A emenda constitucional 103/2019 e os impactos causados no benefício previdenciário da aposentadoria especial: A violação da expectativa de direito do segurado do regime geral da previdência social (RGPS)

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O tema abordado neste artigo foi recentemente discutido nas casas legislativas, qual seja: aposentadoria especial. A EC 103/2019 acarretou diversas alterações e possíveis frustrações sobre o referido benefício previdenciário, as quais veremos a seguir.

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo o estudo dos impactos da Emenda Constitucional 103/2019 no benefício previdenciário de aposentadoria especial, com o foco na frustração da expectativa de direito dos segurados do Regime Geral de Previdência Social frente à regra de transição instituída pela nova legislação. Tendo em vista os avanços das atividades laborais e suas especificidades durante a evolução humana, o tema abordado neste artigo foi recentemente discutido nas casas legislativas, além de possuir presença forte na doutrina e jurisprudência, qual seja: aposentadoria especial. Atualmente o benefício previdenciário da aposentadoria especial está previsto na Constituição Federal, bem como na Lei nº 8.213/91 e no Decreto 3.048/99, os quais instituem a aposentadoria especial para os segurados que laboram durante determinado período expostos a agentes nocivos que prejudicam a sua saúde ou integridade física. Entretanto, é importante consignar que a legislação da aposentadoria especial foi recentemente alterada pela EC 103/2019, o que acarretou diversas alterações no referido benefício previdenciário. Analisando a história da aposentadoria especial no Brasil, as alterações impostas pela EC 103/2019 e os recentes estudos sobre o tema, conclui-se neste artigo que a regra de transição instituída fere a expectativa de direito dos segurados do RGPS, uma vez que, ao exigir que o tempo de efetiva exposição a agentes nocivos prejudiciais à saúde e integridade física seja vinculado ao sistema de pontos, que corresponde a soma da idade com o tempo de contribuição, o segurado que estava a dias de se aposentar pode ver o seu direito de perceber o referido benefício ser prorrogado por anos.

Palavras-Chave: Direito Previdenciário. Aposentadoria Especial. Emenda Constitucional EC 103/2019. Expectativa de Direito.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Breve histórico da aposentadoria especial. 3. Aposentadoria especial - Regras vigentes até a EC 103/2019 - 4. Alterações causadas na aposentadoria especial pela EC 103/2019 - 4.1. Regra permanente - 4.2. Regra de transição - 5. Frustração da expectativa de direito do segurado da Previdência Social face aos novos requisitos exigidos para a concessão da aposentadoria especial - 6. Conclusão - 7. Referências.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), consolidou o Estado Democrático de Direito e fixou, dentre outros pilares, a dignidade da pessoa humana, além de elencar, no caput do art. 37, diversos princípios, sendo alguns deles a legalidade, a impessoalidade e a moralidade. Além dos diversos princípios protetivos instituídos, a Carta Magna assegurou, ainda, que os brasileiros tivessem como direito fundamental à previdência social.

A previdência social, como um benefício assegurado pela Constituição, é de grande relevância para a sociedade em geral, uma vez que possui vasta tutela social e abrange todos os seus filiados nos momentos em que não podem mais laborar.

Além da Constituição Federal, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) também resguarda em seus arts. 22 e 25, o direito de todo ser humano à seguridade social. Veja-se:

Artigo 22

Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. [...]

Artigo 25

I) Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

II) A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Embora a Constituição Federal tenha sido promulgada em 1988, o trabalho braçal está presente na sociedade desde os primórdios da vida humana e, por muito tempo, foi considerado como o único meio de exercer a atividade laborativa, pois a produção de bens e serviços era realizada de forma artesanal ou manufatureira.

Com o advento da Revolução Industrial, a sociedade iniciou a adaptação e, até mesmo, a substituição do trabalho humano pela produção em série executada pelas máquinas, tornando-se um trabalho mais disciplinado, acelerando a exploração dos bens naturais e aumentando a produção de mercadorias. O trabalho braçal, que perpetuou por muito tempo como a única fonte de produção, não foi completamente excluído do círculo de produção, mas direcionado à condução das máquinas em atividade (LEIRIA, 2001).

Não há dúvidas que a automatização impulsionou a economia e a indústria, entretanto, iniciou junto a ela uma grande preocupação relacionada aos riscos do ambiente laboral, pois, passou-se a questionar se os riscos aos quais os empregados passaram a ser expostos interferiam diretamente na sua saúde, ou não.

Nesse cenário, começaram a surgir as dúvidas sobre os agentes nocivos e os riscos inerentes à saúde do empregado, além dos questionamentos, mais tarde, sobre a eficiência ou não do uso de EPI – Equipamento de Proteção Individual. Assim, a criação da aposentadoria especial, através da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960 (BRASIL, 1960) visou balizar as hipóteses de cômputo de tempo especial e resguardar a condição do trabalhador, mediante uma proteção repressiva dos riscos laborais através da normatização. O escopo primordial era amparar o segurado que laborou em conjunturas nocivas e perigosas à sua saúde, mantendo-se a sua sobrevivência, retirando-o mais cedo de suas atividades (LEIRIA, 2001).

Segundo Ladenthin (2020), o benefício da aposentadoria especial foi criado no momento em que o empregador necessitava da força de trabalho nos grandes centros de produção e tinha a obrigação de oferecer um ambiente laboral sadio, objetivando a supressão dos riscos provenientes de atividades perigosas. O Estado, por sua vez, era responsável pela normatização e criação de regras, a fim de implementar padrões a serem seguidos, políticas preventivas, além da criação de limites de tolerância e normas punitivas. Contudo, essa normatização foi contorcida em adicionais de insalubridade de periculosidade, onde os trabalhadores e os empregadores ignoravam os riscos à saúde e, não obstante, passou-se da demasiada despreocupação com a integridade física à remuneração pela agressão à saúde do trabalhador. Assim,

o direito do trabalho, com seus adicionais de insalubridade e de periculosidade, bem como o direito previdenciário, com benefícios acidentários e aposentadoria especial, acabaram se tornando os mecanismos de proteção com vistas a compensar o trabalhador dessas condições adversas às quais ele fica, inevitavelmente, exposto (LADENTHIN, 2020, p. 22).

Observa-se que até a reforma previdenciária, a preocupação do legislador consistia em garantir a proteção da saúde do trabalhador em seu ambiente laboral, mediante dispositivos de compensação, como benefícios de remuneração e aposentadoria especial. No entanto a Emenda Constitucional 103/2019 (BRASIL, 2019) pode estar “na contramão da seara protetiva do trabalhador”, desconstruindo o referido benefício e suas vantagens, estipulando regra de transição que suprime os benefícios anteriormente estabelecidos e frustra a expectativa de direito dos segurados do Regime Geral de Previdência Social (SILVERIO et al. 2020, p. 89).

