Direitos Humanos versus Exército Brasileiro

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O presente trabalho possui como objetivo compreender as mudanças ocorridas no treinamento disciplinar militar com a inserção dos direitos humanos demonstrando ao longo do tempo as mudanças comportamentais das instituições.

Resumo:

O presente trabalho possui como objetivo compreender as mudanças ocorridas no treinamento disciplinar militar com a inserção dos direitos humanos demonstrando ao longo do tempo as mudanças comportamentais das instituições diante das pressões nacionais e internacionais que garantem os direitos fundamentais, o que tem permitido que os profissionais possam desempenhar dignamente suas atividades nas instituições brasileiras e, ainda, garantir o direito ao acesso à justiça sem sofrer qualquer barreira e, quando buscado seu direito, não seja encarado como indigno da sua profissão e que não sofra perseguições no âmbito corporativo havendo, portanto, transparência em todo esse processo. Os direitos humanos vem resguardando cada vez mais o indivíduo independente de sexo, cor ou carreira escolhida, porém, encontrou mais resistência nas instituições militares, pois estas são regidas por estatutos próprios e são alicerçadas pela hierarquia e disciplina. Atualmente, as referidas instituições estão enfrentando mudanças significativas a fim de garantir os direitos fundamentais dando ao militar o direito de ampla defesa, o qual não era observado anteriormente nas instituições militares, além dos abusos de autoridade e da violação dos direitos, como privação de liberdade sem prévio questionamento ao subordinado, entre outras questões relevantes a serem abordadas.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Pilares. Hierarquia. Disciplina. Subordinação.

Abstract: This work aims to understand the changes that have occurred in military disciplinary training with the insertion of human rights, demonstrating, over time, the behavioral changes of institutions in face of national and international pressures that guarantee fundamental rights, which has allowed professionals to perform their activities with dignity in Brazilian institutions and, also, guarantee the right to access to justice without suffering any barrier and, when pursuing their right, do not be seen as unworthy of their profession and that they do not suffer persecution in the corporate scope, therefore, there is transparency throughout this process. Human rights are increasingly protecting individuals regardless of sex, color or chosen career, however, they have encountered more resistance in military institutions, as these are governed by their own statutes and are based on hierarchy and discipline. Currently, these institutions are facing significant changes in order to guarantee fundamental rights, giving the military the right of ample defense, which was not previously observed in military institutions, in addition to abuses of authority and violation of rights, such as deprivation of liberty. without previous questioning the subordinate, among other relevant issues to be addressed.

Keywords: Human rights. Pillars. Hierarchy. Subject. Subordination.

Sumário: Introdução. 1. Evolução social e jurídica no âmbito militar sob a ótica dos direitos humanos. Considerações finais. Referenciais.

Introdução

O presente artigo realizou um esboço histórico acerca dos Direitos Humanos e da militarização no Brasil, enfatizando seus principais momentos, os quais tiveram influência de outros países, delineando os confrontos diretos e indiretos sobre esses dois temas distintos.

A cada dia que passa os Direitos Humanos são observados pelas Nações e ganham mais força ao decorrer do tempo, com a rápida vinculação de notícia do mundo todo. A justiça, por sua vez, vem de modo a garantir os direitos a todos, sem discriminar quem quer que seja, sendo de modo igualitário o pleito à justiça.

A problemática deste assunto, o qual baseia este estudo, diz respeito ao conflito que surgiu em relação aos Direitos Humanos frente ao Exército Brasileiro, o qual é regido por Estatutos próprios denominados Regulamento Disciplinar do Exército - RDE e Regulamento Interno - RISG dos Militares e seus regulamentos internos.

Este artigo apresenta um esboço histórico acerca da militarização no Brasil, sua criação e origem, descreve pormenorizadamente os Direitos Humanos, sua criação e origem, aceitação pelas Nações e introdução em nosso ordenamento jurídico, elencando suas peculiaridades e expondo a sua ideia central. Ainda, destacamos o conflito entre os Direitos Humanos fundamentais, inerentes a todos, frente aos estatutos dos militares e suas instituições.

