Na data do dia 13 de maio de 2021 foi publicada a Lei nº 14.151 a qual determina o afastamento de toda empregada gestante de seu ambiente de trabalho enquanto durar o estado de calamidade ocasionado pela pandemia do novo coronavírus, estabelecendo também que a empregada afastada deverá ficar em sua casa à disposição do empregador, laborando de maneira remota, sem prejuízo de sua remuneração.
Percebe-se que o legislador teve por intuito ao criar estudada norma proteger tanto a vida e a saúde da grávida como também do nascituro, já que esta categoria de trabalhadoras faz parte do grupo de risco da Covid 19, e, por óbvio o seu isolamento de seu local de trabalho diminui, por deveras, o seu risco de contaminação.
Em uma análise superficial da norma, tudo perfeito: As empregadas gestantes irão para seus domicílios laborar por meio do chamado serviço à distância (home office ou teletrabalho), sem sofrer diminuição em seus ganhos remuneratórios e ainda por cima ficam com risco bem diminuto em serem contagiadas pelo vírus da Covid 19.
Porém, o legislador esqueceu um fato, não é toda atividade laboral que pode ser desenvolvida por meio do trabalho remoto, por exemplo, as atividades de limpeza, as quais são exercidas em quase toda sua totalidade por empresas terceirizadas e que congrega o maior número de trabalhadores (51,1%), segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, não podem, por suas características notórias, serem realizadas por meio de home office.
Outro ponto, é que o legislador atribuiu às empresas uma responsabilidade objetiva pelo custeio destes gastos para com as empregadas gestantes, pois bem, se o labor das mesmas se encaixasse nas características do trabalho remoto se manteria o equilíbrio contratual e tudo ficaria na mais perfeita paridade entre as partes.
Ocorre que, conforme já relatado, há certos tipos de labor que não se enquadram nas peculiaridades do trabalho à distância, assim sendo, as empresas acabam sendo forçadas a contratarem um novo ou uma nova funcionária para substituir à trabalhadora imperiosamente afastada, gerando assim uma despesa a mais ao patronato.
Voltemos ao exemplo do trabalho terceirizado no setor de limpeza, nem é preciso relatar, ante a lamentosa sociedade machista brasileira, que mais de 70% dos trabalhadores deste ramo laboral são mulheres e deste percentual citado, 60% são férteis, isso abrange quase um milhão e meio de trabalhadoras deste ramo, segundo dados trazidos pelo site https://www.seac-ba.com.br3, sendo, portanto um universo muito grande de empregadas podendo, em um futuro não muito distante, sofrerem discriminação no mercado de trabalho.
Agora passemos a analisar o monstro criado, as empresas, inclusive várias já combalidas pelo retrocesso econômico causado pela pandemia, serão obrigadas a custear o salário das empregadas gestantes, que em seus domicílios devem ficar, mesmos que estas não possam desenvolver nenhum tipo de trabalho remoto.
A intenção deste artigo não é ser contra o afastamento das operárias grávidas de seu ambiente de trabalho, tal determinação é mais do que correta, o que se discute é porque a conta por este afastamento compulsório tem que ser repassada ao setor empresarial e não ao Estado.
A Convenção nº 103 da Organização Internacional do Trabalho – OIT a qual trata da proteção à maternidade estabelece que o encargo para fornecer arrimo a toda empregada gestante deve ser do Estado, por meio de benefícios sociais.
Ainda tem mais, há no texto do referido tratado internacional uma proibição expressa que afasta qualquer responsabilidade do empregador pelo custeio de trabalhadoras gestantes, vejamos: “Em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega”.4
A Convenção nº 103 da OIT é bem clara ao estabelecer que a responsabilidade pela manutenção dos direitos trabalhistas das empregadas grávidas é da sociedade como um todo e não apenas do ente empregador, concluindo, portanto, que tal norma é inconvencional.
Avançando em sua análise, a lei nº 14.151/2021 também é inconstitucional já que estabelece a Constituição Federal que é dever do Estado garantir a vida e a saúde do cidadão nos termos dos seus artigos 5º, 6º e 1965, porém tal responsabilidade foi transferida para o ente empregador e logo em um momento de extrema fragilidade das empresas nacionais como um todo.
Em que pese o princípio da alteridade tratado no artigo 2º da CLT6 que reza que o risco do negócio deve ser suportado pelo patrão, estamos diante de um exemplo de caso fortuito (pandemia da Covid 19), onde o caso em si não poderia ter sido previsto, ou mesmo que pudesse ter sido previsto não poderia ter sido evitado, produzindo, desta feita, a isenção de responsabilidade do empregador.
Portanto, há no Brasil uma norma que autoriza o afastamento de empregadas gestantes de seu local de trabalho devido à pandemia da Covid 19, e até aí tudo muito justo, porém, quem arca com os custos salariais, mesmo em inatividade a trabalhadora são as empresas, inclusive, nem incentivos às mesmas são previstos pelo legislador. O que se pode concluir com tudo isso?
Primeiro uma crescente preocupação das firmas em não mais querer contratar empregadas mulheres enquanto durar a vigência de tal norma, segundo, um aumento no número de demissões de trabalhadoras do sexo feminino as quais serão substituídas em seus postos de trabalho por homens, já que florescerá no patronato o medo de suas funcionárias engravidarem durante a pandemia.
Por fim, entendo que este ônus não poderia ter recaído no empregador, já que tanto a Convenção de nº 103 da OIT, bem como os artigos acima citados da Constituição Federal desautorizam este feito, desfechando, por derradeiro, uma norma que fora criada visando o melhor para as empregadas gestantes em termos de preservação de suas vidas e de sua saúde, pode, por imprecisão legislativa ser uma norma altamente discriminatória, na seara trabalhista, para a grande maioria das mulheres.
3 https://www.seac-ba.com.br/index.php/expediente-da-diretoria/noticias-do-setor/1180-a-lei-14151-2021-e-o-impacto-que-ela-esta-causando-em-nosso-setor
4 Cláusula de nº 8 da Convenção nº 103 da OIT.
5 Art. 5º da CF/88. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Art. 6º da CF/88. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. da CF/88. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
6 Art. 2º da CLT - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.