Pelo exposto, este artigo tem como objetivo analisar os impactos da Emenda Constitucional 103/2019 no benefício previdenciário de aposentadoria especial, com o foco na frustração da expectativa de direito dos segurados do Regime Geral de Previdência Social frente à regra de transição instituída pela nova legislação.

2.  BREVE HISTÓRICO DA APOSENTADORIA ESPECIAL

Conforme narrado no tópico introdutório, a aposentadoria especial foi criada em um momento de grande comoção social e se difere das outras espécies de aposentadoria, pois, visa assegurar uma proteção maior ao trabalhador exposto a agentes nocivos prejudiciais à sua saúde e integridade física. Nesse sentido, Ladenthin (2020) afirma que,

A aposentadoria especial é espécie de pretensão previdenciária, de natureza preventiva, destinada a assegurar proteção ao trabalhador que se expõe efetivamente a agentes agressivos prejudiciais à saúde ou à integridade física durante os prazos mínimos de 15, 20 ou 25 anos (LADENTHIN, 2020, p. 27).

É importante consignar que a legislação referente ao benefício previdenciário da aposentadoria especial, além de complexa, é muito extensa, tendo em vista que sofreu diversas alterações ao longo dos anos, seja pelas mudanças corriqueiras no ambiente laboral ou pela evolução e criação de novas frentes de trabalho, atividades, entre outros; motivo pelo qual são abordadas no presente artigo, as mudanças mais relevantes.

O referido benefício foi instituído pela Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS nº 3.807 de 26 de agosto de 1960 e possuía um viés preventivo e compensatório, tendo em vista que apresentava como característica reduzir o tempo de trabalho do segurado que exercia atividades que o expunha a condições especiais e que prejudicasse sua saúde ou integridade física.

O art. 31 da LOPS 3.807/1960, preconizava que a aposentadoria especial seria concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições, tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte), ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços, que, para esse efeito, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos. Para mais, o §1º do referido artigo ressaltava que a aposentadoria especial consistiria em uma renda mensal correspondente a 70% (setenta por cento) do “salário de benefício”, acrescida de mais 1% (um por cento) desse salário para cada grupo de 12 (doze) contribuições mensais realizadas pelo segurado, até no máximo de 30% (trinta por cento), consideradas como única todas as contribuições realizadas no mesmo mês.

Em 25 de março de 1964, a fim de regulamentar a LOPS 3.807/1960, foi publicado o Decreto nº 53.831, ressaltando em seu art. 1º, que a aposentadoria especial seria concedida ao segurado que exercesse ou tenha exercido atividade profissional em serviços considerados insalubres, perigosos ou penosos. Entretanto, o referido decreto não definiu exatamente quais seriam as atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas, motivo pelo qual foi criado, como anexo ao Decreto nº 53.831, um quadro que elencou, respectivamente, em dois códigos (1.0.0 e 2.0.0), a lista de agentes nocivos, sua classificação, tempo mínimo de trabalho, bem como as atividades profissionais nas quais a exposição a algum agente nocivo era presumida, caracterizando a possibilidade de enquadramento especial pela categoria profissional exercida.

Mais de uma década depois, em 24 de janeiro de 1979, foi publicado o Decreto nº 83.080 (BRASIL, 1979), que alterou o Decreto nº 53.831/1964 (BRASIL, 1964) e criou mais dois quadros como anexo. Nos referidos quadros, o novo decreto classificou as atividades profissionais de acordo com os agentes nocivos no código 1.0.0 (Anexo I) e elencou as atividades profissionais no código 2.0.0 (Anexo II).

Posteriormente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o constituinte ressalvou os benefícios previdenciários no art. 202 da redação original, inclusive a aposentadoria especial, descrevendo que,

É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:

I - Aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal;

II - Após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei;

III - após trinta anos, ao professor, e, após vinte e cinco, à professora, por efetivo exercício de função de magistério.

§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após vinte e cinco, à mulher.

§ 2º - Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.

Após a promulgação da Constituição Federal, a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 (BRASIL, 1991) foi sancionada com o objetivo de regulamentar os Planos de Benefícios da Previdência Social e trouxe mais dois artigos para abordar a aposentadoria especial, quais sejam:

 Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta lei, ao segurado que tiver trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

§1º A aposentadoria especial, observado o disposto na Seção III deste capítulo, especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de 85% (oitenta e cinco por cento) do salário-de-benefício, mais 1% (um por cento) deste, por grupo de 12 (doze) contribuições, não podendo ultrapassar 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.

§2º A data de início do benefício será fixada da mesma forma que a da aposentadoria por idade, conforme o disposto no art. 49.

§3º O tempo de serviço exercido alternadamente em atividade comum e em atividade profissional sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão, segundo critérios de equivalência estabelecidos pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, para efeito de qualquer benefício.

§4º O período em que o trabalhador integrante de categoria profissional enquadrada neste artigo permanecer licenciado do emprego, para exercer cargo de administração ou de representação sindical, será contado para aposentadoria especial.

Art. 58. A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica.

Em 28 de abril de 1995 houve alteração nos moldes da aposentadoria especial, momento em que foi sancionada a Lei nº 9.032 (BRASIL, 1995), a qual excluiu a possibilidade de enquadramento especial pela atividade profissional desenvolvida como, por exemplo, as atividades de guardas, cobradores de ônibus, entre outros, extinguindo a concessão de aposentadoria especial por atividade profissional e condicionando a concessão do referido benefício apenas aos casos de comprovação à efetiva exposição do segurado a agentes nocivos prejudiciais à sua saúde ou integridade física.

Nesse sentido, pode-se dizer que uma das alterações mais contundentes foi realizada no art. 57 da Lei nº 8.213/1991, o qual destacou em seu §3º, que

a concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.

Tal comprovação de efetiva exposição à agente nocivo prejudicial à saúde ou integridade física do segurado deveria ser comprovada através de formulário atualizado (atualmente é o PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário) emitido pela empresa ou seu preposto, com base no LTCAT - Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.

Para constituir as mudanças que eram previstas no texto, dentre outras mudanças, a Lei nº 9.032/1995 excluiu a expressão “atividade profissional” do art. 57 da Lei nº 8.213/1991 e incluiu a expressão “conforme dispuser a lei”. Além disso, alterou o coeficiente de cálculo do salário de benefício para 100%, bem como estabeleceu a necessidade de comprovação da atividade especial para o segurado. Embora a Lei nº 9.032/1995 tenha sido um marco na aposentadoria especial, após a sua publicação, outras mudanças mereceram destaque.