Com o presente artigo serão apresentadas as conclusões a que se chegou sobre o tema, de forma a contribuir para um maior aprendizado sobre esse embate, quase invisível para a sociedade civil, mas, de forma gigantesca, presente no dia a dia de quem vive no contexto militar e que se depara rotineiramente com essas situações.

1. Evolução social e jurídica no âmbito militar sob a ótica dos direitos humanos

O Exército Brasileiro verdadeiramente nacional somente teve sua organização institucional em 1824, ou seja, dois anos após a Independência.

Ressalto que suas origens, segundo interpretação de muitos historiadores, remontam aos primeiros séculos que se seguiram ao descobrimento. Vinculam-se à chegada dos contingentes pioneiros das tropas lusitanas pagas, ou à criação das ordenanças, expressão militar do povo, na época, ou ainda à formação de grupos de gente basílica, que se armavam, às ordens de comandantes portugueses, contra corsários ou conquistadores, para defesa da terra, a qual já chamavam de Pátria.

Igualmente, o apoio concedido pelas coirmãs, Marinha e Aeronáutica, constituiu-se em um fator de segurança, ou seja, base para a conquista dos objetivos permanentes da nacionalidade (ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO, 1972).

A obra História do Exército Brasileiro - perfil militar de um povo, elaborada pelo Estado Maior do Exército defende que:

Quaisquer que sejam seus primórdios, o Exército tem sido fiel ao passado. Através de quatro séculos de história, identificou-se com as aspirações da comunidade brasileira e tornou-se uma força de integração social absolutamente imprescindível ao desenvolvimento nacional (1972, p. 03).

O autor José Batista Magalhães enfatiza que:

O Exército nacional surge, de fato, somente depois, organizado, sob novas bases, correspondentes à nova situação política, conforme a Constituição do Império, de 1824, que assenta os fundamentos jurídicos da existência das forças militares brasileiras.

A finalidade dessas forças é definida pelo artigo 145: “sustentar a independência e integridade do Império”, defendendo-o contra seus inimigos externos e internos, o que acarreta para todos os brasileiros a obrigatoriedade de pegar em armas (1998, p. 249).

Com efeito, o Exército, sempre esteve integrado por elementos de todos os matizes sociais e, portanto, nasceu com a própria Nação e, desde então, participa ativamente da história brasileira.

O Exército Brasileiro, atualmente, está dividido em cinco Armas, sendo elas: Artilharia, Cavalaria, Infantaria, Engenharia e Comunicações e, também o Quadro de Material Bélico e o Serviço de Intendência.

Nas palavras de Giuliani (2007) define-se que, conforme o artigo 22 do Código Penal Militar, é considerado militar, para efeito da aplicação do referido diploma legal, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou guerra, seja incorporada às forças armadas, para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar.

Efetivamente, os membros das Forças Armadas constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, são denominados militares federais, conforme dispõe o artigo 142, parágrafo terceiro, da Constituição Federal.

Acerca da denominação de militares das forças armadas brasileiras, Jorge Luiz Nogueira de Abreu ensina que:

Originariamente, a Carta Política de 1988 atribui aos integrantes das Forças Armadas a qualidade de servidores públicos militares federais. Entretanto, a Emenda Constitucional 18/1998 retirou do artigo 42 a matéria referente aos militares das Forças Armadas, transferindo-a para o parágrafo terceiro, do artigo 142, acrescentado por aquela Emenda.

A intenção confessada foi a de tirar dos militares o conceito de “servidores públicos” que a Constituição lhes dava, visando, com isso, a fugir do vínculo aos servidores civis que esta lhe impunha.

Formalmente, deixaram de ser conceituados como servidores militares. Ontologicamente, porém, nada mudou, porque os militares são, sim, servidores públicos em sentido amplo, como eram considerados na regra constitucional reformada. São agentes públicos, como qualquer outro prestador de serviço ao Estado.

A diferença é que agora se pode separar as duas categorias em agentes públicos administrativos e agentes públicos militares, em lugar de servidores civis e militares.

Atualmente, os membros das Forças Armadas são denominados militares formando uma categoria especial de servidores da Pátria, e se encontram na ativa ou na inatividade (2010, p. 235/236).

