Sobre o benefício de prestação continuada e dos critérios de concessão no Conselho de Recursos da Previdência Social
1. Introdução
Segundo o Justiça em Números Digital do Conselho Nacional de Justiça, no ano-base de 2018 houve um total de 50.528 novas ações judiciais sobre o tema benefício de prestação continuada da pessoa com deficiência, enquanto em 2019 este número correspondeu a um total de 47.357 e 22.677 novos casos, respectivamente sobre benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência e ao idoso. 1
No âmbito administrativo, o Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS, órgão colegiado instituído para exercer o controle jurisdicional das decisões do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, possui o seguinte quantitativo de processos de benefício de prestação continuada, no período de 2019 a janeiro de 20212:
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Rótulos de Linha |
Soma de Total Recebidos |
Soma de Resíduo + Recebidos |
Soma de Total Julgados |
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87 - Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social à pessoa com deficiência |
87.628 |
388.115 |
32.251 |
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2019 |
33.611 |
161.803 |
20.480 |
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2020 |
52.844 |
194.270 |
10.343 |
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janeiro, 2021 |
1.173 |
32.042 |
1.428 |
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88 - Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social ao idoso |
31.162 |
135.892 |
12.202 |
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2019 |
9.406 |
49.149 |
6.720 |
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2020 |
21.337 |
72.477 |
4.813 |
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janeiro, 2021 |
419 |
14.266 |
669 |
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Total Geral |
118.790 |
524.007 |
44.453 |
Observa-se, desse modo, que a matéria relacionada ao benefício de prestação continuada apresenta baixo índice de judicialização em comparação ao quantitativo de recursos administrativos. Entretanto, como os recursos administrativos dessa matéria em geral são instruídos de maneira insatisfatória, exigindo a realização de diligências em sede de recurso (por exemplo, para a realização de nova avaliação conjunta ou juntada de documentação), o que demanda um baixo quantitativo de processos julgados pelo CRPS.
Há que se ressaltar que há previsão no regimento interno3 do CRPS, de que conquanto os processos devem ser distribuídos por ordem cronológica, há necessidade de se priorizar a análise e solução dos casos do BPC, até em razão da necessidade e miserabilidade dos seus beneficiários.
Por outro lado, a atual realidade de estado de pandemia, fomos assolados e surpreendidos com o vírus Covid-19, também chamado de coronavírus. Em e através do rápido e silencioso contágio desse vírus tem sido agravado questões sociais, como o aumento de ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos, o que gera, dentro do dever da vigilância socioassistencial (prevista no artigo 2º4 da Lei 8.742/1993), o dever de uma prestação célere, rápida, eficiente e eficaz quanto aos pedidos de benefícios assistenciais.
Ademais, houve recentes alterações seja na legislação, seja no entendimento do CRPS que justificam uma maior atualização e cuidado com o tema.
Assim, dentro da seara administrativa previdenciária, aqui nos propomos a tratar das recentes alterações e controvérsias relacionadas a concessão do BPC, seja quanto ao critério objetivo de renda familiar, da possibilidade de comprovação de condição de miserabilidade familiar, das possibilidades de desconsideração de renda familiar seja por despesas em razão de sua deficiência, incapacidade ou idade avançada ou por benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência.
2. Das Questões relacionadas ao critério objetivo da renda per capita familiar
Como bem leciona Wagner Balera5, que a assistência pública é uma das manifestações do espírito social que contrapuseram ao individualismo pela caridade ou solidariedade, tendo tal critério objetivo o papel de definir aqueles que serão socorridos pelo Estado.
Ademais como bem menciona Gustavo Felipe Barbosa Garcia6 em sua obra, a assistência social, a “assistência social, diversamente da saúde, não é um direito de todos, mas sim, na verdade, dos que necessitam de prestações que garantam o mínimo existencial.
