Sujeitos do processo

21/05/2021 às 16:27
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Conteúdo jurídico de hoje é sobre os sujeitos do processo: Juiz, Acusador e réu. Abaixo veremos os integrantes deste processo e os demais institutos.

Introdução

Após vermos todo tramite da teoria das provas até as provas em espécies, veremos as partes que integram neste processo penal. Neste, intervêm três sujeitos: juiz, acusador e réu.

Quando nos referimos ao processo de partes, estamos fazendo alusão a um processo penal de partes, conforme os limites e categorias jurídicas próprias do processo penal. Aliás, o que se busca é reforçar a posição da parte passiva, fortalecendo o sistema acusatório com o estabelecimento da igualdade, do contraditório, e com o abandono completo de todo e qualquer resíduo do verbo totalitário. Portanto, significa o abandono completo da concepção do acusado como um objeto, considerando-se agora no seu devido lugar: como parte no processo penal.

Dessa forma, sendo mais forte será sua posição quanto mais clara for a delimitação da esfera jurídica de cada parte, pois somente assim poderá efetivar-se o contraditório. O fortalecimento da estrutura dialética do processo beneficia a todos os intervenientes e, principalmente, contribui para uma melhor Administração da Justiça.

Por fim, vale apenas destacar que no processo penal o elemento subjetivo determinante do objeto é exclusivamente a pessoa do acusado, pois não espanta a doutrina das três identidades da coisa julgada civil, pois nem o pedido nem a identidade das partes acusadoras são essenciais para a pretensão e a coisa julgada.

  1. Do acusado

Na fase do inquérito policial (Pré-processual) não se fala em acusado ou réu, senão em suspeito ou indiciado (caso já tenha ocorrido o indiciamento). O status de acusado ou réu somente é adquirido com o oferecimento da denúncia ou queixa (nesse caso, também poderá se falar em querelado).

Contudo, há que se esclarecer que o tratamento constitucional de “acusados em geral”, previsto no art. 5º, LV, da CF, é suficientemente amplo para alcançar tanto o inquérito policial como o processo. A expressão abrange um leque de situações, com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal (vinculada ao exercício da ação penal) e com um claro intuito de proteger também o suspeito ou indiciado.

No mesmo sentido, Guilherme Nucci afirma que “percebe-se, desde logo, sem mínimo esforço de raciocínio, que o nosso legislador constituinte pontuou, no primeiro dos incisos transcritos, a real diferença entre o conteúdo do processo civil, cuja já verificada finalidade é a compositiva de litígios, e o do processo penal, em que pessoa física, integrante da comunidade, é indiciada, acusada e, até, condenada pela prática de infração penal”, continua mais adiante “(...) de modo também induvidoso, reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, estendendo sua incidência, expressamente, aos procedimentos administrativos... ora, assim sendo, se o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento, nele se encarta, à evidência, a noção de qualquer procedimento administrativo e, consequentemente, a de procedimento administrativo-persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal, que é o inquérito policial”.

É importante destacar que quando falamos em “contraditório” na fase pré-processual estamos fazendo referência ao seu primeiro momento, da informação, pois, em sentido estrito, não pode existir contraditório no inquérito porque não existe uma situação jurídico-processual, ou seja, não está presente a estrutura dialética que caracteriza o processo. Dessa forma, não havendo o exercício de uma pretensão acusatória, não pode existir a resistência.

Por fim, não é preciso maior capacidade de abstração para verificar que qualquer notícia-crime que impute um fato, aparentemente, delitivo a uma pessoa determinada constitui uma imputação, no sentido jurídico de agressão, capaz de gerar no plano processual uma resistência. Dessa forma, entende-se o que o legislador constitucional protegeu com a expressão acusados em geral (note-se bem, o texto constitucional não fala simplesmente em “acusados”, o que daria abrigo a uma leitura mais formalista, mas sim em “acusados em geral”, o que sem dúvida é muito mais amplo e protecionista).

  1. Comunicações dos atos processuais

Tema já estudado por aqui, mas vamos relembrar alguns conceitos.