O Brasil aplicou com suas necessárias ressalvas no campo processual, toda legislação penal castrense oriundas da metrópole, sendo que as Ordenações Filipinas e os Artigos de Guerra do Conde de Lippe vigoraram no Brasil até a entrada em vigor do Código Penal da Armada, ou seja, mantiveram-se íntegros até o final do século XIX, sendo que os artigos vigeram até 1907 para o Exército, ou seja, manteve-se até o começo do século passado, penas de pancadas, de espada de prancha, de trabalho nas fortificações, além de incontáveis penas de morte, por enforcamento (art. 15) ou arcabuzado (art. 6º), em um tempo que obviamente a força terrestre não tinha mais arcabuzes, sendo seu sucedâneo a morte por fuzilamento, hoje prevista no Código Penal Militar Brasileiro, no artigo 56, exclusivamente como punição para certos delitos cometidos em tempo de guerra, especialmente no teatro de operações.

Após a proclamação da Independência brasileira, segue-se a proclamação da Constituição de 1924, imposta pelo imperador Dom Pedro I, a qual em seu artigo 150, determinava a organização de um sistema de lei sobre a disciplina militar e, em razão de tal norma, foi instituída uma comissão para estudar e emitir pareceres sobre um Projeto de Código Penal Militar.

O Código Criminal do Império de 1830 estabelecia em seu artigo 308 que suas normas não compreendiam os crimes “crimes puramente militares, os quais serão punidos na forma da lei respectiva”.

Com a promulgação em 1832 do Código de Processo Criminal, foram os crimes militares divididos, conforme já faziam os romanos, em crimes militares ratione personae e ratione materiae, a este primeiro critério correspondia uma espécie de foro pessoal e ao segundo dizia respeito à exigência de vinculação ao ilícito de condutas incompatíveis com os deveres militares.

Em 1890, surgiu o Código Penal da Armada, o qual findou por ser estendido ao Exército e, com notável longevidade para períodos tão conturbados na história nacional e mundial, serviu até para o julgamento de militares da recém - criada Força Aérea Brasileira (FAB), em 1941. Seguiu-se ao CPA – Código Penal Militar de 1944, comum às Forças Armadas.

Finalmente, adveio o atual Código Penal Militar de 1969 (Decreto-Lei n. 1.001 de 21 de outubro de 1969), promulgado pelo regime militar, de inspiração germânica.

O referido Código foi promulgado juntamente com o Código Penal de 1969, ocorre que este último, apesar de publicado, não chegou a entrar em vigor, mantendo-se o Código Penal de 1944, o qual passou por profundas mudanças em 1984 (VERAS, 2007).

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Quanto aos Direitos Humanos pode-se afirmra que é um novo nome para o que era chamado primeiramente de The rights of man, ou seja, Direitos do Homem.

Trata-se de uma forma abreviada e genérica de se referir a um conjunto de exigências e enunciados jurídicos que são superiores aos demais direitos seja porque estão garantidas por normas jurídicas superiores ou porque são direitos inerentes ao ser humano.

Inerentes no sentido de que não são meras concessões da sociedade política, mas nascem com o homem, fazem parte da própria natureza humana e da dignidade que lhe é intrínseca; e são fundamentais, porque sem eles o homem não é capaz de existir, de se desenvolver e participar plenamente da vida; e são universais, porque são exigíveis de qualquer autoridade política em qualquer lugar. Eles representam as condições mínimas necessárias para uma vida digna (Gorczevski, 2005).

Direitos Humanos não são temas de esquerda ou de direita, não caracterizam assunto de domínio exclusivo de organizações não governamentais (ONG), tampouco servem para subtrair criminosos de sua responsabilidade criminal.

Os Direitos Humanos são valores universais firmados por meio de compromissos internacionais e configuram matéria de Estado, não de governo.

O Direito Internacional dos Direito Humanos (DIDH) é o ramo do Direito Internacional que tem como objetivo garantir o exercício pleno da dignidade humana.