Vale ressaltar que a mudança proporcionada pelo Decreto nº 2.172/1997 (BRASIL, 1997a) também foi muito relevante, uma vez que o referido decreto substituiu os Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979, trazendo uma nova lista de agentes agressivos, que culminaram na criação do “Anexo IV”. Sobre essa alteração, Ladenthin (2020) destaca que,

os agentes agressivos físicos, químicos e biológicos do Decreto 53.831/64 e os agentes agressivos do Anexo I do Decreto 83.080/79 têm como data limite 05/03/1997, em razão da revogação tácita (em relação ao Decreto 53.831/64) e revogação expressa (em relação ao Decreto 83.080/79), trazida pelo Decreto 2.172/97 (LADENTHIN, 2020, p. 147)

Outra alteração pertinente à aposentadoria especial foi a Lei nº 9.528/1997 (BRASIL, 1997b), a qual incluiu diversos parágrafos no art. 58 da Lei nº 8.213/1991, também elencada e comentada por Ladenthin (2020):

Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo. (A relação agora será definida pelo poder executivo e não mais conforme dispuser a lei como constava no caput do art. 57).

§1° A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho. (Incluído pela Lei 9.528, de 1997. Passa a exigir a elaboração de laudo de condições ambientais pela empresa).

§2° Do laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. (Incluído pela Lei 9.528 de 1997. Traz necessidade de a empresa informar Equipamento de Proteção Coletiva, sem falar de EPI).

§3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei. (Incluído pela Lei 9.528, de 1997. Estabelece multa pelo descumprimento da lei).

§4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento. (Incluído pela Lei 9.528, de 1997. Fala-se pela primeira vez no formulário Perfil Profissiográfico, sem ainda utilizar a expressão “Previdenciário”) (LADENTHIN, 2020, p. 148-149).

Nota-se que a referida alteração legislativa trouxe pontos cruciais para a realização de análise e concessão da aposentadoria especial e dentre eles, fixou a obrigatoriedade de elaboração do LTCAT (Laudo Técnico de Condições Ambientais) expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, sob pena de multa, além de exigir a informação sobre a utilização de EPC - Equipamento de Proteção Coletiva.

Posteriormente às Leis e aos Decretos mencionados, houve a promulgação da Emenda Constitucional nº 20 de 16 de dezembro de 1998 (BRASIL, 1998), que instituiu a aposentadoria especial no §1º do art. 201 com a seguinte redação:

§1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.

Embora o referido dispositivo tenha ressalvado que o benefício da aposentadoria especial seria delimitado por lei complementar, isso nunca aconteceu. Posteriormente, tal dispositivo foi alterado novamente pela Emenda Constitucional nº 47/2005 (BRASIL, 2005), momento em que foi incluído na redação a possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência.

Por fim, antes de se abordarem as alterações ocasionadas pela EC nº 103/2019, vale destacar que, com o advento do Decreto nº 3.048, em 06 de maio de 1999 (BRASIL, 1999), que vigora até hoje, houve a revogação do Decreto nº 2.172/1997 e a manutenção da lista de agentes agressivos. O referido decreto dispõe sobre os benefícios de aposentadoria vigentes, sendo responsável por regulamentar os benefícios, estabelecendo diversos parâmetros, como as regras de conversão, por exemplo.

É importante ressaltar, contudo, que, segundo Ladenthin (2020), o decreto não pode inovar, sendo cabíveis as alterações que estiverem em conformidade com a lei e com a Constituição Federal.

3.  APOSENTADORIA ESPECIAL - REGRAS VIGENTES ATÉ A EC 103/2019

Conforme delineado no tópico anterior, a aposentadoria especial passou por diversas alterações ao longo dos anos, sendo que a alteração mais recente foi promovida pela Emenda Constitucional 103/2019.

Antes da entrada em vigor da EC 103/2019, a antiga redação do caput do art. 64 do Decreto 3.048/1999 dispunha que a aposentadoria especial seria devida ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual, este último somente quando filiado a cooperativa de trabalho ou de produção que, além de ter cumprido a carência legal de 180 meses, tivesse trabalhado sujeito a condições especiais que prejudicasse a saúde ou integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos.

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Art. 64.  A aposentadoria especial, uma vez cumprida a carência exigida, será devida ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual, este somente quando cooperado filiado a cooperativa de trabalho ou de produção, que tenha trabalhado durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos, conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 2003).

Ressalta-se que, para ter concedido o benefício da aposentadoria especial, não bastava ao segurado comprovar que no desempenho de suas atividades havia exposição a condições prejudiciais à saúde e integridade física, sendo essencial a comprovação da habitualidade e permanência da exposição, nos termos do §1º, incisos I e II, do artigo supramencionado. Veja-se:

§1o  A concessão da aposentadoria especial prevista neste artigo dependerá da comprovação, durante o período mínimo fixado no caput: (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013).

I - do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente; e (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013).

II - da exposição do segurado aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou a associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013).

Nos termos do art. 65, caput, do Decreto 3.048/1999, a exposição habitual e permanente pode ser entendida como aquela que é indissociável da atividade exercida, ou seja, é impossível realizar a atividade sem que haja contato do segurado com determinado agente nocivo. Senão, veja-se:

Art. 65.  Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço.     

Em consonância com a legislação apontada, a autora Maria Ferreira dos Santos, em seu livro Direito Previdenciário Esquematizado (SANTOS, 2015), aduzia que, para haver a concessão da aposentadoria especial, o segurado precisa:

exercer atividade sujeita a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, de forma permanente, e não ocasional nem intermitente, com a efetiva exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, durante 15, 20 ou 25 anos (SANTOS, 2015, p. 299).

Entretanto, sobre a permanência, Ibrahim (2015) advertia,

Por óbvio, o entendimento da exposição permanente não implica configurar-se a manutenção contínua da nocividade, a todo o momento, durante todo o tempo. Ainda que existam pequenos períodos de tempo, durante jornada, em que não exista a exposição direta, sendo tal variação inerente à atividade, de modo regular, estará configurada a exposição permanente (IBRAHIM, 2015, p. 624).

Conforme disposto no caput, do antigo art. 58 da Lei 8.213/1991, os agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ensejadores da aposentadoria especial estão relacionados no Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo que, para comprovar a exposição a qualquer desses agentes, o segurado deve apresentar formulário emitido pelo empregador, nos moldes estabelecidos pelo INSS, o qual deve ser baseado em Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT), além de observar outros requisitos (SANTOS, 2015).

Nesse sentido, Ibrahim (2015) esclarecia que:

A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos é feita mediante formulário denominado perfil profissiográfico previdenciário, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.

[...] No laudo, o médico do trabalho ou engenheiro de segurança irá relatar os agentes nocivos existentes na empresa, se os mesmos estão acima dos limites de tolerância, se a exposição do segurado é permanente e, ainda, informar sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva, de medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho, ou de tecnologia de proteção individual, que elimine, minimize ou controle a exposição a agentes nocivos aos limites de tolerância, respeitando o estabelecido na legislação trabalhista (IBRAHIM, 2015, p.625-626).

