Renúncia ao exercício do poder familiar: desconstrução do mito da maternidade como instrumento de efetivação do direito de entregar sua prole para adoção

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O presente artigo aborda um dos avanços legislativos operados na sociedade brasileira, especialmente o direito assegurado a toda mulher de poder decidir se pretendente exercer o poder familiar, o qual lhe estabelece direitos e deveres com os filhos.

Resumo: O presente artigo aborda um dos avanços legislativos operados na sociedade brasileira, especialmente o direito assegurado a toda mulher de poder decidir se pretendente exercer o poder familiar, o qual lhe estabelece direitos e deveres com os filhos ou optar pelo não exercício do poder familiar e, ao mesmo tempo, assegurar que a sua prole tenha garantido o seu direito à convivência familiar, direito este previsto na Constituição Federal com ressonância no Estatuto da Criança e do Adolescente. À mulher, ainda, restou assegurado o direito a não indicação do pai biológico da criança. O presente trabalho visa estudar o artigo 19 e seus parágrafos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual além de assegurar direitos à mulher e à criança, revela-se, aparentemente, com instrumento efetivo para a justiça social e para a ressignificação da mulher na sociedade com a desconstrução do mito da maternidade e possibilita que a mulher decida acerca do exercício da maternidade sem a interferência do homem no seu processo decisório. Para visualizar a efetividade destes direitos, será realizada pesquisa bibliográfica para compreendermos a (in)eficácia da renúncia ao exercício do poder familiar por parte da mulher como direito assegurado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Palavras-chave: maternidade, filhos, direito, poder familiar e renúncia.

Abstract: This article addresses one of the legislative advances made in Brazilian society, especially the right guaranteed to every woman to be able to decide whether to exercise family power, which establishes her rights and duties with her children or to choose not to exercise family power, at the same time, ensure that their offspring have guaranteed their right to family life, a right provided for in the Federal Constitution with resonance in the Statute of Children and Adolescents. The woman also had the right not to indicate the child's biological father. The present work aims to study article 19 and its paragraphs of the Statute of the Child and Adolescent, which besides guaranteeing the rights of women and children, appears to be, apparently, an effective instrument for social justice and for the re-signification of women in society with the deconstruction of the myth of motherhood and allows women to decide about the exercise of motherhood without the interference of men in their decision-making process. In order to visualize the effectiveness of these rights, bibliographic research will be carried out to understand the (in) effectiveness of the woman's renunciation of the exercise of family power as a right ensured by the Brazilian legal system.

Keywords: maternity, children, law, family power and resignation.


 

Sumário: Introdução. 1. Contextualização histórica e sua evolução social e jurídica. 2. Direito à renúncia ao exercício do poder familiar no ordenamento jurídico brasileiro. Considerações finais. Referenciais.

Introdução

O presente trabalho é fruto de pesquisa bibliográfica com o intuito de compreender a (in)efetividade do direito assegurado à mulher no que tange à renúncia ao exercício do poder familiar, bem como em relação ao efetivo encaminhamento do respectivo filho à adoção.

Pretendemos demonstrar que a mulher possui respaldo legal tanto para exercer a maternidade responsável como também para deixar de exercer esse direito, através do instituto da renúncia ao exercício do poder familiar e tal conduta trata-se de direito assegurado no Brasil e, embora ainda exista preconceito com as mulheres que optam por não exercerem o papel materno, tem sido observado que tal postura assegura outro direito essencial que é o direito à convivência familiar através da inserção em família substituta como medida protetiva.

Pretendemos demonstram os elementos que asseguram esses direitos previstos no ordenamento jurídico e os possíveis reflexos decorrente da renúncia do poder familiar e da inserção em família substituta.

O método de abordagem utilizado foi o dedutivo e como método de procedimento, o monográfico, utilizando-se pesquisa bibliográfica.

1. Contextualização histórica e sua evolução social e jurídica

No Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente resta cristalino que a adoção visa priorizar as reais necessidades, interesses e direitos das crianças e dos adolescentes e, da mesma forma, a adoção representa a oportunidade de exercício da maternidade e/ou paternidade para cidadãos que não puderam ter filhos biológicos ou simplesmente optaram por ter filhos sem vinculação genética. Ao mencionarmos a existência dos referidos cidadãos, inexoravelmente, pensamos em outras cidadãs que, por diversos motivos, renunciam ao direito de criarem seus filhos. Neste contexto, tem-se uma realidade paradoxal.

