O Direito de Família tem passado por constantes transformações nos últimos tempos, em decorrência da constante evolução da sociedade e do estilo de vida adotado pelos indivíduos, mais especialmente, com o surgimento de novos tipos de entidade familiares, como por exemplo, as famílias eudemonistas, famílias monoparentais, famílias homoafetivas e as famílias multiespécie.
A família multiespécie é aquela composta por humanos e seus animais de estimação, tomando-se estes como componentes do núcleo familiar, alguns, até, considerados como filhos.
Os animais domésticos, através das eras, passaram a estabelecer um vínculo afetivo profundo com os seres humanos, em seu convívio diário. Este núcleo, forjado por relações afetivas entre seus integrantes, compõem uma nova realidade afetiva, cada vez mais comum em nossa sociedade, carecendo, assim, da proteção jurídica do Estado.
Com o incremento na formação destes novos núcleos familiares, vem surgindo, no mesmo compasso, as demandas ante o Judiciário, especialmente nos Juízos de Família, a fim de versarem sobre a guarda ou a tutela dos animais de estimação nos casos de divórcios ou de dissolução de união estável. Em vista de tal fenômeno jurídico-social, vislumbra-se a necessidade de regulamentação legislativa sobre tal situação, a qual vise, primordialmente, a proteção e o bem-estar do animal.
É incontestável o espaço conquistado pelos pets nas famílias modernas, como um de seus integrantes. Em virtude disso, com a dissolução do vínculo conjugal, não é raro restarem desavenças e discussões sobre eles.
Neste ponto, tem-se observado uma busca do Judiciário a fim de regulamentar a guarda destes animais de estimação, com a definição de regime de convivência e visita, e ainda, em alguns casos, a regulamentação de alimentos que cubram parte das despesas com o pet, como consultas aos veterinários, vacinas, banho e tosa, alimentação, e, às vezes, até mesmo o pagamento de plano de saúde em favor deles.
Diante desse contexto, observa-se a necessidade de uma urgente regulamentação normativa acerca destes aspectos, a fim de suprir a lacuna em nossa legislação face a este tema, bem como para resguardar, aos tutores, a convivência com seus pets, mesmo após a separação do casal.
De acordo com a legislação vigente, nos casos de separação de um casal, o pet ficaria sob a posse de seu legítimo proprietário, comprovada por título hábil, seja o Registro Geral de Animais, ou através da apresentação do registro do pedigree, no Kennel Club, quando houver. Contudo, esta hipótese não leva em conta a grandiosidade da importância dos laços afetivos criados entre os membros desta família multiespécie, e ainda, com o bem-estar do animal.
O aumento no número de ações acerca deste tema, encoraja a discussão da possibilidade de decidir sobre a tutela dos pets de modo analógico à aplicação da guarda dos filhos com as devidas adaptações necessárias aos animais domésticos, diferentes das crianças, ressalvando-se que o afeto tutelado, nestes casos, diz respeito às pessoas envolvidas, devendo a guarda e as visitas serem estabelecidas de acordo com os seus interesses.
Assim como ocorre na guarda serve para regulamentação da criação através da manutenção dos deveres e obrigações do poder familiar, mesmo após o divórcio. A aplicação da guarda aos pets deve ser pautada nos mesmos princípios com relação os direitos e deveres dos tutores com estes, quer seja no direito de tê-los consigo, quer seja no dever de vigilância e cuidado com o seu bem-estar e segurança.
Diante da ausência legislativa que regulamente a guarda de animais de estimação com o divórcio, o Judiciário tem se valido das regras que disciplinam a guarda das crianças, por analogia, a fim de suprir a lacuna normativa, em busca da manutenção da incontestável responsabilidade civil que os tutores têm sobre seus pets que sempre serão dependentes de seus donos, levando-se em conta o afeto construído entre os pets e seus tutores.
A omissão legislativa gera uma insegurança jurídica, ficando sempre a critério do entendimento dos magistrados a fim de julgar de acordo com suas próprias concepções e entendimento, podendo fundamentar sua decisão pautado no status jurídico do animal como propriedade, totalmente descolado nova concepção da família multiespécie que visa a manutenção do vínculo afetivo e amoroso de todos os membros deste lar.
Temos assim, a necessidade de que o magistrado decida pautado nos interesses dos membros de família e do pet, primando pelo seu bem-estar até que possamos ter uma legislação atinente às novas configurações familiares, através da aplicação analógica ao instituto da guarda, das visitas e dos alimentos com as devidas adaptações aos animais domésticos e suas particularidades.
É fato que toda essa discussão nos conduz a uma importante reflexão sobre o status jurídico aplicável aos animais de estimação, posto que já se encontra ultrapassada a definição dada pelo Código Civil, ao considerá-los como meros bens. O que se observa é um movimento no sentido de considerá-los como “animais não humanos”, possuindo direitos próprios como uma “pessoa não humana”, podendo pleiteá-los, em Juízo, através de seu tutor.
Neste sentido, o pet poderia propor, por exemplo, através daquele que tivesse a sua guarda, uma ação de cunho alimentício, para o sustento de suas necessidades como ser um ser vivo!
A própria discussão sobre a guarda e o regime de convivência aplicado aos animais domésticos, por um casal que se separa, se baseia em vínculos afetivos, não em base patrimonial, posto que não há na legislação, ad absurdum, a visita a um bem!
Temos, assim, com toda esta nova dinâmica aplicada ao relacionamento multiespécie, a necessidade da reavaliação do status jurídicos dos animais domésticos, a sua proteção como tal, e a consequente regulamentação de todos os direitos e deveres que a família multiespécie carece, ante o Ordenamento atual, o qual se mostra defasado e antiquado, na proteção do vínculo afetivo que permeia esta modalidade familiar.