Por mais que seja pertencente ao gênero “comunicação dos atos processuais”, notificação, intimação e citação do acusado são institutos distintos, com diferentes finalidades e consequências. Contudo, o mais importante é que são todos instrumentos a serviço da eficácia dos direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa. Dito isso, não se pode mais pensar a comunicação dos atos processuais de forma desconectada do contraditório, na medida em que, como explicamos anteriormente, é ele o direito de ser informado de todos os atos desenvolvidos no iter procedimental.

Vale apenas observar maior é a relevância da comunicação dos atos processuais se considerarmos que o processo é um procedimento em contraditório, sendo essa a nota distintiva entre o processo judicial e os demais tipos de processo (administrativo, legislativos etc.). A igualdade de oportunidades e de tratamento ao longo do processo é imposição do contraditório, que por sua vez é fundante do próprio conceito de processo.

Ademais, o controle das partes sobre os atos do juiz é de sua importância e, nesse aspecto a publicidade e a comunicação, a cientificação do ato processual às partes é de extrema relevância. Dessa forma, a função do juiz é assegurar o contraditório, logo, para isso, deve ter uma postura ativa, sem, contudo, jamais colocar-se como contraditor, ou seja, não existe “contraditório com o juiz”, senão “contraditório assegurado pelo juiz”.

Assim, tem o juiz um dever de informar e de garantir que a informação seja dada às partes, para que elas, querendo, possam intervir. Não há que se pensar na existência de um “dever” de intervenção das partes, senão de “possibilidade” e, dependendo da situação jurídica, de “carga” ou “assunção de riscos”.

Dessa forma, para o contraditório, é essencial a eficácia da comunicação processual, revestida da forma de citação, intimação ou notificação, de acordo com o caso. A falha na comunicação processual viola o contraditório e conduz à nulidade absoluta, na concepção tradicional (melhor, um defeito que poderá ser sanável ou insanável conforme o momento em que seja reconhecido).

Portanto, o direito de defesa, ainda que distinto do contraditório, como explicado anteriormente, está a ele ligado, pois o contraditório cria condições de possibilidade para a defesa se efetivar, isto é, ambos dependem da eficácia da comunicação dos atos processuais.

  1. Citação do acusado

A citação no processo penal é um ato da maior importância, pois dela depende diretamente a eficácia do direito fundamental do contraditório e, posteriormente, da ampla defesa.

art. 363 – O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado.

Conforme vimos acima, trata-se de comunicação ao réu da existência de uma acusação, dando-lhe assim a “informação” que caracteriza o primeiro momento do contraditório. A partir dessa informação, cria-se a necessária condição de possibilidade para eficácia do direito de defesa pessoal e técnica.

Na atual sistemática processual, a citação é a comunicação da existência de uma acusação, para que ele “responda por escrito” no prazo de 10 dias (art. 396), ou seja, é citação para responder à acusação e não mais para ser interrogado. De qualquer forma, em nada diminui a importância do ato, pois segue sendo um momento crucial para o direito de defesa. Então, mais do que um mero chamamento do réu a juízo para defender-se, é a citação uma manifestação do próprio direito fundamental do contraditório.

Daí por que é a citação uma garantia para o réu, solto ou preso, acarretando a invalidade processual (art. 564, III, “e”, do CPP) qualquer violação à forma prescrita. Contudo, se o réu devidamente citado não apresentar a resposta escrita no prazo legal, deverá o juiz nomear um defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 dias (art. 396-A, § 2º).

Também é importante atentar para o novo procedimento comum (ordinário ou sumário), que prevê a audiência de instrução e julgamento (AIJ), em que, após a produção da prova, será o réu interrogado (arts. 400 e 531 do CPP). Para esse ato, será o réu intimado, mas com suficiente antecedência, de modo a permitir que o réu e seu defensor possam preparar a defesa técnica e pessoal (pois o réu será interrogado). Integra o direito de ser julgado em um prazo razoável (art. 5º, LXXVIII, CF).

Dito isso, nota-se a proibição de intimar-se o réu na véspera da data do interrogatório, ou com poucos dias de antecedência em complexo e volumoso processo. Deve-se atentar para a razoável antecedência do ato, de modo a permitir o pleno conhecimento e adequada preparação de sua defesa.