Destaca-se que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) passou a ser exigido apenas a partir de julho de 2003, sendo que antes desta data, a comprovação das exposições sofridas era feita através dos formulários SB-40, DISES BE 5235, DSS 8030 e DIRBEN 8030 (IBRAHIM, 2015).

Comprovados os 15, 20 ou 25 anos de atividade exercida sob condições especiais, bem como a carência de 180 meses, o segurado empregado fazia jus à aposentadoria especial desde a data do desligamento do emprego, se requeresse o benefício até 90 dias após esta data, ou a partir da data do requerimento, quando não houvesse o desligamento do emprego ou quando a aposentadoria fosse requerida após os 90 dias estabelecidos. Para os demais segurados, o termo inicial do benefício se daria a partir da data de entrada do requerimento administrativo, nos termos do art. 69, do Decreto 3.048/1999. Senão, veja-se:

Art. 69.  A data de início da aposentadoria especial será fixada: (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013).

I - para o segurado empregado: (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013).

a) a partir da data do desligamento do emprego, quando requerida a aposentadoria especial, até noventa dias após essa data; ou (Incluída pelo Decreto nº 8.123, de 2013).

b) a partir da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando a aposentadoria for requerida após o prazo estabelecido na alínea “a”; e (Incluída pelo Decreto nº 8.123, de 2013).

II - para os demais segurados, a partir da data da entrada do requerimento (Incluído pelo Decreto nº 8.123, de 2013).

No que tange à Renda Mensal Inicial do benefício da aposentadoria especial, esta era calculada levando-se em consideração 100% do Salário de Benefício, que era apurado sobre a média dos 80% maiores salários de contribuição desde julho de 1994, sem aplicação do fator previdenciário, nos termos da antiga redação do art. 67, do Decreto 3.048/1999. “Art. 67.  A renda mensal inicial da aposentadoria especial será equivalente a cem por cento do salário de benefício, observado, quanto à data de início do benefício, o disposto na legislação previdenciária(Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013).

Sobre o assunto, Lazzari et al. (2020), afirmam que:

A aposentadoria especial, a partir de 29.04.1995, tinha renda mensal equivalente a 100% do salário de benefício (Lei nº 9.031/1995), observado, para os segurados que implementaram os requisitos até a véspera da vigência da Lei nº. 9.876, de 26.11.1999, o cálculo sobre a média dos últimos 36 salários de contribuição.

Para os que passaram a ter direito ao benefício após tal data, o cálculo era o estabelecido para os segurados em geral, previsto no art. 29 da Lei nº. 8.213/1991, qual seja apurado sobre a média dos maiores salários de contribuição a partir de julho de 1994 equivalentes a 80% do período contributivo, sem a incidência do fator previdenciário (LAZZARI et al. 2020, p. 285).

Concedido o benefício da aposentadoria especial, a sua cessação ocorre apenas com a morte do segurado ou com o retorno desta para atividades consideradas especiais, de acordo com o §8º do art. 57 da Lei 8.213/1991.

Em resumo, Santos (2015) elencava os requisitos para a concessão da aposentadoria especial.

APOSENTADORIA ESPECIAL (ANTES DA EC 103/2019)

CONTINGÊNCIA

  • efetiva exposição aos agentes nocivos químicos, físico, biológicos ou associação de agentes;
  • de forma permanente, não ocasional nem intermitente;
  • durante 15, 20 ou 25 anos;
  • Anexo IV RPS;
  • fornecimento de EPC e EPI tira a natureza especial da atividade, ressalvada apenas a exposição a ruído.

CARÊNCIA

  • 180 contribuições mensais

SUJEITO ATIVO

  • empregado;
  • trabalhador avulso;
  • contribuinte individual filiado à cooperativa de trabalho ou de produção.

SUJEITO PASSIVO

  • INSS

RMI

  • 100% do salário de benefício

TERMO INICIAL

  • igual à aposentadoria por idade

TERMO FINAL

  • a data da morte do segurado;
  • a data da volta do segurado ao exercício de outra atividade de natureza especial.

QUADRO I – Aposentadoria Especial antes da EC 103/2019.

Fonte: SANTOS, 2015, p. 302.

Conforme delineado até aqui, algumas atividades ensejam aposentadoria especial após 15 anos de serviço, outras após 20 e outras após 25. Entretanto, é possível que o segurado, ao longo de sua vida, exerça atividades nessas três modalidades, sem contudo, atingir o tempo exigido em cada uma delas. Por exemplo: determinado segurado trabalha 5 anos da sua vida em uma atividade que enseja aposentadoria aos 15 anos de serviço; 7 anos em uma atividade que enseja aposentadoria aos 20 anos de serviço e 3 anos em uma atividade que enseja aposentadoria aos 25 anos de serviço. Assim, no caso narrado, o segurado não completou nem os 15, nem os 20 e tampouco os 25 anos de aposentadoria especial. Entretanto, mesmo assim, de acordo com a antiga redação do art. 66 do Decreto 3.048/1999, é possível que o segurado converta o tempo de labor em condição especial para especial, a fim de completar o tempo exigido na atividade que mais foi exercida.

No exemplo acima, o segurado, na maior parte de sua vida desempenhou atividades que ensejam aposentadoria aos 20 anos de serviço. Desta forma, a fim de completar os 20 anos exigidos, uma vez que ele laborou nesta categoria por apenas 7 anos, será possível a conversão dos demais períodos laborados em condições especiais, de acordo com a tabela fixada no §2o do art. 66 do Decreto 3.048/1999. Senão, veja-se:

Art. 66. Para o segurado que houver exercido duas ou mais atividades sujeitas a condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, sem completar em qualquer delas o prazo mínimo exigido para a aposentadoria especial, os respectivos períodos de exercício serão somados após conversão, devendo ser considerada a atividade preponderante para efeito de enquadramento (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013).

§1o Para fins do disposto no caput, não serão considerados os períodos em que a atividade exercida não estava sujeita a condições especiais, observado, nesse caso, o disposto no art. 70 (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013).

§2o A conversão de que trata o caput será feita segundo a tabela abaixo: (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013).

Tempo a Converter

Multiplicadores

Para 15

Para 20

Para 25

De 15 anos

-

1,33

1,67

De 20 anos

0,75

-

1,25

De 25 anos

0,60

0,80

Nesse sentido, Ibrahim (2015) afirmava que:

Para o segurado que houver exercido sucessivamente duas ou mais atividades sujeitas a condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, sem completar em qualquer deles o prazo mínimo exigido para a aposentadoria especial, os respectivos períodos serão somados após conversão, conforme tabela abaixo, considerando a atividade preponderante (IBRAHIM, 2015, p. 634).

