A Guarda Compartilhada dos Animais de Estimação

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A discussão a respeito da guarda compartilhada dos animais de estimação após a dissolução da sociedade conjugal, ganhou um grande destaque recentemente, em sua maioria as decisões nos tribunais são sempre negativas em relação a esse assunto

SÚMARIO: INTRODUÇÃO; 1. A TUTELA JURIDICA DOS ANIMAIS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO; 1.1. Teoria dos animais como bens semoventes; 1.2. Os animais como sujeitos de Direito; 2. A RELAÇÃO DOS ANIMAIS COM OS SERES HUMANOS 3. OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E A GUARDA COMPARTILHADA 3.1 A guarda compartilhada no Brasil 3.2 Da tutela da guarda compartilhada dos animais em caso de separação conjugal. 3.3 O dever de prestar alimentos de vigiar e cuidar do animal de estimação 4. PROJETO DE LEI SOBRE A GUARDA DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO NO BRASIL E APLICAÇÃO NO CODIGO CIVIL  5. CONCLUSÃO 6. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

 

 Resumo: A discussão a respeito da guarda compartilhada dos animais de estimação após a dissolução da sociedade conjugal, ganhou um grande destaque recentemente, em sua maioria as decisões nos tribunais são sempre negativas em relação a esse assunto .Com isso a abordagem feita no presente artigo sobre os impactos jurídicos dessa decisão nas relações familiares e deste com os pets vem esclarecer sobre a necessidade de se alterar a legislação pátria, modernizando-a a fim de que possa regular objetivamente essas situações envolvendo guarda de animais, afastando-se as incertezas que pairam sobre tais relações jurídicas. Atualmente já existem projetos de leis em tramitação a regularizar a guarda dos animais de estimação: PL 1.058/2011 e PL 1.365/2015, merecendo destaque as regras a respeito do compartilhamento da guarda e da prestação de alimentos.

Palavras-chave: Animas de Estimação. Guarda Compartilhada. Projeto de Lei.

Abstract: The discussion regarding the shared custody of pets after the dissolution of the conjugal society has gained a great deal of prominence recently, in most cases the decisions in the courts are always negative in relation to this matter legal impacts of this decision on family relationships and this with pets comes to clarify the need to change the national legislation, modernizing it so that it can objectively regulate these situations involving animal custody, removing the uncertainties that hover over such legal relations. Currently there are draft laws in progress to regulate the custody of pets: PL 1,058 / 2011 and PL 1,365 / 2015, with emphasis on the rules regarding the sharing of custody and the provision of food.

Keywords: Pets. Shared custody. Bill of law.

 

 

INTRODUÇÃO

Sabemos que hoje em dia a relação entre animal de estimação e ser humano é uma relação que vai muito além de um simples “levar para passear”, envolve um misto de sentimentos. Por isso acabou ganhando um grande destaque no instituto da guarda durante o processo de divórcio e tem sido objeto de várias discussões, pois os animais de estimação possuem um espaço significante na vida de muitas pessoas, inclusive dentro do seio familiar.

Essa é uma questão que vem sendo debatida por vários especialistas, sobretudo em relação às consequências da humanização do pet na vida do homem. Esse debate vai muito além da percepção de que o animal de estimação não passa de uma espécie de coisa ou de propriedade. Existem hoje projetos de leis em tramitação nas casas legislativas que cuidam de estabelecer uma nova roupagem jurídica na definição de animal, em especial, os de estimação. Consequentemente, essas modernas regras tratarão também dos cuidados que devem ser dispensados aos pets, incluindo a questão da guarda compartilhada em caso de separação de seus tutores.

Com base em pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e documental, o artigo mostrará como as leis brasileiras que envolvem animais de estimação são, ainda, evasivas, quanto aos deveres de proteção e cuidado do pet.

Contudo, ao se analisar os projetos de lei em tramitação, o presente artigo abordará os seus aspectos jurídicos que irão modernizar essa área do Direito, com a inclusão no ordenamento de diversos direitos e deveres tanto para os animais de estimação como para os seus tutores. A partir daí, será possível enfrentar, por meio deste artigo, as questões legais que regulamentarão a guarda compartilhada dos pets, colocando em evidência tanto os interesses dos tutores como dos próprios animais.