Pois bem, voltemos à citação.

 

  1. Procedimento

Citação no processo penal deve ser feita através de mandado, cumprido por oficial de justiça, devendo constar os requisitos previstos nos arts. 352 e 357 do CPP. Quando o réu residir em local diverso daquele onde tramita o processo, a citação será feita através de carta precatória (arts. 353 e 354 do CPP) ou rogatória, se cumprida em outro país (arts. 368 e 369).

  1. Espécies de citações

 

  • Citação real – É aquela realizada na pessoa do réu, sendo efetivada por meio de uma das seguintes formas: mandado, cumprido por oficial de justiça, no âmbito da jurisdição do juiz perante o qual responde o acusado o processo criminal; carta precatória; carta rogatória; ofício requisitório; e, por fim, mediante carta de ordem.

 

  • citação ficta – É aquela efetivada por meio de edital publicado na imprensa, ou afixado no átrio ou na porta do Fórum e, também, nas hipóteses de citação por hora certa.

 

  • Citação por mandado - Encontrando-se o réu no território do juiz que preside o processo criminal e, nessa condição, ordenada a citação, deve o réu ser citado por mandado, cumprido por oficial de justiça, ressalvando-se desta regra apenas as seguintes situações: hipótese de se encontrar ele em legação estrangeira, caso em que deve ser citado mediante carta rogatória (art. 369 do CPP), ou se for militar, situação na qual deverá ser citado por intermédio do chefe do respectivo serviço (art. 358 do CPP).

 

  • Citação por meio de carta precatória – Prevista no art. 353, CPP, destina-se ao réu que se encontra em território nacional, porém fora da jurisdição do juiz que preside o processo criminal.

Quanto ao processamento da carta precatória, ocorre da seguinte forma: ordenada sua expedição pelo juízo deprecante (juízo do processo), conterá os requisitos do art. 354 do CPP e será encaminhada ao juízo deprecado (juízo em que será cumprida). Conduzindo neste local, o juiz deprecado determinará sua execução mediante despacho de "cumpra-se". Ato contínuo, caberá ao Escrivão expedir o competente mandado, observando os requisitos do art. 352 do CPP, alcançando-o ao oficial de justiça para cumprimento.

  • Citação por meio de carta rogatória – Trata-se de caso em que o réu encontra-se no estrangeiro. Duas são as hipóteses tratadas no CPP em que deve ser expedida carta rogatória citatória:

 

  • Em lugar conhecido (art. 368, CPP) – são circunstancias, em qualquer caso, deve ser expedida carta rogatória. 

 

  • Citado que se encontra em legação estrangeira – Prevista no art. 369, CPP, a citação será realizada mediante carta rogatória, desde que, não se enquadre o citando entre aquelas pessoas que, obviamente, por força de tratados ou de convenções, gozem de imunidade de jurisdição penal no Brasil.

 

  • Citação do militar – Previsto no art. 358, CPP, a citação do militar (somente da ativa) é realizada por intermédio do chefe do respectivo serviço.

 

  • Citação do funcionário público - Tratando-se o réu funcionário público, incidem as regras gerais de citação pessoal, quais sejam:

 

  1. Mandado, a ser cumprido por oficial de justiça, se residente ou domiciliado o réu na jurisdição do juiz processante:

 

  1. Expedição de carta precatória, se residente e domiciliado em território distinto da jurisdição do juiz processante.

Sem embargo deste enquadramento, exige o art. 359 do CPP que também o chefe da repartição na qual está lotado o servidor seja notificado quanto à data e horário em que deve comparecer à Justiça. Tal notificação deve ocorrer mediante ofício, por meio do qual será requisitada a presença do funcionário público a Juízo. Sem que esse ofício seja expedido, a presença do servidor não é obrigatória e nem ele poderá ser conduzido perante a autoridade judiciaria.

