A atuação do Ministério Público na investigação criminal

30/05/2021 às 13:29
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O presente artigo se refere ao meu trabalho de conclusão de curso de graduação em Direito no ano de 2016. Trata de esclarecer sobre a possibilidade de investigação criminal realizada por outros órgãos que não a Polícia Judiciária, como o "parquet".

“A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça por toda parte”  Martin Luther King

SUMÁRIO

RESUMO .

 

INTRODUÇÃO...

 

1   MINISTÉRIO PÚBLICO: CONSIDERAÇÕES ..

     1.1 Nascimento e Desenvolvimento do Órgão Ministerial .

     1.2 Origem do Ministério Público no Brasil .... 

2   CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O MINISTÉRIO PÚBLICO ..

     2.1 Princípios Institucionais .....

            2.1.1 Princípio da Unidade....

            2.1.2 Princípio da Indivisibilidade.....

            2.1.3 Princípio da Independência Funcional...

            2.1.4 Princípio do Promotor Natural...

     2.2 Funções do Ministério Público ...... 

3   INVESTIGAÇÃO – ÓRGÃOS E MEIOS APTOS...

     3.1 Polícia Civil e Principais Meios de Investigação....

            3.1.1 Inquérito Policial.....

            3.1.2 Termo Circunstanciado...

     3.2 COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras..

     3.3 CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito.....

     3.4 Ministério Público e o PIC – Procedimento de Investigação Criminal .

     3.5 Ministério Público e o GAECO – Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado        

4   DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM OUTROS PAÍSES 

     4.1 Portugal..

     4.2 Estados Unidos ...

     4.3 Itália ....

            4.3.1 Operação “Mãos Limpas” .. 

5   DA REALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

     5.1 Operação “Lava Jato” ..

CONSIDERAÇÕES FINAIS...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..

ANEXO I – OS INTOCÁVEIS: COMO UM GRUPO DE PROCURADORES COMBATEU A CORRUPÇÃO NA ITÁLIA E ACABOU DERROTADO...

RESUMO

Há uma grande divergência pautada na realização da investigação criminal. No entanto, tais divergências só vieram à tona depois de alguns anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, acarretando dúvidas jurídicas na possibilidade ou não da investigação criminal ser realizada pelo órgão do Ministério Público. Deste modo, o presente trabalho tem por escopo esclarecer o papel do Ministério Público perante a sociedade, ressaltando os deveres que foram a ele incumbidos pela Magna Carta e, por fim, mostrar a possibilidade de este órgão Ministerial exercer o controle externo da atividade policial, realizando a investigação criminal.

Palavras-chave: Investigação; Atribuição; Ministério Público.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem a perspectiva de trazer as raízes do Ministério Público a fim de mostrar a sua atuação histórica no Brasil desde o seu nascimento, inclusive com as conquistas do Órgão Ministerial durante toda sua trajetória, abarcando seus princípios institucionais, além de suas funções precípuas previstas na Magna Carta.

Posteriormente abordaremos a investigação, que é totalmente importante para o nosso processo penal, uma vez que é através dela que se dá inicio a persecução criminal. Para que o Ministério Público possa iniciar a ação penal, necessário se faz que ele tenha em mãos elementos que comprovem totalmente a materialidade e a autoria do delito, caso contrário não se poderia falar em Órgão Acusador. Assim, é notória a relevância da investigação no âmbito processual penal, pois é ela que embasa a peça acusatória ou até mesmo o arquivamento dos autos.

Existem diversos Órgãos e meios para se iniciar a investigação, sendo o mais conhecido o Inquérito Policial, usado nos delitos cuja pena máxima excedam dois anos, e, que, necessitam de um cuidado maior, e o Termo Circunstanciado, usado para apurar as infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, delitos cuja pena máxima não excedam dois anos. Por oportuno analisaremos também as atribuições o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o Procedimento de Investigação Criminal (PIC) e o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO).

Também reputamos essencial a análise das investigações e como elas ocorrem em outros países, tais como Portugal, Estados Unidos e Itália, comparando-as com aquelas que ocorrem em nosso país, com a finalidade de apreciarmos e aferirmos a legitimidade do Ministério Público em investigar.

 Bem porque, o Ministério Público como titular do processo acusatório, nada mais razoável será que ele possa formar a sua “opinio delicti” através da sua própria investigação, já que este órgão possui autonomia e independência suficientes.

Contudo, no Brasil, desde sempre se questiona o poder investigatório do Ministério Público, mas o certo é que sempre perdurou o entendimento a favor do Órgão, pois embora haja dúvidas sobre essa possibilidade, o legislador nunca se manifestou, pelo contrário, continua convicto em atribuir ao Órgão Ministerial o poder de investigação, mesmo que não tenha dado exclusividade ao Ministério Público ou que tenha dado de forma concorrente com a polícia judiciária, uma vez que não o proibiu mesmo estando diante de tanta discussão.

Por isso, a relevância do presente trabalho.

Analisaremos, neste contexto, a Proposta de Emenda Constitucional de nº 37, bem como recente episódio de nossa história, no qual é possível perceber o exercício de atribuições investigativas por Promotores de Justiça.

Nesta linha, agiríamos em erro se adotássemos a tese de que estaria comprometida a imparcialidade do Ministério Público caso este Órgão continue realizando atos investigatórios, por diversos motivos, sendo o mais singelo que, o membro do “Parquet”, ao realizar investigações, seja de forma direta ou indireta, investiga a autoria e materialidade do delito, e não o réu. Como se não bastasse, sendo o Ministério Público titular da ação penal, nada mais natural que queira formar sua convicção sobre os fatos.

Enfim, o atual trabalho tem por base analisar elementos e estudos sobre a investigação criminal presidida por um Promotor de Justiça, analisando a evolução histórica do Ministério Público, englobando as informações relevantes para o decorrer do estudo, e, ainda, sem sombra de dúvidas, trazer à tona os argumentos a favor e contra a investigação.

1 MINISTÉRIO PÚBLICO: CONSIDERAÇÕES

1.1 Nascimento e Desenvolvimento do Órgão Ministerial

Perdurou por muito tempo a dificuldade em esclarecer com exatidão o nascimento do Ministério Público na sociedade. Para alguns, o surgimento se deu no denominado “magiaí”, há mais de quatro mil anos, onde este era o funcionário fiel do rei, castigando de forma severa os violentos, protegendo os cidadãos justos, e, ainda, ouvia as palavras acusatórias, para indicar as normas legais que se aplicavam ao caso. Já para outros, o surgimento se deu na Antiguidade Clássica, com um Conselho, que na época era composto por seis membros e eram responsáveis pela fiscalização da execução das leis, ou pela figura do “advocati fisci”, que  tinha por função a manutenção da ordem pública.

Alguns ainda procuram encontrar, na Idade Média, o berço da Instituição nos “saions” germânicos, onde estes eram encarregados de defender os senhores feudais em juízo.

Discorrendo sobre o assunto, assim ressalta Edilson Santana:

Alguns autores referem-se à figura de um funcionário grego denominado tesmoteti ou desmodetas – espécie de agente judicial, militar e religioso, como sendo a fonte de surgimento da Instituição – cuja missão precípua era “vigiar, pela correta aplicação das leis; um magistrado incumbido também de administrar a justiça”.

Outros jurisconsultos vão encontrar o embrião do Ministério Público no advocatus fisci e nos procuratoris caesaries da Roma Antiga, aos quais cabia defender o Estado Romano (SANTANA, 2008, p. 29).

Na verdade, podemos afirmar, com um pouco mais de certeza, que o surgimento do Ministério Público se deu na França, no tempo em que vigoravam as ordens de Felipe IV, na época, rei da França. Criou-se os Procuradores do rei que se assemelhavam aos Promotores de Justiça e tinham a sua função precípua de representar os interesses do rei perante os Tribunais e defender a coroa.

Porém, a evolução da Instituição na França se deu de maneira lenta. Foi com a revolução Francesa que houve melhor estruturação do Órgão Ministerial, uma vez que esta conferiu garantias aos seus integrantes.

A evolução do Ministério Público na França foi lenta. Antes do século XVI, sua fisionomia ficou moldada, com seu ofício junto às cortes superiores, por meio do procurador-geral, e, junto, às outras cortes, pelos substitutos do procurador-geral. Como demonstrou Michèle Laure Rassat, foi somente em 1970 que um decreto deu vitaliciedade aos agentes do Ministério Público (MAZZILLI, 2014, p. 39).

Ainda:

Costuma-se mencionar que a Revolução Francesa estruturou mais adequadamente o Ministério Público, enquanto instituição, ao conferir garantias a seus integrantes. Foram, porém, os textos napoleônicos que instituíram o Ministério Público que a França veio a conhecer na atualidade, daí vindo a ser difundida e modelada a instituição em diversos Estados (MAZZILLI, 2014, p. 39).

Por oportuno, é de se ressaltar que, naquela época, os Procuradores do rei na tradição francesa, antes de adquirirem a condição de magistrados e terem assento ao lado dos juízes, atuavam em pé sob um assoalho (parquet) na sala de audiências e não sobre o estrado do lado do magistrado. Daí porque a expressão “parquet” ao se referir ao membro do Ministério Público, pois certamente deriva do piso onde os procuradores ficavam.

1.2 Origem do Ministério Público no Brasil

No Brasil colonial ainda não havia a instituição do Ministério Público, mas este já vinha buscando raízes diretamente no Direito Lusitano, em razão da colonização e da vigência do direito português no período colonial.

Assim, a primeira menção aos Promotores de Justiça surgiu em 1951 com as Ordenações Manuelinas. Já em 1603, com as Ordenações Filipinas, criou-se a atuação dos Promotores de Justiça, incumbindo-lhes o papel de fiscalizar a lei. Porém, somente com o Código de Processo Criminal do Império, em 1832, que se sistematizou a Instituição do Ministério Público no Brasil.

O importante, para nós, nessa breve abordagem histórica, é perceber que, com o Código de Processo Criminal de 1832, o Ministério Público passa a ter um tratamento mais sistemático, dispondo em seu art.36 que poderiam ser promotores de justiça aquelas pessoas que podiam ser juradas, sendo que, preferencialmente, aquelas que fossem conhecedoras das leis do país. (RANGEL, 2005, p. 126).

Ocorre que, após a reforma do Código Processo Criminal pela Lei nº 261 de 1841, os Promotores de Justiça ganharam um capítulo inteiro, mas mesmo assim ainda não gozavam de independência e estabilidade.

O artigo 22 do referido Código reformado assim dizia:

Art. 22. Os Promotores Públicos serão nomeados e demitidos pelo Imperador, ou pelos Presidentes das Províncias, preferindo sempre os Bacharéis formados, que forem idôneos, e servirão pelo tempo que convier. Na falta ou impedimento serão nomeados interinamente pelos Juízes de Direito (BRASIL, 1841).

Assim, é possível constatar a precariedade da Instituição naquela época, uma vez que ainda ficava à mercê do Poder Executivo.

Somente com a instituição da republica a Instituição conseguiu se desenvolver e ser reconhecida. Contudo, mesmo após a promulgação da Constituição do Brasil de 1891, a Instituição ainda carecia de atenção, o que foi nitidamente observado pelo Decreto nº 848, de 11 de setembro de 1890, uma vez que este criou e regulamentou a Justiça Federal, dispondo sobre a estrutura e as atribuições do Ministério Público no âmbito nacional. Posteriormente, as Constituições de 1934 e 1946 passaram a regulamentar e a dar uma ênfase maior ao Órgão Ministerial.

A Constituição Federal atual, promulgada em 1988, o Ministério Público passou a crescer fortemente, uma vez que, sem sombra de dúvida, aquela fortaleceu a Instituição que há muito já vinha se revelando e, dispôs sobre suas atribuições e garantias, que perduram até os dias atuais, e, ainda, contam com uma autônima administrativa até antes não regulada. Foi, então, a partir daí, que surgiu um “atual” Ministério Público, totalmente comprometido com a defesa da coletividade.

Assim, conclui que o Órgão Ministerial teve seu surgimento de forma lenta em toda a história, pois, conforme os conflitos da sociedade apareciam e o Imperador era incapaz de administrar, o Ministério Público foi se tornando imprescindível, com a função de promover a defesa da sociedade.

2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O MINISTÉRIO PÚBLICO

Abordaremos, neste capítulo, aspectos principais e características relevantes acerca do Ministério Público brasileiro.

2.1 Princípios Institucionais

Por ser um Órgão Constitucional totalmente autônomo e essencial à função jurisdicional do Estado, a Constituição Federal, em seu artigo 127, § 1º, manteve os princípios institucionais do Órgão Ministerial, uma vez que tais princípios já vigoravam pela Lei Federal nº 40/81, em seu artigo 2º.

Art. 2º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a autonomia funcional (BRASIL, 1981).

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional (BRASIL, 1988).

Analisaremos a seguir cada um dos princípios, indicando suas principais características e conceitos.

 

2.1.1 Princípio da Unidade

Por este princípio entende-se que os Membros do Ministério Público integram apenas e tão somente um só Órgão, no qual a manifestação de qualquer um de seus membros posiciona todo o Órgão Ministerial.

Assim, quando um membro do Órgão Ministerial atua, independente da matéria, sua atuação, se estiver buscando as finalidades da Instituição, será sempre legítima.

Segundo Edilson Santana:

Consoante o princípio da unidade, todos os integrantes da carreira de determinado Ministério Público (assim se fala em face do sistema Federativo de Governo vigente no País) integram um único órgão, sob a mesma chefia, de modo que a divisão da Instituição em diversos organismos de atuação produz-se apenas para alcançar seus fins ou objetivos, posto que todos atuam seguindo os mesmo fundamentos e com o mesmo propósito, constituindo, assim, um única Instituição. Na verdade, o mais apropriado (em um sistema Federativo, como é o brasileiro) é falar em Unidade de ofício do Ministério Público (SANTANA, 2008, p. 48).

Ressalta-se, ainda, que a chefia do Ministério Público é apenas de cunho administrativo, uma vez que este Órgão goza de independência no exercício de sua função.

2.1.2 Princípio da Indivisibilidade

A indivisibilidade torna possível a reciprocidade na atuação, uma vez que os Membros do Ministério Público agem em nome da Instituição e não por eles mesmos. Daí a possibilidade de se substituírem, sem que haja disparidade.

Por esse princípio, quem está presente em qualquer processo é o Ministério Público. Por ele, permite-se que membros da Instituição possam ser substituídos uns por outros no processo, dentro de certos limites que encontram barreira na independência funcional, ou, quando não, nos casos legalmente previstos (promoção, remoção, aposentadoria, more, licença, etc., sem que isso constitua qualquer obstáculo processual) (SANTANA, 2008, p. 49).

Portanto, não há um Órgão Ministerial superior a outro, o que existe, na verdade, é um Ministério Público com várias funções no seu respectivo grau de jurisdição, respeitando sempre a Magna Carta e as leis infraconstitucionais.

Assim ressalta J.J Gomes Canotilho “que daí decorre a sua indivisibilidade ou substituição de seus membros uns pelos outros. Quando atua um integrante da instituição é a instituição inteira que se manifesta” (CANOTILHO, 2013, p. 127).

2.1.3 Princípio da Independência Funcional

Por este princípio, consagra-se que os membros do Parquet não estão subordinados a ordem de superior hierárquico, podendo, assim, atuar segundo a Lei e seu entendimento pessoal. Vale lembrar que, os membros do Ministério Público se submetem apenas em caráter administrativo ao Chefe da Instituição.

[...] a independência funcional é atributo dos órgãos e agentes do Ministério Público, ou seja, é a liberdade que cada um destes tem de exercer suas funções em face de outros órgãos ou agentes da mesma instituição, subordinando-se por igual à Constituição e às leis. Assim, por exemplo, em razão da autonomia funcional, o Ministério Público dá a última palavra sobre a não promoção da ação penal pública, o que condiciona o conhecimento da matéria pelo Poder Judiciário (CPP, art. 28); mas é em razão da independência funcional que um procurador de Justiça pode propugnar pela absolvição de um réu, mesmo que seu colega de instituição tenha apelado em favor da condenação (MAZZILI, 2014, p. 136).