 

  1. A TUTELA JURIDICA DOS ANIMAIS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

Em nosso ordenamento jurídico a tutela jurídica dos animais ganhou status constitucional no ano de 1988, através do art. 225, caput, da nossa Constituição Federal, tal dispositivo expressa:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Em uma iniciativa da UNESCO foi criada a Declaração Universal dos Direitos dos Animais em 1978, com objetivo de ir em busca do direito dos animais, a proteção e o bem-estar dos mesmos. Essa declaração foi uma proposta para diploma legal internacional, que através de ativistas que lutam em prol da causa pela defesa dos direitos dos animais foi levada à UNESCO, tal declaração dispõe do seguinte texto:

ARTIGO 1: Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência. ARTIGO 2: a) Cada animal tem direito ao respeito. b) homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais, ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais. c) Cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem. ARTIGO 3: a) Nenhum animal será submetido a maus tratos e a atos cruéis. b) Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia. ARTIGO 4: a) Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-se. b) A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito. ARTIGO 5: a) Cada animal pertencente a uma espécie, que vive habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade que são próprias de sua espécie. b) Toda a modificação imposta pelo homem para fins mercantis é contrária a esse 23 direito. ARTIGO 6: a) Cada animal que o homem escolher para companheiro tem o direito a uma duração de vida conforme sua longevidade natural b) O abandono de um animal é um ato cruel e degradante. ARTIGO 7: Cada animal que trabalha tem o direito a uma razoável limitação do tempo e intensidade do trabalho, e a uma alimentação adequada e ao repouso. ARTIGO 8: a) A experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra. b) As técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas ARTIGO 9: Nenhum animal deve ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado, transportado e abatido, sem que para ele tenha ansiedade ou dor. ARTIGO 10: Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem. A exibição dos animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal. ARTIGO 11: O ato que leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um crime contra a vida. ARTIGO 12: a) Cada ato que leve à morte um grande número de animais selvagens é um genocídio, ou seja, um delito contra a espécie. b) O aniquilamento e a destruição do meio ambiente natural levam ao genocídio. ARTIGO 13: a) O animal morto deve ser tratado com respeito. b) As cenas de violência de que os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, a menos que tenham como fim mostrar um atentado aos direitos dos animais. ARTIGO 14: a) As associações de proteção e de salvaguarda dos animais devem ser representadas a nível de governo. b) Os direitos dos animais devem ser defendidos por leis, como os direitos dos homens. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS – Unesco – ONU Bruxelas, 1978).

O objetivo pelo qual essa declaração foi criada é para promover a proteção dos animais e a vida selvagem e, dessa forma fazer com que a espécie animal do presente fique protegida futuramente.

Foi elaborado em 1934, o Decreto nº 26.645, que pregava a importância dos animais e os tutelandos contra os maus-tratos, desrespeito, entretanto, o decreto foi revogado por ter sido criado em estado de exceção.

Mesmo com tantos atos que comprovam que os animais, assim como os humanos, possuem sentimentos, em nosso Ordenamento Jurídico, no Código Civil, os animais são tratados como coisas, e sendo assim considerados sem sentimentos, não possuindo direito algum, apenas sendo tutelados por alguém:

 De acordo com a Agência de Notícias de Direito dos Animais – ANDA – (2015)

 “ Coisa é tudo aquilo que tem existência corpórea e pode ser captada pelos sentidos. Os animais fazem parte da categoria das “coisas móveis semoventes”, ou seja, os animais são “coisas” que se movem por si mesmas em virtude de uma força anímica própria ”.

Quando se trata de uma separação litigiosa há uma grande dificuldade do nosso judiciário quando se envolve animais de estimação, pois segundo o ordenamento jurídico eles são considerados coisas e diante de tal fato o seu posicionamento ainda é vago. Os laços afetivos entre os donos e os animais de estimação estão acima de qualquer coisa sendo eles considerados parte da família, um bem que não pode ser divido pelos seus tutores. Diante dessa situação quando se tem uma separação litigiosa que envolva animais de estimação o casal possui uma grande dificuldade na decisão de quem ficara com o animal de estimação e acabam recorrendo ao judiciário.

1.1 A TEORIA DOS ANIMAIS COMO BENS SEMOVENTES

A Constituição Brasileira proíbe práticas cruéis contra os animais a partir do que o direito animal se estabelece. No caráter nacional, podemos fundamentalmente expor o artigo 225 parágrafos 1º, VII, da Carta Magna que determina ser dever do Poder Público, “ proteger a fauna e flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetem os animais a crueldade”. Sendo assim caracterizados como bem móvel, como um requisito de crime ambiental, não sendo titular dos direitos fundamentais.

No que tange a proteção dos animais, ela divide as competências para editar leis de proteção como da flora e fauna entre a união e os estados tendo competência normativa legislativa concorrente com a união para editar leis e dar especificidades.

Podemos ter como exemplo e citar, o estado da Paraíba, onde produziu a primeira lei a catalogar expressamente direitos fundamentais de 4º dimensão para animais, onde editou a lei 11.140/2018 art. 5º, onde reza os direitos de cachorros e gatos.

Direito aquele que deve ser também em prol dos mais vulneráveis, o mesmo que deve ter suas bandeiras levantadas principalmente pelas vozes quem tem força, para assim seja possível dar voz aos mais fracos, ou os que nem a possui.