  • Citação do réu preso - Estabelece o art. 360 do Código de Processo Penal que se o réu estiver preso, será pessoalmente citado. Também aqui é preciso distinguir se o réu encontra-se recluso em território pertencente à jurisdição do juiz processante ou não. No primeiro caso, a citação pessoal dar-se-á mediante expedição de mandado por ordem do próprio juiz que a ordenou. No segundo, será necessária a expedição de carta precatória, sendo que o mandado de citação será expedido por determinação do juízo deprecado.

 

  • Citação por meio de carta de ordem – Trata-se de carta de ordem de expediente semelhante à carta precatória, diferenciando dela pela circunstância de que, ao passo que esta última tramita entre autoridades judiciarias de idêntico grau e insere uma solicitação, a primeira é expedida por Órgão Jurisdicional de grau superior para outro grau inferior, incorporando uma ordem, como o próprio nome sugere.

 

  • Citação por hora certa – previsto no art. 362, CPP, verifica-se que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa.
  • Portanto, quando, por duas vezes, o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar a qualquer pessoa da família, ou, em sua falta, qualquer vizinho, que, no dia útil imediato, voltará a fim de efetuar a citação, na hora que designar. Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando tenha se ocultado em outra comarca. Da certidão de ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com a pessoa da família ou com qualquer vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.

 

  •  Citação por edital – É quando o réu não for encontrado para ser citado, após todas as tentativas de localização, ou seja, quando este encontra-se em local incerto e não sabido, será realizada a sua citação por edital (art. 361 e § 1º do art. 363, do CPP). O edital de citação conterá os requisitos previstos no art. 365, CPP.

O Supremo Tribunal Federal, estipulou sumulas no sentido que:

Sumulas 351 - É nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da federação em que o juiz exerce a sua jurisdição;

Sumula 366 - Não é nula a 131 196 citação por edital que indica o dispositivo da lei penal, embora não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia.

É importante ressaltar que não cabe citação por edital nos Juizados Especiais Criminais, devendo assim o processo ser remetido ao juízo comum (art. 538 do CPP e art. 66, Lei 9.099/95), onde seguirá o rito do procedimento sumário.

O art. 366 determina que o processo criminal permaneça suspenso e também suspenso o prazo prescricional, sem nenhum prejuízo da possibilidade de o juiz ordenar a produção de provas urgentes e, se for o caso, decretar a prisão preventiva do acusado. Portanto, na maioria dos casos, a citação por edital não produz qualquer resultado, deixando o réu de atender o comando e de constituir advogado para patrocinar seus interesses. Neste período, está consolidado a sumula 415 do STJ: “o período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada.” Comparecendo o acusado a qualquer tempo, pessoalmente ou através da nomeação de defensor, revogar-se a suspensão do processo, prosseguindo o seu trâmite normal (§ 4º, art. 363, CPP).  Contudo, para a decretação da preventiva devem estar presentes os requisitos autorizadores do artigo 312 do CPP; sendo também, a antecipação da produção das provas depende da demonstração de urgência e da real necessidade.

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Vale ressaltar que as disposições do artigo 366 do CPP não se aplicam aos crimes previstos na Lei de Lavagem de Dinheiro (art. 2º, § 2º, Lei nº 9.613/98), nem no âmbito da Justiça Militar (arts. 292 e 412 da Lei nº 1.002/69 – Código de Processo Penal Militar).

 

  1. Inatividade real e ficta

A inatividade processual real gera a situação de ausência do réu. Diz-se ausente o réu que, tendo conhecimento da acusação, pois devidamente citado (citação real), não apresenta sua resposta escrita à acusação nem constitui defensor. Nesse caso, deve o juiz aplicar o art. 367 c/c o art. 396-A, § 2º, nomeando um defensor para oferecê-la e determinando o prosseguimento do feito em seus ulteriores termos.

Já a inatividade processual ficta sucede na citação editalícia, conduzindo à situação de não comparecimento. Nesse caso, fracassam as tentativas de citação real, não se encontrando o acusado. Lança-se mão, então, da citação ficta, por edital. Passado o prazo de 15 dias, o réu não comparece em cartório para ser citado (e tampouco apresenta resposta escrita ou constitui defensor). Essa é a situação de não comparecimento cujos efeitos estão previstos no art. 366: suspendem-se o processo e a prescrição.