A Lei nº 13.509/2017 trouxe significativas mudanças na seara da Infância e da Juventude, bem como trouxe importante avanço legislativo em relação ao papel da mulher na sociedade brasileira.

O ato de dispor crianças tem sido percebido, majoritariamente como abandono (WEBER, 1994/2004; FONSECA 2006/2012; MENEZES, 2007), todavia, essa prática foi difundida e aceita pela sociedade, pelo Estado e pela Igreja Católica até o século XVI, porém, em meados do século XVII e início do século XVIII o abandono de crianças passou a ser uma prática condenada, pois os maus cuidados e a indiferença em relação à infância faziam com que grande parte das crianças morressem (MALDONADO, 1985/1989).

No Brasil, a valorização da criança só ganhou visibilidade com a industrialização, cuja mão de obra era necessária (RIZZINI, 2008).

Os primeiros trabalhos desenvolvidos com crianças no Brasil foram realizados pelos jesuítas e datam dos séculos XVI e XVII, onde realizavam catequeses nas chamadas Casa dos Muchachos. Eles reuniam os órfãos para ensinar a ler, escrever e aprender os “bons costumes”.

No século XVIII, surgiu a denominada Roda dos Expostos, que era um dispositivo de madeira de forma cilíndrica com uma divisória no meio, onde qualquer pessoa podia depositar a criança, girar a roda e puxar o cordão que existia no local com uma sineta para avisar que havia sido deixada uma criança no local e, em seguida, após adotar esse procedimento, a pessoa responsável pela entrega da criança evadia do local, sem ser identificada (ARIES, 1981).

A Roda dos Expostos era mantida pelas irmandades religiosas, bem como pela Santa Casa de Misericórdia e, durante o Brasil colonial e republicano, foi considerada a principal política social de atendimento para crianças.

Segundo Mary Del Priore e Carla Bassanezi (1997), a Roda dos Expostos era um dispositivo bastante difundido em Portugal, a Roda consistia num cilindro que unia a rua ao interior da Casa de Misericórdia. No Brasil, apenas Salvador, Recife e Rio de Janeiro estabeleceram tais Rodas no período colonial. Após a Independência, a instituição conheceu enorme sucesso, alcançando o número de doze em meados do século XIX.

Posteriormente, o Código de 1927 consolidou as chamadas “leis de assistência e proteção a menores” e aboliu a roda dos expostos, porém, manteve seus princípios no sentido de preservar o silêncio acerca da origem da criança.

Em 1964 foi criada a Política Nacional de Bem-Estar do Menor, a qual tinha proposta assistencialista e funcionou como órgão aglutinador do planejamento, gerência e da execução da política de assistência ao “menor” no território brasileiro.

Em 1979, o denominado Código de Menores, deu continuidade ao Código de 1927, enfatizando as disposições em relação ao abandono e à delinquência, porém, havia uma visão mais terapêutica no diploma legal.

No Código em testilha surgiram as instituições para menores, reunindo em um só lugar crianças consideradas infratoras, abandonadas e vítimas de maus tratos, tendo como pressuposto que todos estavam na mesma condição de “irregular”. Essas crianças eram vistas como uma “patologia social ou uma anomalia” e eram encaminhadas para essas instituições, as quais representavam uma oportunidade de controle e disciplina (JANCZURA, 2005).

No ano de 1990, surgiu a Lei nº 8.069/1990, identificada como Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal, estabelecendo os direitos fundamentais da criança e do adolescente.

Por sua vez, a Lei nº 12.010/2009 regulamentou a possibilidade da mulher gestante ou mãe efetuar a entregar do seu descendente para adoção. Posteriormente, sobreveio a Lei nº 13.257/2016, a qual ratificou esse direito assegurado à mulher.

Em 22 de novembro do ano de 2017, foi aprovada a Lei nº 13.509, a qual tem sido um marco significativo na esfera da Infância e da Juventude, bem como em relação às garantias dos direitos das mulheres, mormente, observando o disposto no artigo 19-A e seus parágrafos.

Neste ponto, é pertinente compreendermos a realidade da mulher em relação ao mito do amor materno entre os séculos XII e XVIII.

Os autores Giberti (1987/2010) e Chrispi (2007) prelecionam que, por trás do abandono de crianças, há uma violência social, psicológica e simbólica às mulheres, as quais, muitas vezes vivenciam gestações inesperadas ou indesejadas e, em muitas situações, essas gravidezes são acompanhadas da indiferença do seu companheiro e da falta de apoio de sua família extensa. Tais situações desenham uma paisagem de violências simbólicas que podem levar ao ato de entrega do filho para adoção.