Ainda:

[...] a independência funcional mostra-se presente, exemplificadamente, na redação do art. 28 do Código de Processo penal, pois, discordando o Procurador-Geral de Justiça da promoção de arquivamento do Promotor de Justiça, poderá oferecer denúncia, determinar diligências, ou mesmo designar outro órgão ministerial para oferecê-la, mas jamais poderá determinar que o proponente do arquivamento inicie a ação penal (MORAES, 2000, p. 476).

Edilson Santana (2008, p. 49) arrebata que “somente no plano administrativo, estão submetidos a controle hierárquico; jamais, no plano funcional, que se restringe a controle judicial, caso de dolo ou culpa grave, em face de eventual abuso de poder, prevaricação e outras práticas delituosas”.

Ou seja, quando mais de um membro do Ministério Público atuar em um mesmo processo, cada um deles pode possuir diferentes posicionamentos. Porém, sempre tendo o dever de informar sobre seus atos e de fundamentá-los.

É de rigor, ainda, não confundirmos autonomia funcional com independência funcional. Como já dito acima, independência funcional é a garantia que o membro da Instituição possui em relação a sua atividade. Já a autonomia se divide em funcional e administrativa, esta é a capacidade/liberdade que o Órgão em si tem de exercer sua função em relação a outros órgãos do Estado, garantindo a possibilidade do Ministério Público regular os negócios da Instituição, somente se submetendo à Constituição e as Leis, não sendo alvo de decretos ou regulamentos criados pelo Executivo, e, aquela é a garantia do Órgão criar e extinguir seus próprios cargos.

Assim dispõe o § 2º do artigo 127 da Constituição Federal:

§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento (BRASIL, 1988).

Art. 3º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional, administrativa e financeira, cabendo-lhe, especialmente:

I - praticar atos próprios de gestão;

II - praticar atos e decidir sobre a situação funcional e administrativa do pessoal, ativo e inativo, da carreira e dos serviços auxiliares, organizados em quadros próprios;

III - elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos;

IV - adquirir bens e contratar serviços, efetuando a respectiva contabilização;

V - propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de cargos, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos de seus membros;

VI - propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção dos cargos de seus serviços auxiliares, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos de seus servidores;

VII - prover os cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliares, bem como nos casos de remoção, promoção e demais formas de provimento derivado;

VIII - editar atos de aposentadoria, exoneração e outros que importem em vacância de cargos e carreira e dos serviços auxiliares, bem como os de disponibilidade de membros do Ministério Público e de seus servidores;

IX - organizar suas secretarias e os serviços auxiliares das Procuradorias e Promotorias de Justiça;

X - compor os seus órgãos de administração;

XI - elaborar seus regimentos internos;

XII - exercer outras competências dela decorrentes.

Parágrafo único As decisões do Ministério Público fundadas em sua autonomia funcional, administrativa e financeira, obedecidas as formalidades legais, têm eficácia plena e executoriedade imediata, ressalvada a competência constitucional do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas (BRASIL, 1993).

2.1.4 Princípio do Promotor Natural

A Constituição consagrou que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. Por este princípio entende-se que ninguém poderá ser processado, sem ao menos ser acusado pela autoridade competente.

Na verdade, é uma garantia da sociedade e não do membro do Parquet em si.

Segundo Hugo Nigro Mazzilli (2014, p. 150) o princípio do promotor natural consiste, pois, na existência de um órgão independente do Ministério Público, escolhido por prévios critérios legais e não casuisticamente, para o exercício das atribuições que a lei conferiu à instituição.

Este princípio tirou a mera discricionariedade do Procurador-Geral para designar Promotores de Justiça em casos corriqueiros. Assim, dependendo do caso específico já existe um órgão ministerial independente para atuar, o qual foi designado segundo a lei.  

Assim, importante à análise de tal postulado, vez que, existindo um fato a ser investigado, há critérios a serem seguidos para definir qual promotor de justiça irá atuar.  

2.2 Funções do Ministério Público

A função precípua do Ministério Público é, a grosso modo, conforme preceitua o artigo 127 da Magna Carta, a defesa do ordenamento jurídico, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, tornando-se um defensor da sociedade tanto na esfera penal, como nas demais esferas do direito.

Porém, o rol extenso do artigo 129 da Constituição Federal traz as funções institucionais do Ministério Público, fazendo com que este Órgão atue de maneira ativa, como parte da ação, ou então, de maneira passiva, quando o Órgão atuará como fiscal da aplicação da lei.

Quando atua como parte na relação processual, o Órgão Ministerial executa diversas tarefas de imenso alcance político e social, tanto é assim que, como titular da ação penal, incumbe-se de proteger os direitos difusos e coletivos.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - elar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (BRASIL, 1988).

Art. 257. Ao Ministério Público cabe:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código; e

II - fiscalizar a execução da lei (BRASIL, 1941).

O certo é que o Ministério Público, sendo parte no processo ou atuando apenas como fiscal da lei, pode exercer outras funções, como diz o inciso IX do artigo citado acima, desde que não caminhe contra a Constituição Federal, não excedendo o seu poder.

3 INVESTIGAÇÃO – ÓRGÃOS E MEIOS APTOS

A Constituição Federal consagrou em seu corpo o direito ao devido processo legal, com o fim de ninguém ser punido de forma errônea, garantindo o contraditório e a ampla defesa, protegendo o averiguado de eventuais abusos praticados pelo Estado.

Sendo a investigação um processo detalhado com o fim de descobrir a veracidade de um fato, é relevante que ela se dê diversas maneiras, presididas por outros Órgãos investigativos além da Polícia Judiciária. O Estado, para que exerça o “jus puniendi”, é composto de Órgãos que o auxiliam de maneira efetiva na busca da verdade real.

Assim, neste capítulo, iremos abordar vários Órgãos  e Instituições que possuem a atribuição de investigar, bem como os meios que podem ser utilizados na elaboração e conclusão da investigação.

 

3.1 Polícia Civil e Principais Meios de Investigação

 

3.1.1 Inquérito Policial

O Inquérito Policial é o mais comum e conhecido meio de investigação administrativo usado no Brasil, que tem por função reunir elementos necessários para apurar infrações penais, sendo que este procedimento é de atribuição exclusiva da Polícia Judiciária e presidido por Delegados de Polícia de Carreira.

Calha registrar que o inquérito policial é um procedimento e não um processo administrativo. Para que seja um processo administrativo é necessário que haja litigantes, como preceitua a Constituição Federal, o que não ocorre no inquérito, haja vista que sua função é apenas averiguar fatos e por isso não há conflitos de interesse e nem partes. Portanto, não há que se falar nem em contraditório na fase do inquérito.

Entende Hugo Nigro Mazzilli (2014, p. 632) que o inquérito policial destina-se a colher elementos de convicção sobre a autoria e a materialidade das infrações penais, para servir de base à propositura da ação penal.

O inquérito policial é iniciado pela “notitia criminis” levada até a autoridade competente e são abertos por Portarias, por Autos de Prisão em Flagrante, por Requerimento do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo ou por Requisição do Ministério Público ou de um próprio Juiz.

Todavia, podem ser obtidas provas da materialidade e da autoria do delito investigado de outra maneira, tornando-se este procedimento dispensável para que seja iniciada a ação penal. Calha salientar que o inquérito policial não gera maus antecedentes ao averiguado, nem o considera culpado, apenas investiga os fatos.

Para melhor compreensão cabe esclarecer que no campo processual penal, os crimes seguem procedimentos distintos, procedimentos estes que se dividem em sumaríssimo, comum ordinário ou comum sumário e o procedimento especial.

3.1.2 Termo Circunstanciado

Assemelhado-se com o inquérito policial, o termo circunstanciado tem a mesma função de investigação, porém cabe a ele investigar as infrações de menor potencial ofensivo, que são aquelas cuja pena máxima cominada para o delito não ultrapasse dois anos, bem como nas contravenções penais, sendo do procedimento sumaríssimo. Portanto, será encaminhado ao Juizado Especial e não a Vara Comum.

Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa (BRASIL, 1995).

Em linhas gerais, o termo circunstanciado nada mais é que um Boletim de Ocorrência um pouco mais aprofundado, com algumas informações extras essenciais para sua abertura. Como acontece no inquérito policial, caso a autoria e a materialidade do delito seja confirmada de forma concreta por outros meios, o termo circunstanciado também se fará dispensável para a propositura da ação penal.

3.2 COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras

A Lei nº 9.613/98 foi a responsável por criar o COAF, órgão administrativo ligado ao Ministério da Fazenda incumbido de averiguar e reprender os crimes de “lavagem de dinheiro” previstos na Lei nº 12.683/2012 e combater o financiamento ao terrorismo, podendo aplicar as penas disciplinares cabíveis. Para que isso ocorra, o COAF, através de um procedimento investigativo, fiscaliza setores da economia de perto, como o mercado imobiliário e as juntas comerciais.

Assim, ao chegar à conclusão de que haja indícios concretos de que o crime fora cometido, o Órgão deve comunicar as autoridades competentes para que seja instaurado o procedimento cabível, a fim de averiguar se houve ou não o crime de lavagem de dinheiro e, caso positivo, responsabilize o infrator. 

O Estatuto do COAF dispõe sobre sua finalidade.

Art. 1º. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, órgão de deliberação coletiva com jurisdição em todo território nacional, criado pela Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, integrante da estrutura do Ministério da Fazenda, com sede no Distrito Federal tem por finalidade disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas em sua Lei de criação, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades (BRASIL, 1998).

O artigo 2º do Estatuto acima traz os Órgãos que integram o plenário do COAF.

Art. 2º. O plenário será presidido pelo Presidente do COAF e integrado por um representante de cada um dos seguintes órgãos e entidades:

I - Banco Central do Brasil;

II - Comissão de Valores Mobiliários;

III - Superintendência de Seguros Privados;

IV - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional;

V - Secretaria da Receita Federal;

VI - Agência Brasileira de Inteligência - ABIN;

VII - Controladoria-Geral da União;

VIII - Ministério das Relações Exteriores;

IX - Ministério da Previdência Social;

X - Ministério da Justiça; e

XI - Departamento de Polícia Federal. (BRASIL, 1998).

 

3.3 CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito

As Comissões Parlamentares são criadas pelo nosso Poder Legislativo (Câmara dos Deputados ou Senado Federal) e tem por escopo investigar fatos determinados e com prazos.

No seu decorrer, elas se assemelham aos meios investigatórios realizados por outras autoridades, já que requisitar diligências de órgãos e entidades da administração pública, bem como inquirir testemunhas e tomar depoimentos. Concluída as investigações que foram objetos da Comissão, as conclusões são enviadas à Mesa Legislativa a fim do Plenário tomar conhecimento, que poderão, assim, apresentar ou não o respectivo projeto de lei.

Ainda, se o Plenário assim entender, deverão enviar as conclusões ao Ministério Público para que este Órgão possa promover a responsabilização civil ou criminal dos infratores.

Elas não tem o poder de interferir no âmbito Estadual e Municipal. Por serem responsáveis por fatos determinados, só atuam no âmbito nacional, seguindo-se o princípio federativo. Ademais, para serem formadas, necessitam de um quórum mínimo de aprovação, que é de 1/3 (um terço) de Deputados ou Senadores, dependendo da Casa Legislativa que a constituir.

Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores (BRASIL, 1988).

Cumpre destacar que o prazo para conclusão da Comissão Parlamentar de Inquérito é de 120 (cento e vinte) dias, prazo este que poderá ser prorrogado pela metade caso assim seja necessário, podendo, ainda, a Comissão atuar durante o recesso.

3.4 Ministério Público e o PIC – Procedimento de Investigação Criminal

O Procedimento de Investigação Criminal muito se assemelha com o Inquérito Policial, mas com a diferença que aquele é de competência do Ministério Público enquanto este é realizado por um Delegado de Carreira. A sua função é apurar a materialidade e a autoria dos delitos a fim de dar elementos ao membro do Parquet para oferecer a denúncia.

Art. 1º. O procedimento investigatório criminal é instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de natureza pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal.

Parágrafo único. O procedimento investigatório criminal não é condição de procedibilidade ou pressuposto processual para o ajuizamento de ação penal e não exclui a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos legitimados da Administração Pública (CNMP, 2006).

Este procedimento pode ocorrer simultaneamente com o inquérito policial, podendo ser instaurado de ofício pelo Ministério Público quando tomar conhecimento de alguma infração, ou quando for provocado. O prazo para sua conclusão é de 90 (noventa) dias, mas pode ser prorrogado. Quando do término do procedimento investigatório, caso o membro do “Parquet” não se convença pelas provas colhidas da materialidade e autoria do delito, poderá arquivar tal procedimento, seguindo o mesmo rito do artigo 28 do Código de Processo Penal.

O artigo 28 do Código de Processo Penal é claro em afirmar que o Ministério Público pode requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, confirmando mais uma vez que este procedimento presidido pelo Ministério Público é válido, já que tem por função a prática de atos investigatórios que vão dar respaldo para iniciar a ação penal.

Vale ressaltarmos que para não ferir a impessoalidade do Ministério Público, o procedimento será protocolado e distribuído, sendo que as partes e algum terceiro interessado poderão ter acesso as investigações, exceto apurações que devam correr em sigilo.

3.5 Ministério Público e o GAECO – Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado

É um Órgão especial que foi criado em 1994 e era conhecido como Promotoria de Investigação Criminal.  Tem por finalidade combater os crimes organizados, sendo muito conhecido por ter a atuação direta de Promotores de Justiça na prática das investigações, contando com o auxilio da Polícia Civil e Militar na realização das tarefas. Atualmente dispões de 14 Núcleos que atuam não só na Capital, como também no interior de São Paulo. Ainda, cada Estado da federação possui seu GAECO.

Art. 2º - O GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE REPRESSÃO AO CRIME ORGANIZADO - GAECO terá atribuição para oficiar nas representações, inquéritos policiais, procedimentos investigatórios e processos destinados a identificar e reprimir as organizações criminosas, na comarca da Capital, em todas as fases da persecução penal, inclusive audiências, até decisão final. (MINISTÉRIO PÚBLICO, 1995).

As atribuições desenvolvidas por tal grupo diferem de outras dos diversos órgãos do Ministério Público e também seus meios investigatórios são diferentes exatamente pela complexidade e importância de cada caso, haja vista se tratar de grandes Organizações Criminosas e não de crimes cometidos por qualquer indivíduo. A Atuação do Ministério Público pode se dar de forma isolada ou contando com a ajuda de outros Órgãos incumbidos de investigar, e, ainda, pode ser realizada juntamente com inquéritos policiais ou em apartados.

Art. 9º. O GAECO será composto por Promotores de Justiça com atuação criminal designados pela Procuradoria-Geral de Justiça, preferencialmente sem prejuízo das atribuições atinentes ao cargo de que é titular.

§ 1º. A designação dos Promotores de Justiça para a atuação junto ao GAECO será precedida de consulta aos órgãos de execução abrangidos por sua atuação.

§ 2º. Os Secretários-Executivos das Promotorias de Justiça de que trata o art. 1º do presente Ato providenciarão, por provocação da Procuradoria-Geral de Justiça, no prazo de dez (10) dias, a indicação dos seus membros que poderão vir a serem designados para atuação no GAECO, observada a área de atuação regionalizada (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2008).

Os Promotores de Justiça atuantes no GAECO, poderão, entre outras atividades, instaurar procedimentos administrativos a fim de apurar eventual organização criminosa, bem como acompanhar atos de investigação e coordenar ações conjuntas.

Art. 7º. - Caberá aos Promotores de Justiça integrantes do GAECO o exercício das seguintes atividades:

I – instaurar procedimentos administrativos, nos termos dos artigos 105 a 116 do Ato Normativo nº 168/98-PGJ/CGMP, de 21 de setembro de 1998, e Resolução n. 13, de 02 de outubro de 2006, do Conselho Nacional do Ministério Público, ante a notícia da prática de crime organizado, sem prejuízo de eventual requisição de instauração de inquérito policial;

II – coordenar ações conjuntas com as instituições Policiais para o combate da criminalidade organizada regional;

III – acompanhar atos de investigação realizados por órgãos policiais com atribuições para a apuração da criminalidade organizada;

IV – reunir-se com os Secretários-Executivos das Promotorias de Justiça abrangidas por sua atuação, buscando colher subsídios para a prevenção e repressão ao crime organizado, transmitindo-lhes os relatórios de atuação;

V – elaborar, mensalmente, relatórios das atividades de investigação realizadas, encaminhando-os à Corregedoria-Geral do Ministério Público e ao CAOCrim;

VI – participar de reuniões designadas pela Procuradoria-Geral de Justiça ou pela Secretaria Executiva;

VII – providenciar a divisão interna das atribuições, comunicando-as para a Procuradoria-Geral de Justiça por intermédio da Secretaria Executiva (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2008).