Os direitos humanos regulamentam a relação do Estado com seus nacionais, foram concebidos para serem plenamente garantidos em tempo de paz, mas se aplicam em qualquer tempo e lugar, podendo sofrer algumas suspensões ou derrogações em épocas de exceção como nas situações de estado de sítio e em tempo de guerra.

O movimento de internacionalização dos Direitos Humanos ganhou força depois dos horrores da II Guerra Mundial e foi evoluindo, por meio da elaboração de novos tratados, para que os indivíduos oprimidos em seus direitos pelos seus próprios Estados pudessem ter instâncias internacionais para reclamar suas garantias fundamentais.

Martínez, citado por Gorczevski (2005), defende que os direitos humanos expressam e reconhecem como direito as necessidades humanas que, através da história dos mais diversos povos, surgiram como imprescindíveis para que a vida humana tenha a dignidade que lhe é inerente.

Em outras palavras, a Mestre Dra. Maria Carolina de Assis Nogueira (2014) preleciona que os Direitos Humanos visam garantir os direitos fundamentais inerentes a todos os seres humanos sem distinção de raça, cor, sexo, religião, opinião política, origem social ou qualquer outra condição, a fim de que todas as pessoas tenham assegurado o seu direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Os Direitos Humanos ganhou força através de diversos Tratados e Convenções, bem como se dividem, na visão de Norberto Bobbio em cinco gerações, quais sejam: primeira geração, a qual teve origem na idade moderna e trata dos direitos e liberdades individuais e dos direitos civis e políticos. A referida geração marca a separação entre o homem e o Estado.

A segunda geração decorre dos princípios pregados pelo socialismo, tratando dos direitos sociais que englobam a educação, saúde, transporte, segurança, lazer, trabalho e etc.

A terceira geração protege os direitos do povo, direitos transindividuais e coletivos, bem como o direito da solidariedade. Tal geração resultou das lutas que visavam à conquista da democracia e da solidariedade humana, com inspiração nos lemas da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

A terceira geração compreende a paz, o direito a um meio ambiente equilibrado, o patrimônio histórico e cultural, a biodiversidade, entre outros.

A quarta geração diz respeito às inovações tecnológicas, englobando a biotecnologia, a engenharia genética, o desenvolvimento tecnológico.

Por fim, a quinta geração engloba os direitos provenientes da internet e da tecnologia. Nesta geração, o direito ao acesso e à difusão da informação são os pontos centrais e a liberdade de expressão volta a ser tratada.

Nas palavras de Frederico Magno de Mello Veras (2007) temos que um dos reflexos da função militar é o dever de manter-se dentro dos parâmetros estreitos de disciplina, sendo que a legislação repressiva castrense sempre foi entendida não apenas sob a ótica de um direito penal voltado para a paz social, mas como uma estrutura jurídica capaz de entender “as exigências específicas do ordenamento aplicável as forças armadas em matéria de justiça”.

Nas normas constitucionais aplicáveis a função militar, pode-se concluir que o legislador penal militar não deve preocupar-se exclusivamente com a paz social nem mesmo com a paz no âmbito da sociedade militar.

Em verdade, o legislador penal militar está interessado na eficiência das forças armadas, para que estas estejam disciplinadas e aptas para cumprir seu dever de defesa da República. Em simultâneo, deverá estar preocupado com o estabelecimento de uma rígida hierarquia para garantir que as ordens necessárias para o dever de defesa sejam cumpridas.

No âmbito da hierarquia militar, imagina-se que um tenente dê uma ordem legal a um cabo para que transporte uma caixa até o almoxarifado da organização militar, e este, sem motivo justificado, deixe de cumprir tal ordem.

Tal situação, no meio civil mereceria uma reprovação branda, provavelmente, uma advertência no campo do direito laboral. Porém, dentro da sociedade militar, tal conduta, caracterizaria uma insubordinação por desobediência.

In casu, o exemplo acima parece não possuir a dignidade penal exigida pela norma constitucional.

Ocorre que, na seara militar, por força da função especial atribuída aos que abraçaram a profissão d’armas, punir-se mais brandamente tais condutas ou não as considerar, poderá promover um descrédito da disciplina e gerar a quebra do poder hierárquico, capazes de comprometer a própria função militar.