Badinter (1985) afirma que no imaginário social o instinto materno deve ser natural a todas as mulheres e está associado a fatores culturais, ideológicos, as condições históricas, sociais e econômicas de cada época. Diferente dos séculos passados, atualmente uma mulher pode optar pela maternidade, porém, quando ela decide em não ser mãe, ela pode ser julgada pela sociedade, como egoísta e desnaturada (MOTA, 2005).

Nas palavras de Simone de Beauvoir (1967), ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade. É o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro.

A maternidade é uma dualidade entre procriação e maternagem que é afetada por mitos como o da “boa mãe” e da “mãe sagrada”, que lhe exige uma dedicação exclusiva aos filhos (SERRURIER, 1993).

Segundo Motta (2008), as mulheres que não exercem a maternidade pautada no mito do amor materno tendem a ser excluídas da sociedade.

Nas palavras de Maria Berenice Dias (2017), a cultura sexista sempre enalteceu a maternidade como a mais divina missão da mulher. O maior e mais importante ponto de gratificação feminina. É o que sempre lhe ensinaram. Toda mulher precisa querer e gostar de ser mãe. É algo tão sublime que deve ser o seu único sonho e sua realização plena. Para frisar as obrigações femininas para com seus filhos, chega-se a falar em instinto maternal, como se o vínculo materno-filial chegasse a ter origem animal.

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Neste avanço legislativo, é possível concluir que o ordenamento jurídico pátrio reconheceu à mulher o direito de escolher exercer ou não a maternidade, não restando a mulher coagida a exercer o papel materno quando este não é o seu real desejo. Pertinente ressaltar que, embora este não seja o avanço do ponto de vista social e jurídico esperado para a plenitude almejada pela mulher em relação ao seu corpo é, por ora, a medida judicial legalmente prevista na legislação brasileira.

2. Direito à renúncia ao exercício do poder familiar no ordenamento jurídico brasileiro

O tema em comento é tratado no contexto atual a partir do avanço legislativo, através da Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017, a qual trouxe significativas alterações ao Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como na importância que a efetividade dos direitos possui na busca da justiça social com a diminuição das desigualdades existentes na sociedade.

In casu, a possibilidade da mulher gestante ou mãe entregar seus filhos para adoção já se encontrava prevista no artigo 13, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente, possibilidade esta introduzida pela Lei nº 12.010/2009 e, posteriormente, mantida pela Lei nº 13.257/2016, no artigo 13, parágrafo primeiro, do mesmo diploma legal. Ocorre que, a Lei nº 13.509/2017 ratificou o anteriormente disposto e disciplinou a partir do art. 19-A, de forma minuciosa, o procedimento a ser adotado para a concretização do direito da mulher trazendo a esta maior segurança para manifestar a sua vontade de não exercer o papel materno e entregar o filho para adoção, isenta de qualquer espécie de violência social, moral, afetiva e/ou psicológica.

A questão merece estudo aprofundado devido às características desse tipo de violência, a qual é conhecida como “branca” ou “simbólica”, na medida em que não é explícita, podendo passar, na maioria das oportunidades, despercebida, ainda que praticada de maneira dura, cruel, opressora e desumana em relação à mulher.

A sociedade preconiza que a mulher deve criar seus filhos, ainda que não possua os recursos necessários, bem como tem imposto às mulheres expectativas sociais difíceis de serem alcançadas. E, em caso de eventual fracasso, a sociedade lhes fere com duras palavras, moralizantes e conservadoras, numa perspectiva inconcebível.

Segundo Heleieth Saffioti (1987), rigorosamente, os seres humanos nascem machos ou fêmeas. É através da educação que recebem que se tornam homens e mulheres. A identidade social é, portanto, construída.

A doutora Maria Cláudia Crespo Brauner e a doutoranda Carla Kuhn (2014) destacam que a maternidade recebeu novas significações, passou por muitas mudanças em sua concepção, desde considerada como instinto natural e biológico da mulher, como cumprimento de uma obrigação imposta pela sociedade e pelo casamento, com caráter patrimonialista, com vistas a assegurar a existência de herdeiros. Em muitas ocasiões, os recém-nascidos poderiam ser abandonados nas famosas rodas dos excluídos ou relegados a segundo plano, sendo criados por amas de leite.