     1.2 ANIMAIS COMO SUJEITO DE DIREITOS

O animal como sujeito do direito ainda é um ponto que não foi totalmente reconhecido em nosso âmbito jurídico, ainda há divergências acerca do assunto, doutrinadores ainda não reconhecem os animais como sujeitos de direito, o principal argumento é de que, tal direito só abrange as pessoas, ou seja, só as pessoas físicas e jurídicas são sujeito de direitos, mas uma grande parte da doutrina, não só no Brasil, mas como também no mundo todo, já reconhece os animais como sujeitos de direitos. Um dos pontos altos para a defesa desse argumento é o de que, assim como pessoas jurídicas e morais possuem direitos de personalidade que são reconhecidos a partir do momento que são registrados em órgãos competentes, e dessa forma podem comparecer em juízo para pleitear esses direitos, os animais, porém tornam-se sujeitos de direitos por força das leis que os protegem. Sabemos que os animais não podem comparecer em juízo para discutir sobre os seus direitos, por isso o Poder Público e a coletividade tem a competência constitucional de sua proteção. O Ministério Público possui a competência legal para representa-los em juízo, quando os seus direitos forem violados.

A nossa legislação brasileira classifica os animais silvestres como bem de uso comum do povo, ou seja, um bem difuso indivisível e indisponível, já os animais de estimação são classificados no Código Civil como semoventes passiveis de direito reais, como podemos ver a seguir:

Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

 

A natureza jurídica estipulada para os animais em nossa legislação é bem diferente do já que está estabelecido no pensamento das pessoas, ou seja, o animal é um bem, seja da coletividade ou particular.

Jade Lagune Lanzieri Aguiar (apud LOURENÇO,2008. p.29) em trecho de sua brilhante obra ele explora sobre o estatuto moral e jurídico dos animais e diante disso aborda uma questão para seus leitores, não é porque os animais não possam assumir deveres e contrair obrigações que deveriam ser integralmente alijados da titularidade de quaisquer direitos. Sob esse ponto de vista, compara esse pensamento sobre os animas com os seres absolutamente incapazes e recém-nascidos, que mesmo não sendo agentes morais livres, não deixam de ser sujeitos de direito, para Daniel os animais não seriam exatamente agentes morais livres, mas nem por isso deixariam de ser sujeitos morais.

O autor ainda traça uma “árvore genealógica” sobre esse pensamento, e nos mostra que a escolha de manter os animais não humanos sob uma errada classificação como objetos, é imaginar que somente os humanos seriam os únicos que estariam sob égide do direito. Ainda sobre o assunto, Daniel escreve:

“[...] o massacre incessante dos animais pelo homem é também o massacre do homem contra si próprio, mergulhados que estamos em relações sócias que muitas vezes nos cegam. Os dois estão umbilicais e inafastavelmente interligados”. (LOURENÇO, 2008.p. 29)

Nossos deveres com os animais são de justiça, e não apenas de solidariedade, sobre esse pensamento Daniel faz a seguinte afirmação:

“A indiferença em relação à sua causa revela uma escolha involuntária de relega-los à margem do direito e de qualquer ordem de consideração moral [...]”

“A inercia do sujeito diante de adversidade, implica em uma renúncia ao enfrentamento do problema, tornando-o cúmplice dele. Os elementos externos deixam de ser elementos exteriores ao homem para ser tornarem parte dele. Não permaneçamos, pois, alheios à realidade da vida, da liberdade e do sofrimento dos seres que nos rodeiam. Não há motivos suficientes para que sejam relegados à condição de meras coisas”

[...] “Espera-se que o debate acerca dos direitos dos animais não-humanos já tenha logrado ultrapassar o estágio do ridículo. Se assim o for, chega-se à fase do debate sério e criterioso sobre o tema. ”

 

Ainda sobre o assunto, quando se trata de consideração jurídica ou moral dos animais, é importante relembrar, a evolução da relação entre homens e animais, mas esse assunto será abordado mais amplamente ao longo do artigo.

2. A RELAÇÃO DOS ANIMAIS COM OS SERES HUMANOS

O ser humano, no decorrer de sua existência, experimentou diversos modos de habitação. Desde o nomadismo até o modo de habitar atual, as necessidades e costumes humanos sofreram modificações que se manifestam nas relações com os animais, de forma direta ou indireta. Desde o início do processo de sedentarização, quando a humanidade começou a permanecer nos mesmos lugares por longos períodos, passou-se a domesticar animais e plantas para a convivência em conjunto. De acordo com James Serpell (2011), há registros desde o Paleolítico da domesticação dos animais, que puderam ser observadas a partir de ossos de cachorros lobos encontrados juntos de seus possíveis donos.

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No processo de domesticação de seres, o que ocorre, na verdade, é a incorporação de características humanas ao animal, provocando a submissão deste ao dono, a qual deve obedecer. Nesse processo, é imbuído no animal as vontades dos donos, bem como a maneira como devem se portar, ou seja, de fato, molda-se o animal, tornando-o suscetível às ordens e padrões de comportamento que melhor convém ao dono. 