Ademais, caso o segurado não consiga comprovar 15, 20 ou 25 anos de tempo de serviço especial, para ter direito à concessão da aposentadoria especial, antes da EC 103/2019, este poderia pleitear a aposentadoria por tempo de contribuição, mediante a conversão de seus períodos especiais em comum, conforme previsto no antigo art. 70 do Decreto 3.048/1999. Senão, veja-se:

Art. 70.  A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela: (Redação dada pelo Decreto nº 4.827, de 2003)  (Revogado pelo Decreto nº 10.410, de 2020).

Tempo a Converter

Multiplicadores

Mulher (Para 30)

Homem (Para 35)

De 15 anos

2,00

2,33

De 20 anos

1,50

1,75

De 25 anos

1,20

1,40

Sobre essa possibilidade, Lazzari et al. (2020) esclarecem que:

A conversão de tempo trabalhado em condições especiais para tempo de atividade comum consiste na transformação daquele período com determinado acréscimo compensatório em favor do segurado, pois esteve sujeito a trabalho (perigoso, penoso ou insalubre) prejudicial à sua saúde (LAZZARI et al. 2020, p. 286).

A fim de facilitar a compreensão do instituto, Ibrahim (2015, p. 638) fornece o seguinte exemplo: “o segurado, homem, com 2 (dois) anos de exposição à atividade especial de 20 (vinte) anos e que deixou de exercer o trabalho, dedicando-se a serviço sem exposição a agentes nocivos, poderá contar com 3,5 anos (2 anos x 1,75) ”.

Por todo o exposto, resta evidente que o principal objetivo da aposentadoria especial era preservar a saúde dos segurados que exercem atividades com exposição a agentes nocivos prejudiciais à saúde e integridade física, proporcionando a eles uma aposentadoria vantajosa, a qual exigia tempo de contribuição reduzido e mantinha o salário de benefício em 100%, sem nenhum tipo de corte ou fator.

4.  ALTERAÇÕES CAUSADAS NA APOSENTADORIA ESPECIAL PELA EC 103/2019

4.1. Regra permanente

Com a entrada em vigor da EC 103/2019, o benefício previdenciário da aposentadoria especial sofreu diversas alterações, as quais têm impactado significativamente o segurado da previdência social.

Após a referida emenda constitucional, o art. 201 da Constituição Federal sofreu drásticas modificações, sendo que, sobre a possibilidade da aposentadoria especial, passou a constar em seu §1º:

§1º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).

I - com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).

II - cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação (Incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019). (Grifamos)

Face à nova redação do §1º do art. 201, percebe-se que as regras definitivas a respeito da aposentadoria especial serão disciplinadas por meio de lei complementar. Desta forma, os novos requisitos para concessão da aposentadoria especial previstos no §1º do art. 19 da EC 103/2019, a princípio, tem caráter provisório. Senão, veja-se:

§1º Até que lei complementar disponha sobre a redução de idade mínima ou tempo de contribuição prevista nos §§ 1º e 8º do art. 201 da Constituição Federal, será concedida aposentadoria:

I - aos segurados que comprovem o exercício de atividades com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, durante, no mínimo, 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, nos termos do disposto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, quando cumpridos:

a) 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 15 (quinze) anos de contribuição;

b) 58 (cinquenta e oito) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 20 (vinte) anos de contribuição; ou

c) 60 (sessenta) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição; (Grifamos)

Conforme anteriormente mencionado, a aposentadoria especial, atualmente, encontra-se disciplinada no Decreto nº 3.048/1999. Desta forma, após a entrada em vigor da EC 103/2019, o Decreto nº 10.410, de 30 de junho de 2020, promoveu alterações no Decreto nº 3.048/1999, fazendo constar nele as diversas alterações promovidas pela EC 103/2019.

Assim, de acordo com o art. 19, §1º, da EC 103/2019, o qual promoveu alterações no art. 65 do Decreto nº 3.048/1999, para ter direito a aposentadoria especial, além de ter trabalhado de forma habitual e permanente exposto a agentes químicos, físicos ou biológicos por 15, 20 ou 25 anos e de ter implementado a carência exigida, o segurado da previdência social precisará implementar também o requisito etário na seguinte proporção: 55 anos (em se tratando de atividade especial que enseja aposentadoria aos 15 anos de contribuição); 58 anos (em se tratando de atividade especial que enseja aposentadoria aos 20 anos de contribuição) e 60 anos (em se tratando de atividade especial que enseja aposentadoria aos 25 anos de contribuição).

Sobre a exigência de idade mínima para a percepção da aposentadoria especial, Lazzari et al. (2020) afirmam que:

A definição da idade mínima constou do art. 19, § 1º, da EC nº 103/2019, sendo fixada provisoriamente em 55, 58 ou 60 anos, a depender do tempo de exposição de 15, 20 ou 25 anos, respectivamente. No futuro, esses requisitos serão disciplinados por lei complementar.

Entendemos que não se mostra condizente com a natureza dessa aposentadoria a exigência de idade mínima para a inativação. Isto porque esse benefício se presta a proteger o trabalhador sujeito a condições de trabalho inadequadas e sujeito a um limite máximo de tolerância com exposição nociva à saúde.

No passado, já houve a fixação da idade mínima de 50 anos para a concessão da aposentadoria especial, a qual constava do art. 31 da Lei nº. 3.807/1960, o qual foi revogado pela Lei nº. 5.590/1973.

Basta imaginar um mineiro de subsolo em frente de escavação que começa a trabalhar com 20 anos de idade e após 15 anos de atividade cumpre o tempo necessário para a aposentadoria. Como estará com 35 anos de idade, terá que aguardar até os 55 anos. Com mais alguns anos de trabalho, além dos 15 previstos como limite de tolerância, estará inválido ou irá a óbito, em virtude das doenças respiratórias ocupacionais, tais como asma ocupacional, pneumoconiose e pneumonia de hipersensibilidade (LAZZARI et al. 2020, p. 278-279).

Além da previsão etária, outra grande modificação da Aposentadoria Especial está atrelada à forma de cálculo da Renda Mensal Inicial (RMI) do benefício, a qual, antes da reforma, consistia em 100% do salário de benefício.

Desta forma, após a entrada em vigor da EC 103/2019, a Renda Mensal Inicial da Aposentadoria Especial passou a ser calculada da seguinte forma: 60% do salário de benefício (média integral) mais 2% para cada ano de contribuição que exceder a 20 anos, no caso dos homens, 15 anos, no caso das mulheres, e 15 anos nos casos de atividades especiais que ensejam aposentadoria após 15 anos de trabalho.

Assim, Lazzari et al. (2020) esclarecem que:

A partir da publicação da EC 103/2019, o valor da aposentadoria especial corresponderá a 60% do valor do salário de benefício (média integral de todos os salários de contribuição), com acréscimo de dois pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição para os homens e de 15 anos para as mulheres e nos casos de atividades especiais de 15 anos (atualmente apenas mineiros em subsolo em frente de escavação).