Efetivamente, o direito penal, como sendo a ultima ratio, não faz tanto sentido na sociedade militar como o faz na sociedade civil.

A liberdade existente na vida civil é impensável no seio militar, pois o militar, em verdade, coloca a sua vida à disposição para defesa da Pátria, não inutilmente, mas dentro de certa razoabilidade ou vantagem militar; enquanto militar, se sujeita as restrições no âmbito dos direitos fundamentais; subordina-se à hierarquia militar, ou seja, não é mais formalmente igual, mas sim inferior aos que comandam e superior aos que por ele são comandados, surgindo daí duas responsabilidades militares, perante seus superiores e perante seus subordinados; submete-se ao regime militar, o qual lhe impõe obediência de regras que seriam consideradas absurdas para um civil.

Assim sendo, o descumprimento dos deveres militares acarreta a possibilidade dos mais diversos tipos de punição disciplinar, inclusive a prisão disciplinar agravada.

No que tange aos princípios norteadores da função militar, sabemos que o contingente de servidores militares é muito grande. Vejamos.

As três Forças Singulares são organizadas em vários níveis de Comando e Direção, de modo que a ordenação da convivência entre os diferentes níveis hierárquicos exige o rigor da disciplina e a obediência irrestrita às ordens superiores.

Desde o Círculo de Graduados até o Círculo de Oficiais-Generais, prevalece a hierarquia e disciplina.

O respeito a tais princípios é a base de sustentação das instituições militares.

Não se pode conceber, no âmbito das Forças Armadas, qualquer tipo de indisciplina, insubordinação o desrespeito aos seguimentos hierárquicos.

A relação de subordinação hierárquica não reduz o subordinado à condição meramente servil, mas conduz à ordem e disciplina, não impedindo, contudo, que o militar, que se sinta humilhado ou ofendido em sua dignidade, possa recorrer ao comando imediatamente superior para que seja solucionada a questão.

Além da hierarquia e da disciplina o companheirismo, também, é um dos princípios norteadores da função militar. Explico.

Os usos e costumes militares fizeram nascer outro princípio regedor da vida castrense: o companheirismo e a camaradagem nas relações de serviço e nas relações sociais dos militares.

Trata-se, igualmente, de preceito ético militar necessário para sanear a boa relação entre militares.

Com efeito, a convivência prolongada com vários pares e o amor comum à farda terminam por cristalizar amizades e fomentar mecanismos de mútua cooperação. Normalmente, o militar socorre o outro nas suas aflições ou auxiliam-se mutuamente no comprimento das tarefas mais difíceis.

Tal princípio de base costumeira é de suma importância para a boa consecução dos objetivos traçados pelas forças militarizadas, sendo também mola propulsora da união em torno do sentimento magno de amor à Pátria e da consciência de defesa das instituições organizadas e da soberania nacional (DUARTE, 1998).

A pessoa que escolhe a carreira militar deve estar preparada para enfrentar uma rotina exaustiva, de modo a superar todos os tipos de situações atinentes à vida na caserna, saber trabalhar em equipe e ter consciência de que um erro seu, será um erro da tropa toda.

A tropa é formada por um pelotão de tropa unido, no qual não se pode cometer nenhum erro, pois, caso ocorra, o restante da equipe pagará pelo seu próprio erro cometido.

Do mesmo modo, o seu comportamento fora da caserna reflete no âmbito militar, pelo fato do Exército refletir você e você refletir o Exército Brasileiro, portanto, qualquer militar que se encontre cometendo algo errado na vida civil estará cometendo uma transgressão disciplinar militar, pelo fato se ser militar 24 (vinte e quatro) horas por dia e, assim, denegrindo essa instituição, a qual merece total respeito de todos os brasileiros, principalmente dos seus integrantes e dos governantes do país.

Com a incidência dos Direitos Humanos a balança começou a ser equilibrada pelo fator coibidor de atos inadequados e opressores nas instituições militares, como por exemplo: a criação da Ficha de Apuração de Transgressão Disciplinar - FATD, modificação esta que passou a melhorar a vida do subordinado, tendo em vista que este começou a defender-se dos fatos atribuídos a ele, de forma escrita, passando o Oficial Superior a analisar o mérito da questão imposta.