Com o passar do tempo, as noções de domesticação, para que se desenvolvesse nas espécies os comportamentos socialmente "desejáveis", foram se aperfeiçoando. Assim sendo, passa-se a selecionar, por meio do comportamento, quais espécies de animais seriam aceitas para o convívio humano e quais não seriam. Com a evolução da sociedade, passa-se a ser cultivado o pensamento de igualdade entre os seres, a qual os desdobramentos são paradoxais. O paradoxo advindo desse pensamento pode ser ilustrado no pensamento de Segata, que assevera:

 

latir, rosnar, urinar, mostrar as garras foram algumas das vantagens evolucionárias que permitiram que cães e gatos garantissem a sua alimentação ou protegessem o seu território e a sua prole. Mas isso não combina com a decoração da sala de estar de nenhum apartamento, o que faz com que os animais que se comportam dessa forma sejam diagnosticados como “doentes mentais” – agressivos, ansiosos ou depressivos – e medicados com psicotrópicos (...). Igualmente, as suas habilidades de captura de outros animais, devorados em banhos de sangue, foram substituídas pelas tigelas de ração industrializada, com o balanço certo de componentes que fazem produzir fezes sem odor e de consistência apropriada para não sujar o chão. E nem faz muito tempo que cães e gatos de estimação morriam de velhos. Hoje, eles são obesos, sofrem com o colesterol, o diabetes, a pressão alta, os problemas renais e, mais recentemente, com a ansiedade e a depressão. (SEGATA, 2012, p. 177)

 

Ainda de acordo com Serpell (2011), é notória a crescente presença dos animais domésticos nas famílias modernas ocidentais, e a esse fato se atribui a compensação de sentimentos humanos. Nesse sentido, configura-se na relação humano-animal, uma relação de troca, na qual o animal obtém abrigo, comida e segurança e o dono obtém apoio social. Esse apoio social a qual se refere o autor possibilita ao ser humano se sinta pertencente, obrigado e íntimo para com os outros indivíduos, inclusive que se sinta socialmente inserido. Tal relação modula profundo impacto na saúde mental e física dos seres humanos. Evoca-se, ainda, como necessidade das relações de humanos com pets, a própria natureza que o ser humano possui de contato e toque para com outros, necessidade essa que tem sido negligenciada e substituída pelo contato com o pet, cuja a modernidade e dinamicidade do cotidiano contemporâneo tem sido causador.

De forma mais acirrada, Tatibana e Costa-Val (2009) descrevem o fenômeno da seguinte forma:

Cada vez mais as pessoas estão vivendo sozinhas. Como o animal doa-se completamente sem cobrar nada em troca, aceita os fatos sem julgamentos, não apresenta os problemas e as exigências da comunidade humana e, não tem o atributo da vontade tão desenvolvido, a compensação da solidão e a transferência do apego de uma pessoa a um animal podem ser mais fáceis do que com outro ser humano, criando um vínculo forte e duradouro. (p. 15)

 

 

Além de propiciar conforto psíquico e emocional, a convivência com animais de estimação interfere nas condições físicas de saúde das pessoas com quem convive.

A domesticação dos animais não é um fenômeno aleatório, desvinculado de um sentido. Do contrário, constata-se que a criação de pets tem conexão direta com a busca por um sentido de vida. Na visão de Frankl (2001), o sentido da vida é alcançado pelo ser humano quando esse é capaz de dar a si para algo ou alguém, que não ele mesmo, e que seja capaz de amar. A partir disso, é possível obter a autorrealização, elevando-se no grau de humanidade. Nesse contexto, o convívio com os animais de estimação pode importar o desenvolvimento de um senso de responsabilidade, bem como de utilidade.

Além disso, o ato de cuidar envolve a criação de uma consciência que possibilita ser orientada a algum sentido, além de fazer com que o ser humano realize valores, bem como facilita a lidar com enfrentamento de dificuldades, pela mesma razão de um sentido de vida. De forma sucinta, o autor aponta que “quanto mais a pessoa esquecer de si mesma - dedicando-se a servir uma causa ou a amar outra pessoa - mais humana será e mais se realizará” (Frankl, 2001, p. 100).

Não obstante os benefícios emocionais e psíquicos oriundos das relações humano-animais, as vantagens para a saúde física dos seres humanos têm sido observadas da mesma maneira. Faraco (2009 apud HEIDEN; SANTOS, 2009), pode constatar que os pets não somente combatem os sintomas de depressão, estresse e ansiedade, bem como são capazes de, indiretamente, estimular seus donos a se exercitarem fisicamente. Em outros estudos, realizados por Allen, Blascovich e Mendes (2002), percebeu-se que o desenvolvimento de comorbidades agravantes do estado de saúde cardiovascular, como colesterol alto, níveis de triglicérides alterados, pressão sanguínea alterada, foram observados em menor escala nos donos de pets. Observou-se ainda que, após sofrer de um acidente cardiovascular, aqueles que convivem com animais de estimação tiveram uma taxa de sobrevivência maior quando comparados aos que não convivem.

