Prescrição contra pessoa incapaz
Antes da promulgação da Lei nº13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), o artigo 198, I c/c o art. 3º do Código Civil Brasileiro, afastavam, expressamente, a ocorrência da prescrição contra as pessoas absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, inclusive daquelas que não tenham o necessário discernimento para a prática desses atos e aquelas que não puderem exprimir sua vontade. Senão vejamos:
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;
Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Ocorre que, com a promulgação da Lei nº13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), os incisos I, II e II do art. 3º do Código Civil Brasileiro foram revogados, passando então o art. 3º a vigorar com a seguinte redação:
Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
Como se vê, a nova e atual redação do art. 3º do Código Civil brasileiro tem como pessoa absolutamente incapaz para exercer pessoalmente os atos da vida civil, apenas os menores de 16 (dezesseis) anos.
Consequentemente, o art. 198, I, do Código Civil manteve a garantia da não ocorrência do prazo prescricional contra os incapazes de que trata o art. 3º, também do Código Civil, contudo, apenas em relação aos menores de 16 (dezesseis anos), diante da alteração deste artigo.
Pois bem, em que pese o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº13.146/2015) possuir o escopo de proteção e inclusão da Pessoa com deficiência, neste ponto analisado, nota-se que, a revogação dos incisos, I, II e II do art. 3º do Código Civil poderia estar prejudicando estas pessoas incapazes, ao passo que, antes não corria o prazo prescricional contra elas. Já com a nova redação deste artigo, os argumentos para se manter os mesmos direitos da inocorrência do prazo prescricional deverão ser analisados e sopesados nos seguintes termos:
Por mais que, com o vigor da nova redação do art. 3º do Código Civil, não esteja, expressamente, garantido a inocorrência da prescrição para aquelas pessoas com incapacidade absoluta, ou seja, para aquelas que não tenham o necessário discernimento para praticar os atos da vida civil ou que não puderem exprimir sua vontade, mesmo assim, este direito não restou revogado.
Isto porque, as normas do Decreto nº 6.949/2009 que promulgou a Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência foram recebidas na ordem interna com status constitucional. Assim, devem ser observadas pela legislação ordinária todos e quaisquer preceitos pactuados na Convenção Americana.
Assim determina o §3 do art. 5º da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº45 de 2004:
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo)
Destarte, ante o teor do artigo 4, item 4, da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, ficou claro que qualquer disposição normativa jamais poderá servir para a redução da esfera de proteção das pessoas com deficiência. É o que diz referido artigo:
4.4. Nenhum dispositivo da presente Convenção afetará quaisquer disposições mais propícias à realização dos direitos das pessoas com deficiência, as quais possam estar contidas na legislação do Estado Parte ou no direito internacional em vigor para esse Estado. Não haverá nenhuma restrição ou derrogação de qualquer dos direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte da presente Convenção, em conformidade com leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob a alegação de que a presente Convenção não reconhece tais direitos e liberdades ou que os reconhece em menor grau.
Já o artigo 121 da Lei nº 13.146/2015 deixa claro que não pretende restringir qualquer direito das pessoas com deficiência, devendo ser observadas todas as normas que os beneficiam, prevalecendo sempre a mais benéfica. Art. 121 da citada lei in verbis:
Art. 121. Os direitos, os prazos e as obrigações previstos nesta Lei não excluem os já estabelecidos em outras legislações, inclusive em pactos, tratados, convenções e declarações internacionais aprovados e promulgados pelo Congresso Nacional, e devem ser aplicados em conformidade com as demais normas internas e acordos internacionais vinculantes sobre a matéria.
Parágrafo único. Prevalecerá a norma mais benéfica à pessoa com deficiência.
Ante todo exposto, pelo que parece, o legislador falhou na edição da Lei 13.146/2015, revogando os incisos I, II e III do art. 3º do Código Civil, excluindo estas pessoas do rol deste artigo, sem, contudo, observar seus direitos garantidos pelo art. 198, I, também do Código Civil, bem como dos direitos constitucionais determinados pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, nos termos do §3, do art. 5º da Constituição Federal.
Assim, suprimir a garantia da inocorrência da prescrição contra aqueles que não possuem o necessário discernimento para praticar os atos da vida civil, da mesma forma que expressava e garantia o art. 198, I do Código Civil, remetendo-se ao art. 3º, também do Código Civil, como anteriormente dispunha antes da promulgação da Lei nº 13.146/2015, é incompatível com a Constituição Federal.
O que se observa então é que, o art. 114 da Lei nº 13.146/2015 que alterou os artigos 3º e 4º do Código Civil brasileiro não está plenamente corrompido pela inconstitucionalidade, entretanto, existe um parcial vicio constitucional, uma vez que suprimiu a expressa garantia da inocorrência do prazo prescricional contra essas pessoas com deficiência.
Finalmente, conclui-se que, de fato, mesmo tendo sido alterado o art. 3º do Código Civil brasileiro, a inocorrência da prescrição prevista no art. 198, I do CC, continua garantida a todas as pessoas que não tenham o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil e daquelas que não puderem exprimir sua vontade, nos mesmos moldes anteriores à sua alteração.