Ainda, o GAECO é responsável por averiguar os crimes mais graves previsto na lei penal, sendo por isso relevante a atuação direta de Promotores de Justiça, já que lidam com grandes criminosos que assolam a sociedade brasileira. Este grupo já atuou em inúmeros casos, sendo que foram destaque a “Máfia da Cracolância” e a “Máfia dos Caça-níqueis”.

4 DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM OUTROS PAÍSES

Superada a análise dos principais meios e órgãos de investigação, importante analisarmos, no presente momento as atribuições e os papéis desenvolvidos pelo Ministério Públicos em outro países, com a finalidade de compararmos com o sistema vigente em nosso ordenamento.

4.1 Portugal

Em Portugal, os Promotores de Justiça são conhecidos como Magistrados do Ministério Público, sem, contudo, possuir conteúdo jurisdicional, tanto é assim que seus membros são subordinados, conforme preceitua a própria Constituição Portuguesa.

O Ministério Público Português passou a ter papel fundamental nas investigações criminais após a reforma do Estatuto Processual Penal, dando àquele Órgão a função de coordenar o as investigações, sendo auxiliado pela Polícia. Ainda, o Código de Processo Penal Português afirma que o Órgão Ministerial recebe as informações relevantes para intentar a investigação diretamente da Polícia, mas sendo ele o titular da ação penal, nada o impede de obtê-las diretamente.

Artigo 262.º 1 – O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação.

2 – Ressalvadas as excepções previstas neste Código, a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito.

Artigo 263.º 1 – A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal.

2 – Para efeito do disposto no número anterior, os órgãos de polícia criminal actuam sob a directa orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional (PORTUGAL, 2007).

Assim, observa-se a efetiva e verdadeira atuação do membro do Parquet nos atos investigatórios, a fim da encontrar a verdade real, dando a este Órgão a atribuição de presidir o inquérito policial para posteriormente ajuizar a ação respectiva. Ressaltando que qualquer medida durante o inquérito policial que limite direitos fundamentais dos investigados devem ser autorizadas por meio de Juízes.

O sistema português de investigação deveria ser adotado pelo nosso direito brasileiro.

 

4.2 Estados Unidos

Como no Brasil, nos Estados Unidos a investigação criminal também é o início da persecução que é iniciada através da notícia do crime. A diferença é que lá o Ministério Público atua nas três fases do processo penal. Ele atua na investigação, a fim de formar sua convicção sobre os fatos, em seguida, tendo os elementos necessários inicia a ação penal e atua no decorrer dela.

Calha esclarecermos que o Ministério Público norte-americano se divide em Federal, Estadual e dos Condados. Na esfera Federal atua o Procurador Geral, que é representado por seus Procuradores perante os Tribunais Federais. Na esfera Estadual atuam os Procuradores Gerais do Estado, os quais escolhem os membros da carreira.  E, por fim, nos Condados atuam os Procuradores Distritais, que são eleitos pelas comunidades.

O membro do Parquet atua efetivamente junto com a polícia ou com outros Órgãos de investigação como o FBI, por exemplo, que é o Departamento Federal de Investigação. Na verdade, o Ministério Público tem a faculdade de escolha se atuará ou não nas investigações, podendo, inclusive, ouvir testemunhas já ouvidas pela autoridade policial.

Embora o Ministério Público necessite de uma autorização judicial para medidas cautelares, ele é quem comanda as investigações criminais, sem haver restrições judiciais à sua função, exceto se a ação for ajuizada de modo discriminatório. A exemplo do modelo brasileiro, nos Estados Unidos o Ministério Público pode negociar com o investigado, a fim de que este admita sua culpa e em troca terá uma pena reduzida ou terá seu delito desqualificado.

Assim, o exemplo do Ministério Público nos Estados Unidos apresentado neste trabalho tem por base reforçar a possibilidade que o Órgão Brasileiro tem de praticar seus atos investigatórios na esfera criminal, seja de forma direta ou indireta, mesmo sendo alvo de assentadas críticas.

4.3 Itália

Diferentemente do que ocorre nos outros países estudados neste trabalho, na Itália o Órgão do Ministério Público integra o Poder Judiciário, fazendo parte do corpo da  magistratura. Ou seja, podemos dizer que as funções do judiciário Italiano se dividem em julgadora e postulatória. A primeira são os magistrados propriamente ditos, que tem a competência de julgarem a lide e dizer o direito, enquanto a segunda é composta pelo Ministério Público.

De acordo com o Código de Processo Penal Italiano, o Órgão Ministerial é responsável pela investigação, atuando juntamente com a polícia judiciária, determinando os atos a serem praticados, podendo, inclusive, realizar atos investigatórios para complementar os elementos já colhidos. Após, convicto da autoria e materialidade do crime o Parquet apresenta sua peça acusatória, ou, caso contrário, promove o arquivamento do inquérito policial.

Ainda assim, o direito Italiano dá ao Ministério o Público a garantia de chamar o investigado para que compareça aos atos investigatórios que exijam a sua presença, sob a pena de ser conduzido coercitivamente.

A fim de não ferir a imparcialidade do judiciário é que os magistrados italianos foram divididos em dois. O magistrado responsável pela investigação criminal que é o Ministério Público, é responsável por toda a persecução. E o segundo, é responsável em dizer o direito, caso o Ministério Público inicie a ação penal. Ou seja, o magistrado que investiga e oferece a peça acusatória, não pode e nem poderia julgar a ação, caso assim estaríamos ferindo o devido processo legal.

Para mostrarmos a efetiva atuação do Ministério Público na Itália resolvemos abordar a operação “Mãos Limpas”, já que exemplo de atuação Ministerial.

4.3.1 Operação “Mãos Limpas”

Analisada a investigação criminal realizada pelo Ministério Público no direito comparado, mostrou-se o poder persecutório que o Órgão Ministerial possui e o quão é importante para o sistema. Da abordagem dos países que adotam expressamente a investigação pelo Parquet, podemos concluir que é através do Órgão que a maioria dos crimes são apurados e penalizados.

Tanto é assim que, na Itália, por exemplo, umas das maiores operações responsável por coibir a corrupção foi presidida e investigada por Promotores de Justiça.

Em meados de 1990, em Milão, na Itália, mais no auge da corrupção por partidos políticos, o Ministério Público, o qual integra o corpo da magistratura deu início a uma investigação a fim de combater a corrupção que se assolava na época.

Mario Chiesa, na época um funcionário público, foi o responsável para que se iniciassem as investigações.  A magistratura Italiana, de longe, já observava todo o esquema ilícito praticado pelos “grandes” nomes da política Italiana, mas faltava uma chance concreta para que pudessem agir. Foi então que, informados da cobrança de propina pelo extorquido, o Ministério Público deu início as investigações.

Naquele momento se iniciava uma das maiores operações anticorrupção dos últimos tempos, se não a maior. Diante da denúncia feita pelo extorquido Luca Magni, o então ex-Procurador de Milão, Antonio Di Pietro, acompanhou Luca até o local onde entregaria o dinheiro solicitado por Chiesa, oportunidade em que adentrou à sala e flagrou o recebimento da propina.

Logo após um tempo encarcerado, o corrupto Magni começou a entregar o esquema, e a partir daí começou uma luta contra a corrupção, sendo que aos poucos os Procuradores responsáveis por toda operação foram ganhando a força da opinião pública.

Poucos meses depois, os procuradores milaneses já investigavam contratos nacionais, obras de ferrovias e rodovias e desvios de estatais – os mais vultosos na empresa de petróleo italiana. Cada empresário ou político que vinha falar sobre um caso específico acabava indicando a existência de desvios em outros setores, explicou Davigo. “Quanto mais avançávamos, mais gente era envolvida”, contou Gherardo Colombo, hoje presidente de uma das mais tradicionais editoras do país, na sua sala de trabalho, em Milão. (CARIELLO, 2016).

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A luta por uma política “mais limpa” perdurou por cerca de sete anos e durante toda a trajetória muitos dissabores foram encontrados, enfraquecendo a força dos Procuradores, fazendo com que cessassem as investigações. Porém, o trabalho dos Magistrados foram de grande valia e resultaram, na época, na extinção de partidos políticos.

Mais de 5 mil pessoas foram investigadas, por causa da Operação Mãos Limpas, pela Justiça italiana – centenas de empresários, centenas de parlamentares, uma dúzia de ministros de Estado e quatro ex-primeiros-ministros. Revelou-se um sistema de cobrança de propinas na administração de hospitais, nas licitações para o sistema de transporte público, na construção do metrô de Milão, de rodovias e ferrovias, que favorecia empresários amigos do poder, abarrotava o caixa dois dos partidos e financiava campanhas eleitorais (Reportagem Anexa, página 1).

Cerca de mil pessoas chegaram a passar algum tempo atrás das grades, presas preventivamente – entre elas, numa escala inédita na história italiana, políticos importantes e homens de negócios. Também investigado, o líder socialista Bettino Craxi, que em coalizão com a Democracia Cristã governara a Itália em meados dos anos 80, acabaria fugindo, indo passar seus anos finais de vida e de exílio na Tunísia, no norte da África.

Como resultado da ação dos magistrados, em 1994 os principais partidos políticos do país simplesmente haviam deixado de existir. (CARIELLO, 2016).

5 DA REALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Incontestável a grande discussão sobre a possibilidade de uma atuação mais profunda do Órgão do Ministério Público nas investigações. Por diversas oportunidades foi questionada o poder investigatório do Ministério Público.

Todavia, Acreditamos que a Carta Magna, ao distribuir as competências e atribuições deixou de conferir exclusividade a Policia Judiciária para apurar infrações penais.

Como já mencionado no capítulo II, a Constituição Federal, em seu artigo 129, trouxe as funções do Órgão Ministerial, destacando-se, a seguir, mis precisamente as que interessem neste capítulo.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. (BRASIL, 1988).

Ao nosso entender, quando a Constituição afirma que cabe ao Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial, está a afirmar apenas que este Órgão não tem competência para presidir o inquérito policial, um procedimento investigatório privativo de Delegados de Carreira. Nada mais!

Neste sentido, resta evidente que o nosso ordenamento jurídico, com respaldo da jurisprudência, adota a Teoria dos Poderes Implícitos, uma vez que se o Ministério Público pode o mais, obviamente pode o menos.

A Teoria dos Poderes Implícitos traz a desnecessidade de uma norma explícita para o cumprimento de atribuições de um órgão público, desde que não violem princípios Constitucionais. Ou seja, existe a norma expressa que preceitua a competência, mas, ao mesmo tempo, inexiste uma norma expressa que estabeleça o cumprimento das atribuições, resultando, assim, na aplicação implícita da norma. Assim, uma vez que a Lei Maior estabeleceu de forma expressa as atribuições e competências do Ministério Público, resta a este Órgão a autorização implícita de utilizar os mecanismos necessários para poder exercer tais competências.

Com efeitos, sendo ele o titular da ação penal pública, podendo iniciar ou não a ação, parece certo e concreto que pode este mesmo Órgão atuar no início da persecução, podendo e devendo realizar investigações. Não há que se falar em imparcialidade comprometida. Se o membro do “Parquet” pode e deve oferecer a peça acusatória, por uma questão lógica, ele atuaria de forma escorreita a fim de buscar, na investigação, a correta dinâmica dos fatos, para posteriormente poder iniciar a ação penal convicto da autoria e materialidade do caso concreto. Ressaltando que, ao praticar atos investigatórios, o membro do Ministério Público apura os fatos do crime, e não o réu.

O Ministério Público pode e deve realizar atos investigatórios a fim de descobrir a verdade real. Tanto é assim que na esfera civil o Órgão Ministerial tem atribuição para instaurar Inquérito Civil. Se assim não fosse, o Código de Processo Penal não teria atribuído a dispensabilidade ao inquérito policial.

Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra (BRASIL, Lei nº 3.689 de outubro de 1941, artigo 12).

Artigo 39, § 5º: O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 (quinze) dias (BRASIL, 1941).

Ainda nesta mesma linha, há outras leis infraconstitucionais que exemplificam a atuação do Órgão Ministerial, e por consequência lógica sustentam, mesmo que de forma indireta, a fundamentação da possibilidade do membro do “parquet” atuar na realização das investigações. 

O artigo 26 da Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº 8.625/93), assim dispõe:

Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:

I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:

a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;

b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior;

II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie;

III - requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;

IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los;

V - praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório; (BRASIL, 1993a).

Os que levantam a tese de que o Ministério Público não teria legitimidade para atuar nas investigações, afirmam que estaria prejudicado o princípio da equidade, pois o réu estaria desprovido de defesa, já que o Órgão que acusa, atuaria na investigação, além de prejudicar a atuação efetiva da polícia judiciária, com o argumento de que a Constituição atribuiu a ela o poder de investigação, o que não pode ser levado em absoluto, já que em momento alguma a Magna Carta lhe garantiu exclusividade.

Alguns autores contrários à ideia da investigação criminal realizada pelo Ministério Público sustentam, em apartada síntese, que não há previsão expressa na Constituição Federal ou em leis infraconstitucionais dando esta garantia/atribuição ao Órgão Ministerial. Por derradeiro, excluem a possibilidade de uma interpretação extensiva, haja vista que se o legislador quisesse que o Ministério Público realizasse investigações criminais para embasar sua peça acusatória, o teria feito expressamente por meio de leis como fez com a Lei nº 8.625/93, a qual atribuiu ao Órgão Ministerial poderes investigatórios no inquérito civil.

Em resumo, a investigação pelo Ministério Público só terá validade quando houver lei, em sentido formal, que autorize expressamente a investigação. Ademais, a lei só terá validade constitucional se estabelecesse também uma forma de controle sobre a investigação realizada pelo Parquet, controle este que não arranhasse o sistema acusatório, ou seja, controle não judicial (NICOLITT, 2009, p. 74).

Já para outros doutrinadores a investigação criminal realizada por um membro do Parquet é totalmente possível e legítima, já que a Constituição consagrou que o Ministério Público pode e deve requisitar diligências investigatórias à autoridade policial, além de exercer o controle externo, dando um suporte probatório amplo. Para estes autores, caso assim não fosse, a Magna Carta certamente teria atribuído exclusividade a policia para realizar as investigações, o que não fez. Ainda, sustentam que se cabe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses indisponíveis, conforme estabelece a Constituição Federal, nada mais certo que ele atue de maneira efetiva para que isso ocorra, e se necessário for, realize investigações.

Ademais, a Súmula 234 do Superior Tribunal de Justiça menciona sobre a imparcialidade do Ministério Público na propositura da ação penal quando este Órgão atuar na investigação.

A Participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.

Assim, resta enfraquecida a alegação de imparcialidade do Órgão Ministerial. Não há como se falar em imparcialidade prejudicada pelo fato do Ministério Público realizar investigações, já que este necessita de um valor probatório para oferecer a peça acusatória. E caso não tenha prova suficiente nada mais natural que possa averiguar.

Além disso, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades mencionaram sobre a investigação criminal realizada pelo Ministério Público, entendendo as Cortes que este Órgão pode realizar atos investigatórios, e, que, isto não prejudica o oferecimento da denúncia.

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO. PODERES INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE INEXISTENTE. PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. RECURSO DESPROVIDO.

1. Esta Corte assentou entendimento no sentido de que, em princípio, são válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, cabendo-lhe ainda requisitar informações e documentos, a fim de instruir seus procedimentos administrativos, com vistas ao oferecimento da denúncia.

2. Está implícito o poder de investigação criminal do Ministério Público, porquanto diretamente ligado ao cumprimento de sua função de promover, privativamente, a ação penal pública.