O valor da renda mensal inicial da aposentadoria especial não poderá ser inferior a um salário mínimo nem superior ao limite máximo do salário de contribuição (LAZZARI et al. 2020, pág. 285-286).

Conforme mencionado anteriormente, até a entrada em vigor da EC 103/2019, era possível a conversão de períodos especiais em comum. Entretanto, após as alterações causadas pela EC 103/2019, essa possibilidade foi vedada para os períodos especiais laborados após a emenda, nos termos do art. 25, §2º. Senão, veja-se:

§2º Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data. (Grifamos)

Desta forma, os segurados que exercerem atividade especial após 13 de novembro de 2019 só terão alguma vantagem se somarem tempo suficiente para gozar da aposentadoria especial, pois, do contrário, terão direito apenas à aposentadoria por tempo de contribuição ou por idade, não havendo qualquer diferenciação para a contagem do tempo laborado em condições especiais. 

4.2. Regra de transição

A regra de transição serve, em tese, para assegurar a expectativa de direito daquele segurado que, embora não tenha direito adquirido, esteja em vias de implementar as condições exigidas pela lei anterior.

Nesse sentido, a EC 103/2019, em seu art. 21, instituiu uma única regra de transição para aposentadoria especial. Senão, vejamos:

Art. 21. O segurado ou o servidor público federal que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social ou ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional cujas atividades tenham sido exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, desde que cumpridos, no caso do servidor, o tempo mínimo de 20 (vinte) anos de efetivo exercício no serviço público e de 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria, na forma dos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, poderão aposentar-se quando o total da soma resultante da sua idade e do tempo de contribuição e o tempo de efetiva exposição forem, respectivamente, de:

I - 66 (sessenta e seis) pontos e 15 (quinze) anos de efetiva exposição;

II - 76 (setenta e seis) pontos e 20 (vinte) anos de efetiva exposição; e

III - 86 (oitenta e seis) pontos e 25 (vinte e cinco) anos de efetiva exposição.

§ 1º A idade e o tempo de contribuição serão apurados em dias para o cálculo do somatório de pontos a que se refere o caput. § 2º O valor da aposentadoria de que trata este artigo será apurado na forma da lei.

Conforme se verifica do artigo supramencionado, a regra instituída foi a regra de pontos. Assim, para ter concedida a aposentadoria especial por meio desta regra, o segurado, além de implementar o tempo mínimo de contribuição laborado sob condições especiais (15, 20 ou 25 anos), precisa atingir uma pontuação mínima (66, 76 ou 86 pontos), a qual será calculada por meio da soma da idade do segurado com o tempo de contribuição por ele atingido. Ressalta-se que a lei não fez nenhuma diferenciação entre homem e mulher, desta forma, tanto os pontos como tempo de contribuição a serem atingidos, serão os mesmos para ambos os sexos.

Para Lazzari et al. (2020), nada impede que seja utilizado tempo comum acima dos 25 anos de tempo especial, para chegar à pontuação necessária. Exemplo: 25 anos de tempo especial mais 10 anos de tempo comum mais 51 anos de idade é igual a 86 pontos.

Desta forma, caso o segurado tenha, além do tempo mínimo especial exigido, tempo de contribuição comum, ou seja, aquele em que não houve labor sob condições especiais, este poderá ser somado ao tempo especial (sem nenhum tipo de conversão), apenas e tão somente para fins de implementação da pontuação exigida.

Entretanto, apesar desta possibilidade, a única regra de transição instituída pela EC 103/2019 para a aposentadoria especial  não se mostra tão eficiente, pois, conforme observa-se mais adiante, os segurados que possuem pouca idade, apenas tempo de contribuição em condições especiais (15, 20 ou 25 anos), ou que possuam pouco tempo de contribuição comum, serão extremamente prejudicados, pois, se pela regra antiga precisavam de um mês para se aposentar, podem, com a nova regra, ter que esperar por anos.

Por fim, com relação à Renda Mensal Inicial, esta será calculada da mesma forma que na regra definitiva, ou seja, 60% do salário de benefício (média integral) mais 2% para cada ano de contribuição que exceder a 20 anos, no caso dos homens, 15 anos no caso das mulheres e 15 anos nos casos de atividades especiais que ensejam aposentadoria após 15 anos de trabalho.

5. FRUSTRAÇÃO DA EXPECTATIVA DE DIREITO DO SEGURADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL FACE AOS NOVOS REQUISITO EXIGIDOS PARA A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL

O direito adquirido é o direito incorporado de modo definitivo ao patrimônio do titular, podendo ser exercitado a qualquer momento, conforme a sua vontade. Este direito está protegido e previsto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988, bem como no art. 6º, §2º da Lei de Introdução ao Código Civil. Senão, veja-se respectivamente:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

[...] §2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

Nesse sentido, para Gonçalves (2019, p. 7), “Direito adquirido é o que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular, não podendo lei nem fato posterior alterar tal situação jurídica”. Ainda sobre o assunto, Tartuce (2020, p. 56) afirma que “Direito adquirido: é o direito material ou imaterial incorporado no patrimônio de uma pessoa natural, jurídica ou ente despersonalizado”.

Por outro lado, quando a pessoa ainda não incorporou definitivamente o seu direito, estando apenas e tão somente às vias de incorporá-lo, não há que se falar em direito adquirido, mas sim em expectativa de direito. A expectativa de direito é o direito que se encontra em iminência de ocorrer, ou seja, o titular do direito está em via de aquisição. Assim, por não terem sido cumpridos todos os requisitos exigidos pela lei, não pode produzir os efeitos do direito adquirido.

Nesse sentido, segundo Gonçalves (2019, p. 8), “algumas vezes o direito se forma gradativamente. Na fase preliminar, quando há apenas esperança ou possibilidade de que venha a ser adquirido, a situação é de expectativa de direito”. Como também já afirmava Diniz (2012, p. 17), “a expectativa de direito é a mera possibilidade ou esperança de adquirir um direito”. Por outro lado, Gagliano (2019, p. 297) leciona que “a expectativa de direito é a mera possibilidade de sua aquisição, não estando amparada pela legislação em geral, uma vez que ainda não foi incorporada ao patrimônio jurídico da pessoa”.

Feitas estas considerações, após a entrada em vigor da EC 103/2019, todos os segurados que tenham implementados os requisitos necessários à concessão da Aposentadoria Especial antes da referida emenda poderão pleitear, na via administrativa ou, se for o caso, na via judicial, a concessão do referido benefício com base nas leis vigentes antes da emenda. Isso é possível porque, conforme anteriormente demonstrado, o direito adquirido tem proteção constitucional e infraconstitucional.