Apenas para esclarecer, o não comparecimento é um estado processual que somente se perfaz quando o réu não é encontrado para ser citado e não surte eficácia a citação editalícia. Tanto a ausência como o não comparecimento não podem gerar qualquer tipo de punição ou sanção processual.

 

  1. Não comparecimento

O art. 366, CPP, disciplina a situação processual do não comparecimento do acusado que, procurado em todos os endereços constantes no processo para a realização da citação real (através de mandado cumprido por oficial de justiça), não é encontrado. Passa-se, então, para a citação editalícia, após a qual, sem que o réu apresente sua resposta escrita à acusação ou constitua defensor (situação em que não apresenta a resposta escrita por estratégia defensiva), opera-se a inatividade processual ficta, ou seja, é considerado como réu não encontrado, nos termos do art. 366, suspendendo-se o processo e a prescrição.

O art. 366 somente tem incidência quando, após a citação editalícia, o réu não comparece pessoalmente ou através de advogado constituído para ser cientificado do inteiro teor da acusação.

Caso o imputado não compareça pessoalmente, mas presente seu advogado, devidamente constituído através de instrumento procuratório, haverá a citação e abertura do prazo de 10 dias para apresentação de resposta à acusação. Comparecendo pessoalmente, deverá indicar seu defensor ou, se não tiver condições econômicas de constituir um advogado, postular que lhe seja nomeado um defensor.

  1. Suspensão

A suspensão do processo nesse caso é um imperativo lógico de que ninguém pode ser processado sem que tenha conhecimento da existência da acusação. Contudo, até 1996, ainda existia no Brasil a possibilidade de processos em estado de revelia, ou seja, sem que o acusado tivesse sido citado (citação real). Eram processos nitidamente inquisitórios em que se nomeava um defensor (in)ativo, na verdade, um convidado de pedra, absolutamente inativo e impossibilitado de produzir prova.

O chamado “princípio de audiência” é fundamental para existência do contraditório e, por conseguinte, para ter-se verdadeiramente um processo judicial, eis que pensado a partir do conceito de processo como procedimento em contraditório.

Dito isso, é exigência do contraditório de que ninguém possa ser condenado sem ser ouvido, ou, ao menos, sem que se lhe tenham oportunizado condições reais de ser ouvido (inatividade processual real). Portanto, não é suficiente a mera citação ficta para o desenvolvimento do processo. Quando não citado o réu, pessoalmente, não pode o processo continuar. A exceção a essa regra fica, agora, com a perigosa e problemática citação com hora certa, que demanda uma cautela ainda maior por parte dos juízes que, na dúvida em relação ao certificado pelo oficial de justiça, deve citar o réu por edital.

No Brasil, foi adotado o sistema binário (alvo de muita critica), suspendendo o processo e a prescrição (sem limite de tempo) até que o réu compareça.

Por fim, o STF afirmou a constitucionalidade da suspensão da prescrição por prazo indeterminado, entendendo que ela não se confunde com a imprescritibilidade, na medida em que apenas condiciona a evento futuro e incerto. Ademais, entendeu que a legislação ordinária poderia criar outras hipóteses de imprescritibilidade para além daquelas enumeradas no art. 5º, XLII e XLIV, da Constituição. Por fim, entendeu o relator que não cabe sujeitar o período de suspensão de que trata o art. 366 ao tempo da prescrição em abstrato.

  1. Prisão Preventiva e produção Antecipada de Provas, art. 366, CPP.

 

  1. Prisão preventiva

Com a revogação dos §§ 1º e 2º do art. 366 dada pela Lei n. 11.719/2008, disciplinava que, no § 1º, a produção antecipada de provas e, no § 2º, comparecendo o acusado (citado por edital), prosseguirá o processo em seus ulteriores termos. Tal revogação em nada afeta a sistemática legal.

Contudo, o que nos interessa aqui é a previsão do art. 366, no sentido de que pode “o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312”, mas isso não significa uma ampliação das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, mais, não existe prisão cautelar obrigatória e tampouco qualquer tipo de presunção de fuga que conduza, automaticamente, à legitimidade de uma medida cautelar pessoal.