Historicamente, coube a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS (Lei nº 8.742/93), através do benefício de prestação continuada, estabeleceu como um dos objetivos da Assistência Social a garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e a pessoa idosa (maior de 67 anos em 1998 e maior de 65 anos a partir de janeiro de 2000) que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Por isso quando se aborda o critério de renda per capita para fins de acesso ao benefício de prestação continuada - BPC, há que se relembrar, do disposto no inciso V7 do artigo 203 da Constituição Federal, segundo o qual a Assistência Social, no quadro constitucional da Seguridade Social, é destinada àqueles que não possuam meios de prover a sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, direito previsto no artigo 6º da mesma Carta Política8, subsistema de proteção que faz parte da seguridade social9,
Nada dispôs a Constituição a respeito do conceito de miserabilidade ou vulnerabilidade, delegando a sua definição à legislação ordinária.
O parâmetro objetivo definido pela referida lei, em seu art. 20, § 3º, foi o de renda familiar inferior a ¼ de salário-mínimo per capita, sendo possível a utilização de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, nos termos da regulamentação, conforme o § 1110 do mesmo dispositivo. Assim, percebemos que a lei não inseriu uma definição exaustiva do que seria a vulnerabilidade ou miserabilidade.
Conquanto não haja, via de regra, vinculação no processo administrativo previdenciário das decisões do Poder Judiciário, deve-se mencionar que o Supremo Tribunal Federal, em 2013, se pronunciou pela inconstitucionalidade material incidental do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.743/93 (RE 567.985 e 580.963). Tal entendimento deu-se em razão de inalteração da lei, tendo sido paralelamente editadas com critérios mais elásticos para critério de aferição da renda familiar mensal per capita, como no caso do benefício assistencial denominada de bolsa família, destinada às pessoas com renda familiar de até meio salário-mínimo.
Há que se lembrar que recentemente houve alteração relativa ao critério de renda pela Lei n. 13.982/2020, posteriormente afetado pela decisão da ADPF STF 662 e pela Medida Provisória – MP Nº 1.023, de 31 de dezembro de 2020, relativa a previsão do inciso II do §3º do artigo 20 da Lei n. 13.982/2020, que inicialmente previa a possibilidade de concessão do benefício de prestação continuada para idosos ou deficientes com renda igual ou inferior a 1/2 do salário-mínimo, a partir de 01 de janeiro de 2021, o que foi posteriormente foi revogado, voltando-se para o critério já mencionada de
Cabe aqui destacar que encontra-se ainda em vigor, a previsão do artigo 20-A da Lei do LOAS também incluído pela Lei n. 13.982/2020:
“Em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário-mínimo” (GRIFOS NOSSOS)
Assim, por ora, resta mantido o critério objetivo de renda familiar inferior a um quarto do salário-mínimo, o qual, como faculdade, durante o período calamidade pública decorrente do coronavírus, mediante ato do governamental poderá ser ampliado para meio salário-mínimo, o que não ocorreu até a presente data.
2.1. Das questões relacionadas a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade do grupo familiar
Conforme já mencionado, há ainda a possibilidade de concessão do BPC quando caracterizado outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, expresso no § 11 no artigo 20 da Lei do LOAS.
Primeiro, precisamos lembrar que desde 2016, através do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2016, houve a inclusão do supramencionado § 11, para prever a possibilidade de relativização do critério de rendam podendo "ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento".
É importante que o Estatuto supracitado, foi oriundo da PL 7699/2006 (ou seja, tramitou por quase 10 anos) de autoria do senador Paulo Paim (que também foi relator do Estatuto do Idoso), com Redação Final assinada pela Relatora, Dep. Mara Gabrilli, oportunidade, onde houve a inclusão do § 11 no artigo 20 da Lei do LOAS, que por consequência acabou abarcando tal critério não só para pessoa com deficiência, mas também para os idosos.
