dias a contar de seu recebimento, podendo, pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em votação ostensiva, ou seja, por voto “aberto” (vale apenas lembrar que a EC n. 76/2013 aboliu a votação secreta nessa hipótese), ser rejeitado (afastado), produzindo, nesse caso, os mesmos efeitos que a sanção.
Derrubado o veto, o projeto deverá ser enviado ao Presidente da República para promulgação da lei no prazo de 48 horas e, se este não o fizer, caberá ao Presidente do Senado Federal a promulgação, em igual prazo, e, caso este não a promulgue, caberá ao Vice-Presidente do Senado Federal fazê-lo (art. 66, § 7.º, da CF/88).
Por fim, na hipótese de o veto ser mantido, o projeto será arquivado, aplicando-se a regra contida no art. 67, que consagra a regra da irrepetibilidade.
- Realizado pelo judiciário
O controle prévio ou preventivo de constitucionalidade a ser realizado pelo Poder Judiciário sobre PEC ou projeto de lei em trâmite na Casa Legislativa busca garantir ao parlamentar o respeito ao devido processo legislativo, vedando a sua participação em procedimento desconforme com as regras da Constituição. Trata-se, como visto, de controle exercido no caso concreto, pela via de exceção ou defesa, ou seja, de modo incidental.
Dessa forma, deve-se deixar claro que a legitimação para a impetração do MS (Medida de segurança) é exclusiva do parlamentar, na medida em que o direito público subjetivo de participar de um processo legislativo hígido (devido processo legislativo) pertence somente aos membros do Poder Legislativo. A jurisprudência do STF consolidou-se no sentido de negar a legitimidade ativa (ad causam) a terceiros, que não ostentem a condição de parlamentar, ainda que invocando a sua potencial condição de destinatários da futura lei ou emenda à Constituição, sob pena de indevida transformação em controle preventivo de constitucionalidade em abstrato, inexistente em nosso sistema constitucional ((vide RTJ 136/25-26, Rel. Min. Celso de Mello; RTJ 139/783, Rel. Min. Octavio Gallotti, e, ainda, MS 21.642-DF, MS 21.747-DF, MS 23.087-SP, MS 23.328-DF).
- Controle posterior ou repressivo
Ao contrário do que controle preventivo, conforme vimos, o controle posterior ou repressivo será realizado sobre a lei, e não mais sobre o projeto de lei.
Dessa forma, os órgãos de controle verificarão se a lei, ou ato normativo, ou qualquer ato com indiscutível caráter normativo, possuem um vício formal (produzido durante o processo de sua formação), ou se possuem um vício em seu conteúdo, qual seja, um vício material. Dito isso, mencionados órgãos variam de acordo com o sistema de controle adotado pelo Estado, podendo ser político, jurisdicional ou híbrido.
- Controle político
Verifica-se em Estados onde o controle é exercido por um órgão distinto dos três Poderes, órgão esse garantidor da supremacia da Constituição. Contudo, tal sistema é comum em países da Europa, como Portugal e Espanha, sendo o controle normalmente realizado pelas Cortes ou Tribunais Constitucionais.
No Brasil, Barroso sustenta que o veto do Executivo a projeto de lei, por entendê-lo inconstitucional (veto jurídico), bem como a rejeição de projeto de lei na CCJ seriam exemplos de controle político.
- Controle jurisdicional
O sistema de controle jurisdicional dos atos normativos é realizado pelo Poder Judiciário, tanto por um único órgão (controle concentrado) — no caso do direito brasileiro, pelo STF e pelo TJ — como por qualquer juiz ou tribunal (controle difuso), admitindo, naturalmente, o seu exercício por juízes em estágio probatório, ou seja, sem terem sido vitaliciados, bem como por juízes dos juizados especiais.
Por toda via, o Brasil adotou o sistema jurisdicional misto, também chamado de controle híbrido, pois é realizado pelo Poder Judiciário — daí ser jurisdicional —, tanto de forma concentrada (controle concentrado) como por qualquer juiz ou tribunal (controle difuso).
Importante ressaltar que os controles difuso e concentrado são realizados com autonomia, não podendo um condicionar a sua admissibilidade à inviolabilidade do outro. Claro que se já houver decisão no controle concentrado, mesmo em sede de medida cautelar, poderá haver repercussão sobre o controle difuso.