Quando o artigo nos diz “se for o caso”, está remetendo para os casos do art. 312, não ampliando ou facilitando a adoção da prisão preventiva.

Em suma: a inatividade processual ficta não autoriza, por si só, a decretação da prisão preventiva.

Portanto, há que se demonstrar e fundamentar, com argumentos cognoscitivos robustos e suporte probatório real, a necessidade da prisão preventiva, em igualdade de condições com os demais casos do art. 312 do CPP.

Melhor seria se o legislador não tivesse feito qualquer menção no art. 366 à prisão preventiva. Isso porque, ao dizer que cabe a prisão preventiva se for o caso, nos termos do art. 312, nada mudou, apenas confundiu. Trata-se de lembrança inteiramente desnecessária, pois é elementar que a prisão preventiva sempre terá cabimento nos casos previstos em lei, ou seja, se presentes o fumus commissi delicti (existência de um crime e indícios suficientes de autoria) e o periculum libertatis (o perigo de o indiciado em liberdade prejudicar ou impossibilitar as investigações) exigidos pelo art. 312.

Ademais, deve-se atentar para os limites do art. 313, I, ou seja, com o advento da Lei n. 12.403/2011, que inseriu o novo regime jurídico da prisão cautelar, não cabe prisão preventiva quando a pena máxima cominada ao crime for igual ou inferior a 4 anos. Dessa forma, o art. 366 tem que ser lido à luz dos arts. 312 e 313, só tendo cabimento essa prisão preventiva se presentes o fumus commissi delicti, o periculum libertatis e a pena cominada for superior a 4 anos. Caso ao contrário, haverá apenas a suspensão do processo e da prescrição, sendo ilegal a decretação de prisão preventiva.

  1. Produção antecipada de provas

Quanto à produção antecipada de provas, vale apenas fazer uma crítica a este instituto.

Segundo ao que leciona, Aury Lopes Junior, “Colher antecipadamente uma prova, sem a presença do réu ou seu defensor (sim, pois a defesa dativa nesse caso é meramente simbólica, sem qualquer eficácia real), é um flagrante violação da garantia do contraditório e, por contaminação, do direito de defesa, ambos assegurados no art. 5º, LV, da Constituição. Daí por que o ideal é que a produção antecipada seja reservada para casos extremos, em que a prova efetivamente é relevante e sofre risco real de perecimento. Ainda, nesse caso, devem-se tomar todas as cautelas para documentar da forma mais ampla possível, incluindo gravações de áudio e vídeo.” Dessa forma, concordo totalmente com esta linha de pensamento, pois fere a garantia do contraditório e, consequentemente, da ampla defesa.

Dito isso, o Supremo Tribunal de Justiça editou a súmula 455, no qual diz:

“A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.”

O STJ reafirmou o entendimento de que a produção antecipada de provas, em caso de citação por edital e posterior suspensão do processo (e da prescrição), é uma medida excepcional, em que deve ser demonstrado concretamente o risco da prova não poder ser produzida mais tarde no processo. Ou seja, apenas as provas relevantes e urgentes podem ter sua produção antecipada realizada, não sendo suficientes afirmações genéricas sobre o risco de perecimento e tampouco a mera argumentação em torno do decurso de tempo (em virtude da suspensão do processo).

  1. Ausência do réu

Estabelece no art. 367, em que o réu foi encontrado, citado pessoalmente e não oferece resposta à acusação (o que equivale ao não comparecimento do sistema anterior) de forma injustificada (inatividade real). O processo continua com seu defensor (se houver um constituído) ou mediante a nomeação de defensor dativo.

Assim, duas situações podem ocorrer, partindo da premissa de que houve citação válida:

 

  1. O acusado não oferece resposta escrita à acusação no prazo legal e tampouco constitui defensor – Neste, deverá o juiz nomear um defensor para que, no prazo de 10 dias, apresente a resposta à acusação e prossiga na defesa do réu ausente ao longo de todo o processo (que seguirá sem a presença do imputado que foi validamente citado).

