O Meio ambiente do Trabalho no Estado Socioambiental de Direito

04/06/2021 às 16:15
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O presente artigo tem como propósito abordar o atual paradigma estatal no qual o Meio Ambiente do Trabalho se insere, valendo-se da sólida contribuição doutrinaria dos professores Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer.

Não raro, é comum que tratemos de assuntos relacionados ao ambiente de trabalho ao qual pertencemos, seja em nossas casas, em conversas com amigos, ou até mesmo de forma profissional, pesquisando sobre a temática conforme a área estudada. Para o Direito, esta questão ganha ainda mais importância, tendo em vista o advento da Constituição de 1988, que, em seus artigos 7º, XXII , XXIII, 200º, VII e 225º e parágrafos nos expõe a uma normatividade necessária ao disciplinar as relações de trabalho em nossa sociedade.

Portanto, urge um adequado acompanhamento das teorias a respeito do tema, tendo em vista que o Direito não está imune às revoluções ocorridas em outras áreas do conhecimento, que transformam o nossa realidade. Nesse sentido, uma doutrina autentica do Direito possui função imprescindível, pois, é ela quem nos dá a condição de possibilidade para entendermos algo como/enquanto algo¹. Deste modo, os professores Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer, em artigo, expõe à respeito do paradigma do Estado Socioambiental ao qual o Direito Ambiental está inserido na atual conjuntura do Estado Democrático de Direito. Para os autores²:

“A “constitucionalização” da tutela ecológica consagrada pela Constituição Federal brasileira de 1988 (art. 225) conferiu centralidade aos va lores e direitos ecológicos no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. A consagração do objetivo e dos deveres de proteção ambiental a cargo do Estado brasileiro (em todos as esferas federativas) estabelece, de tal sorte, a expressa vinculação de todos os poderes estatais (Legislativo, Executivo e Judiciário) a agir de acordo com tal parâmetro e diretriz normativa, inclusive à luz de um novo modelo de Estado de Direito de feição ecológica (EstadoDemocrático, Social e Ecológico). Igualmente, a atribuição do status jurídico constitucional de direito fundamental ao direito ao ambiente ecologicamente equilibrado coloca os valores ecológicos no “coração” do nosso Sistema Jurídico, influenciando todos os ramos jurídicos e a ponto de limitar outros direitos (fundamentais ou não).”

 

De forma a agregar a explanação acima, Sarlet, em seu Curso de Direito Constitucional escrito em parceria com Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidieiro, deixa claro que a densidade deste novo paradigma na contemporaneidade³:

O princípio do Estado Democrático de Direito (nas suas diferentes dimensões) é, consoante já visto, um dos princípios fundamentais do constitucionalismo contemporâneo. Mas o Estado Democrático de Direito assumiu e tem assumi  do diferentes configurações ao longo da evolução do constitucionalismo. Assim, tendo em conta os novos desafios gerados pela crise ecológica e pela sociedade tecnológica e industrial, a configuração de um novo modelo, superando os paradigmas antecedentes, respectivamente, do Estado Liberal e do Estado Social, passou a assumir um lugar de destaque. Entre outras denominações, registram-se as seguintes nomenclaturas para designar a nova “roupagem ecológica” incorporada pelo Estado Democrático de Direito na atualidade, especialmente no âmbito ocidental e tal qual também consagrado pela Constituição Federal de 1988: Estado Pós-social, Estado Constitucional Ecológico, Estado de Direito Ambiental, Estado de Direito Ecológico, Estado Socioambiental , Estado do Ambiente, Estado Ambiental, Estado de Bem-Estar Ambiental, Estado Verde , Estado de Prevenção e Estado Sustentável.

(...)

Como se pode perceber, a miséria e a pobreza (como projeções da falta de acesso aos direitos sociais básicos, como saúde, saneamento básico, educação, moradia, alimentação, renda mínima etc.) caminham juntas com a degradação e poluição ambiental, expondo a vida das populações de baixa renda e violando, por duas vias distintas, a sua dignidade. Dentre outros aspectos, assume particular relevo a proposta de uma proteção (e promoção) compartilhada e integrada dos direitos sociais e dos direitos ecológicos, agrupados sob o rótulo genérico de direitos fundamentais socioambientais ou direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA), assegurando as condições mínimas para a preservação da qualidade de vida, aquém das quais poderá ainda haver vida, mas essa não será digna de ser vivida. A compreensão integrada e interdependente dos direitos sociais e da proteção do ambiente, mediante a formatação dos direitos fundamentais socioambientais, constitui um dos esteios da noção de desenvolvimento sustentável no âmbito do Estado Socioambiental de Direito, de tal sorte que o desenvolvimento sustentável (e o correspondente princípio da sustentabilidade) tem assumido a condição de princípio constitucional de caráter geral, razão pela qual será desenvolvido em separado logo na sequência. A partir de tal premissa, deve-se ter em conta a existência tanto de uma dimensão social quanto de uma dimensão ecológica da dignidade (da pessoa) humana, sendo que somente um projeto que contemple ambas as dimensões normativas (para além da clássica e sempre presente dimensão da liberdade/autonomia) se revela como constitucionalmente adequado. 