Entretanto, o que acontece com as pessoas que na data da entrada em vigor da EC ainda não tinham adquirido o direito à aposentadoria especial, mas estavam em vias de adquiri-lo? O que acontece com a pessoa que, na data da entrada em vigor da EC estava há apenas 20 dias de completar os 25 anos necessários à concessão da Aposentadoria Especial? A única regra de transição criada para a aposentadoria especial resguarda, de forma eficiente, a expectativa de direito dos segurados?

Conforme visto no tópico que narrou as alterações causadas pela EC 103/2019, bastava que os segurados do RGPS, além de ter trabalhado de forma habitual e permanente expostos a agentes químicos, físicos e biológicos, por 15, 20 ou 25 anos, tivessem implementado a carência exigida, independente de idade mínima.

Assim, os segurados que, ao tempo da EC 103/2019, encontravam-se nas situações narradas acima, trabalharam durante vários anos sob condições especiais, vislumbrando que, com base nas leis até então vigentes, quando completassem 15, 20 ou 25 anos de tempo de contribuição especial, independentemente de sua idade, aposentariam com 100% do seu salário de benefício. 

Entretanto, com a entrada em vigor da EC 103/2019, isso mudou drasticamente, conforme exemplo a seguir.

“JOÃO”, com 50 anos de idade e 24 anos, 11 meses e 11 dias de tempo de contribuição especial em 11/11/2019, foi “empurrado” pela regra de transição para se aposentar apenas em 2029, e com 80% do salário de benefício (média integral), ou seja, “JOÃO” estava a 20 dias de se aposentar antes da EC e, após a sua entrada em vigor, está a 10 anos de alcançar este benefício. Ademais, ressalta-se que, antes da EC 103/2019, ele se aposentaria com um salário de 100% e, após, além de esperar mais 10 anos, se aposentará com um salário de 80% da média integral do seu período base de cálculo (Elaborado pelos autores). 

Ao analisar a regra permanente na prática, nota-se que tal regra viola o princípio da isonomia, o qual foi introduzido intrinsecamente no §1º do art. 201 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 20/1998, uma vez que, ao estipular o critério de idade mínima, instaura um obstáculo gravíssimo para os trabalhadores que exercem suas profissões expostos à agentes nocivos prejudiciais à sua saúde ou integridade física. Isto porque a legislação anterior tinha como objetivo propiciar um tratamento diferenciado às pessoas que trabalham sujeitas a algum tipo de agente nocivo, reduzindo o tempo de contribuição, justamente pelo fato de que tais exposições poderiam levar os trabalhadores à morte ou invalidez precoce.

Assim, vislumbra-se que a estipulação de critério etário para a aposentadoria especial, além de violar a isonomia, acabou por minar o referido benefício, pois dificilmente um mineiro que trabalha nas linhas de frente da mineração (com direito de se aposentar com 15 anos de contribuição) chegará aos 55 anos de idade com a saúde hábil a gozar do benefício.

Além do critério etário, outro ponto prejudicial trazido pela EC 103/2019 que fere o princípio da isonomia é a vedação da conversão de tempo especial para comum, ou seja, se o trabalhador continuar a laborar em uma atividade que o expõe à agentes nocivos prejudiciais à sua saúde e integridade física após a reforma previdenciária, não poderá converter esse período especial em comum.

Sobre referido tema, Amado (2020) leciona

Logo, é vedada a conversão de tempo especial em comum prestado após a data de publicação da reforma previdenciária, sendo um duro golpe nos segurados que realmente exercem atividades nocivas, que não mais poderão ter cômputo diferenciado para uma aposentadoria comum caso não preencham os requisitos para aposentadoria especial (AMADO, 2020, p. 426).

Lado outro, vale destacar que a Constituição Federal de 1988 também consolidou a dignidade da pessoa humana como princípio, o transformando em verdadeira base da Carta Magna e dos demais princípios nela elencados. Nesse sentido, tendo em vista que a Seguridade Social também está prevista na Constituição, o princípio da dignidade da pessoa humana torna-se alicerce da seguridade.

Ao relacionar a dignidade da pessoa humana aos benefícios previdenciários, nota-se que ambos visam resguardar os segurados dos riscos sociais aos quais são submetidos. Assim, no caso da aposentadoria especial, a Constituição resguardou a necessidade de conceder tratamento diferenciado para os segurados que exercerem atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, a fim de harmonizar o benefício previdenciário com a dignidade da pessoa humana, uma vez que o referido benefício tem caráter compensatório.

Entretanto, com a entrada em vigor da EC 103/2019 perde-se essa materialização da dignidade da pessoa humana, uma vez que a referida emenda estabelece, conforme já mencionado, critérios desarrazoados para a concessão da Aposentadoria Especial, suprimindo as forças do seu viés protetivo e dificultando o êxito em sua concessão, o que foge completamente do objetivo do referido benefício, que visa estabelecer critérios favoráveis que preservem a vida do segurado através da limitação do tempo de exposição a agentes nocivos.

Conforme mencionado neste artigo, a Constituição Federal prevê em seu art. 201 §1º, que as regras definitivas atinentes à aposentadoria especial deverão ser regulamentadas por meio de Lei Complementar. Nesse sentido, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei Complementar (PLC) 245/2019 (SENADO FEDERAL, 2019), o qual tem por objetivo dispor sobre os critérios de acesso à aposentadoria especial àqueles segurados do RGPS que exercem atividades expostos a agentes nocivos à saúde, bem como aqueles que põem em risco sua integridade física pelo perigo inerente à profissão, dentre outras disposições.

De acordo com o site do Senado Federal[1], até o dia 04/05/2021 foram apresentadas 36 propostas de emenda ao PLC 245/2019, sendo que a última proposta de emenda foi apresentada em 03/02/2021, pelo Senador Paulo Paim. Embora haja tantas propostas de emenda, a que merece maior atenção é a de nº 21, também proposta pelo Senador Paulo Paim, na qual consta a previsão de uma nova regra de transição: regra do pedágio de 50% do tempo faltante na data da entrada em vigor da EC 103/2019.

A proposta do senador Paulo Paim é acrescentar no inciso II do art. 2º do PLC 245/2019, o §4º, o qual fará a seguinte previsão:

§4º Não serão exigidas as idades mínimas das alíneas "a", "b" e "c", como requisito necessário à concessão do benefício, por um período de dois anos a contar da publicação da presente Lei, desde que o segurado cumpra um período adicional correspondente a 50% (cinquenta por cento) do tempo que, na data de entrada em vigor desta Lei, faltaria para atingir o tempo mínimo para aposentadoria especial.