 

  1. O acusado constitui defensor, mas não apresenta resposta escrita à acusação – Por outro lado, há defensor constituído, mas não é apresentada a resposta à acusação. Essa inatividade poderia, perfeitamente, ser considerada mera opção da defesa, que prefere silenciar nesse momento. Contudo, o art. 396-A, § 2º, determina que não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.

 

Dito isso, essa defesa preliminar é obrigatória e, se não apresentada no prazo legal, deverá o juiz nomear um defensor para oferecê-la. Após, o processo continuará ainda que ausente o réu. Ademais, mesma solução será adotada quando, no curso da instrução, o réu é intimado e não comparece ou ainda, uma vez citado, muda de residência sem comunicar ao juízo, não sendo mais encontrado. Em todas essas situações, o processo seguirá com a ausência do réu.

Entretanto, é importante compreender que a presença do réu no processo é um direito que lhe assiste e não um dever processual (não sendo uma carga, senão assunção de risco). Não está o juiz legitimado a praticar qualquer tipo de ato de reprovação, sendo completamente errada a decisão de “decretar a revelia” do réu ausente à instrução, como se isso fosse constitutivo de um novo estado jurídico-processual ou tivesse algum efeito prejudicial ao imputado. Portanto, o comparecimento ou não do réu na(s) audiência(s) de instrução é uma faculdade da defesa, atendendo aos seus interesses e estratégias probatórias, jamais uma carga processual.

Por outro lado, opera-se quando o réu estiver descumprindo alguma das condições impostas em sede de liberdade provisória, pois entre elas pode estar o dever de comparecer a todos os atos do processo ou qualquer outra medida cautelar prevista no art. 319 do CPP. Nesse caso, poderá haver quebramento da fiança ou mesmo ser considerado que houve o descumprimento da medida cautelar diversa, de modo que o não comparecimento do réu implicará revogação da liberdade provisória, com a decretação da prisão preventiva.

Portanto, não ocorrendo essas situações, o não comparecimento do réu não conduzirá a nenhum tipo de punição processual, exceto o fato de o processo continuar seu curso em sua ausência (mas, conforme dito, com a defesa técnica e todas as comunicações processuais, sob pena de nulidade por violação do contraditório e da ampla defesa).

 

  1. Revelia no processo penal

No processo penal, não existe distribuição de cargas, pois o réu – ao ser presumidamente inocente (diante a princípio constitucional da presunção de inocência) – não tem qualquer dever de atividade processual. Mais do que isso, da sua inércia nenhum prejuízo jurídico-processual pode surgir. Portanto, toda carga está nas mãos do acusador.

Por outro lado, é inegável que existe – por parte do réu – a assunção de riscos decorrentes de sua inércia. Ou seja, quando surge uma chance nas diferentes situações processuais, que podem ser probatórias ou defensivas, não lhe atribui qualquer carga ou ônus, senão riscos. O não agir probatório do réu (que pode se dar, por exemplo, no exercício do direito de silêncio, recusa em participar de acareações, reconhecimentos etc.) não conduz a nenhum tipo de punição processual ou presunção de culpa. Sendo assim, não existe um dever de agir para o imputado para que lhe possa punir pela omissão.

Ademais, quando o art. 367 do CPP permite que o processo prossiga sem a presença do réu citado, essa omissão processual gera, apenas, risco. Não se trata de prejuízo processual, pois não existe uma carga, de modo que não se pode presumir nada em sentido diverso da sua inocência.

Portanto, é completamente diferente do fenômeno do processo civil, em que se operam verdadeiras distribuições de cargas e a decorrente necessidade de liberar-se delas. Com a modificação levada a cabo pela Lei n. 9.271/96, finalmente abandonou-se a “revelia” e os absurdos processos penais sem réu presente (em caso de inatividade processual ficta).

Atualmente, não há que se falar em “revelia” no processo penal (ou pelo menos não no sentido próprio do termo, o que significa dizer que a utilização seria sempre imprópria e inadequada), pois a inatividade do réu não conduz a nenhum tipo de sanção processual.