Ainda em relação à saúde mental das pessoas que convivem com pets, nota-se significativa melhora na qualidade de vida, especificamente dos idosos no que diz respeito aos aspectos psíquico e emocional. Isto porque, para os idosos, os sentimentos de solidão e perda podem ser sentidos com maior intensidade. Segundo Costa (2006), conviver com pet permite ao idoso aumentar os estados de felicidade, promove alívio e conforto em momentos de perdas, além de melhorar a autoestima e estimular a socialização.

Percebe-se como a humanização dos animais, enquanto fator do processo de domesticação importou a identidade do homem aos animais, inclusive, nos mais diversos segmentos sociais, integrando os pets à medicalização, à internalização de hábitos humanos, à promoção da saúde mental e física, o que eleva o animal doméstico a um agente das relações humanas.

O animal doméstico torna-se um sujeito de direitos, posto que está inserido em nossa sociedade de tal forma que interage não somente com os seres humanos na esfera privada, como reflete nas relações jurídicas, a qual torna-se mais explícita com o término do vínculo familiar, qual seja, o divórcio. Assim sendo, do mesmo modo que as relações humano-humano são regidas pelas normas jurídicas nas mais diversas situações fatídicas, as relações humano-animal também devem caminhar nesse sentido.

Nota-se, com esse breve resgate sociológico, que a relação dos animais domésticos com os seres humanos transcende a noção de simples posse e passa a permear as relações humanas como um todo, inclusive no âmbito do direito.

3. OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E A GUARDA COMPARTILHADA

De forma geral, o instituto da guarda compartilhada urge como uma alternativa válida ao instituto da guarda unilateral ou dividida, tradicionalmente aplicada na dissolução conjugal no Brasil. Geralmente, as guardas são atribuídas as mães - quando constituintes de um casal heteroafetivo, restando aos pais apenas o direito de visitação.

Historicamente, às mulheres era concedido todas as atribuições referentes ao cuidado e à manutenção do lar. Reflexo de uma ideologia estruturada pela noção de superioridade masculina, até o Código Civil de 2002, o poder familiar não era sequer concebido, tendo somente a concepção de poder pátrio atribuída pelo legislador ao homem, em que esse era o único responsável legal pelo menor (BRASIL, 1916).

Decorre desses fatos, a instituição de uma cultura que naturaliza no homem o poder de decisão, embora a mulher seja a responsável, de fato, por cuidar dos filhos, na maioria dos casos. (REBECA SOUZA DE JESUS; TAGORE TRAJANO DE ALMEIDA SILVA, 2021)

Concomitantemente ao pensamento social sobre a função de cada membro da família, o Poder Judiciário refletiu a cultura dominante e, até a promulgação da Lei 13.058/2014, determinava a guarda unilateral para a mãe de modo grosseiramente automático. (LUCAS HAYNE DANTAS BARRETO, 2003)

O instituto da guarda compartilhada compreende que os pais devem ter iguais responsabilidades pelos filhos, a fim de que as decisões a respeito da vida desse devam ser tomadas em conjunto. Assim ela é definida por Barreto (2003)

Por guarda compartilhada, também identificada por guarda conjunta (joint custody, no direito anglo-saxão), entende-se um sistema onde os filhos de pais separados permanecem sob a autoridade equivalente de ambos os genitores, que vêm a tomar em conjunto decisões importantes quanto ao seu bem-estar, educação e criação. É tal espécie de guarda um dos meios de exercício da autoridade parental, quando fragmentada a família, buscando-se assemelhar as relações pai/filho e mãe/filho - que naturalmente tendem a modificar-se nesta situação - às relações mantidas antes da dissolução da convivência, o tanto quanto possível. (BARRETO, 2003)

A guarda compartilhada é evidenciada como uma forma de equilibrar as relações paternais e maternais, elididas pelo divórcio. Tendo em vista as evoluções da sociedade, bem como das formas de organização das famílias contemporâneas, urge a necessidade de que o Poder Judiciário lide com as novas demandas advindas dessas novas organizações familiares.

O conceito de família com a qual este trabalho se preocupou é o de família multiespécie. O surgimento dessa nova forma concebida de família não pode ser datado, posto que a humanidade convive com outras espécies em seus lares desde os tempos remotos. Contudo, atualmente, com a atenuação da visão antropocêntrica, tem-se dado maior atenção às consequências jurídicas advindas dessa convivência, que há muito ocorre (ÉLIDA SEGUIN; LUCIANE MARTINS DE ARAÚJO; MIGUEL DOS REIS CORDEIRO NETO, 2017).