- Exceções à regra geral do controle jurisdicional posterior ou repressivo
Conforme vimos, o controle posterior ou repressivo (sucessivo) no Brasil, por regra, é exercido pelo Poder Judiciário, de forma concentrada ou difusamente. Contudo, a essa regra, surgem exceções, destacando-se a atuação do Poder Legislativo e do Poder Executivo, assim como a particular atribuição dos ditos órgãos administrativos autônomos de controle (TCU, CNJ, CNMP), que, conforme veremos, não exercem o controle de constitucionalidade propriamente dito.
- Pelo legislativo
A primeira exceção à regra geral do controle posterior jurisdicional misto (difuso e concentrado) vem prevista no art. 49, V, da CF/88, que estabelece ser competência exclusiva do Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Mencionado controle será realizado através de decreto legislativo a ser expedido pelo Congresso Nacional. Dessa forma
- sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar – É de competência exclusiva do Presidente da República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei (art. 84, IV). Portanto, ao Chefe do Executivo compete regulamentar uma lei expedida pelo Legislativo, e tal procedimento será feito por decreto presidencial. Dito isso, se no momento de regulamentar a lei o Chefe do Executivo extrapolá-la, disciplinando além do limite nela definido, este “a mais” poderá ser afastado pelo Legislativo por meio de decreto legislativo. Porém, é importante ressaltar que, no fundo, esse controle é de legalidade e não de inconstitucionalidade, como apontado por parte da doutrina, pois o que se verifica é em que medida o decreto regulamentar extrapolou os limites da lei;
- sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem dos limites de delegação legislativa – A Constituição atribuiu competência ao Presidente da República para elaborar a lei delegada, mediante delegação do Congresso Nacional, através de resolução, especificando o conteúdo e os termos de seu exercício (art. 68). Dito isso, no caso de elaboração de lei delegada pelo Presidente da República, extrapolando os limites da aludida resolução, poderá o Congresso Nacional, utilizando-se de decreto legislativo, sustar o referido ato que exorbitou dos limites da delegação legislativa.
- Pelo executivo
Como já dito, o princípio da supremacia da Constituição produz efeitos irradiantes em todos os Poderes da República, devendo cumprir as leis que estejam de acordo com a Constituição.
Com o advento da CF/88, que ampliou a legitimação para o ajuizamento da ADI (art. 103, expandida para a ADC pela EC n. 45/2004), não mais se admitiria o descumprimento de lei inconstitucional pelo Chefe do Executivo.
- “Órgãos administrativos autônomos de controle” (TCU, CNJ e CNMP) exercem controle de constitucionalidade?
Por fim, os referidos órgãos não exercem nem o controle concentrado, nem mesmo o controle difuso de constitucionalidade.
A atuação dos ditos “órgãos administrativos autônomos de controle” vem sendo discutida tanto pela doutrina como pela jurisprudência, especialmente em razão da Súmula 347/STF, editada em 13.12.1963, que tem a seguinte orientação, causando muita divergência: “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”.
Conforme anota o professor Uadi Lammêgo Bulos, embora os Tribunais de Contas “... não detenham competência para declarar a inconstitucionalidade das leis ou dos atos normativos em abstrato, pois essa prerrogativa é do Supremo Tribunal Federal, poderão, no caso concreto, reconhecer a desconformidade formal ou material de normas jurídicas, incompatíveis com a manifestação constituinte originária. Sendo assim, os Tribunais de Contas podem deixar de aplicar ato por considerá-lo inconstitucional, bem como sustar outros atos praticados com base em leis vulneradoras da Constituição (art. 71, X). Reitere-se que essa faculdade é na via incidental, no caso concreto, portanto”.
REFERÊNCIAS:
Barroso, Luís Roberto: Curso de Direito Constitucional – 2ª edição, editora Saraiva: https://amzn.to/39k3oRB
Mendes, Gilmar: Curso de Direito Constitucional – 14ª edição, editora Saraiva: https://amzn.to/365OQmL
Lenza, Pedro: Direito Constitucional esquematizado – 24ª edição, editora Saraiva: https://amzn.to/2KHvKen