  1. Intimação e notificação do acusado

Conforme já havia exposto no conteúdo jurídico “comunicações dos atos processuais”, em termos práticos, intimação e notificação não possui qualquer distinção, pois o legislador não estabeleceu essa distinção no âmbito do Código de Processo Penal. De qualquer modo, segundo a doutrina, estabelece as seguintes definições:

  1. Notificação – É a comunicação da existência de uma acusação, gerando a chance de oferecimento de uma defesa prévia ao recebimento da denúncia. O art. 55 da Lei n. 11.343 estabelece que, oferecida a denúncia, “o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias”. No mesmo sentido, o art. 514 do CPP determina, no rito dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, que o juiz “ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de 15 (quinze) dias”.

 

  1. Intimação – Esta é a comunicação de determinado ato processual feita ao acusado, testemunha ou pessoas que devam tomar conhecimento do ato, como peritos, intérpretes e demais auxiliares da justiça. Em relação aos últimos (testemunhas e demais pessoas que participem do processo), a intimação poderá revestir um caráter coercitivo, verdadeiro dever de agir ou comparecer. Tal dever ou carga inexiste em relação ao imputado pelos motivos já explicados anteriormente.

 

A intimação das testemunhas, peritos, intérpretes etc. deverá ser feita pessoalmente, através do respectivo mandado (art. 370). Já quanto à intimação dos defensores, o CPP faz uma distinção no tratamento:

  1. Defensor constituído - Poderá ser intimado através de publicação no Diário da Justiça (ou órgão incumbido da publicação) ou, caso não exista, a intimação poderá ser através de mandado ou via postal. Também é recomendável a intimação através da via postal quando o advogado constituído possui escritório profissional em unidade da federação diversa daquela onde tramita o feito. Tal cautela é muito importante, pois esse defensor poderá não ter acesso ao diário da justiça daquele Estado, frustrando a comunicação do ato.

 

  1. Defensor nomeado poderá ser de duas categorias: defensor público ou dativo. O defensor público será sempre intimado pessoalmente, em igualdade de tratamento com o Ministério Público, atendendo assim ao chamado princípio da pessoalidade, por força do art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/50. Contudo, quando a defesa for levada a cabo por defensor dativo ou por entidade de assistência jurídica gratuita (os “serviços de assistência judiciária” de muitas faculdades de Direito, por exemplo), predomina o entendimento de que não se aplica essa regra, e a intimação poderá ser feita através do diário da justiça.

 

 

  1. Contagem de prazo

Para finalizar este conteúdo, os prazos processuais, nos termos do art. 798 do CPP, correm em cartório, sendo contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou feriados. Uma vez iniciada sua contagem, não serão interrompidos. Nesse cômputo, não se considera o dia da intimação, ou seja, exclui-se o dia em que se dá a comunicação do ato, começando a fluir no dia seguinte, se útil. Dessa forma, se a intimação ocorreu numa sexta-feira, o prazo começa a correr na segunda-feira e não no sábado. Da mesma forma, quando um prazo terminar no sábado, domingo ou feriado, será automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil (art. 798, § 3º, do CPP).

Ademais, também é muito importante compreender que no processo penal, ao contrário do que ocorre no processo civil, os prazos começam a fluir a partir da realização da comunicação processual e não da juntada aos autos do mandado de intimação. Inclusive o STF dispõe a súmula 710:

“No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou carta precatória ou de ordem.”

 

 

REFERÊNCIAS:

Lenza, Pedro – Direito Processual penal, Ed. 15ª Saraiva - https://amzn.to/3s78uYh

 

Avena, Norberto – Direito Processo Penal, Ed. 10ª, Método - https://amzn.to/3nBe2Hn

 

Lopes Jr., Aury – Direito Processo Penal, Ed. 17ª, Saraiva Jur - https://amzn.to/2PJ2wi6

Sobre o autor
Jonathan Ferreira

Acadêmico de Direito pela universidade Estácio de Sá com foco em Dir. Penal, Dir. Proc. Penal, Dir. Constitucional Brasileiro. Administrador e fundador da página Âmbito Criminalista, no qual ajudo pessoas a entenderem o Direito Penal de forma simples e descomplicada. Amante da Sabedoria e estudante da psicanálise lacaniana em conjunto com a seara penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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