A renda básica de cidadania e o custo dos direitos sociais: iniciado o julgamento do MI 7.300/DF

30/05/2021 às 08:29
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O relacionamento entre os direitos sociais e a utilização do mandado de injunção para sua proteção.

Na mesma semana em que o Senado aprovou a PEC Emergencial (PEC 186/20191), que permite ao governo federal pagar o auxílio emergencial em 2021 por fora do teto de gastos do orçamento, o Supremo Tribunal Federal, por meio do decano da Corte, Ministro Marco Aurélio, contabilizou um voto2 para obrigar a União a implementar o programa de renda básica da cidadania. O julgamento ainda não foi concluído porque houve pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, mas ele nos estimula a refletir, mais uma vez, sobre a relação entre direitos sociais e o seu financiamento.

O caso teve início a partir de mandado de injunção impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de um homem que afirma receber R$ 91,00 (noventa e um reais) do programa bolsa família. Por conta da pandemia da Covid-19 ele passou a receber o auxílio emergencial, todavia, como tal auxílio não é permanente o homem impetrou o mandado de injunção para fazer valer os seus direitos sociais.

A Lei nº 10.835/2004 instituiu o programa de renda básica da cidadania e previu que a partir de 2005 todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil teriam direito de receberem, anualmente, um benefício monetário.

Tal benefício deveria ser implementado pelo Poder Executivo, via norma regulamentadora, e em etapas, a começar pelas camadas mais necessitadas da população; deveriam ser observadas as possibilidades orçamentárias do País; poderia ser pago em parcelas iguais e mensais e teria de ser suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde. Porém, ultrapassados mais de 15 anos, a União ainda não editou norma regulamentadora para implementar o programa, daí o porque da impetração do mandado de injunção (CF, art. 5º, inciso LXXI).

O momento não poderia ser mais delicado e desafiador. Sem contar a pior crise de saúde pública da história brasileira, que infelizmente já matou 265.500 pessoas3, a crise econômica também é gravíssima tendo o PIB brasileiro registrado queda de 4,1%, a pior em 24 anos4. Aprovada a PEC na Câmara dos Deputados, o governo pagará um novo auxílio emergencial cujo valor exato e número de parcelas ainda está em estudo. O que se sabe é que o valor dele será menor que o de 2020.

Desta forma, desenhado o quadro fático de crise econômica provocada pela pandemia e considerando o dever legal do Estado de implementar o programa de renda básica da cidadania a grande pergunta é: há recursos para isso? Seria simplista dizer sim ou não sem levarmos em consideração uma análise sistêmica, que, aparentemente, não foi feita quando da apresentação da PEC 186/2019.

Em outras palavras: ao propor a PEC emergencial o governo parece ter considerado apenas a situação de emergência causada pela pandemia se esquecendo de olhar para o todo, sobretudo, para o seu dever de implementar a renda básica de cidadania. Agora, mais do que nunca, é momento de se avaliar os programas sociais do governo federal no sentido de apontar e corrigir suas falhas para, no passo seguinte, implementar os direitos decorrentes da Lei nº 10.835/2004. Caso o Poder Executivo não o faça o Poder Judiciário será cada vez mais provocado a fazê-lo.

Vale a pena observar que a questão do financiamento dos direitos sociais não é nova na jurisprudência do STF5 e sempre entra em cena o argumento da reserva do financeiramente possível. Segundo este argumento, as necessidades sociais são imensas e os recursos financeiros para satisfazê-las são escassos daí que “o Estado, na sua tarefa de definir prioridades e determinar suas políticas públicas de alocação das verbas existentes, poderia alegar a cláusula da reserva do possível. Esta seria uma limitação jurídico-fática que poderia ser apresentada pelos Poderes Públicos tanto em razão das restrições orçamentárias que lhes impediria de implementar os direitos e ofertar todas as prestações materiais demandadas, quanto em virtude da desarrazoada prestação exigida pelo indivíduo6.

Todavia, o argumento da reserva do possível não é um argumento mágico bastando ao Poder Público dizer que não há dinheiro e ponto final. “A alegação da cláusula é, portanto, um ônus que recai sob o Poder Público quando este a alega como defesa frente ao não atendimento das prestações solicitadas, cabendo-lhe o dever de comprová-la satisfatoriamente, não sendo suficiente a alegação genérica de que não há possibilidade orçamentário-financeira de se cumprir o direito, será preciso demonstrá-la cabalmente. Nas palavras de Marmelstein, é o Estado quem deve trazer para os autos os elementos orçamentários e financeiros capazes de justificar, eventualmente, a não efetivação do direito fundamental7.

O julgamento do MI nº 7.300/DF ainda não acabou. A PEC nº 186/2019 saiu do Senado e foi enviada para a Câmara dos Deputados. Quem sabe no transcorrer do processo legislativo o texto possa ser aperfeiçoado de modo a suprir a mora do Poder Público em implementar a renda básica de cidadania. A prevalecer o voto do relator, até que sobrevenha norma regulamentadora do Poder Executivo, a renda básica de cidadania deverá ser paga em valor correspondente a um salário-mínimo. O custo financeiro de deixar de regulamentar a Lei nº 10.835/2004 pode sair caro.

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André dos Santos Luz. Bacharel em Direito pela PUC-SP. Pós-graduado em Direito pela FGV-SP. Advogado concursado da Proguaru S/A.

1https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2021/03/senado-aprova-pec-emergencial-em-segundo-turno-texto-vai-a-camara. Acesso em 08.03.2021.

2https://www.conjur.com.br/2021-mar-02/marco-aurelio-vota-salario-minimo-quem-nao-renda-suficiente. Acesso em 08.03.2021.

3https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/03/07/brasil-tem-1054-vitimas-de-covid-nas-ultimas-24-horas-media-movel-de-mortes-bate-nono-recorde-seguido.ghtml. Acesso em 08.03.2021.

4https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/03/03/pib-do-brasil-despenca-41percent-em-2020.ghtml. Acesso em 08.03.2021.

5RE nº 429.903/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, v.u., j. 25.06.2014 e RE nº 592.581/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, v.u., j. 13.08.2015.

6Masson, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Editora Juspodivm. 9ª edição. p. 330.

7Masson, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. Editora Juspodivm. 9ª edição. p. 333.

Sobre o autor
André dos Santos Luz

Advogado com 10 anos de experiência - setores público e privado - e atuação voltada à solução de conflitos de média e alta complexidade, principalmente, em matéria de direito administrativo, direito civil, direito do consumidor e direito processual civil. Graduado em Direito pela PUC/SP e Pós-Graduado em Direito pela FGV/SP. Autor de artigos jurídicos em periódicos especializados.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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