3. Os procedimentos realizados pelo Ministério Público, na hipótese dos autos, revestem-se de legalidade, uma vez que investidos do legítimo poder de investigação e, no que tange à busca e apreensão, antecedida da necessária determinação judicial.

4. Não há que se falar em cerceamento do exercício da ampla defesa, uma vez que, nos termos da súmula vinculante nº 14 do STF, o acesso aos dados colhidos sob sigilo é restrito aos documentos já colacionados aos autos, não se estendendo às diligências ainda em curso, sob pena de tornar ineficaz o meio de coleta de prova, tal qual a busca e apreensão cuja validade discute o recorrente.

5. Recurso desprovido. (STJ, Quinta Turma. Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Processo RHC 32523 MG 2012/0073988-4. Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 16 out. 2014, DJe 30 out. 2014.

[...]. 5) A teoria dos poderes implícitos (implied powers) acarreta a inequívoca conclusão de que o Ministério Público tem poderes para realizar diligências investigatórias e instrutórias na medida em que configuram atividades decorrentes da titularidade da ação penal. 6) O art. 129, inciso IX, da Constituição da República predica que o Ministério Público pode exercer outras funções que lhe forem conferidas desde que compatíveis com sua finalidade, o que se revela como um dos alicerces para o desempenho da função de investigar. 7) O art. 144 da carta de 1988 não estabelece o monopólio da função investigativa à polícia e sua interpretação em conjunto com o art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal legitima a atuação investigativa do parquet (STF, Primeira Turma. Ação Penal 611/MG. Rel. Min. Luiz Fux, j. 30 set. 2014, p. DJe 12 nov. 2014).

Ainda, não há como abordar essa enorme discussão que permeia o Ministério Público, sem falar da proposta de Emenda Constitucional nº 37, que sem dúvida alguma embasa totalmente este projeto.

A referia proposta, conhecida também como a “PEC da Impunidade”, foi apresentada pelo então deputado Lourival Mendes e tinha por discussão a proibição do Órgão Ministerial  nas investigações, uma vez que não estaria incluído nas funções do Ministério Público estipuladas pela Constituição Federal e pelas leis infraconstitucionais, o poder de investigação, e, ainda, tinha por objetivo incluir um novo parágrafo no artigo 144 da Magna Carta. Parágrafo que daria exclusividade a polícia para investigar. Por óbvio, essa proposta não perdurou, sendo inclusive, rejeitada como anti democrática por 430 votos contra.

5.1 Operação “Lava Jato”

Uma das maiores operações já existentes no Brasil, a Operação Lava Jato é a responsável por investigar os crimes de organização criminosa e de lavagem de dinheiro cometido por políticos e empresários, integrantes da elite econômica do País, os quais foram responsáveis por subtrair dos cofres públicos uma quantia estimada em mais de 10 (dez) bilhões de reais.

As investigações foram iniciadas do ano de 2009 por desconfiança contra doleiros, como Alberto Youssef, pois movimentavam muito dinheiro através de empresas de fachadas, e até mesmo paraísos ficais. Porém, a operação veio à tona em 2014.

As investigações foram e estão sendo realizadas pelo Ministério Público Federal por meio da Força-Tarefa, juntamente com o apoio da Polícia Federal. Tanto é assim que, em Janeiro de 2015, através de fortes indícios obtidos pela força-tarefa do Ministério Público Federal da prática de crimes, foi decretada a prisão preventiva do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

As medidas que foram solicitadas para a Justiça Federal, e, que, foram feitas pela Polícia, contaram com a anuência do Ministério Público. Da mesma forma, os atos praticados pelos Procuradores contaram com a anuência e apoio da Polícia Federal.

Ainda, além do Ministério Público auxiliando diretamente nas investigações, outros Órgãos foram de imensa importância para dar um respaldo à Polícia Federal, como a Receita Federal, o Conselho de Controle das Atividades Financeiras e a própria Petrobras. Assim, nota-se que não há como a Polícia agir de maneira isolada, sem contar com o apoio de outros Órgãos. É necessário que ajam juntos, um auxiliando o outro na sua função precípua. A operação Lava Jato é um verdadeiro exemplo disso, onde não só o Ministério Público, como diversos outros Órgãos, ajudaram e ainda ajudam de maneira efetiva a atuação da Polícia Federal nas investigações.

A Operação Lava Jato se tornou tão importante para o atual momento do país, uma vez que a corrupção se alastra diariamente, que acabaram a assemelhando à Operação Mãos Limpas, realizada na Itália e já abordada neste trabalho em capítulo apropriado. Contudo, como aconteceu na Itália, os Procuradores responsáveis por auxiliar diretamente as investigações da Lava Jato temem o enfraquecimento do apoio público.

Mãos limpas. Considerada pela força-tarefa como “escudo” das investigações, a sociedade e sua opinião em relação à Lava Jato é o que mais preocupa. O temor é que se repita no Brasil o que aconteceu na Itália, após a Operação Mãos Limpas – onde o enfrentamento a corruptos atingiu partidos, políticos e empresários, mas não alterou o sistema.

Diante de uma investida pública de ataques às apurações, os procuradores temem que o apoio ao caso se enfraqueça. (MACEDO, 2016).

O certo é que, de tudo quanto foi exposto, fica claro a importância que Órgão Ministerial tem nas investigações. Aliás, investigações realizadas sem o crivo do Ministério Público estariam fadadas à fragilidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve por premissa preliminar esclarecer a trajetória do Ministério Público, ressaltando as suas funções e as suas garantias. Durante todo o decorrer do trabalho, a missão mais importante foi trazer argumentos que comprovem a possibilidade do Órgão Ministerial realizar ou participar da investigação criminal.

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público se tornou um Órgão mais conhecido, e a partir daí começou a atuar com garantia, uma vez que passou a contar com o apoio da Nossa “Lei Maior”.

Há muito se discuti a possibilidade do Ministério Público atuar na fase da persecução penal, mas como abordado neste trabalho, os argumentos contrários a esta possibilidade nunca prevaleceram, embora tal discussão se permeie até os dias atuais. O certo é que, desde sempre o Órgão Ministerial atuou na fase investigatória, auxiliando em diversas vezes a Polícia Judiciária.

 Verificou-se que existem outros Órgãos que realizam investigações, como a CPI e o GAECO, que são totalmente independentes da Polícia Judiciária, e, que, embasaram o argumento da ausência de exclusividade da Polícia na realização da investigação criminal. Tanto é assim, que analisou-se também a dispensabilidade do inquérito policial.

A abordagem do sistema acusatório de outros países foi essencial na elaboração deste trabalho, já que neles, o Ministério Público atua diretamente na investigação criminal, auxiliando a Polícia e outros Órgãos. Alias, há países em que o próprio Parquet é o responsável por presidir o inquérito policial, como acontece em Portugal.

Quando da abordagem de outros países, mostrou-se imprescindível a análise da Operação Mãos Limpas, na Itália, pois esta fortaleceu a tese da possibilidade do Órgão Ministerial atuar nas investigações. Aliás, foi ela quem incentivou de grande maneira o aprofundamento do tema.

Das posições doutrinárias nota-se que há uma grande discussão na investigação feita pelo Ministério Público, o que torna a coletividade a mais prejudicada, já que afasta de certa forma a segurança da ordem pública.

O certo é que, o Ministério Público pode participar da persecução criminal, realizando investigações, uma vez que essa função encontra respaldo na Constituição Federal, no Código de Processo Penal e nas demais leis infraconstitucionais mencionadas neste trabalho.

A Investigação é inerente à atuação do Ministério Público, já que é ele o titular da ação penal, e para que esta seja proposta, ele deve ter em mãos os elementos probatórios necessários, devendo, portanto, participar da persecução criminal.

Portanto, conclui-se que o Ministério Público pode e deve atuar em conjunto com a Polícia Judiciária, já que esta também tem a atribuição de realizar a investigação criminal.

Por derradeiro, cumpre salientar que, com o reconhecimento da atribuição de investigar, o Ministério Público poderá trazer melhoras ao ordenamento jurídico pátrio, já que atuará com mais qualidade, além de tonar mais célere os inquéritos policiais, uma vez que poderá buscar provas específicas para formar de imediato sua opinião sobre o caso concreto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXO I – OS INTOCÁVEIS: COMO UM GRUPO DE PROCURADORES COMBATEU A CORRUPÇÃO NA ITÁLIA E ACABOU DERROTADO

A intérprete, que traduzia do italiano para o português e vice-versa, vinha fazendo o seu trabalho havia quase uma hora, sempre de maneira objetiva e impessoal – o tom de voz era neutro, monocórdio, sem ênfases ou inflexões que sugerissem qualquer interpretação sobre o que estava sendo relatado. Mantinha os olhos baixos, sobre um caderninho onde anotava os pontos mais importantes do discurso do ex-magistrado italiano Antonio Di Pietro. De repente, aparentemente motivada por algo que acabara de ouvir, achou por bem fazer uma pausa – muito breve – no fluxo do que estava dizendo e, do outro lado da mesa, levantou os olhos na minha direção. “Acho importante verificar isso”, alertou-me em português, como se questionasse sutilmente aquilo que Di Pietro havia acabado de falar. “Sete milhões de liras são cerca de 3 mil euros”, ela disse.

A quantia lhe parecia irrisória. Era difícil crer – como mais tarde, depois de terminada a entrevista, ela insistiria – que a Operação Mãos Limpas tivesse começado por tão pouco; um suborno quase desprezível na antiga moeda italiana. O que aconteceu depois que aquele punhado de dólares trocou de mãos foi talvez a maior crise política da Itália desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A série de investigações deflagrada no início de 1992 por Di Pietro na Procuradoria de Milão, no norte do país, foi responsável por colocar um ponto final, em pouco mais de dois anos, no regime político clientelista e corrupto comandado ao longo de quase cinco décadas pela Democracia Cristã, a mais importante legenda italiana do pós-guerra. Como resultado da ação dos magistrados, em 1994 os principais partidos políticos do país simplesmente haviam deixado de existir.

Mais de 5 mil pessoas foram investigadas, por causa da Operação Mãos Limpas, pela Justiça italiana – centenas de empresários, centenas de parlamentares, uma dúzia de ministros de Estado e quatro ex-primeiros-ministros. Revelou-se um sistema de cobrança de propinas na administração de hospitais, nas licitações para o sistema de transporte público, na construção do metrô de Milão, de rodovias e ferrovias, que favorecia empresários amigos do poder, abarrotava o caixa dois dos partidos e financiava campanhas eleitorais.

Cerca de mil pessoas chegaram a passar algum tempo atrás das grades, presas preventivamente – entre elas, numa escala inédita na história italiana, políticos importantes e homens de negócios. Também investigado, o líder socialista Bettino Craxi, que em coalizão com a Democracia Cristã governara a Itália em meados dos anos 80, acabaria fugindo, indo passar seus anos finais de vida e de exílio na Tunísia, no norte da África.

Os 7 milhões de liras a que se referia Di Pietro representavam a primeira prestação, a metade do suborno exigido por um funcionário público chamado Mario Chiesa, administrador de uma unidade da rede de Saúde de Milão, a ser paga por uma empresa fornecedora de serviços de limpeza. Chiesa, que comandava um conhecido centro de cuidados médicos para idosos, o Pio Albergo Trivulzio, era filiado ao Partido Socialista e assumira o cargo por indicação política. Pedia aquela quantia para um pequeno empresário, Luca Magni, que entre outros negócios trabalhava para os hospitais da cidade mais rica da Itália. Se Magni desejasse manter o seu contrato com o Pio Albergo Trivulzio, disse-lhe Chiesa, deveria entregar a ele os 14 milhões de liras requisitados – 10% do valor a ser pago pelos cofres públicos ao empresário, por seus serviços.

“Luca Magni representou para a investigação Mãos Limpas a chave que abriu a porta de um sistema de corrupção que nós já conhecíamos. Nós já sabíamos o que acontecia lá dentro, mas não conseguíamos abrir a porta”, contou Di Pietro diante de um pedaço de papel rabiscado, caneta em punho e óculos na ponta do nariz, em sua casa em Roma, no início de abril.

O ex-procurador é um homem relativamente alto, imponente e, se não chega a ser obeso, é forte, corpulento. Tem os cabelos pretos já escassos no topo da cabeça, penteados para trás. Foi seminarista na adolescência, e não teria dificuldade para fazer o papel, no cinema, de um benevolente padre católico numa cidadezinha da Sicília – tem vagamente o mesmo tipo físico do ministro da Suprema Corte americana Antonin Scalia, ou do ator James Gandolfini, que interpretou o neomafioso Tony Soprano na tevê.

Vindo de família pobre, sua primeira formação foi como técnico em informática. Trabalhou no início da vida adulta como operário numa fábrica de panelas, na Alemanha. Voltou para a Itália e aos 27 anos, na segunda metade dos anos 70, concluiu a faculdade de direito, cursada a duras penas, enquanto tentava conciliar trabalho e estudos. Antes de ser magistrado, fez concurso e atuou por alguns anos como comissário de polícia. É um mestre do interrogatório, duro e inteligente, fato que é ressaltado tanto por admiradores quanto por desafetos.

Na equipe da Procuradoria de Milão, fazia o papel do bad cop. “Eu era o poliziotto. O que tinha experiência investigativa. Minha função era arrombar a porta e correr para ver quem estava dentro do quarto”, explicou, sentado à mesa numa pequena sala de sua casa, um cômodo em que mal cabia o móvel retangular de madeira escura – uma espécie de sala de jantar, com paredes de cor salmão e alguns poucos adornos. Entre eles, sobre uma mesinha de canto, havia uma estatueta de argila pintada, colorida, representando o próprio Di Pietro, o terno aberto, a barriga saliente empurrando a gravata para o lado.

Além do ex-poliziotto, outros dois magistrados formavam a equipe principal da Operação Mãos Limpas. Piercamillo Davigo, da mesma idade de Di Pietro – ambos nasceram em 1950 –, vinha de uma família de classe média do norte. O mais baixinho dos três, esperto, com um sorriso constante nos lábios, Davigo era o que melhor conhecia os detalhes e mean-dros da lei, responsável por fazer a argumentação jurídica dos casos (tanto assim que hoje ele é integrante da Corte de Cassação, o mais alto tribunal do país; na Itália, juízes e procuradores fazem parte da mesma carreira pública, do mesmo corpo burocrático). E Gherardo Colombo, quatro anos mais velho que os outros dois, tão alto quanto Di Pietro, porém magro, com cabelo encaracolado e óculos coloridos: o intelectual do grupo. Se fizessem parte da equipe de Eliot Ness, Davigo teria percebido que a melhor maneira para agarrar Al Capone, do ponto de vista legal, era um crime menor, de evasão fiscal. Colombo teria examinado a papelada financeira do mafioso até conseguir encontrar a prova que o incriminasse.

 Antonio Di Pietro tinha 41 anos quando, no dia 13 de fevereiro de 1992, o empresário Luca Magni ligou para a polícia de Milão e disse estar sendo extorquido pelo administrador do Pio Albergo Trivulzio. Segundo relataria mais tarde, foi a dificuldade financeira de manter o acordo – Magni já pagava propina a Chiesa havia dois anos – que o levou a procurar as autoridades e denunciar a extorsão.

Por algum tempo, nos anos 80, em particular no governo do socialista Bettino Craxi, a Itália havia voltado a crescer – a crise do petróleo, nos anos 70, era coisa do passado – e chegou a viver momentos de aparente pujança econômica. Com as rédeas soltas dos gastos públicos e os negócios indo bem, parecia não faltar dinheiro no país – inclusive para as propinas e o financiamento dos partidos. No início dos anos 90, contudo, a maré baixou. Quase toda a Europa, e a Itália em particular, passou a enfrentar um momento de desaquecimento da economia que afinal, em 1992 e 1993, se transformaria em recessão.

“Para mim era um problema econômico”, explicaria Magni, em relato registrado no livro Mani Pulite: La Vera Storia, dos jornalistas Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Marco Travaglio. Com dificuldades em seus negócios, manter o pagamento dos 10% exigidos por Mario Chiesa se afigurava cada vez mais difícil.