Quanto ao que seria a condição de miserabilidade para fins de concessão do BPC, o Pleno do CRPS, já se posicionou através das Resoluções do Pleno do CRPS de n. 01/2019, 02/2019 e 34/2020, alterando seu posicionamento até 2018, aqui mencionado a última:
“BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. AMPARO SOCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LOAS. RECLAMAÇÃO AO CONSELHO PLENO. FUNDAMENTADA NO ART. 64 DO REGIMENTO INTERNO DO CRPS (PORTARIA MDSA Nº 116/2017). Análise de competência deste Conselho Pleno. Alegação de que não é devido o amparo social pelo fato de a renda per capita de o grupo familiar ser superior 1/4 do salário mínimo. Não configurada infringência ao Parecer CONJUR/MPS/Nº 616/2010. Reconhecimento de direito ao benefício com renda familiar per capita superior a / do salário-mínimo. Utilização de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade. Parecer Social. Possibilidade. Precedentes do Conselho Pleno. Fundamentação: arts. 3º, 64, 69 do Regimento Interno do CRPS; Resoluções nºs 01 e 19/2019 do Conselho Pleno do CRPS. RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE”.
Quando ao entendimento supracitado, vê-se que o Pleno do CRPS, em decisão de caráter não vinculante, entendeu pela possibilidade de caracterização de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, mesmo não havendo regulamentação do § 11 no artigo 20 da Lei do BPC, através de parecer social indicando tal situação.
Me parece que o Conselho, inspirado pelo enunciado 79 da Súmula do TNU, passou a aceitar a comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, o que administrativamente é feito através do parecer social.
Da mesma sorte, se inspirando no supramencionado enunciado, o CRPS deveria também em sendo inviabilizados este meio, deveria também aceitar a comprovação via prova testemunhal, através de justificação administrativa e/ou pesquisa SP.
Por outro lado, a aplicação do § 11 no artigo 20 da Lei do LOAS, como em casos em que se verifique renda superior a um quarto de salário-mínimo, não gera conflito com a questão 16 do Parecer CONJUR/MPS/Nº 616/2010, de caráter vinculante a seara administrativa previdenciária, em sendo parecer da Consultoria Jurídica do MPS, aprovados pelo Ministro de Estado, conforme previsto no artigo 68 da Portaria MDS 116/2017 (Regimento Interno do CRPS).
Primeiramente precisamos lembrar a questão 16 do Parecer CONJUR/MPS/Nº 616/2010 que dispõe:
“Questão 16. O limite de meio salário mínimo estabelecido pelas Leis nºs 9.533/97 e 10.689/2003 deve ser considerado para fins de aferição de miserabilidade em substituição ao previsto na Lei nº 8.742/93 (1/4 SM)?
91. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada da Assistência Social BPC, sob operacionalização do INSS, encontram-se delineados no art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a Lei Orgânica da Assistência Social LOAS. 92. Entre os requisitos do benefício, é necessário comprovar o estado de hipossuficiência econômica da família da pessoa com deficiência ou idosa, que consiste numa renda familiar mensal inferior a um quarto do salário mínimo per capita, por força do § 3º do art. 20 da LOAS. 93. Em 2007 foi editado pelo Poder Executivo o novo Regulamento do BPC/LOAS, aprovado pelo Decreto nº 6.214, de 2007, por meio do qual se reafirmou a exigência da comprovação do requisito previsto no § 3º do art. 20 da LOAS, nada dispondo sobre a elevação do limite para o patamar de meio salário mínimo per capita. 94. A propósito, o art. 4º, inciso IV, do Regulamento anexo ao Decreto nº 6.214, de 2007, estabelece: "Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se: IV família incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou do idoso: aquela cuja renda mensal bruta familiar dividida pelo número de seus integrantes seja inferior a um quarto do salário mínimo; (...)".
É importante chamar a atenção que no recurso administrativo previdenciário foi adotado o princípio da legalidade, onde há aplicação obrigatória dos seus precedentes e normas vinculantes, o que não ocorre, no exemplo de aplicação do § 11 no artigo 20 da Lei do BPC, em casos em que se verifique renda superior a um quarto de salário-mínimo, pois o Parecer CONJUR/MPS/Nº 616/2010, além de ser anterior a Lei n. 13.146/2016, também menciona especificamente situação de consideração de limite de meio salário mínimo estabelecido pelas Leis nºs 9.533/97 e 10.689/2003, o que, de fato, não só era, mas continua não sendo aceito na seara administrativa previdenciária.