O Oficial Superior analisará os fatos e punirá o militar com base nos artigos do Regulamento Disciplinar do Exército – RDE ou receberá sua justificativa, como verdadeira, e deixará de aplicar a punição ao militar.

Da mesma forma, ocorre com a restrição da liberdade imposta aos militares, a qual somente ocorrerá se este for enquadrado no RDE, tal fato era comum na vida castrense, porém, atualmente, a situação mudou, ou seja, agora não basta uma ordem verbal de um superior para que ocorra a privação de liberdade por motivo fútil, é necessário que exista um motivo razoável e que este se enquadre disciplinarmente no RDE.

Caso ocorra tal situação, será imprescindível, a sua publicação no Boletim Interno do Grupo.

Com efeito, inúmeros são os casos em que se verificam situações em que militares acabam tendo seus direitos violados frontalmente, seja na condição de militares, como, também na condição de cidadãos que são.

Porém, em que pese existam estes tipos de condutas adotadas por alguns superiores, não podemos deixar de citar que a história do Exército Brasileiro foi e tem sido extremamente justa com aqueles que enfrentaram toda a adversidade encontrada no Brasil, posteriormente, à Revolução e que, alguns deles, perderam seus membros em defesa da Pátria ou que lutaram em defesa da soberania brasileira mesmo sendo de outra nacionalidade, a estes restou uma vaga no seio da instituição e tem sido reconhecida a permanência deles na honrosa missão de ser militar do Exército Brasileiro.

Outro ponto importante a ser comentado é no que tange à destinação das forças armadas, após a sua criação. Nesse sentido a obra bibliográfica do Estado-Maior do Exército ensina que:

A destinação principal das forças armadas no Brasil, sempre teve como objetivo resguardar as terras brasileiras de conquistadores de outras nacionalidades, Exército esse composto de várias outras nacionalidades, porém, os mesmos acolheram o Brasil e o denominaram a sua Pátria.

A finalidade dessas forças é definida pelo artigo 145: “sustentar a independência e integridade do Império”, defendendo-o contra seus inimigos externos e internos, o que acarreta para todos os brasileiros a obrigatoriedade de pegar em armas (1998, p. 249).

Desde o princípio, o Exército, sempre esteve composto por elementos de todas os matizes sociais como brancos, índios e negros, e também por grandes figuras de outras nacionalidades, bem como por pelotões inteiros de portugueses, os quais se identificaram com a Pátria amada Brasil e lutaram com todas as suas forças, daí, nasceu com a própria nação e, desde então, participa ativamente da história brasileira.

O uso dos guerreiros, genuinamente, brasileiros conhecidos como índios, os quais enfrentaram o inimigo de maneira, muitas vezes assustadora, assombros e primitiva, como o uso de ossos dos próprios inimigos, os quais foram mortos em batalhas e, posteriormente transformados em materiais de sopros, de forma a emitirem sons, e fazendo com isso, intimidação as tropas inimigas, as quais olhavam os soldados brasileiros e zombavam deles quando eles perdiam a batalha.

Importante, também salientar que, com isso, houve uma grande vantagem da incorporação do índio no Exército pelo fato do índio saber melhor do que ninguém como viver em meio às dificuldades encontradas na floresta e, por ser conhecedor das terras brasileiras, o índio soube ser um genuíno guerreiro.

Outrossim, ressalto que o Exército integrou nas suas fileiras os negros, povo essencialmente forte por origem e com uma capacidade enorme de enfrentar o trabalho como ninguém, pois era um povo acostumado com uma vida sofrida de batalhas anteriormente vivenciadas.

Além de todas essas incorporações de índios e negros às tropas brasileiras, o Exército Brasileiro fortificou-se, ainda mais com a vinda de tropas inteiras formadas por portugueses, os quais já estavam adestrados a vida castrense e encontravam-se prontos para o combate na linha de frente.