O policial que recebeu a denúncia de Luca Magni trabalhava com Di Pietro – e logo comunicou ao magistrado o que tinha ouvido. O procurador, então, determinou que o empresário marcasse um encontro com Mario Chiesa para dali a alguns dias, quando ele, Di Pietro, estaria de plantão. Na data combinada, antes de se dirigir à casa de idosos, Magni foi ter com o magistrado e os policiais. Trazia, numa maleta, o dinheiro que deveria ser entregue a Chiesa. Para que não houvesse dúvida na hora do flagrante, o procurador retirou as cédulas da valise e marcou-as com sua rubrica. Um microfone foi escondido numa caneta que Magni levava no bolso, e o dinheiro recolocado na pasta. Em seguida partiram todos – empresário, procurador e policiais – para o Pio Albergo Trivulzio.

“Eu e um tenente acompanhamos Magni até a sala de espera do gabinete de Chiesa”, contou Di Pietro. “Fingi que trabalhava com ele.” Os três ficaram ali, aguardando para serem recebidos. Anos depois o empresário contaria que, naquele momento, estava morrendo de medo, “agitadíssimo”. Após algum tempo de espera, Magni foi finalmente chamado ao escritório do administrador do hospital. O empresário e o magistrado haviam combinado um sinal, segundo a narrativa de Di Pietro: quando Chiesa botasse a mão no dinheiro, Magni deveria arranhar a garganta, fazer um barulho forte de pigarro. E assim fez. O procurador, na sala de espera, ouviu o sinal e, com a mão na maçaneta, abriu a porta do gabinete. “Entrei”, contou.

 A prisão de Mario Chiesa, por si só, não era um fato inédito, explicou Antonio Di Pietro em sua casa, diante do papel rabiscado. “Muitas outras vezes já se haviam prendido funcionários públicos que recebiam dinheiro.”

O que era difícil, continuou o ex-procurador, era fazer alguém falar, fosse político ou empresário. Ir além do flagrante, do caso específico, e chegar ao sistema de financiamento dos partidos e de conluio das empresas. “A Operação Mãos Limpas não foi improvisada”, garantiu o ex-magistrado. “Ela nasceu muito antes da prisão de Chiesa. Foi a construção de um programa investigativo, de um plano. Outros procuradores haviam tentado antes. Mas faltava uma espécie de motor de ignição, algo que criasse a possibilidade de romper o pacto de omertà que controlava todo o sistema de comando do país por parte das empresas e dos políticos.”

Deu um exemplo. Em meados dos anos 80, Antonio Natali, então presidente da Metropolitana di Milano e um dos principais líderes do Partido Socialista Italiano na região da Lombardia, foi preso, acusado de receber propina em troca da concessão fraudulenta, aos pagadores do suborno, de um trecho da obra de ampliação do metrô na cidade. Natali estava atrás das grades quando o então primeiro-ministro do país, Bettino Craxi, seu correligionário no PSI milanês, fez saber que gostaria de visitá-lo e prestar solidariedade.

É um caso que marcou os magistrados italianos. Piercamillo Davigo, companheiro de Di Pietro na Mãos Limpas, também fez referência ao episódio quando o encontrei em seu gabinete, na Corte de Cassação. Davigo, que gosta de contar piadas e é espirituoso, explicou, sério, que o gesto de Craxi servia para dificultar o trabalho da magistratura: “O primeiro-ministro da época fez saber aos jornais que queria falar com o réu, motivado por uma antiga amizade e pela militância no mesmo partido. Que efeito tem uma notícia como essa para uma pessoa que gostaria de testemunhar e colaborar com a procuradoria? Pensaria que o Estado era representado pelo magistrado que interrogava? Ou pela pessoa que estava detida?”

Em menos de um mês, Natali sairia da prisão. Pouco depois, em 1987, seria eleito, com apoio de Craxi, para o Senado italiano, ganhando assim imunidade parlamentar – só poderia ser julgado se os seus pares aprovassem a iniciativa.

O que dava confiança e uma quase certeza de impunidade a Craxi, Natali e outros era a impressionante estabilidade do sistema político do país, resultado em parte da Constituição de 1948, em parte dos efeitos da disputa entre Estados Unidos e União Soviética, no plano internacional.

 O princípio geral da Constituição italiana, elaborada logo após a Segunda Guerra Mundial, me disse o historiador inglês radicado na Itália Paul Ginsborg, é o da partilha de poder entre as diferentes instituições da República, sem que nenhuma delas ganhe proeminência e protagonismo, num sistema complexo de freios e contrapesos – um sistema imaginado para inviabilizar qualquer arroubo autoritário e o ressurgimento do fascismo, mas que passou a ser objeto de queixas constantes por parte dos italianos nos anos 80, por perceberem nele uma tendência à paralisia e ao imobilismo.

O mesmo princípio de freios e contrapesos valia para o sistema eleitoral e partidário. O voto proporcional – com cada legenda recebendo um número de cadeiras mais ou menos equivalente à sua fração total dos escrutínios em todo o país – permitia que vários partidos conseguissem ter representação legislativa e dividissem o poder. Impedia-se, assim, o surgimento de polarizações entre duas siglas ou o controle do governo por apenas uma delas. No fim das contas, isso significava que o país precisava ser governado por coalizões, com negociações cuidadosas quanto à ocupação de cargos e ministérios.

No ambiente da Guerra Fria, contudo, apesar do sistema pluripartidário, duas siglas se destacavam como as mais fortes: a Democracia Cristã, uma ampla agremiação de centro, com correntes de centro-esquerda e centro-direita – que acabaria se perpetuando no poder, liderando ou integrando todas as coalizões de governo até o início da Operação Mãos Limpas –, e o Partido Comunista Italiano, o PCI. Com base social na Igreja Católica e apoio do clero, os democratas-cristãos haviam criado a sua legenda enquanto ainda se lutava a Segunda Guerra. O partido se apresentou, desde os anos 40, como um voto de segurança contra o perigo de o PCI chegar ao poder e o país passar a fazer parte do bloco socialista, liderado pela União Soviética – um temor real para muitos italianos no pós-guerra.

“Logo depois da guerra, em 1945 ou 1946, o governo do país incluía os comunistas”, me disse o professor da Universidade de Chicago e economista Luigi Zingales, em Roma, num bar no Campo de Fiori. “Era uma ampla coalizão. Em 1948, houve uma eleição. Os socialistas concorreram ao lado dos comunistas – e, claramente, o que eles queriam era fazer da Itália um país socialista. Uma coisa que ficou na memória dos meus pais foi que, poucos dias antes da votação na Itália, os não comunistas foram expulsos do governo na Tchecoslováquia – lá também eles haviam feito uma ampla coalizão, no imediato pós-guerra. E esse foi o momento em que a Tchecoslováquia se juntou ao bloco comandado pela União Soviética.”

Zingales, um italiano de Pádua, nascido em 1963, parecia falar de uma rea-lidade muito distante – em particular quando se olhava para o ambiente prosaico em volta, uma tarde agradável de primavera numa praça em que os turistas tiravam fotos. “A Itália teve medo de que o mesmo acontecesse aqui. O pai de um amigo meu uma vez me contou: ele morava numa região que votava com a direita, tinha armas em casa, e nessa altura estava pronto para lutar contra uma revolução socialista.”

Em sua casa em Florença, Paul Ginsborg, um homem de 70 anos com valores de esquerda e modos aristocráticos, disse algo semelhante, na sua voz serena e sempre muito baixa, como se uma criança dormisse no mesmo recinto e ele tivesse medo de acordá-la. “O símbolo dos democratas-cristãos é um escudo com uma cruz, o escudo de um cruzado, atrás do qual todos os cristãos deveriam se proteger. Os anticomunistas estavam se escondendo atrás do escudo, votando na Democracia Cristã.”

O resultado prático do embate ideológico foi que a Democracia Cristã e o Partido Comunista Italiano passaram a fazer, por quarenta anos, as duas maiores bancadas do Parlamento – mas na hora de formar governos, os demais partidos se coligavam sempre com os democratas-cristãos, temerosos de que a Itália, que crescia, cada vez mais rica, deixasse o bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos. Os comunistas até conseguiam comandar administrações locais, mas aliar-se a eles no plano nacional pareceu para muitos italianos, por muito tempo, uma aposta arriscada demais.

A perpetuação de um mesmo grupo no poder fez com que os cargos públicos fossem sendo ocupados, sem questionamento, pelos seus quadros. Floresceram disputas internas entre os democratas-cristãos, e cada uma das facções do partido lutava para ampliar o número dos seus indicados na máquina do Estado, que ia sendo repartida. O controle desses cargos, em contrapartida, lhes garantia os recursos para disputar poder dentro e fora do governo. Líderes de cada uma das facções ofereciam favores e empregos aos eleitores em troca de votos.

“O clientelismo é o modo básico como as pessoas operam na esfera pública na Itália”, disse Ginsborg, que desde 1992 é professor na Universidade de Florença. “O democrata-cristão Giulio An-dreotti foi primeiro-ministro em três ocasiões. Ele era um mestre do clientelismo. Quando morreu, descobriram no seu escritório um arquivo com milhares e milhares de nomes de pessoas, onde ele também registrava os favores que tinha feito a cada uma delas.”

Em troca dos favores e, sobretudo, dos cargos, as facções e os partidos esperavam não apenas votos, mas também recursos que os ajudassem a se financiar e a disputar eleições. Era dentro dessa lógica que o socialista Mario Chiesa, aliado de Bettino Craxi, operava – ele que, indicado pelo Partido Socialista para postos no sistema hospitalar em Milão, havia ajudado com votos e recursos a eleição do filho de Craxi para o Legislativo local.

Nos anos 80, o funcionamento desse sistema político que articulava clientelismo, corrupção e uma crescente percepção, por parte do eleitorado, de imobilismo começou a entrar em crise. A Democracia Cristã, embora ainda fosse individualmente o partido com a maior proporção de votos, viu o seu eleitorado encolher. A fim de se manter no poder, teve que construir uma grande coalizão que incluía outros quatro partidos, logo no início da década. O preço cobrado pelos demais, pelas chamadas “forças laicas” – e em particular pelos socialistas, a terceira força na política italiana –, foi o de colocar na mesa de negociações não apenas cargos de primeiro e de segundo escalões, mas a própria liderança do governo. Foi assim que Craxi, o socialista de Milão, acabou se tornando primeiro-ministro italiano, em 1983.

O inchaço da coalizão fez com que a máquina pública também tivesse que abrigar mais e mais gente. “O amor-próprio de cada um dos partidos tinha que ser satisfeito em termos de responsabilidades ministeriais e posições de poder dentro do aparato estatal”, escreve Ginsborg sobre as coalizões nos governos dos anos 80 em Italy and Its Discontents, título que faz referência ao nome em inglês de uma das obras mais famosas de Freud, e que poderia ser traduzido, de forma livre, como “O Mal-Estar na Itália”. “O tamanho dos conselhos e o número de vice-presidentes nos bancos e agências governamentais atingiram o ápice naquela década.”

Zingales é um pouco menos elegante na sua formulação do problema: “Os políticos estavam se tornando cada vez mais gananciosos. Quando você pega dinheiro só para o partido é uma coisa. Quando você começa a fazer exigências com o objetivo de ficar com uma parte dos recursos, os pedidos começam a aumentar.” Era essa, de toda forma, a percepção geral dos italianos nos anos 80, segundo ele: a de que a corrupção estava aumentando.

O economista de Chicago também não poupa críticas aos socialistas, que tinham passado por um processo deaggiornamento ideológico no final dos anos 70, abandonado o marxismo e, afinal, alcançado o poder. “Havia essa expressão da época, la Milano da bere [a Milão para beber]. Era o slogan de um anúncio de Campari ou de Martini, não me lembro, mas era também um jeito de se referir à Milão yuppie: ‘Somos ricos, poderosos, gastamos.’ Os socialistas fizeram isso com gusto. Os democratas-cristãos tinham montado um sistema. Os socialistas ficaram por muito tempo olhando para esse sistema do lado de fora, sem poder participar. Quando entraram, fizeram a mesma coisa. Mas com gosto, com vontade.”

 Mario Chiesa não sabia, mas ter sido pego com a mão no dinheiro em sua sala, no Pio Albergo Trivulzio, era apenas o começo dos seus problemas. Mesmo antes de montar o flagrante para prendê-lo, Di Pietro vinha investigando o político socialista. “Ele tinha contas no exterior. E sabíamos que tinha recursos que não correspondiam ao seu salário. Chiesa tinha se separado e pagava à ex-mulher uma pensão maior do que aquilo que recebia.”

Nas primeiras semanas na cadeia, o político socialista não disse nada, não abriu a boca. Recusava-se a colaborar ou a fazer qualquer acordo com a Procuradoria de Milão. Os primeiros a falar, contou Di Pietro, foram os empresários. Movidos pela certeza de que a propina paga pela companhia de limpeza de Luca Magni não era um caso isolado, os procuradores mandaram chamar executivos e proprietários das demais empresas que, no passado, haviam feito obras ou fornecido serviços para o Pio Albergo.

“Quando eu os chamei para depor, eles se esforçavam para falar um antes do outro”, gabou-se Di Pietro. Como isso era possível? Resultado de “uma técnica investigativa simples”, disse o magistrado, enquanto desenhava um quadradinho numa folha de papel.

“Explico qual era a técnica para convencer os empresários a falar. Toda a Operação Mãos Limpas se desenrolava dentro de uma sala – a minha sala”, disse, apontando para o quadradinho. “O que acontecia? Nos casos de corrupção, quem dá o dinheiro é uma empresa – mas a propina não envolve só uma pessoa lá dentro. Há vários funcionários envolvidos. O que havíamos descoberto? Que, quando chamávamos uma dessas pessoas para depor, ela mesma – ou o seu advogado – informava mais tarde aos demais o que havia dito. Numa mesma empresa, todos acabavam tendo a mesma versão.”

“Como romper esse circuito? Eu chamava no mesmo dia, na mesma hora, todos eles, todos nessa sala, que era grande e onde eu tinha nove mesas. Em cada uma delas ficava um agente de polícia. Essas pessoas vinham com os seus advogados, muitas vezes o mesmo advogado. Eu ficava no meio. Ia fazer perguntas a um, depois a outro, depois a outro.” Quis saber se era possível aos demais depoentes escutar o que cada um dos outros dizia. Di Pietro disse que não. Mas eles podiam se ver, uns aos outros? Sim, “se viam, mas não se ouviam”, explicou o procurador.

“Eles sabiam que não podiam dar justificativas divergentes. Assim, em determinado momento, percebiam que era melhor dizer a verdade. Era a única maneira de terem a mesma versão. E diziam para quem tinham dado o dinheiro.” De resto, o procurador lhes apresentava uma possibilidade de escolha relativamente simples. “Perguntávamos: ‘O senhor deu esse dinheiro porque foi cúmplice ou porque o forçaram a pagar?’ Adivinha o que eles respondiam? Quando se viam ameaçados com acusações que podiam pôr em risco a existência de suas empresas, eles preferiam fazer um acordo e revelar o que sabiam.”

Finalmente, depois de cinco semanas de prisão, Chiesa também falou. A investigação sobre o Pio Albergo Trivulzio havia, pouco a pouco, ganhado destaque na imprensa. Incomodado, Craxi tinha vindo a público e, diferentemente do que costumava fazer, dessa vez não prestara nenhuma solidariedade ao correligionário. Ao contrário. Havia dito que Chiesa era um mariuolo, um pequeno bandido que agia sem vínculos com os socialistas e que jogava “uma sombra sobre a imagem de um partido que em cinquenta anos de atividade em Milão nunca teve um administrador condenado por crimes relacionados à administração pública”.

“Essa declaração do Craxi foi uma das razões para o Chiesa falar”, me disse Davigo, em abril, na Corte de Cassação. Outros empresários e políticos passaram a ser investigados e foram chamados a depor. Os homens de negócios, disse Davigo, preferiam colaborar com presteza, para minimizar os danos às suas empresas e voltar logo aos negócios. “Os políticos, no entanto, perdiam tudo se confessassem. O que os levava a falar era outra coisa. Eles falavam quando eram abandonados.”