A família multiespécie é aquela em que há vínculo afetivo objetivamente comprovado na relação humano-animal. Nesse liame, define Maria Berenice Dias (2016, p. 233)

O conceito de família vem adquirindo tal elasticidade que a doutrina denomina de família multiespécie a constituída pelos donos e seus animais de estimação, membros não humanos. A tendência de chamá-los de seres sencientes (coisas sensíveis). Quando do fim da convivência, tem a justiça reconhecido a cotitularidade dos animais de companhia, estabelecendo a custódia compartilhada com a imposição do pagamento de alimentos.

 

Tal evolução já fora recepcionada pelo Supremo Tribunal Federal que, em 2019, concordou que as uniões homoafetivas estão de acordo com o conceito de família concebido pelo art. 226 da Constituição. Isto porque, segundo o entendimento do tribunal o artigo deve ser interpretado de forma analógica, devendo adaptar-se aos anseios sociais.

No mesmo sentido, caminha decisão do STJ sobre definição de guarda de animal de estimação, em que consta

A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e pós-modernidade, de que há disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação

e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade (Recurso Especial 1.713.167 do STJ).

Haja vista a lacuna legislativa em torno da temática da guarda compartilhada dos animais domésticos, tem-se na interpretação extensiva, o meio de abarcar a omissão legislativa no tratamento do tema. Nessa mesma esteira, preconiza Zanetti:

A compreensão dos animais como bens móveis, em outros termos, 'bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social', parece não ser mais suficiente para lidar com pedidos como "guarda compartilhada" de animais de companhia diante do divórcio de um casal. (ANDREA CRISTINA ZANETTI, 2018)

3.1 A GUARDA COMPARTILHADA NO BRASIL

A evolução social e o desenvolvimento de estudos nas searas jurídica e psicológica acarretaram profunda mudança nas concepções de guarda estabelecidas até então pela legislação e pelo entendimento jurisprudencial. O estabelecimento da guarda compartilhada, portanto, é,

inegavelmente, um decisivo passo à frente no cenário jurídico e social no Brasil, na medida em que procura atender, prioritariamente, os interesses e direitos dos filhos, reconhecidos constitucionalmente, mas, até agora, olvidados. (MATHIAS, 2021)

Com a instituição da Lei 13.058/2014, houve a alteração dos artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil, que dispõem sobre a guarda compartilhada. Com isso, o §2º do art. 1.584 passa a definir como regra a guarda compartilhada, em detrimento da guarda unilateral, sendo o texto da lei imperativo ao definir que

Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. (BRASIL, 2014)

A guarda dividida, por vezes, resulta em consequências psicossociais e possíveis desdobramentos jurídicos, que podem ser evitados pela definição da guarda compartilhada. Assim entende Ana Carolina Silveira Akel (2017 apud MATHIAS, 2021)

Na guarda compartilhada deve inexistir disputa entre os genitores que, de forma equilibrada, deverão viver em sua plenitude a relação com seus filhos. Se existir entre os ex-cônjuges discernimento suficiente e capacidade de separar a relação conjugal frustrada da relação parental eterna, a adoção da guarda compartilhada será, sem sombra de dúvida, a fórmula ideal para os dias de hoje, fazendo o AMOR e o AFETO binômio marcante do exercício da guarda. (AKEL, 2017, p. 40)

 

O estabelecimento da guarda compartilhada de forma obrigatória, advinda das atuais alterações legislativas, teve como base o princípio constitucional de proteção integral, que deve ser concedida à criança e adolescente e norteadora na formulação de normas e mandamentos que visem aos direitos desses grupos. Tendo como objetivo a priorização do interesse dos resguardados, Waldyr Grisard Filho (2002 apud BARRETO, 2003) descreve que no modelo da guarda compartilhada tem-se como:

Priorizando o melhor interesse dos filhos e a igualdade dos gêneros no exercício da parentalidade, é uma resposta mais eficaz à continuidade das relações da criança com seus dois pais na família dissociada, semelhantemente a uma família intacta. É um chamamento dos pais que vivem separados para exercerem conjuntamente a autoridade parental, como faziam na constância da união conjugal, ou de fato.

Denota-se na figura da guarda compartilhada a possibilidade de cumprimento do direito de proteção integral conferida à criança e ao adolescente, preservando a integridade física e psíquica desses indivíduos.

 

3.2 DA TUTELA DA GUARDA COMPARTILHADA DOS ANIMAIS EM CASO DE SEPARAÇÃO CONJUGAL

A legislação brasileira, como já tratado no tópico acima, não possui previsão expressa sobre a tutela da guarda compartilhada dos animais em caso de dissolução matrimonial. Contudo, tem-se adotado nos tribunais brasileiros, a interpretação extensiva da norma aplicada aos filhos quanto à definição da guarda e das obrigações advindas dessa.