2.2. Das questões relacionadas as possibilidades de desconsideração de renda familiar
Noutro giro, ainda relacionado ao critério de objetivo de renda para fins de concessão do BPC, há ainda as novas diretrizes dadas pela Lei nº 13.982/2020 e da ACP nº 5044874-22.2013.404.7100/RS.
A referida ACP está em vigor desde 04/05/2016 traz a possibilidade de desconsideração de renda familiar relacionada a despesas feitas em razão de sua deficiência, incapacidade ou idade avançada, com:
a) medicamentos: comprovação de prescrição médica e comprovação do valor mensal gasto;
b) alimentação especial: comprovação de prescrição médica e comprovação de valor mensal gasto;
c) fraldas descartáveis: comprovação do valor mensal gasto;
d) consultas na área de saúde (com profissionais de toda área de saúde): comprovação do valor mensal gasto.
Quanto a supramencionada ACP, aqui trazemos, por amor ao debate, mesmo que superficialmente, já que trataremos dessa questão em outra oportunidade, a reflexão, no sentido de que a aplicação da mesma, a nosso sentir, não deve ter o seu termo inicial, fixado a partir da decisão. Isso porque considerando que o CRPS não possui vinculação, conforme previsão do seu regimento interno, a aplicação da ACP, em verdade dá-se utilizando a base da interpretação e/ou aplicação constitucional/normativa que lhe norteia. Assim, não havendo afastamento de dispositivo legal, nem declaração de inconstitucionalidade, entendemos, a uma, que a sua aplicação não deve estar adstrita a decisão em ACP, mas sim ao termo inicial da norma constitucional e/ou legal, a que a decisão está vinculada.
Por fim, quanto ao critério de renda, coube a Lei 13.982/2020, acrescer o § 14 ao artigo 20 da Lei do LOAS, para também desconsiderar o benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
Tal entendimento foi abarcado pelo INSS, na Portaria Nº 374, de 5 de maio de 2020 fixando a sua aplicação a partir de 2 de abril de 2020, limitando, porém, o que a Lei 13.982/2020, não o fez, a aplicação para, como no exemplo que Frederico Amado traz em sua obra de Curso de Direito Previdenciário11, os benefícios previdenciários de até um salário-mínimo percebidos pela pessoa com deficiência às aposentadorias regulamentadas na Lei Complementar nº 142/2013 ou para benefício de um segurado com deficiência de longo prazo que esteja em gozo de benefício por incapacidade no valor de um salário-mínimo.
Convém, porém, lembrar que já existia, antes da Lei nº 13.982/2020, já existia a previsão no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso12, inserido pelo Decreto nº 6.214/2007, que já excluía da renda mensal bruta familiar, para fins de reconhecimento do direito ao BPC ao Idoso, o benefício já concedido de BPC a qualquer membro da família de BPC ao Idoso, replicado no artigo 19 do Regulamento do BPC (Decreto 6.214/2007).
Ivan Kertzman e Luciano Martinez em sua obra13, se posicionam, no sentido de que o parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.741 não se aplicam ao portador de deficiência. Ora tal entendimento, a nosso sentir, não é passível de discussão, haja vista que, diferentemente da técnica legislativa utilizada no Estatuto da pessoa com deficiência, o legislador, não realizou a modificação da Lei do LOAS.
Ocorre que a Lei nº 13.982/2020 veio suprir uma omissão parcial do legislador declarada incompatível com a Constituição de 1988 pelo STF, estendendo a regra já existente no Estatuto do Idoso em favor de deficientes titulares de BPC e idosos acima de 65 anos com benefício previdenciário com renda de até um salário-mínimo.
Tal norma, inclusive, restou regulada, em sede do INSS, através da Portaria INSS nº 1.282/2021, cuja adequação dos sistemas, como tem acontecido, em regra, só ocorreu, meses após a edição da supramencionada lei, o que, gera, indevidamente, a negativa de benefícios por inadequação de sistemas.