Os portugueses identificavam-se com a nossa pátria mãe e, não satisfeito com o crescimento da tropa, o Brasil realizou convites a outras nações, convocando outros guerreiros de outras nacionalidades para compor as nossas forças terrestres.

Com toda essa riqueza de diversidade, construímos um Exército forte, o qual busca sempre a união, mesmo com a diversidade de integrantes, vivendo como uma irmandade e mantendo a soberania do Brasil a qualquer custo, sendo, portanto, indispensável a existência do Exército Brasileiro, a fim de assegurar a soberania nacional.

Cabe salientar que devemos combater não só os inimigos externos, como também os internos, pois ambos querem o domínio do Brasil a qualquer custo, devendo sim ser empregadas as Forças Armadas do Brasil para proteção da sociedade, mas, porém, deve ser feito uma varredura completa usando todo o poderio bélico em prol da nação e contra a marginalidade, a qual vem se enraizando no seio brasileiro, mas para que isso possa ocorrer de forma integral, é necessário que o povo tenha consciência de que as forças armadas simbolizam o povo em armas, o qual busca desde 1840, a defesa da nossa pátria com um custo muito alto para a nossa própria nação.

Efetivamente, os militares devem ser anteriormente preparados para essa nobre missão e receber instruções de como proceder diante das situações delicadas, as quais envolvam civis para que os militares não se esqueçam de que os civis nada mais são do que reféns nas mãos da bandidagem, devendo ganhar a tão sonhada liberdade, e que possam ter uma vida tranquila e digna em todo o território brasileiro, mas para essa tão merecida conquista somente com a união de todos em prol do mesmo sonho.

Reitero que, o tema Direitos Humanos deve prevalecer no âmbito militar e, portanto, deve receber um tratamento especial dentro da organização militar e, do mesmo modo, deve abranger todos os militares, sem distinção de posto/graduação, porquanto tratam-se de direitos assegurados a todo o cidadão.

Neste contexto, podemos compreender que os direitos humanos devem ser a base para qualquer espécie de treinamento, a fim de coibir qualquer abuso e permitir uma significativa melhora no adestramento do soldado, o qual terá o seu caráter moldado de forma adequada.

O Brasil é signatário dos Direitos Humanos, os quais são imprescindíveis para a tropa militar e para a sociedade como um todo.

Considerações finais

Diante do exposto, após a análise, de forma minuciosa, acerca da gênese dos Direitos Humanos e da formação do Exército Brasileiro, onde o confronto entre ambas é imprescindível fazermos algumas considerações.

Primeiramente, ficou evidenciado que os Direitos Humanos introduziu importantes modificações no âmbito militar, bem como buscou a proteção do indivíduo resguardando-o de qualquer violação frontal de seus direitos dentro das Forças Armadas.

Em segundo momento, trata-se da importância inquestionável do Exército Brasileiro, para a segurança nacional, o qual ocupa posição de destaque nas garantias de soberania do país.

O presente trabalho visa tão somente ilustrar que devemos invocar o nosso patriotismo para a garantia da soberania do Brasil, mas, também devemos atentar para a garantia dos direitos individuais de cada um, priorizando que condutas errôneas não prevaleçam nas nossas forças militares.

Efetivamente, no que tange às Forças Armadas, os Direitos Humanos precisam ser considerados sob uma perspectiva interna, com a afirmação, promoção e proteção dos direitos fundamentais dentro da caserna, abrangendo todos os seus integrantes, e sob uma perspectiva externa, com a salvaguarda e o respeito dos direitos das populações locais que são impactadas pela ação das tropas em missões não tipicamente bélicas.

No seu âmbito orgânico, os militares devem ter os mesmos direitos fundamentais garantidos a qualquer pessoa, guardadas as especifidades da vida e do serviço na caserna.

Mesmo que a carreira militar possa importar em uma profissão de risco, ressalvadas as peculiaridades da vida castrense que podem impor algumas restrições, os direitos à vida, à integridade física, à liberdade, a dignidade, à liberdade de pensamento, consciência e religião, dentre outros, devem ser respeitados.

Os membros das Forças Armadas não devem ser expostos a situações nas quais suas vidas corram perigo sem um preciso e legítimo propósito militar.