Por sua vez, a filósofa Elizabeth Badinter elucidou que o amor materno foi por tanto tempo concebido em termos de instinto que acreditamos facilmente que tal comportamento seja parte da natureza da mulher, seja qual for o tempo ou o meio que a cercam. Aos nossos olhos, toda mulher, ao se tornar mãe, encontra em si todas as respostas à sua nova condição. Como se uma atividade pré-formada, automática e necessária esperasse apenas a ocasião de se exercer. Sendo a procriação natural, imaginamos que ao fenômeno biológico e fisiológico da gravidez deve corresponder determinada atitude maternal (BADINTER, 1985, p. 20).

Para Motta (2005), ao contrário do que o imaginário social sustenta, a principal razão para a decisão de entregar um filho em adoção ou a simples ideia de fazê-lo pode estar associado às condições psicossociais da mulher.

O estudo desta questão revela a necessidade da importância do debate acerca da condição da mulher em decidir exercer ou não a maternidade, na situação da criança, a qual resta entregue pela mãe de forma consciente e espontânea para ser encaminhada para colocação em família substituta através da adoção regular efetuada e registrada no Sistema Nacional de Adoção - SNA, o qual é vinculado ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, através da Lei nº 13.509/2017, trouxe importantes alterações e, com elevado primor, regulamentou expressamente a possibilidade da gestante ou mãe manifestar o interesse de entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, rechaçando qualquer prejulgamento ou exposição ao constrangimento, assegurando a efetividade do direito da mulher e trazendo uma ressignificação acerca do seu papel na sociedade brasileira, podendo esta, de forma lícita, decidir pela maternidade responsável ou pela entrega da prole para fins de adoção.

Importante consignar que, embora tenha ocorrido o avanço legislativo, ainda, não é a concretização da liberdade almejada pela mulher, porém, é uma alternativa, por ora, juridicamente possível, portanto, lícita.

Maria Helena Diniz (2012, p. 1.197) ensina que:

O poder familiar consiste num conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção dos filhos.

Poder familiar, portanto, é um instituto jurídico que vincula pais e filhos menores, não emancipados, que são os sujeitos da relação jurídica que se constitui por vínculo natural, biológico, adotivo, pelo reconhecimento espontâneo, cujo objeto desse relacionamento é um conjunto de direitos e deveres, em âmbito pessoal e patrimonial.

Muito se discute sobre se o poder familiar é um instituto jurídico em que há efetivamente poderes aos pais ou se somente ostentam deveres e obrigações; tanto que esse debate resulta em divergências acerca da sua própria terminologia.

Anoto, contudo, que o poder familiar é um instituto sui generis, com natureza, características e especificidades, pois é uma relação jurídica de direito material estabelecida entre pessoas físicas que figuram em dois polos (ativo e passivo), em que há correlação e correspondência de direitos e deveres entre esses sujeitos.

No polo ativo, como titulares do instituto jurídico, estão os pais que têm o poder e o dever de exercerem as prestações que decorrem dessa titularidade, prestações essas impostas pela lei. No passivo estão os filhos menores e não emancipados, porque são as pessoas naturais que estão sujeitas ao exercício do poder familiar, mas, que têm interesse legítimo em exigir o adimplemento das prestações legais.

É uma situação jurídica em que o poder está umbilicalmente atrelado ao dever, por isso, poder-dever; simultaneamente, há a titularidade do instituto e o consequente exercício de prestações relativas ao poder familiar, com os direitos disso advindos, e, correlatamente, a obrigação de satisfazer vários deveres inerentes a esse mesmo exercício.

Os pais têm como sujeitos titulares, por exemplo, no exercício do poder familiar, o direito de exigir obediência e respeito de seus filhos menores não emancipados, mas, concomitante a esse poder, há o dever de prestar sustento, guarda, criação e educação.

O poder familiar é constituído nessa íntima relação social, todavia, gera direitos e deveres aos sujeitos que integram a relação jurídica: pai, mãe e filhos; filhos menores e não emancipados, independentemente da origem dessa filiação.

Deveras, o poder familiar não é um exclusivo poder, mas, um poder-dever que os pais ostentam em relação a seus filhos menores, não emancipados, quanto à sua pessoa, quanto a seus bens, pois desse instituto resultam direitos pessoais e patrimoniais.

O egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a fim de disciplinar de forma local e efetivar o direito da mulher assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente criou o projeto denominado “Entrega Responsável”, o qual estabeleceu fluxos e procedimentos entre o Juizado da Infância e da Juventude, serviços de saúde, rede socioassistenciais e o Conselho Tutelar no atendimento e acolhimento de gestantes/mães que manifestem o desejo de entregar o filho em adoção.

O referido projeto visa, ainda, garantir a proteção às crianças, por meio da assistência psicológica, social e jurídica às gestantes ou mães que optam pela entrega do filho. Objetiva, também, prevenir que a criança seja exposta a situações de risco, oportunizando um espaço para acolhimento, escuta sensível, encaminhamentos necessários e orientação à mulher permitindo uma tomada de decisão com responsabilidade, respeitando sua individualidade e sem a presença de preconceito ou qualquer outra forma de violência moral e/ou psicológica.

A inovação legislativa ratifica que a decisão de entregar um filho em adoção não configura crime e quando realizada de forma regular pode significar um verdadeiro ato de liberdade, proteção e garantia dos direitos da criança, além de assegurar o direito da mulher em relação ao exercício ou não da maternidade. Ainda, assegura à mulher o direito de não indicar o pai biológico da criança, restando permitida a entrega do filho sem qualquer ingerência do homem no seu processo decisório.

Para Chrispi (2007) os fatores que influenciam a entrega do filho têm origem na ausência de políticas públicas e na desproteção da família.

A gravidez é uma fase de grandes transformações para a mulher, durante esse período ela se encontra mais vulnerável e propensa a crises devido à ocorrência de mudanças físicas, psicológicas e sociais (LOPES, et.al., 2012).

Ainda, segundo Alain Touraine (2007), a dominação masculina é atacada ao mesmo tempo pela liberdade de decidir ter ou não ter filhos e pela reivindicação da sexualidade como elemento central da construção da personalidade feminina.

Considerações finais

O artigo em comento teve como finalidade elaborar uma análise da doutrinária acerca do direito assegurado a toda mulher de renunciar ao exercício do poder familiar sem que venha a sofrer qualquer represália ou ser vista socialmente como uma pessoa transgressora das regras sociais, as quais, por vezes, impõe que a mulher constitua família por uma cobrança familiar e social.

Da mesma forma, buscou-se trabalhar a possibilidade de renúncia do exercício do poder familiar como instrumento de efetivação de outros direitos, especialmente do direito assegurado a toda criança e adolescente de ter convívio familiar e, em caso de renúncia do poder familiar por parte da genitora, em caso de pai desconhecido ou não registral, sua inserção em uma família substituta permite celeremente a efetivação do seu direito ao convívio familiar em uma nova família.

Além de mencionar o contexto histórico, as peculiaridades do instituto da renúncia ao exercício do poder familiar e da inserção em família substituta, o presente trabalho buscou trazer à reflexão o contexto social e os direitos assegurados tanto às mulheres como aos filhos, direitos estes que, por vezes, são desconhecidos das comunidades mais desassistidas socialmente e vulneráveis.

Neste contexto, percebe-se a importância e a necessidade de discutir os diversos temas em relação aos direitos das mulheres e das crianças e adolescentes, especialmente os reflexos que estes direitos acarretam para os envolvidos e para a sociedade como um todo.

Deste modo, concluímos que, os direitos existentes devem ser disseminados de forma que alcance a todos e, desta forma, permita que existam mulheres que, querendo, possam livremente renunciar ao exercício do poder familiar e os filhos, sejam crianças ou adolescentes, sujeitos de direitos, tenham seus direitos garantidos, especialmente o direito amplo à convivência familiar de forma efetiva e lícita.

Referenciais

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CHRISPI, L. L. S. Por trás da janela: alguns determinantes sociais do abandono de recém-nascidos. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). PUC – SP, 2007.

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https://ibdfam.org.br/artigos/1024/Poder+familiar+na+atualidade+brasileira. Acessado em 13 de maio de 2021.

Sobre os autores
llton Varlei Zimmermann Becker

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Militar. Aluno especial do Curso de Mestrado em Direito e Justiça Social - FURG.

Jorge Brum Soares

Advogado. Mestrando em Direito e Justiça Social - FURG. Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Aperfeiçoamento Jurídico - IBRAJU.

Fabiane Brum Soares Zimmermann Becker

Assessora do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul. Mestranda em Direito e Justiça Social - FURG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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