Assim, aqui trazemos a reflexão, relacionada
3. Das questões relacionadas ao critério de deficiência
Primeiramente quanto a questão da deficiência, primeiramente precisamos pontuar que não vislumbramos recentes alterações quanto a critério de fixação de deficiência para fins de concessão do BPC, porém, a nosso sentir, persistindo a grande necessidade de aprofundamento e melhor entendimento sobre o que seria a deficiência justificadora de concessão de benefício assistencial.
Como bem menciona Marisa Ferreira dos Santos14 em sua obra, após a alteração do §2º do artigo 20 da Lei do LOAS pela Lei 12.435/2011 e dias depois pela Lei 12.470/2011, trouxe novo conceito onde se deixou de considerar a incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, devendo agora as limitações físicas, mental, intelectual ou sensorial, serem conjugadas com fatores sociais, o contexto da residência, para fins de comprovação de que essas limitações impedem a integração plena da vida em sociedade, dificultando a sua vivência com os demais.
Por isso nos lembrando do ensinamento de Cláudio Trezub15,em sua obra, que deficiência é a perda da função fisiológica ou de estrutura anatômica, ao passo que incapacidade é a aptidão reduzida de atingir exigências ocupacionais como resultado de debilidade e outros fatores associados.
Assim, nos termos do artigo 2º, §1º, da Lei 13.146/2015, a avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:
I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III - a limitação no desempenho de atividades; e
IV - a restrição de participação.
Na avaliação da deficiência, nos termos da própria legislação mencionada, a avaliação será biopsicossocial e multidimensional não será mensurado apenas o impacto da doença sobre o segurado, mas sim os aspectos externos gerados pela enfermidade.
Assim a análise caberá ao, utilizando a técnica Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, do índice de funcionalidade brasiliero aplicado para fins de classificação e concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência - IF-BRA adotada pela legislação, o perito médico verificará o estado da pessoa e o assistente social verificará a natureza social do indivíduo, conforme destacamos a seguir16:
O modelo médico considera a incapacidade como um problema da pessoa, causado directamente pela doença, trauma ou outro problema de saúde, que requer assistência médica sob a forma de tratamento individual por profissionais. Os cuidados em relação à incapacidade têm por objectivo a cura ou a adaptação do indivíduo e mudança de comportamento. A assistência médica é considerada como a questão principal e, a nível político, a principal resposta é a modificação ou reforma da política de saúde. O modelo social de incapacidade, por sua vez, considera a questão principalmente como um problema criado pela sociedade e, basicamente, como uma questão de integração plena do indivíduo na sociedade.
Nos termos do supramencionado CIF, é importante ressaltar que a funcionalidade e a incapacidade de uma pessoa são concebidas como uma interação dinâmica entre os estados de saúde (doenças, distúrbios, lesões, traumas, etc.) e os fatores contextuais.
Assim, na seara administrativa previdenciária vemos como necessário, até por questões pedagógicas, um maior esclarecimento sobre a deficiência justificadora de concessão de benefício assistencial e um olhar mais acurado sobre o cumprimento da análise necessária em casos em que se alegue tal deficiência.
4. Das questões relacionadas a obrigatoriedade do CADUNICO e do procedimento de suspensão do benefício
Relacionado ao CADUNICO, conforme dados extraídos da ACP Nº 5031291-14.2018.4.03.6100, em setembro de 2018, haviam 4.612.677 beneficiários do BPC, distribuídos da seguinte forma:
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Espécie de Benefício |
Incluídos no Cadastro Único |
Não incluídos no Cadastro Único |
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Idosos |
1.279.995 (62,78%) |
758.825 (37,22%) |
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Pessoas com deficiência |
1.564.324 (60,78%) |
1.009.533 (39,22%) |
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Total |
2.844.319 (61,66%) |
1.768.358 (38,34%) |
Quanto aos dados apurados, inicialmente percebe-se um alto quantitivo de benefíciários de BPC que não possuíam, em 2018, inscrição no CADUNICO.