Embora o Código Civil designa os animais como bens semoventes em seu artigo 82, recentemente o entendimento jurisprudencial evidencia a necessidade de tratamento especial para os animais domésticos. Isto porque, conforme é preconizada no texto constitucional, no art. 225, todos possuem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O artigo abre possibilidades para imputar ao animal doméstico a sujeição de direitos. (BRASIL, 1988)

A doutrina já compreende na família multiespécie uma demanda urgente do direito brasileiro, posto as lacunas legislativas sobre o tema. Nesse sentido, assevera Dias (2016, p. 234), quando entende que a família passa a exercer função não de instituição, mas de instrumento, na qual objetiva a formação da própria sociedade, sendo merecedora da proteção do Estado

O novo modelo da família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova roupagem axiológica ao direito das famílias. Agora, a tônica reside no indivíduo, e não mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar. A família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado.

 

Assim sendo, conforme já fora mencionada em tópico anterior, o entendimento dos tribunais sobre o tema caminha para a concepção do direito à guarda compartilhada dos animais de estimação em caso de dissolução conjugal, do mesmo modo que o direito é conferido aos filhos do casal, colaborando para o raciocínio de que os animais domésticos não devam ser tratados como mera “coisa”. Nesse mesmo entendimento, fundamentou-se a concessão do direito à visitação requerido pelo pai do pet após dissolução de união estável, sendo o entendimento do relator que “o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade” (Resp 1.713.167).

Esse entendimento não é novo. Em decisão proferida em 2015, no Rio de Janeiro, a juíza de 1ª instância Gisele Silva Jardim entendeu, ao conceder liminar, no sentido que o ex-cônjuge teria direito à guarda compartilhada do pet adquirido na constância do casamento. Segundo ela, embora o animal seja tratado como bem semovente, é “inegável a troca de afeto entre os mesmos e seus proprietários, criando vínculos emocionais” (Processo: 0009164-35.2015.8.19.0203).  Nesse sentido, a juíza reitera entendimento doutrinário de que o fator determinante da entidade familiar seja o vínculo afetivo, conforme preconiza Dias (2016, p. 232)

Esse é o divisor entre o direito obrigacional e o familiar: os negócios têm por substrato exclusivamente à vontade, enquanto o traço diferenciador do direito da família é o afeto. A família é um grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas.

 

Percebe-se como o judiciário brasileiro, embora ausente de normas que versam sobre o tema, tem-se adequado a essa demanda, no sentido de aplicar o instituto da guarda compartilhada às entidades familiares multiespécie. O Instituto Brasileiro de Direito de Família não só reconhece como recomenda a possibilidade da aplicação da guarda compartilhada em seu enunciado 11, que consta “Na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal”, demonstra, portanto, significativa evolução no reconhecimento desse instituto.

A interpretação analógica às normas que versam sobre custódia para as famílias multiespécies importaram, consequentemente, os institutos acessórios, quais sejam, o dever de prestar alimentos, definição de guarda e direito de visitação. Resguarda-se, porém, o debate sobre o fato dos animais domésticos merecerem tratamento especial ou serem sujeito de direitos, dessa forma devendo a interpretação analógica se aplicar a depender da análise do caso concreto, conforme orienta o relator do Resp 1.713.167, que diz “Reconhece-se, assim, um terceiro gênero, em que sempre deverá ser analisada a situação contida nos autos, voltado para a proteção do ser humano, e seu vínculo afetivo com o animal. ”

3.3 O DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS, DE VIGIAR E CUIDAR DO ANIMAL DE ESTIMAÇÃO

Embora não haja entendimento consolidado a respeito do assunto, as decisões jurisprudenciais recentes, inclusive em tribunal superior, bem como doutrinários a respeito da guarda do pet levam a entender que o reconhecimento do pet enquanto integrante de entidade familiar importam analogicamente os institutos existentes para a dissolução conjugal quanto aos direitos de custódia. Nesse sentido, há que se reconhecer a criação de um “terceiro gênero” no tratamento dos pets. Esse conceito não é recepcionado no ordenamento jurídico brasileiro, mas fora citada no julgamento do Resp 1.713.167, ou seja, constituiu fundamento para a decisão proferida.

O terceiro gênero é conceituado pelo direito alemão na seção 90-A do respectivo código civil do país, aprovado em 1990, a qual consta que “Tiere sind keine Sachen”, em que na tradução literal significa “animais não são coisas”, sendo a lei definidora dos tratamentos especiais conferidos aos animais. Apesar da evolução normativa nesse sentido, o mesmo código prevê que na ausência de disposição no contrário, aplicam-se aos animais o mesmo tratamento dos bens.

O dever de prestar alimentos, de vigiar e cuidar do animal de estimação são institutos pertinentes no tratamento do assunto da custódia do animal. Embora de acordo com o IBGE, 48 milhões de brasileiros possuam animais domésticos em sua casa (Pesquisa Nacional de Saúde, 2019), o Poder Legislativo segue omisso no intuito de editar normas que designem o procedimento adequado a se seguir quanto à guarda de pets, bem como todos os deveres consequentes desse.