Davigo contou então que certa vez, em meio às investigações, foi interrogar o integrante de um grande partido, que estava preso. “Eu levava um jornal comigo. Ele me perguntou se havia reportagens sobre a sua prisão. Eu disse que sim e dei o jornal a ele, que então leu o que o secretário-geral do seu partido havia dito: que ele não passava de uma ‘maçã podre isolada’. O sujeito me devolveu o jornal e disse: ‘Agora eu vou descrever para o senhor o resto do cesto de maçãs.’”

Os procuradores descortinaram um sistema que envolvia boa parte das empresas de Milão e todos os principais partidos do país. Além da rede de saúde, logo Di Pietro, Davigo e Colombo chegaram a um importante esquema de propinas no sistema de transporte da cidade. Os empresários deram os nomes de representantes da Democracia Cristã, do Partido Socialista e mesmo do Partido Democrático da Esquerda (antigo PCI) a quem deviam pagar para garantir contratos nas obras do metrô. Como as cadeiras no Parlamento, também o dinheiro era repartido, mesmo entre legendas que, nas eleições, poderiam se opor. Do total de propinas recebidas na Metropolitana di Milano, naquele início dos anos 90, dois quintos deveriam ir para o PSI (historicamente forte na cidade), um quinto para os ex-comunistas, um quinto para a Democracia Cristã, e o restante para partidos menores.

Poucos meses depois, os procuradores milaneses já investigavam contratos nacionais, obras de ferrovias e rodovias e desvios de estatais – os mais vultosos na empresa de petróleo italiana. Cada empresário ou político que vinha falar sobre um caso específico acabava indicando a existência de desvios em outros setores, explicou Davigo. “Quanto mais avançávamos, mais gente era envolvida”, contou Gherardo Colombo, hoje presidente de uma das mais tradicionais editoras do país, na sua sala de trabalho, em Milão.

 “Por que algo parecido com a Operação Mãos Limpas não aconteceu antes?”, perguntei a Luigi Zingales, no Campo de Fiori, em Roma. “O sistema judiciário italiano foi concebido para ser bastante independente do sistema político, por causa da experiência do fascismo”, ele disse. “Não haveria, a princípio, razões para os magistrados não serem duros com a corrupção. Mas não foram tanto antes dos anos 90. Uma das razões é que havia um pacto de omertà entre os políticos – que funcionava. Mas também a situação política não era propícia para investigar a Democracia Cristã.”

Para Zingales, era razoável supor que parte da magistratura evitasse, deliberadamente, criar problemas para os partidos no poder na Itália. “Imagine – exagero um pouco, mas não muito – que eles acreditassem que poderiam, com suas investigações, desestabilizar a política a ponto de favorecer uma tomada do poder pelos comunistas. Em 1978, um ex-primeiro-ministro, Aldo Moro, foi sequestrado e morto pelos terroristas das Brigadas Vermelhas. Se você está em guerra, você não pode se dar ao luxo de dividir as tropas.”

Gherardo Colombo, quando me recebeu em seu escritório na editora Garzanti, também ressaltou o conservadorismo da magistratura italiana. Mas o controle sobre o trabalho de juízes e procuradores, ele disse, vinha sobretudo de fora. “A Itália era um país de fronteira entre a Europa Ocidental e o bloco comunista. Isso de certa forma justificava o pagamento de propinas. O fenômeno era muito ligado ao financiamento dos partidos políticos. Então diziam: se não tivermos dinheiro suficiente, os comunistas vão assumir o poder. Ser um país de fronteira fez com que se criasse um bloco de poder que conseguiu deter, que conseguiu parar as investigações sobre corrupção.”

Davigo, na Corte de Cassação, deu um exemplo concreto dos entraves impostos ao trabalho da magistratura: a influência que os governos e os políticos podiam exercer sobre a polícia – com muito mais facilidade do que sobre os procuradores ou os juízes –, da qual os magistrados dependiam para mover seus processos. O mesmo me disse Colombo: “Os policiais podiam investigar por meses a fio, sem dar satisfações à procuradoria. E podiam esconder provas, por exemplo.”

No final da década de 80, no entanto, as coisas mudaram. Depois de uma reforma do Código de Processo Penal, o Ministério Público passou a ter o poder de coordenar diretamente o trabalho dos policiais designados para assessorá-los. O ex-poliziotto Di Pietro não cansou de chamar atenção para a importância dessa reforma. “A polícia passou a entregar ao Ministério Público o resultado das suas investigações, e a Procuradoria podia pedir diretamente à polícia as investigações que desejasse, sem precisar passar por toda a cadeia hierárquica”, disse. “Além disso, eu sabia como funcionava. Conhecia as técnicas que eles usavam. E conhecia o próprio pessoal da polícia: eram os meus colegas.”

O curioso é que a reforma do Código de Processo Penal italiano havia sido proposta e realizada nos anos 80, justamente durante os governos de coalizão entre socialistas e democratas-cristãos – políticos que, pelo que se soube depois, não deveriam ser os mais interessados em aumentar o poder dos magistrados. “Eles estavam bastante confiantes em que o sistema deles continuaria a funcionar”, garantiu Colombo. “Eles se sentiam seguros.”

De toda forma, a mudança fundamental que permitiria a realização da Mãos Limpas não tinha a ver com a reforma de um código de leis, mas com um abalo geopolítico, que aconteceria em 1989: a queda do Muro de Berlim. Com o fim, para todos os efeitos práticos, da divisão do mundo em dois blocos, um capitalista e outro socialista, deixaram de existir os fundamentos da política italiana das quatro décadas anteriores. Uma das primeiras reações ao que se passava na Alemanha veio do líder do Partido Comunista Italiano.

O PCI já há muito tempo se orgulhava de sua independência em relação a Moscou e de sua posição crítica a iniciativas soviéticas. Prevendo os efeitos das mudanças no Leste Europeu sobre os partidos comunistas de todo o mundo, o secretário-geral do PC italiano entendeu que era hora de tomar uma providência radical. Apenas três dias depois da queda do Muro, num discurso em Bolonha a ex-combatentes da resistência ao fascismo, Achille Occhetto anunciou que o PCI deveria mudar de nome. O problema é que nenhum outro nome viria a ser escolhido até o 20o Congresso do partido, realizado mais de um ano depois, em janeiro de 1991. Como Occhetto insistisse que a designação da nova agremiação era uma questão secundária – “primeiro vem a coisa, depois o nome” –, houve quem passasse a chamar o ex-PCI de la cosa (“a coisa”), título de um documentário de Nanni Moretti sobre a crise do partido.

No final de 1991, o democrata-cristão Antonio Gava, ao comentar o cenário político e o aparente fim do “perigo comunista”, fez uma análise de conjuntura que entraria para a história: “Daqui por diante nós vamos ser votados por aquilo que nós somos, e não simplesmente por nosso anticomunismo.” O que aconteceu, na verdade, foi bastante diferente. Sem a ameaça do PCI, eleitores que tradicionalmente haviam votado na Democracia Cristã ou no Partido Socialista se viram à vontade para abandonar as antigas agremiações.

No norte do país, cresciam desde o final dos anos 80 as “ligas” regionais, que viriam a se unir na Liga Norte. Seu discurso populista de direita, muitas vezes xenófobo e favorável à autonomia das regiões setentrionais, continha um apelo que provinha sobretudo da crítica aos gastos “excessivos” do Estado, aos impostos cobrados pelo governo central – cujos políticos e instituições eram tratados por eles como “Roma ladrona” – e aos entraves burocráticos ao empreendedorismo, às pequenas empresas e ao livre mercado.

Os resultados eleitorais das ligas, nos anos 80, haviam sido marginais. O melhor desempenho, significativamente, havia acontecido na Lombardia – região cuja capital é Milão – em 1989, quando conseguiram 8% dos votos.

No início dos anos 90, contudo, a Itália sofria os efeitos de uma desaceleração econômica provocada, em parte, também pela queda do Muro de Berlim. Na verdade, pelos esforços da reunificação alemã – ocidentais e orientais se juntariam novamente num único país no final de 1990 –, esforços que levaram os políticos do país vizinho a aumentar os gastos governamentais. As autoridades monetárias alemãs, então, ciosas do efeito inflacionário do excesso de gastos e dispostas a contrabalançar a expansão fiscal, aumentaram os juros. Para o restante da Europa, o aumento dos juros na Alemanha, a principal economia do continente, significou um freio econômico.

Como se isso não bastasse, disse Luigi Zingales, no final dos anos 80 a Itália “começou a sentir a pressão” da competição econômica vinda de países vizinhos. “Espanha, Grécia e Portugal já faziam parte da União Europeia, e tinham trabalho barato.” Os empresários na Itália, que por décadas haviam tido a vantagem comparativa de trabalhadores mais baratos dentro do Mercado Comum Europeu, começaram a perceber que estavam ficando para trás.

É nesse contexto que a Liga se tornou uma ameaça que não podia mais ser ignorada, roubando votos dos democratas-cristãos e dos socialistas em todo o norte do país. “Houve uma espécie de rebelião da classe média, com a queda do voto nos partidos tradicionais e o aumento do voto na Liga Norte”, disse Donatella Della Porta, professora de ciência política na Escola Normal Superior, em Florença. “A corrupção, que até então era tolerada, se tornou um problema, e passou a ser estigmatizada como algo que impedia o sucesso e o avanço dessas classes médias no norte do país. Algo que dificultava sua capacidade de competir no resto da Europa.”

Em 1990, a Liga Norte conseguiu 19% dos votos na Lombardia. Em abril de 1992, apenas dois meses depois da prisão de Mario Chiesa, chegaria a quase 24%. Entre uma coisa e outra, Bettino Craxi mudou de comportamento em relação aos seus correligionários, de um modo, para muitos, surpreendente. Em vez de proteger o aliado político e tentar bloquear o trabalho dos magistrados, como fizera com Antonio Natali na década de 80, tentou isolar Chiesa e jogá-lo às feras.

Para Alberto Vannucci, professor da Universidade de Pisa e, ao lado de Donatella Della Porta, um dos maiores especialistas em corrupção na Itália, a mudança é compreensível. “Naquele momento, havia novas forças políticas que estavam ameaçando Craxi”, disse Vannucci. “As novas condições políticas tinham tornado mais fácil para os eleitores mudarem de um partido para outro. Ele deve ter imaginado que, se desse apoio a um sujeito que havia sido pego com o dinheiro nas mãos, perderia votos. Por exemplo, para a Liga Norte, que era muito forte em Milão, e tomava eleitores dos socialistas.”

Também os empresários tinham a impressão, no início de 1992, de que os partidos tradicionais, enfraquecidos, já não eram mais capazes de protegê-los, nem “de dar o que sempre tinham dado, no passado”, explicou Della Porta. Não parecia mais tão absurdo, àquela altura dos acontecimentos, colaborar com o Judiciário.

 “Di Pietro acabou virando, naquela época, uma espécie de Nossa Senhora”, me disse um jornalista na redação do Corriere della Sera, o principal diário de Milão, em abril. Ainda no início de 1992, segundo o repórter, começaram a aparecer as primeiras pichações nos muros da cidade: “Grazie, Di Pietro.” Depois outra, no caminho para o aeroporto internacional: “Di Pietro, prenda todos eles.” E uma próxima ao estádio San Siro, que comparava o magistrado italiano ao craque argentino Diego Armando Maradona. “Di Pietro é melhor que Pelé”, dizia.

As pessoas admiravam o fato, registrado nos jornais, de que ele fosse um self-made man. De origem pobre, inseria na fala palavras e expressões do seu dialeto do sul, mesmo em situações formais, audiências públicas e julgamentos, que passaram a ser transmitidos pela tevê. Quando ele e seus colegas tinham que se locomover pela cidade, muita gente gritava o seu nome, outros batiam palmas.

Uma “análise” sobre o “herói” Di Pietro, no caderno de cultura do Corriere, em julho de 1992, exaltava o modo sóbrio como ele se vestia, a escolha de gravatas, “o sorriso aberto, cordial” e a “maneira humana de tratar os outros”, até mesmo os interrogados. “Um novo consenso popular”, anunciava o texto. Ao lado, a foto de três jovens numa discoteca da cidade, todas com a mesma camiseta, onde em letras gigantes se lia: Milano ladrona, Di Pietro non perdona.

Num ambiente de crise econômica e política, a luta contra o desvio de dinheiro público parecia a chave para a recuperação do país. “A corrupção se tornou, de repente, a explicação para tudo”, me disse Vannucci, o professor da Universidade de Pisa e referência no tema (inclusive para o juiz brasileiro Sergio Moro, que o citou no texto que escreveu sobre a Operação Mãos Limpas).

Perguntei a Gherardo Colombo por que seu ex-colega Di Pietro havia se tornado o símbolo das investigações, em detrimento dos outros dois membros da equipe. “Em primeiro lugar, porque ele começou essa investigação”, ele me disse. “Mas também porque eu evitei entrar numa competição com o senhor Di Pietro. Logo no início da Operação, o Corriere della Sera fez uma enorme reportagem sobre ele, com fotos grandes, a família, o filho. No dia seguinte, La Repubblica, o outro jornal importante da Itália, me pediu que eu fizesse o mesmo, e concedesse uma entrevista. Eu recusei. Pensei que uma competição entre mim e Di Pietro poderia prejudicar as investigações.”

Até mesmo quem tinha muito a perder com o trabalho da magistratura parecia participar de alguma forma do “dipietrismo”, expressão que apareceria na imprensa ainda naquele ano. No início de junho, Renato Amorese, integrante do Partido Socialista na pequena cidade de Lodi, não muito distante de Milão, passou a ser investigado pela procuradoria. Suspeitava-se que pudesse fazer parte do esquema de cobrança de propinas que alimentava o financiamento ilegal dos partidos. Como outros políticos e empresários naquele momento, Amorese decidiu apresentar-se espontaneamente a Di Pietro, que o interrogou.

Dias depois o político foi encontrado ao volante de sua Land Rover, estacionada à beira de uma estrada vicinal, com um tiro na têmpora. Havia telefonado pela última vez à mulher na véspera. Depois ela diria à imprensa que tinha ficado preocupada quando se deu conta da falta de uma Beretta na coleção de pistolas do marido.

Antes de se matar, Amorese escreveu cinco cartas. Quatro estavam no banco do carona: para os pais, para a mulher, e uma para cada um dos dois filhos. A quinta ele havia enviado a Di Pietro. Em todas, escreveu: “Peço perdão pelo que fiz.” Na mensagem ao procurador milanês, agradecia “pela compreensão que ele havia demonstrado durante o interrogatório”.

No início do mês seguinte, julho, num discurso ao Parlamento, Bettino Craxi tentou diluir a gravidade das acusações, que pareciam atingir com mais força os socialistas. Afirmou que não havia partido ali presente que não fizesse uso de recursos ilícitos para se financiar. “O que precisa ser dito, e que de resto todos sabem, é que boa parte do financiamento aos partidos e ao sistema político é irregular ou ilegal”, declarou.

Mais e mais políticos vinham recebendo, naqueles meses, os “avisos de investigação” – um anúncio formal de que estavam sendo investigados, algo que em princípio deveria servir para garantir os direitos do réu, inclusive o de recorrer a um advogado, mas que, noticiados pela imprensa, eram tomados como indicação de culpa.

Em meados do ano, três desses “avisos” foram sucessivamente encaminhados ao deputado socialista Sergio Moroni, próximo e fiel a Craxi. No dia 2 de setembro, Moroni combinou de jantar fora com a mulher e a filha. Como demorasse a chegar ao restaurante, a esposa pediu por telefone à faxineira que passasse em sua casa, para ver se o marido ainda estava por lá. Moroni foi encontrado numa poça de sangue, com um tiro na garganta. Tinha 45 anos quando se suicidou. Desde a adolescência participava da política partidária no PSI.

Antes de se matar, enviara uma carta ao então presidente da Câmara dos Deputados, Giorgio Napolitano. “Um grande véu de hipocrisia (compartilhado por todos) cobriu por muitos anos os modos de vida dos partidos e os seus sistemas de financiamento”, declarava na mensagem. Ao mesmo tempo, não aceitava ser tratado como “ladrão”: “Nunca me beneficiei pessoalmente de uma só lira.” Dizia esperar que o seu gesto pudesse impedir que outros viessem a ter que passar pelo mesmo tipo de “sofrimento moral” que o afligia, e que ajudasse a pôr fim “aos processos sumários – na praça ou na televisão – que transformam um aviso de investigação numa sentença prévia de condenação”.