Sabemos que a Lei nº 13.846 de 18 de junho de 2019, tornou o Cadastro Único, para Programas Sociais do Governo Federal, requisito obrigatório para fins de concessão do BPC, conforme previsão no §12 do artigo 20 da Lei 8.742/93 e que nos termos do Ofício-Circular Conjunto nº 34/DIRBEN/DIRAT/INSS de 19/08/2019, os benefícios de segurados que não possuem inscrição de CADUNICO passaram a ser bloqueados com a finalidade de notificação desta obrigatoriedade, a partir da competência 05/2019, sendo dado prazo para reativação na APS em 60 dias e após, somente reativação via recurso administrativo.
Relacionado a este tema, o Governo Federal inicialmente através da Portaria Interministerial nº 2, de 7 novembro de 2016 e posteriormente pela Instrução Operacional Conjunta SENARC/SNAS nº 24 Brasília, de 08/03/2017 e reeditada em 03/05/2018 previu como data máxima em seu item 3.2.1 o dia 31 de dezembro de 2018 para inscrição ou regularização do CADUNICO de idosos e deficientes beneficiários do BPC/LOAS, sob pena de suspensão do benefício.
No entanto, por força de tutela provisória concedida em dezembro de 2018, essa exigência foi suspensa por liminar proferida nos autos da ACP 5031291-14.2018.4.03.6100/SP, de âmbito nacional:
“Diante de todo o exposto, DEFIRO a liminar, inaudita altera pars, determinando que a União Federal se abstenha de interromper o pagamento dos benefícios assistenciais de prestação continuada aos seus beneficiários por falta de cadastro no CadÚnico até 31/12/2018, com efeitos em todo o território nacional, até que se desincumba de elaborar e implementar plano efetivo de publicidade e informação, que leve em conta as peculiaridades dos beneficiários, bem como que fiscalize seu efetivo cumprimento pelos Municípios”
Vale chamar a atenção que tal entendimento não se encontra mais sobrestado em razão da discussão do Tema 1075 do STF que decidiu pela constitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347/1985, que previa que a sentença na ação civil pública somente faria coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator.
Assim há que se ressaltar que a Lei nº 13.846/2019 não gerou a sua perda de objeto de aplicação da suprarreferida decisão, já que o discutido é relacionado ao atendimento do princípio da publicidade quanto a exigência de inscrição no CADUNICO, publicidade esta que até a presente data, não nos parece ter sido devidamente respeitada..
5. Conclusão
Veja-se que do total de processos na fila do INSS, em dezembro de 202017, dos 1.273.912 processos, 486.456 benefícios estavam em exigência, ou seja, aguardando documentos dos segurados.
Entre pedidos de benefícios assistenciais na fila à espera de análise do INSS e aguardando documentos dos segurados, 442.483 são referentes ao Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência e 89.088 são do Benefício Assistencial ao Idoso.
Sabe-se e é inegável a atual existência da pouca força de trabalho do INSS e a diminuição do atendimento presencial, inclusive, verificado com o fechamento de inúmeras agências autárquicas entre os anos de 2019 e 2020, conforme divulgação pela própria imprensa18.
Diante desse quadro, o Conselho de Recurso da Previdência Social - CRPS, considerando que em janeiro de 202019 possuía expressivo número de requerimentos administrativos aguardando análise de mérito por parte do INSS, algo em torno de 2 milhões de pedidos de benefícios previdenciários e possuindo ainda em torno de 120 mil recursos administrativos parados aguardando o cumprimento de diligências pelo INSS, tem atuado no sentido de encontrar soluções para o momento de crise existente no processo administrativo previdenciário, que aqui passaremos a chamar de PAP, ainda mais agravado pelo estado de calamidade causado pela pandemia do coronavírus.