O rigor e o risco dos treinamentos militares devem ser calculados de forma a não submeter militares a situações que possam ultrapassar os limites necessários à formação castrense e configurar afrontas desnecessárias à vida, à saúde ou à dignidade.

In casu, castigos físicos e trotes violentos devem ser proibidos, bem como não devem ser exigidas tarefas incompatíveis com o seu compromisso de serviço militar.

Os militares devem ter suas vidas privadas e familiares respeitadas. Os recrutas devem, na medida do possível, servir em localidades próximas à sua família.

A designação de um membro das Forças Armadas para servir em localidade distante da sua família ou de sua casa não deve ser imposto como uma punição disciplinar, mas apenas por razões de eficácia operacional.

Cada Estado é competente para organizar seu próprio sistema de disciplina militar e goza de discricionariedade sobre o assunto.

No entanto, apenas a conduta que possa constituir uma ameaça à disciplina militar, à boa ordem, à segurança ou à proteção das instituições militares deve ser definida como uma infração disciplinar.

A gravidade de qualquer punição deve ser proporcional à ofensa e punições coletivas devem ser proibidas.

Os membros das Forças Armadas devem ter o direito à dignidade e à saúde protegidos, além de segurança no trabalho.

Os militares presos disciplinarmente têm direito a saber as razões de sua custódia, a infração cometida e qual procedimento de aplicação da punição.

De igual sorte, militares que cometam condutas criminosas têm direito a um julgamento justo e imparcial.

Deste modo, todas as garantias de um devido processo legal devem ser asseguradas, com o respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

As autoridades judiciárias, em especial nos Estados soberanos que contam com juízes militares, devem atuar com independência e imparcialidade na prestação da tutela jurisdicional.

Efetivamente, também é necessário que as pessoas tenham mais conhecimento de determinada matéria, a fim de garantirem os seus direitos, de forma a exigi-los, para que possamos desempenhar essa nobre missão de forma a garantir a tão sonhada paz social.

Cabe ressaltar que os Militares das Forças Armadas recebem treinamento específico de guerra e não de cunho social e muito menos policial, portanto, cabe realizar uma avaliação mais aprofundada sobre essa questão, para um melhoramento profissional.

Embora seja possível constatar importantes iniciativas e avanços sobre a temática Direitos Humanos dentro das Forças Armadas brasileiras, o progresso deve continuar na busca da implementação destes compromissos internacionais e constitucionais.

Com efeito, educar em Direitos Humanos é a pedra fundamental da afirmação desses valores essenciais e, por isso, revela-se imprescindível incorporar a temática nos currículos das escolas e centros de instrução militares, em todos os níveis de formação da carreira castrense, com carga horária consistente e enfoque aplicado na realidade da vida e das missões militares.

Por fim, percebe-se que falta a disponibilização de material contendo o Regulamento Disciplinar do Exército, Regulamento Interno e dos Serviços Gerais, Direitos Humanos, história do Exército Brasileiro, hinos, canções e outros materiais atinentes à preparação do futuro recruta, a fim de que seja despertado nele o sentimento de patriotismo tão almejado em nossa nação.

Referenciais

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VERAS, Frederico Magno de Melo. Culpabilidade nos crimes propriamente militares/ Frederico Magno de Melo Veras. – São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2007;

19 de Abril, 363 anos do Exército Brasileiro. Disponível em < http://descobrindohistoria.com.br/2011/04/19-de-abril-363-anos-do-exercito-brasileiro/>, acessado em 12 de maio de 2021.

http://www.mpm.mp.br/portal/wp-content/uploads/2019/12/artigo-dh-nas-ffaa.pdf. Acessado em 12 de maio de 2021.

Sobre os autores
llton Varlei Zimmermann Becker

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Militar. Aluno especial do Curso de Mestrado em Direito e Justiça Social - FURG.

Jorge Brum Soares

Advogado. Mestrando em Direito e Justiça Social - FURG. Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Aperfeiçoamento Jurídico - IBRAJU.

Fabiane Brum Soares Zimmermann Becker

Assessora do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul. Mestranda em Direito e Justiça Social - FURG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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