 No início de 1993, os parlamentares, assustados com a escalada dos processos e com o inédito descontrole em relação à atuação da magistratura e da polícia, tentaram o que chamariam de uma “saída política” para a crise. O governo então preparou uma lei que, na prática, descriminalizava o financiamento ilegal dos partidos. A reação da opinião pública foi avassaladora, com cartas e faxes sem fim às redações dos jornais e emissoras de tevê, além de manifestações em muitas cidades. O presidente da República, alegando problemas constitucionais na peça legislativa, fez então saber que simplesmente não assinaria a lei.

No dia 29 de abril, a Câmara recusou quatro pedidos da Procuradoria de Milão para processar Craxi (como era parlamentar, o líder socialista tinha imunidade, que só poderia ser suspensa pela decisão dos seus pares). No dia seguinte, uma pequena multidão se reuniu na frente do hotel onde o político se hospedava em Roma. Quando o ex-primeiro-ministro finalmente apareceu, foi saudado com uma chuva de moedas, enquanto muitos perguntavam, cantando, se ele “também queria” aquele dinheiro.

Enquanto isso, em Milão, a Operação Mãos Limpas chegava ao seu caso mais significativo, do ponto de vista financeiro. Investigações na ENI, Ente Nazionale Idrocarburi, a estatal de petróleo, revelaram que o equivalente a cerca de 20 mil euros saíam mensalmente dos cofres da empresa para serem distribuídos entre a Democracia Cristã e os socialistas, nos anos 80. O presidente da companhia, Gabriele Cagliari, havia sido preso preventivamente no início de março. Após passar 133 dias detido, o todo-poderoso executivo cometeu suicídio dentro de sua cela (na época levantou-se a hipótese de que ele pudesse ter sido assassinado, sem que isso nunca fosse provado). Dias antes de morrer, Cagliari enviara uma carta à família, em que acusava os procuradores de estarem percorrendo “a estrada que leva ao Estado autoritário”.

A ENI também havia se envolvido num negócio suspeito ao se associar a um grupo privado italiano, nos anos 80, a fim de criar uma empresa de indústria química, a Enimont. O principal executivo do lado privado dessa empreitada, Raul Gardini, era acusado de ter pagado propinas a políticos de diversos partidos para que o negócio acontecesse – e de ter lucrado na hora da vender de volta ao Estado a sua parte na Enimont, no início dos anos 90, mais uma vez com a distribuição de subornos para que o preço das ações fosse superfaturado.

Gardini, conhecido como um bon-vivant que gostava de praticar esportes, suicidou-se com um tiro de pistola no final de julho de 1993, três dias depois da morte de Gabriele Cagliari na prisão.

Os suicídios abalaram a opinião pública italiana. Não era uma atitude de modo algum esperada ou comum entre políticos e empresários antes que aquela onda de mortes ocorresse, entre 1992 e 1993, durante a Operação Mãos Limpas. “Aconteceu uma espécie de colapso do sistema de valores deles”, me disse a professora Donatella Della Porta em seu escritório, em Florença. “Os políticos e empresários não acreditavam que tinham feito algo fora do normal, algo verdadeiramente criminoso. Então a prisão era um choque psicológico.”

O economista Luigi Zingales tem opinião semelhante. As prisões preventivas, ele disse, não eram, em si, novidade: já haviam sido utilizadas no passado, em particular no combate ao terrorismo de esquerda. “Meu pai era professor de engenharia, em Pádua. Um dos seus assistentes foi preso, em 1979, sob a acusação de fazer parte das Brigadas Vermelhas. Meu pai era como eu, um liberal, em muitos sentidos conservador. Esse sujeito que foi preso era comunista. Se você quiser, ele estava à esquerda do Partido Comunista. Mas não fazia parte das Brigadas Vermelhas. Ele passou um ano e meio na prisão – e depois foi declarado completamente inocente. Então essa possibilidade de manter as pessoas presas preventivamente já existia. A diferença é que a Mãos Limpas usou isso pela primeira vez com gente que nunca tinha ido para a cadeia, gente como o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, no Brasil. Isso era inédito. Para muita gente, foi absolutamente chocante.”

“Na Itália, como no Brasil, o status social importava muito”, continuou Zingales. “Acho que muitos desses suicídios tinham a ver com isso: você sentia que tinha perdido a sua honra ao ser mandado para a prisão. Raul Gardini, por exemplo, cometeu suicídio antes mesmo de ser preso. Ele não aguentava a simples possibilidade dessa humilhação.”

Há quem diga – entre eles o cientista político inglês Martin Bull, importante especialista na política italiana – que os suicídios representaram um momento de inflexão no apoio da opinião pública aos magistrados. O começo, talvez, de um longo declínio. O também inglês Paul Ginsborg lembrou-se de momentos em que os italianos se incomodaram com aparentes excessos da Justiça. “Um dos democratas-cristãos foi levado a julgamento com algemas nas mãos e nos pés. As pessoas se escandalizaram. ‘Ele não é um estuprador!’, diziam.”

Ginsborg falava no seu tom de voz baixo, cuidadoso, mas de repente simplesmente ficou em silêncio. Estávamos na sala de estar da sua casa, em Florença – uma das paredes da sala, com o pé-direito alto, completamente tomada por uma estante de livros. O chão de taco. Tudo simples e elegante. Ele parecia pensar.

“Isso daria um ótimo artigo, comparando os dois países, Itália e Brasil. Estou pensando na questão da vergonha. Essas pessoas se mataram porque se sentiram humilhadas, diante das suas famílias e dos seus pares. Elas se mataram porque tiveram que ir para a prisão. Se fôssemos pensar numa tradição latina, ou algo desse tipo, deveria ser parecido para os portugueses e os brasileiros. Mas não é.”

 Ao final da entrevista que me concedeu em sua sala no Palácio de Justiça, sede da Corte de Cassação, em Roma – um edifício imponente, de inspiração barroca, cuja fachada dá para o rio Tibre –, o juiz Piercamillo Davigo quis contar uma história. Era uma “anedota”, ele disse, que servia para indicar a que estado tinha chegado a luta contra a corrupção na Itália.

Disse Davigo que, no período do fascismo, Mussolini mobilizou os italianos numa guerra contra as moscas e os pernilongos. Cada município, por menor que fosse, tinha que participar dos esforços de desinfestação. Eis que um dia – e aqui começava a parte ficcional da história, ele alertou – um representante do governo de uma província pegou o seu carrinho e foi visitar um vilarejo escondido no interior. Esperava por ele a máxima autoridade da cidadezinha. Quando o representante do governo desceu do carro, na praça, foi cercado pelas moscas, que infestavam o lugar. O representante quis saber o que acontecia: por acaso eles não estavam engajados, ali também, na guerra contra as moscas? “Sim, senhor, fizemos a guerra”, respondeu a autoridade local. “O problema é que as moscas venceram.”

Como resultado das primeiras eleições nacionais realizadas depois do auge da Operação Mãos Limpas, o empresário Silvio Berlusconi tornou-se primeiro-ministro da Itália, em abril de 1994. Nascido em Milão, em 1936, Berlusconi “fez seu dinheiro na construção civil, que é o setor mais corrupto da economia em qualquer país”, me disse Luigi Zingales, em Roma.

Nos anos 70, o empresário criou um canal de tevê local, em Milão, que aos poucos se expandiria até formar a primeira rede nacional privada, nos anos 80. A rigor, a transmissão televisiva para todo o país deveria ser um monopólio da rede pública, a RAI. Em 1984, magistrados conseguiram a ordem da Justiça para suspender a transmissão da tevê de Berlusconi. Paul Ginsborg escreve que a reação de boa parte dos italianos a essa decisão foi a pior possível, uma vez que se viram, da noite para o dia, privados de programas de sucesso, como Os Smurfs e a novela Dallas, que só passavam no canal de Berlusconi. Seu amigo e compadre Bettino Craxi – padrinho de uma das filhas do magnata –, então primeiro-ministro, não demorou a aprovar no Parlamento uma lei que regularizava a transmissão privada de tevê no país.

Silvio Berlusconi entrou para a política, em primeiro lugar, porque a porta estava aberta. No início de 1994, como resultado da Operação Mãos Limpas, a Democracia Cristã deixou de existir. Muitos políticos abandonaram a sigla, e os poucos que ficaram trataram de trocar o nome do partido, assim como os comunistas haviam feito em 1991. Muitos socialistas também abandonaram o PSI, e o que restou da sigla para as eleições de 1994 foi fragorosamente derrotado.

Com os partidos de centro ou centro-direita em frangalhos ou sendo fechados, os políticos de esquerda – em particular os herdeiros do PCI, reagrupados no Partito Democratico della Sinistra, o PDS – cometeram o mesmo erro de democratas-cristãos e socialistas, poucos anos antes: acreditaram que a crise dos adversários representaria vitória certa nas urnas. Ocorre, como lembrou Donatella Della Porta, que “quem votava na Democracia Cristã não estava disposto, do ponto de vista ideológico, a votar na esquerda”. Foi esse tipo de eleitor que Berlusconi e seu novo partido, a Forza Italia, conquistaram.

Mas essa não foi a única razão para ele decidir concorrer. O empresário entrou na política como estratégia de sobrevivência. “Entrou para a política com medo de perder os seus canais de tevê, caso a esquerda chegasse ao poder, ou com medo, até, de ser preso”, disse Zingales. “Ele percebeu que precisava entrar para a política porque aqueles que podiam protegê-lo não estavam mais lá”, explicou Della Porta.

E, no final das contas, acabou sendo convincente ao se vender como uma alternativa ao antigo sistema político corrupto. Segundo Della Porta, o próprio fato de ser rico era apresentado como uma garantia de que continuaria “limpo”. “Como ele controlava boa parte da mídia, em apenas alguns jornais você ficava sabendo que era próximo de Craxi.” Ao concorrer pela primeira vez, no início de 1994, Berlusconi ainda apoiava os procuradores da Operação Mãos Limpas. “Ele estava a favor do trabalho dos magistrados”, me disse o professor Alberto Vannucci. “Quando foi eleito, propôs a Di Pietro que se tornasse ministro do Interior. Isso é de conhecimento público.” Tentava cooptar os procuradores, provavelmente para tentar evitar ser investigado.

Ao longo daquele ano as coisas mudariam, de forma rápida. Com o início da nova legislatura, em meados de abril, Bettino Craxi, sem um novo mandato, perdeu a imunidade parlamentar. Quando, algumas semanas depois, a polícia recebeu a ordem de reter o seu passaporte, por perigo de fuga, era tarde: o ex-líder socialista já havia deixado o país. Seria visto em Paris, no dia 5 de maio. De lá, viajaria para o norte da África. Viveria o restante dos seus dias na Tunísia, onde morreria, no ano 2000, e onde também seria enterrado.

Ainda em abril, enquanto o novo governo tomava posse, os magistrados continuaram o seu ataque. Cerca de oitenta policiais e centenas de empresários foram acusados de participar de esquemas de corrupção para sonegar impostos. Poucos meses depois, em junho, essas investigações chegaram a uma das empresas do primeiro-ministro.

Pela primeira vez os magistrados tinham encontrado um inimigo verdadeiramente à altura. “Berlusconi foi colocado sob investigação pouco depois de tomar posse”, lembrou Vannucci. “Mas ele não era um líder como os que tinham sido envolvidos antes em investigações: ele era também um magnata da mídia que tinha poder de influenciar a opinião pública por meio de seus três canais de tevê, emissoras de rádio, jornais, agências de publicidade. Ao ser investigado, Berlusconi começou uma campanha violenta contra os juízes, que passaram a ser considerados comunistas, motivados politicamente, e não mais como magistrados imparciais. Houve uma politização do assunto. Não era mais uma questão legal, apenas: saber se alguém é corrupto ou não. Passou a ser uma questão política: quais os interesses dos magistrados? De que lado eles estão?”

Todos os analistas concordam que os procuradores começaram a perder apoio da opinião pública em 1994. Apesar do poder que Berlusconi tinha nas mãos, não citam a cobertura da imprensa como o único fator para o declínio político do grupo, mas também o fato de terem começado a investigar “gente comum”, inclusive como parte do mesmo processo que ameaçava o primeiro-ministro.

“Na Itália, todo mundo fazia algo de errado. Fosse o fato de não pagar o imposto integralmente ou o desrespeito a uma regulação qualquer”, me disse Zingales. “Quando prenderam os primeiros suspeitos, acharam ótimo. As pessoas gostam quando os ricos e poderosos vão para a cadeia. Prenderam a segunda leva, e ainda acharam ótimo. Mas aí começaram a prender mais e mais. Foi quando as pessoas se deram conta: bom, o próximo posso ser eu.”

O ex-magistrado Gherado Colombo tem impressão semelhante. “A mudança da opinião pública aconteceu depois que as provas aproximaram as nossas investigações das pessoas comuns. À medida que as investigações avançaram, elas nos levaram a achar propinas e corrupção cometida por pequenos empresários ou, por exemplo, por algum inspetor do Ministério do Trabalho que aceitava suborno de uma empresa.”

Além de atacar os magistrados de forma geral, Berlusconi também tentou minar a credibilidade do herói e símbolo da Mãos Limpas, que meses antes ele havia convidado para participar de seu governo. Casos anteriores ao início da investigação foram desenterrados. “Levantaram a suspeita de que Di Pietro teria recebido favores, o empréstimo de um carro, por exemplo, por parte de um empresário”, contou Vannucci. “Era um bom investimento para um homem de negócios manter esse tipo de boas relações, mesmo que sem a expectativa de receber um favor imediato de volta, apenas para ser um ‘bom amigo’ de pessoas muito poderosas e potencialmente perigosas para eles, como Di Pietro.”

“Teve também a acusação, contra Di Pietro, de receber empréstimos sem precisar pagar juros”, continuou Vannucci. “Ele foi envolvido nesse sistema de troca de favores. Nunca chegou a ser processado por isso. Os casos foram encerrados sem que fosse necessário julgá-lo. Ficou claro que ele tinha esse tipo de, digamos, ‘ligações perigosas’ com empresários. Mas não foi considerado um crime.”

Di Pietro também foi formalmente acusado, naqueles meses, de abusar do cargo – e teve o seu método de investigação questionado. Tudo somado, acabou abandonando a magistratura no final de 1994. Em sua casa, em Roma, quase no fim de uma longa entrevista, ele me disse que não havia outra coisa a fazer naquele momento. “Fui acusado, com o objetivo de deslegitimar a minha atividade, de crimes graves, que teria cometido como magistrado. Acusado de promover prisões ilegais, falsidade ideológica nas atas dos processos, abuso do cargo. Tornou-se meu dever me defender dessas acusações, e assim defender tudo o que eu tinha feito na Mãos Limpas. Tornando-me um simples cidadão, queria demonstrar, como demonstrei, que tinha feito bem o meu trabalho e me comportado bem. Fui absolvido de todas as acusações, e foram condenados aqueles que me acusaram.”

 O contra-ataque das moscas, me disse o juiz Piercamillo Davigo, no Palácio de Justiça, não veio apenas de Berlusconi, mas de toda a classe política. Nas últimas duas décadas, coalizões de esquerda e de direita se alternaram no poder na Itália. Tanto num tipo de governo quanto no outro, leis que dificultavam o trabalho da Promotoria foram aprovadas. “A partir de 1994, a política, toda a política, se esforçou para impedir não a corrupção, mas as investigações e os processos contra a corrupção”, disse Davigo.

Fraudes na contabilidade das empresas – o uso de caixa dois, de onde saíam os recursos para financiar ilegalmente os partidos – passaram a encontrar dificuldades muito maiores para serem admitidas como prova e punidas. Também em outras frentes, vários tipos de provas, antes aceitáveis, passaram a ser consideradas inválidas. As condições de admissibilidade de confissões e depoimentos foram restringidas. A gravidade e as penas impostas a vários crimes, reduzidas. Além disso, processos passaram a poder ser transferidos para outros juízes caso a imparcialidade dos magistrados originais fosse considerada duvidosa.

