Reflexões acerca do racismo velado que circundam as condenações de negros por crimes sexuais:

Por que a maioria das condenações recaem sobre negros e pobres?

Leia nesta página:

O presente artigo traz considerações sobre o racismo velado que ainda perpetua no meio social. Para corroborar com tal afirmativa faz um comparativo entre a maioria de condenações exaradas pelo judiciário que recaem sobre pessoas negras.

O artigo em comento nos traz uma realidade onde panorama nacional é demasiadamente preocupante, uma vez que condenações a penas privativas de liberdade continuam sendo aplicadas aos que menos recursos possuem, corroborando deste modo com o flagrante racismo velado que ainda assola a nação.

Tal situação ocorre em parte por causa de toda desigualdade social, política e econômica que fazem parte da história da nossa sociedade. Ademais, a cultura de estereotipação e os rótulos que são atribuídos para algumas pessoas ainda definem o tipo de tratamento que irão ter em diversas searas da vida em sociedade, mas de forma rude e cruel na seara da polícia e justiça nacionais. Enquanto o Estado de coisas inconstitucional, ou seja, a ocorrência de forma massiva de violações a direitos e garantias fundamentais ocasionadas pela atuação ineficiente do Estado, continuar sendo corriqueiro, a sociedade estará sujeita aos abusos estatais. A ausência de políticas públicas eficazes trazem a tona a ineficiência, a omissão e o descaso estatal no seu conceito amplo, haja vista que todos os poderes e a sociedade que ainda mantém o seu “quê” de aristocrata possuem sua parcela de culpa no que vem ocorrendo, haja vista que é de conhecimento geral que a maioria dos encarcerados são negros e pobres, fato que consubstancia as condenações por crimes sexuais tendo-os como réus, ainda que em muitas ocasiões, mesmo sendo os fatos submetidos ao julgamento da justiça, a qual seria de se esperar um agir com imparcialidade, sofrem primeiramente uma condenação imposta pelo clamor social, a qual segue no fluxo judicial de forma a satisfazer o anseio de uma parcela da população para a qual as pessoas por constituírem certas comunidades, possuir determinadas raças e trazer alguns estereótipos consigo são consideradas criminosas ou potenciais criminosos mesmo sem o ser na realidade. O racismo institucional que ocorre no ínterim entre a notícia do crime e seu desfecho judicial deixam bastante evidenciado que a desigualdade racial e formas de exclusão na ordem social brasileira nunca foram superadas, nem execradas pela população.

No caso de crimes sexuais, em grande parte das vezes o juízo de valoração subjetivo é realizado apenas pela narrativa da vítima, o que torna o processo um tanto mais peculiar, posto que se deveria ter uma investigação bastante robustecida por demais provas, independente do prazo de conclusão do inquérito policial, mas de modo que seja possível serem colhidas a maior quantidade de evidências de modo a evitar condenações precoces de pessoas inocentes, mas que em razão de um “senso comum” pautado em se concluir que pessoas de cores preta e parda apresentar-se-iam como classificações imediatamente convincentes porque preenchem a identidade virtual socialmente imputada aos estupradores, acaba sendo algo corriqueiro no dia a dia do sistema judicial criminal. Outro fator que corrobora com as discrepâncias que são apontadas entre as condenações de brancos e negros, é que na maioria das vezes as pessoas mais vulneráveis a sofrerem tais incriminações são pobres e com pouca instrução, não possuindo condições de contratarem defesas técnicas que vão exaltar seus interesses em relação ao esclarecimento do caso em que se encontra imerso, mas sim são defendidos por defensores públicos que nem sempre atuam de forma satisfatória em prol dessas camadas sociais. Nota-se que muitos aspectos são levados em consideração no momento de julgamento da conduta, muitas vezes sendo esses inerentes a pessoa do réu, além de local onde estava no momento do fato, comportamentos etc. Na maioria dos casos resultantes em condenações, apenas a palavra da vítima e de agentes policiais contam para o juízo de valoração negativo exercido pelo magistrado. Não se pode negar que, embora discursos de isonomia sejam trazidos a tona, na prática não é bem assim que as coisas funcionam.

Nesse diapasão, nota-se flagrantemente a ignorância ao princípio da igualdade, consagrado pela Constituição Federal (prefiro utilizar princípio da isonomia, o qual acredito ser mais justo por tratar de forma desigual as pessoas na medida de suas desigualdades de modo a alcançar e assegurar às pessoas oportunidades iguais, considerando suas condições diferentes). Nota-se que existe seletividade punitiva e a exclusão social recaindo sobre esses indivíduos que sofrem penas privativas de liberdade, fazendo com que o encarceramento, via de regra, tornasse-se a única e exclusiva resposta aos crimes sexuais e, por consequência, impulsionador do constante crescimento da população carcerária. A tentativa de atenuar os problemas relacionados à segurança pública por meio do encarceramento tem gerado justamente o efeito contrário ao esperado, uma vez que o número de apenados tem aumentado significativamente, enquanto, ao revés, a violência não mostra sinais de diminuição. Ignora-se a adoção de políticas públicas preventivas e opta-se por mecanismos de contenção pós-delito, sendo que esses, diante da realidade nacional, vem se mostrando cada vez mais ineficientes no combate ao crime.

Logo, diante da discrepância entre as decisões, pode-se concluir que o fato de as pessoas pardas e negras terem uma maior índice de condenação pela prática de crimes sexuais, atribui uma insegurança jurídica no tocante ao conceito de “suspeito” que é utilizado pelas forças policiais no momento do recebimento da comunicação do crime por parte da vítima ou de seu representante-legal, posto que muitas vezes, ainda na fase de investigação, tais pessoas já são consideradas culpadas pelo crime e encarceradas para aguardar o processo judicial, ficando à mercê do poder discricionário dos julgadores. Esses, em sua maioria, fecham os olhos para a realidade social em que os indivíduos negros e pardos condenados por crimes sexuais estão inseridos, e optam pela exclusão definitiva, por meio do encarceramento. Da análise realizada, pode-se asseverar que a taxação a respeito da cor deixa evidenciado o racismo institucional que ainda vigora no país de forma expressa e as decisões condenatórias corroboram ainda mais com a disseminação dessa forma de racismo, o qual é fomentado principalmente pelas camadas de maior condição social e detentora de poder decisório.

Sobre as autoras
Luciana Sardinha de Vasconcelos

Servidora Pública na SEPOL - RJ desde 2002. Bacharel em Direito formada pela Universidade Estácio de Sá. Pós-graduada em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá. Acadêmica em Segurança Pública e Social pela UFF.

Informações sobre o texto

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