Assim sendo, o que tem sido decidido sobre o dever de prestar alimentos, bem como de vigiar e cuidar do animal é resultante da interpretação analógica do que já é pacificado nas normas e nas doutrinas, qual seja, a extensão da lei aplicada às crianças e adolescentes, contudo, observada as especificidades de caso, posto que não deve haver uma simples e direta adaptação da lei.

Quanto à prestação de alimentos especificamente, há decisão reportada pelo Jornal O Globo, mas que corre em segredo de justiça, na qual a ex-companheira pleiteou pedido de colaboração para o pagamento das despesas dos pets que, segundo ela, teriam adquirido juntos durante a união estável e que cuidaram deles por 22 anos. No caso analisado, houve concessão de liminar pelo desembargador Ricardo Couto de Castro da 2ª instância, no sentido favorável a requerente, obrigando o ex-companheiro a pagar o valor de R$1050,00 reais mensais a fim de ajudar nas despesas dos animais. Segundo a reportagem, a decisão seria inédita, e o réu recorrerá. Percebe-se que, embora não haja previsão legal expressa, o entendimento do desembargador caminhou no sentido de entender que há dever de “prestar alimentos”.

4. PROJETO DE LEI SOBRE A GUARDA COMPARTILHADA DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

Embora não haja nenhuma norma que disponha sobre a (in) existência de direitos dos pets quanto aos pós dissolução conjugal, há projetos de lei que versam sobre o assunto, sendo um deles inclusive já analisada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Atualmente, de acordo com o próprio portal do Senado, o Projeto de Lei aguarda designação do relator, desde 26 de março de 2019.

 O PL 542/2018 foi proposto pela Senadora Rose de Freitas (PODEMOS/ES), que se baseou no mesmo Resp a qual foi tratado em tópicos anteriores, na qual evoca decisão histórica do STJ ao admitir a insuficiência legal quanto à demanda existente. Além disso, a Senadora se resguarda pelas orientações do Enunciado 11 do IBDFAM, também já tratada anteriormente, além do fato material de que quase 50% dos lares brasileiros possuem pets.

O projeto de lei possui em seu texto inicial três artigos, que propõem a imposição da guarda compartilhada na ausência de acordo prévio pelas partes, qual seja, como está disposto no artigo 1º do texto inicial “sem que haja entre as partes acordo quanto à custódia de animal de estimação de propriedade em comum, o juiz de família determinará o compartilhamento da custódia e das despesas de manutenção do animal de forma equilibrada entre as partes. ”

De maneira mais detalhada, porém com objetivos diferentes, há os projetos de lei 473/2019 e 62/2019 dos respectivos Deputados Rodrigo Agostinho (PSB/SP) e Fred Costa (PATRIOTA/MG). Com textos idênticos, os projetos objetivam a imposição da guarda ao ex-companheiro que possuir maior “vínculo afetivo com o animal e maior capacidade para o exercício da posse responsável. ” Ainda nos textos propostos, há no artigo 4º a definição dos tipos de guardas que poderiam ser aplicadas, reproduzindo os modelos já existentes de guarda unilateral e compartilhada.

5. CONCLUSÃO

A interação humano-animal não é novidade para a sociedade, contudo, o ordenamento jurídico brasileiro possui lacunas sobre o tema, resultando dificuldades para o Poder Judiciário em lidar com as lides postuladas por ex-companheiros que requisitam direitos em relação a seus pets, como guarda compartilhada, prestação de alimentos e direito de visitação.

A necessidade em legislar sobre a matéria é urgente, visto que, sem normas expressas, a população fica à mercê das interpretações dos operadores de direito – que são vastas e plurais – para lidar com tais conflitos. Embora haja decisões no sentido de admitir a existência desses direitos, essas ainda são pouco difundidas.

O entendimento da doutrina é também diversificado, o que aponta para a ausência de um norteamento dos doutrinadores no sentido de fundamentar ou não a guarda compartilhada dos animais. Esse debate incide sobre a discussão da consideração dos animais como sendo bens, e, portanto, não passíveis de custódia. Contudo, conforme já fora elucidado pelo STJ, deve-se atentar à evolução social e ao surgimento de novas entidades familiares, a qual demandam atenção à questão da guarda compartilhada de animais domésticos, fato reforçado pelos dados do IBGE que apontam nas famílias brasileiras, o modelo de multiespécie presente em significativa parte dos lares (48%).

A omissão legislativa não é de todo responsável por essa lacuna, posto que há projetos de lei que buscam a positivação desses direitos. Contudo, percebe-se nos textos iniciais que as normas são incipientes, embora a aprovação dessas significaria importante evolução para o direito brasileiro. Nota-se a necessidade em produzir debates mais aprofundados sobre o assunto, bem como editar normas específicas sobre o tema, a fim de garantir segurança jurídica e propiciar estudos coerentes a respeito do tema para os futuros juristas.

6. REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA

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Sobre os autores
Islas Vitor Vieira

Acadêmico de Direito no Centro Universitário Una

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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