Por fim, a regra que realmente permitiu livrar muitos políticos de qualquer tipo de punição foi aprovada em 2005. “Uma lei que reduziu o prazo de prescrição para muitos crimes de colarinho-branco, entre eles o crime de corrupção”, explicou Vannucci. “Os prazos de prescrição foram cortados, de modo geral, pela metade. É difícil dar exemplos, porque o cálculo depende da pena máxima possível para cada crime. Mas, na média, para crimes de corrupção, o prazo de prescrição ficava entre doze e catorze anos. Logo depois dessa lei, passou para algo entre cinco e sete anos.” Ou seja, passado um pequeno espaço de tempo da data em que o crime teria sido cometido, a pessoa antes acusada não poderia mais ser julgada.

Assim, disse Vannucci, a estratégia de qualquer pessoa envolvida numa acusação de corrupção passou a ser a de retardar o máximo possível o seu julgamento, usando “todos os recursos formais possíveis para isso”. Visava-se “à prescrição, e não mais à declaração de inocência”.

A redução dos prazos de prescrição, segundo Gherardo Colombo, ajuda a explicar o fato de, ao fim e ao cabo, menos de 100 pessoas, segundo ele, terem efetivamente cumprido algum tipo de pena de prisão como resultado da Operação Mãos Limpas. De modo geral, um dos resultados práticos desse contra-ataque por parte dos políticos, segundo Alberto Vannucci, foi que a corrupção não só não diminuiu na Itália, nos anos seguintes às investigações da magistratura de Milão, como há indícios de que possa ter aumentado.

Desde 1995, a organização não governamental Transparência Internacional elabora e publica um Índice de Percepção da Corrupção no mundo, calculado a partir de diversas pesquisas com jornalistas, analistas e executivos. Entre outras perguntas, os entrevistados informam quão “limpo” é o processo de fazer negócios nos países pesquisados, a partir de sua própria experiência, e o quanto as autoridades locais aumentam os custos dessas transações, com extorsões ou cobranças de propinas.

Ao longo dos últimos vinte anos, dois fatos foram constatados com impressionante regularidade nos sucessivos levantamentos da Transparência Internacional. O primeiro é que países ricos, de modo geral, tendem a ser vistos como mais “limpos” ou mais “transparentes” que países pobres – e os especialistas debatem se essa correlação pode ser vista como um sinal do preconceito dos entrevistados em relação aos mais pobres ou não. De toda forma, o segundo fato regularmente observado em duas décadas de pesquisa é que a Itália é uma exceção constante à primeira regra.

Em 1995, dos 41 países pesquisados, apenas oito pareceram aos olhos dos especialistas entrevistados mais corruptos do que a Itália: Tailândia, Índia, Filipinas, Brasil, Venezuela, Paquistão, China e Indonésia. Em 33o lugar, o país ficou atrás de México, Colômbia, Grécia e Argentina. Em 2015, ocupava a 61a posição, num levantamento com 168 países. Ainda tinha um dos piores desempenhos entre os europeus, e ficava atrás de nações mais pobres, como Romênia, Grécia, Gana, Cuba e Ruanda.

Para Vannucci, a queda na quantidade de pessoas processadas e punidas por corrupção no país nos anos seguintes à Mãos Limpas, associada à percepção por parte de italianos e estrangeiros de que o problema persiste, indica que a capacidade de controlá-lo tem diminuído.

Della Porta e Vannucci também analisaram os preços das licitações públicas no país, e descobriram que, em alguns lugares, eles chegaram a cair até 40% logo depois da atuação dos procuradores de Milão. “O modo como nós lemos isso foi o seguinte: nesse sistema, muitas vezes era o empresário que ganhava mais”, afirmou Della Porta. Isso porque a propina para os políticos representava, em geral, entre 5% e 10% do valor do negócio. De toda forma, parecia uma conquista inegável da Mãos Limpas. O preço das obras tinha baixado, e portanto o gasto público havia se tornado mais eficiente. “Sim, é verdade”, respondeu a pesquisadora. “Mas isso não durou muito tempo. Cheguei a ficar otimista. Mas me lembro de pouco tempo depois entrevistar empresários, e eles me dizerem: ‘Olha, o preço está voltando a subir.’ Foi o que aconteceu.”

 No final de 1993, no auge da Operação Mãos Limpas, o sistema de eleição proporcional adotado desde o final da Segunda Guerra na Itália – e que havia contribuído para a perpetuação da Democracia Cristã e de seus aliados no poder – foi reformado. Havia a esperança, assim, que a corrupção pudesse ao menos ser controlada.

Um novo sistema eleitoral foi adotado. Mantinha características do voto proporcional, mas se aproximava um pouco mais do modelo majoritário inglês ou americano, em que cada parlamentar ou congressista representa um distrito. Um dos efeitos do sistema majoritário é a manutenção de um número menor de legendas viáveis politicamente e o estímulo à polarização entre dois partidos ou dois grupos de partidos, já que quem não se mostra capaz de vencer eleições em vários distritos – ainda que consiga uma fatia expressiva do eleitorado total – acaba sendo excluído do Parlamento e, com o tempo, da própria disputa eleitoral. Foi o que aconteceu, em certa medida, também no modelo eleitoral misto da Itália. Daí a alternância entre coalizões de direita – lideradas por Berlusconi – e de esquerda nos anos seguintes.

Pelo menos do ponto de vista teórico, era de se esperar então um maior grau de fiscalização mútua – em particular quanto à corrupção – entre os dois blocos em disputa. Pelo menos uma fiscalização um pouco maior do que a que acontecia no tempo em que quase todas as legendas procuravam se coligar com a Democracia Cristã. Mas não foi o que aconteceu.

“O potencial da alternância de partidos contra a corrupção está na probabilidade maior de que as forças de oposição denunciem as práticas corruptas de quem está no poder”, disse Vannucci. A oposição esperaria, assim, receber os votos dos eleitores indignados e insatisfeitos com as práticas de quem está sendo acusado. “Na Itália, todos esses mecanismos foram enfraquecidos pelo fato de que tanto o partido no governo quanto aquele na oposição não eram críveis como forças anticorrupção. Porque todos eles já tinham se envolvido em casos de corrupção no passado. Fosse Berlusconi ou a esquerda. Ninguém podia, com credibilidade, dizer que era contra práticas de corrupção.”

Vannucci também chamou atenção para o fato de que, em vários casos de corrupção descobertos de 1995 para cá, muitas vezes havia representantes tanto da esquerda quanto da direita envolvidos – no mesmo escândalo. Em Roma, no Campo de Fiori, Zingales também mencionou esse tipo de conluio. “Mas não era de se esperar que a alternância no poder ajudasse a diminuir esse tipo de acerto?”, perguntei. “Não sou um cientista político, sou um economista”, ele respondeu. “Mas sei que num duopólio sempre pode haver um bocado de coordenação entre as duas partes.”

 Fora da magistratura, Di Pietro ingressou na política. Em 1998, fundou seu próprio partido, o Italia dei Valori, ou Itália de Valores. Anos mais tarde, o ex-procurador que havia sido comparado a Pelé explicaria sua decisão com o uso de uma metáfora futebolística, dizendo que a vida pública era como uma partida, em que se devia escolher entre jogar ou ser apenas um espectador.

A partir de meados dos anos 2000, o partido de Di Pietro conseguiria eleger representantes para o Parlamento, sem no entanto abandonar a condição de força menor da política italiana. Não deixa de ser irônico que o Italia dei Valori, sob alguns aspectos, se parecesse com o Forza Italia, de Berlusconi: agremiações personalistas, centradas na figura do líder e concebidas para promover suas ambições políticas. Mas com uma importante diferença: do ponto de vista ideológico, a agremiação de Di Pietro era mais confusa, com gente dos dois lados do espectro. “Seu partido era um mix estranho”, disse Della Porta. “Tinha gente da esquerda, que também se incomodava com a corrupção. Mas ele fazia um discurso law and order, o que não costuma ter apelo com a esquerda.”

Segundo a pesquisadora, provavelmente Di Pietro esperava obter um apoio maior do eleitorado. “Minha impressão é a de que, desde o início, ele teve menos sucesso do que acreditava que iria ter. Provavelmente porque a política não é fácil para quem vem de fora. Quando teve algum sucesso, acabou sendo abandonado por seus correligionários. Ele próprio chegou a dizer que não era muito bom para escolher pessoas. Era um outsider.”

Gherardo Colombo, antigo colega que também abandonou a magistratura – mas que não considerou entrar para a política –, disse que Di Pietro nunca teve, no final das contas, “o jeito certo” para ser político. “Há uma enorme diferença entre ser um magistrado e ser um político. É preciso ser mais humilde, como político, e não subestimar a inteligência dos outros políticos. Você também não pode ser extremado nas suas posições, tem que saber negociar. E você tem que saber escolher, com muita acurácia, os seus parceiros.” Em todas essas frentes, disse Colombo, muitas vezes Di Pietro acabou falhando.

Seus problemas políticos aumentaram quando começaram a surgir acusações de que mesmo integrantes do Italia dei Valori, fundado para defender a causa da honestidade, haviam se locupletado. “Membros do seu partido foram acusados de ter recebido propinas”, disse Colombo.

Outros tiveram dificuldades para explicar o uso de dinheiro público. Na região de Molise, no sul do país, representantes do Italia dei Valori receberam, como os demais partidos locais, recursos do Estado. A verba deveria ser destinada a despesas partidárias e eleitorais, mas os membros da legenda na região não conseguiram comprovar todos os gastos que fizeram – entre eles estava o próprio filho de Di Pietro, Cristiano, tratado na imprensa italiana como “Di Pietro Junior”. Foram recentemente condenados a ressarcir os cofres públicos em cerca de 45 mil euros.

“Não creio que já se tenha uma condenação final em relação a Cristiano Di Pietro”, me disse Alberto Vannucci, por telefone, no final de abril. “Como aconteceu em muitos ou talvez todos os conselhos regionais da Itália, eles foram acusados de usar dinheiro público para propósitos pessoais.”

O próprio Di Pietro também foi objeto de acusações – e insinuações de enriquecimento ilícito. No final de 2012, depois de um programa jornalístico da RAI afirmar que o ex-magistrado, a mulher e os filhos detinham dezenas de propriedades – entre casas, terrenos e vagas de garagem –, a Itália se pôs a discutir o tamanho da riqueza patrimonial da família Di Pietro. Pelas estimativas mais conservadoras, e favoráveis ao ex-magistrado, seriam onze imóveis. O fundador do Italia dei Valori também foi acusado de usar recursos públicos, destinados ao partido, para reformar sua casa em Roma – indicada por ele como sede da agremiação. E de ter usado uma empresa sua para alugar um imóvel ao próprio partido, numa transação paga com recursos públicos.

Questionado, Di Pietro disse à piauí por e-mail que a Justiça italiana havia feito as devidas verificações e declarado que o seu comportamento era “irrepreensível” no que se referia à gestão dos fundos públicos destinados ao seu partido. O ex-magistrado também anexou a cópia de uma decisão da Justiça, de 2010, em que o juiz reconhece não haver sido encontrado nenhum problema por parte do Tribunal de Contas e do Parlamento italiano quanto ao uso de recursos públicos pelo partido Italia dei Valori até aquela data. Na mensagem, Di Pietro se dizia vítima de “falsas acusações” feitas por “difamadores profissionais”.

“As explicações de Di Pietro nunca foram satisfatórias”, me disse um jornalista do La Repubblica. Outro repórter, do Corriere della Sera, afirmou não acreditar que o ex-magistrado tenha se apropriado, em benefício próprio, de dinheiro público. Mas, para Alberto Vannucci, ainda que o ex-magistrado não tenha sido formalmente acusado ou julgado pelas suspeitas que apareceram na imprensa no final de 2012, estava claro que a gestão dos recursos de seu partido não era transparente. “Di Pietro fundou uma entidade privada, e o partido pagava aluguel por uma sede que estava em nome dessa entidade. A entidade era a proprietária do imóvel. Era um conflito de interesses gigantesco. O líder do partido alugava um imóvel para o próprio partido. O dinheiro usado para pagar era dinheiro público, recebido pelo partido.”

Para Vannucci, as suspeitas contra a Italia dei Valori representaram uma tragédia política. “Essa é a tragédia de um país. Quando se espera que a sociedade possa superar um sistema corrupto, acaba-se descobrindo – sempre tarde demais – que até mesmo o símbolo dessa mudança estava envolvido ou passou a se envolver com esse ambiente de corrupção, tomado num sentido mais amplo.”

No final de 1992, talvez no auge de sua reputação, Antonio Di Pietro conseguiu um espaço em sua agenda para participar de um encontro com empresários em Monza, cidade a menos de uma hora de carro de Milão. Já era de noite. Antes de passar a palavra à plateia, o procurador explicou em que pé andavam as investigações da Mãos Limpas e exortou os empresários ali presentes a fazerem a sua parte no combate à corrupção.

Um deles, Ambrogio Mauri, um senhor de pouco mais de 60 anos, dono de uma fábrica de ônibus urbanos, esperou Di Pietro terminar de falar e levantou a mão (é o que narra Monica Zapelli, em seu livro Un Uomo Onesto). “O senhor deveria mudar de profissão”, disse Mauri ao magistrado. “Já explico por quê.” Em seguida deu as costas a Di Pietro e fez uma pergunta à plateia, onde estavam os seus colegas empresários: “Pode levantar a mão quem, entre nós, nunca deu um dinheiro, pelo menos uma vez na vida, a um gerente de compras de alguma empresa.”

Os empresários na sala sorriram, sem no entanto mover o braço. Apenas o próprio Mauri levantou a mão. “Doutor, ou são todos manetas, ou eu tenho razão e o senhor deveria mudar de profissão”, disse então a Di Pietro.

Ambrogio Mauri era um entusiasta da Operação Mãos Limpas e, para alguns italianos, virou uma espécie de símbolo da honestidade. Dizia que se recusava a pagar qualquer tipo de propina e evitava as licitações públicas na Itália. “Mauri fazia negócios e vendia seus ônibus sobretudo fora da Itália, exportava os veículos, porque tinha sempre se recusado a participar dos circuitos corrompidos em Milão e na Lombardia”, lembrou Vannucci, numa conversa por telefone. “Isso também foi certificado pelos investigadores da Operação Mãos Limpas. O nome de Ambrogio Mauri não aparece nas investigações.”

Passado o auge das atividades dos procuradores, Mauri achou que já era hora de voltar a fazer negócios em Milão. Em 1996, a companhia de transportes públicos da cidade lançou uma licitação para a compra de 100 novos ônibus. Era uma ótima oportunidade, e o empresário decidiu participar. “E aí, realmente, ele concluiu que as coisas tinham mudado”, contou Vannucci. “Porque, pela primeira vez, ele venceu uma concorrência na Itália. Tinha investido, ampliado e melhorado a sua linha de     produção.”

“O problema”, continuou Vannucci, “é que logo depois houve um recurso dessa licitação. Ela acabou sendo anulada, declarada irregular. Foi refeita. Mas, da vez seguinte, Mauri perdeu. Quem ganhou foi uma empresa que já tinha estado envolvida, no passado, em casos de corrupção.”

A derrota abalou o empresário. Às oito da manhã do dia 21 de abril de 1997, Mauri chegou ao trabalho na sua fábrica. Cumprimentou funcionários e se fechou no escritório. Alguns minutos mais tarde, tirou da gaveta uma pistola e, como já havia planejado, deu um tiro no peito. Nas cartas que deixou, falava da sua desilusão – dizia que, passada a Operação Mãos Limpas, tudo havia voltado a ser como era antes na Itália.

“Mauri se deu conta de que o sistema de corrupção tinha voltado a dar as cartas em Milão”, me disse Vannucci. “Ele tinha investido muito dinheiro naquele contrato público, que acabou perdendo. Escreveu as cartas de despedida e decidiu cometer suicídio. Essa é a história.”

Sobre o autor
Felipe Rodrigues Malvezi

Sou formado em Direito pela Universidade de Araraquara/SP desde 2016. Advogado atuante inscrito na OAB/SP. Fui professor do Sistema de Questões do Estratégia Concursos. Aprovado nos concursos de Analista Jurídico do Ministério Publico/SP, Agente de Trânsito do Detran/SP e Técnico Judiciário do TRF3. Especializando em Direito Penal e Processual Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Orientador: André Gândara Orlando

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