Assim, de acordo com o referido dispositivo, o segurado que estava em vias de adquirir o direito de perceber a aposentadoria especial poderá pleitear o referido benefício, independentemente de idade mínima, sendo necessário apenas que o segurado cumpra um período adicional de 50% do tempo que, na data da entrada em vigor da EC 103/2019 faltaria para atingir o tempo mínimo para a aposentadoria especial (15, 20 ou 25 anos). Desta forma, considerando o caso hipotético narrado acima, havendo a aplicação da Regra do pedágio de 50% do tempo faltante na data da entrada em vigor da EC 103/2019, “JOÃO” não terá mais que trabalhar 10 anos para se aposentar, sendo necessário apenas que ele trabalhe por mais 29 dias (19 dias - tempo faltante na data da entrada em vigor da EC 103/2019 mais 10 dias - 50% do tempo faltante na data da entrada em vigor da EC 103/2019).

Na justificação da proposta de emenda ora em análise, o Senador Paulo Paim esclarece que a única regra de transição prevista na EC 103/2019 - Sistema de Pontos - não é adequada e fere a expectativa de direito daqueles segurados que estavam prestes a implementar as condições exigidas pela lei até então vigente. Vejamos trecho da justificação apresentada:

[...] A presente emenda visa à corrigir uma distorção surgida com a publicação da Emenda Constitucional 103/2019, que não possibilitou uma transição adequada para trabalhadores sujeitos a condições nocivas à saúde ou integridade física. Muitos trabalhadores que estavam a poucos dias de sua aposentadoria, ou meses, se viram distantes da aposentadoria com a idade mínima fixada e, por muitas vezes, mais distantes ainda da regra de pontos estabelecida para aposentadoria especial.

Segurados foram surpreendidos estando prestes a ter direito adquirido e viram-se sem alternativa. Por exemplo, como ficaria, sem a presente emenda, um trabalhador sujeito à condições nocivas à saúde, em atividade que permite aposentação com 25 anos de exposição, tendo 53 anos de idade e 24 anos e 11 meses de atividade especial? Somaria 77 pontos, longe dos 86 exigidos na transição, além de estar longe dos 60 anos exigidos na regra geral. Situação desesperadora para quem estaria a um mês da obtenção do benefício. Não se pode permitir tamanha afronta a expectativa de direito, já tão próxima ao direito adquirido.

Com a emenda, os trabalhadores próximos à aposentadoria poderão valer-se da mesma sistemática que ocorreu com as aposentadorias de trabalhadores não sujeitos a atividade especial. Concedeu-se ao trabalhador comum, sem agentes nocivos, os 2 anos de adaptação com pedágio de 50%. Não parece razoável, até mesmo por isonomia, que tal concessão também seja estendida àqueles que arriscam sua saúde ou integridade física?

A aprovação da emenda é medida de justiça. Há que se ter uma adaptação e valorizar o trabalho e à expectativa de direito do cidadão. [...] (Grifo Nosso)

Observa-se que a única regra de transição prevista na EC 103/2019 para a aposentadoria especial, viola a expectativa de direito de seus segurados, sendo imprescindível a instituição de uma nova regra de transição a fim de que o trabalho dos segurados sujeitos a condições nocivas à saúde ou a integridade física seja valorizado.

6.  CONCLUSÃO

O principal objetivo da aposentadoria especial é possibilitar aos segurados que exercem suas atividades sob condições prejudiciais à saúde e integridade uma aposentadoria com menos tempo de trabalho, tendo em vista que a exposição a agentes nocivos reduz gradativamente a capacidade laborativa do trabalhador. Assim, visando concretizar este objetivo, até a entrada em vigor da EC 103/2019 os requisitos para a concessão da aposentadoria especial eram: 180 meses de carência mais 15, 20 ou 25 anos de trabalho com exposição a agentes prejudiciais à saúde e ou integridade física.

Com a entrada em vigor da EC 103/2019, a regra permanente passou a exigir do segurado além da carência de 180 meses e dos 15, 20 ou 25 anos de trabalho com exposição a agentes prejudiciais à saúde e ou integridade física, a idade mínima de 55 (15 anos de trabalho), 58 (20 anos de trabalho) e 60 (25 anos de trabalho) anos de idade. Ainda, como regra de transição, a referida EC instituiu para a aposentadoria especial o sistema de pontos, o qual exige que a soma da idade do segurado com o tempo de contribuição totalize 66 pontos (15 anos de trabalho), 76 pontos (20 anos de trabalho) ou 86 pontos (25 anos de trabalho). 

Ocorre que a única regra de transição prevista na EC 103/2019 fere a expectativa de direito dos segurados do RGPS, uma vez que ao exigir as pontuações acima mencionadas, o segurado que estava a dias de se aposentar pode ver o seu direito de receber o referido benefício prorrogado por anos.

Diante disso, temos uma clara violação aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, primeiro porque, ao instituir o critério de idade mínima, coloca um obstáculo gravíssimo para os trabalhadores que laboram em condições especiais, tendo em vista que o objetivo do benefício sempre foi, necessariamente, reduzir o tempo de trabalho destes trabalhadores. Em segundo plano, a Constituição resguardou a necessidade de conceder tratamento diferenciado para os segurados que exercerem atividades sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, a fim de harmonizar o benefício previdenciário com a dignidade da pessoa humana, uma vez que o referido benefício tem caráter compensatório. Contudo, conforme narrado, a EC 103/2019 suprime o viés protetivo da aposentadoria especial e dificulta tanto a possibilidade do trabalhador conseguir alcançar a idade mínima com sua saúde e integridade física resguardada quanto o êxito em sua concessão, uma vez, nos moldes atuais, já é extremamente difícil auferir o referido benefício.

Diante desta problemática, uma possível solução é a instituição de uma nova regra de transição, através da lei complementar capaz de regular a aposentadoria especial que vem sendo prometida pelo legislativo desde a criação do referido benefício.

7.  REFERÊNCIAS

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[1] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139697

Sobre os autores
Ludmilla Maria Peixoto Gonçalves Araújo

Graduada em Direito pelo Centro Universitário UNA. Atualmente, Analista Jurídico Pleno no escritório Ailton Ferreira Faria Sociedade Individual de Advocacia. Experiências profissionais: Estagiária na Câmara Municipal de Nova Lima; Estagiária na Defensoria Pública de Nova Lima; Estagiária e Assistente Jurídico Júnior no Escritório Ailton Ferreira Faria Sociedade Individual de Advocacia.

Igor Veiga Alves de Quintanilha

Graduando em Direito pelo Centro Universitário UNA - 10º período. Atualmente, Coordenador Jurídico Júnior no escritório Ailton Ferreira Faria Sociedade Individual de Advocacia. Experiências profissionais: Estagiário na Procuradoria Geral do Município de Belo Horizonte, estagiário e assistente jurídico júnior no escritório Ailton Ferreira Faria Sociedade Individual de Advocacia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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