Neste papel, aqui destacamos a Portaria CRPS/SPREV/SEPRT Nº 08 de 2020, que instituiu o gabinete de crise - GCD para realizar, em âmbito recursal, diligências nos recursos administrativos no CRPS, bem como a criação da figura do Conselheiro Diligenciador - CD, conforme previsto no Provimento CRPS nº 02/2020, o qual dará continuidade, em caráter permanente, na realização de diligências em sede recursal.
Tal papel do GCD e do CD, se tornam importantes, até em razão do já mencionada notícia de fechamento de agências do INSS, dificuldade no agendamento e realização de avaliação social médica, agravados pela permanência no estado de pandemia em decorrência do Covid-19.
Asim, vemos o CRPS, como uma das soluções para o problema da grande quantidade de conflitos previdenciários no Brasil relacionado a benefício de prestação continuada - BPC, seja através da concretização do princípio da duração razoável do processo, seja pelo seu custo, seja pela sua agilidade e possibilidade de se buscar mecanismos alternativos para solução de controvérsias.
Mas vemos também a necessidade, de se avançar mais em procedimentos que tornem mais célere e eficazes a análise destes pedidos e para a realização da justiça social e garantia do bem-estar social, defendidos e protegidos por nossa Carta Política.
6. Bibliografia
AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 13 ed. Salvador: Juspodivm, 2020.
BALERA, Wagner. Noções preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004.
GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Manual de Direito Previdenciário. 2 ed. Rev. atual e amp. - Salvador: Editora Juspodivm, 2019.
KERTZMAN, Ivan; MARTINEZ, Luciano. Guia prático da previdência social. 5 ed. - São Paulo: Saraiva, 2014.
SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
TREZEUB, Cláudio José; Patsis, Keti, Stylianos. Perícia médica Previdenciária. 2 ed. rev. atual e ampl. - Salvador: Ediora Juspodivm, 2019.
1 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/>. Acesso em 23/02/2021.
2 Dados obtidos da Coordenação de Gestão Técnica do CRPS.
3 O inciso II do artigo 38 da Portaria MDS 116/2017 dispõe que: "Art. 38. Os recursos, após cadastrados, serão distribuídos por ordem cronológica de entrada nas Câmaras ou Juntas, aos conselheiros relatores. § 1º As Juntas de Recursos e as Câmaras de Julgamento priorizarão a análise e solução dos seguintes recursos: (...) II - relativos às prestações de auxílio-doença, de aposentadoria por invalidez e do benefício assistencial de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993."
4 O inciso II do artigo 2º da Lei 8.742/1993 dispõe que: "Art. 2º A assistência social tem por objetivos: (...) II - a vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos."
5 BALERA, Wagner. Noções preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 45.
6 GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Manual de Direito Previdenciário. 2 ed. Rev. atual e amp. - Salvador: Editora Juspodivm, 2019, p. 650.
7 O inciso V do artigo 203 da CF dispõe que: "A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (…) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. "
8 O 6º da CF dispõe que: "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição"
9 O artigo 194 da CF dispõe que: "A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. "
10 O § 11 do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 dispõe que: "Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. "
11 AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 13 ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p; 48.
12 O do artigo 34 do Estatuto do Iodoso dispõe que: " Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas. "
13 KERTZMAN, Ivan; MARTINEZ, Luciano. Guia prático da previdência social. 5 ed. - São Paulo: Saraiva, 2014, p. 196.
14 SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 140.
15 TREZEUB, Cláudio José; Patsis, Keti, Stylianos. Perícia médica Previdenciária. 2 ed. rev. atual e ampl. - Salvador: Ediora Juspodivm, 2019.
16 Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF. In: www.periciamedicadf.com.br/cif2/cif_portugues.pdf>. Acesso em 03/03/2021.
17 Dados Disponíveis em: <https://www.ibdp.org.br/noticia.php?n=6494>. Acesso em 02/03/2021.
18Dados Disponíveis em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/12/inss-fechara-agencias-ineficientes-e-adotara-reconhecimento-facial.shtml>. Acesso em 11/07/2020.
19Dados Disponíveis em: <http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/provimento-n-1-de-23-de-janeiro-de-2020-239634670>. Acesso em 11/07/2020.