É perceptível que esta nova concepção está intrisacamente (e assim não poderia não diferente) ao advento do Constitucionalismo Contemporâneo, surgido na metade do século XX, no chamado pós-segunda guerra mundial⁴.

Deste modo, o meio ambiente do trabalho, enquadrado nesta nova perspectiva, assume grande rele-vância, tendo em vista a normatividade assumida pela Constituição, alicercada à roupagem do Estado Socioambiental de Direito. Não é possível que o Estado, os Sindicados e as Empresas ignorem suas responsabilidades enquanto entidades de um país de modernidade tardia como o Brasil. Infelizmente, é possível afirmar que ainda há uma grande inefetividade da Cconstituição, infetividade esta que está muito ligada ao fenômeno da baixa constitucionalidade brasileira, entendida como5:

A falta de uma pré-compreensão (Vorverständnis) – no sentido hermenêutico da palavra – acerca da revolução copernicana pela qual passou o constitucionalismo contemporâneo que engendrou uma tradição inautêntica acerca do valor representado pela Constituição (GADAMER, 1990). O acontecer da Constituição não foi tornado visível porque, no prévio desvelamento – que é condição de possibilidade deste-tornar-visível impregnado pelo senso comum teórico – não foram criadas as condições propiciadoras da abertura necessária e suficiente para a manifestação do sentido da Constituição e de seus desdobramentos jurídico-políticos como a igualdade, a redução das desigualdades, a erradicação da pobreza, a função social da propriedade, o direito à saúde, o respeito aos direitos humanos fundamentais etc.

Desta forma, é cristalino a necessária efetivação do Art. 225, em busca da concretização de um meio ambiente do trabalho equilibrado, donde o poder estatal, em suas três facetas (Executivo, Legislativo e Judiciário), deve agir e evitar omissões quanto ao seu dever de proteção ao meio ambiente (compreendido o do trabalho, conforme artigo 200, VII da Constituição). Assim sendo6:

A CF/1988 (art. 225, caput, e art. 5.º, § 2.º) atribuiu ao direito ao ambiente, o status de direito fundamental do indivíduo e da coletividade, bem como consagrou a proteção ambiental como um dos objetivos ou tarefas fundamentais do Estado de Direito brasileiro. Esse novo regime jurídico-constitucional ecológico vincula todas as dimensões do Estado, impactando, de modo particular, a atuação dos três poderes republicanos: Legislativo, Executivo e Judiciário. A ordem constitucional consagrou a dupla funcionalidade da proteção ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, tanto sob a forma de um objetivo e tarefa estatal quanto de um direito (e dever) fundamental do indivíduo e da coletividade, implicando todo um complexo de direitos e deveres fundamentais de cunho ecológico. O Estado brasileiro, por força da norma constitucional, está, portanto, obrigado a adotar medidas – legislativas, administrativas e judiciais – atinentes à tutela ecológica, capazes de assegurar concretamente o exercício do direito fundamental em questão.

Portanto, é de se destacar que o art. 21, XXIV, da CF/1998 positiva que Compete à União, organizar, manter e executar a inspeção do trabalho. Bem como compete também a União legislar sobre saúde e segurança do trabalho, nos moldes do recente julgado na ADI 3811. Além disso, é imprescindível o controle e efetivação por parte do judiciário da normativa insculpida no Art. 225, entendida em conjunto com as demais disposições constitucionais a respeito da proteção do meio ambiente do trabalho . Não é mais crível que os Juízes e Tribunais adotem uma postura omissiva quanto à sua função de execer o controle de constitucionalidade de leis e demais fontes normativas do direito. Nesta esteira, os professores Ingo Sarlet e Fensterseifer afirmam que7:

Há, de tal sorte, obrigação constitucional do Estado-Legislador de adotar medidas legislativas e do Estado Administrador de executar tais medidas de forma adequada e suficiente à tutela ecológica, assegurando o exercício efetivo do direito fundamental em questão. E, quando tal não ocorrer, por omissão ou atuação insuficiente dos entes estatais, o Estado Juiz poderá ser acionado para coibir ou corrigir eventuais violações aos parâmetros constitucionalmente exigidos em termos de proteção e promoção do direito de todos a viverem um ambiente sadio, seguro e equilibrado.

Portanto, infelizmente, há ainda um longo caminho para se percorrer quanto a concretização de uma adequada proteção ao meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado. Segundo o Desembargador do Trabalho Sebastião Geraldo de Oliveira, em seu livro “Indenizções por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional”8:

Basta dizer, com base na estatística oficial de 2016, que ainda ocorrem no Brasil mais de seis mortes a cada dia por acidente do trabalho. Se somarmos o número de mortes por acidente do trabalho (2.288) com a quantidade daqueles que se aposentam por incapacidade permanente (14.981), concluiremos que diaramente mais de 47 pessoas deixam definitivamente o mundo do trabalho. Além disso, em média, 504 trabalhadores por dia entram em gozo de auxílio doença acidentário com afastamento por período superior a 15 dias.

Esta estatística revela uma triste (e atual) realidade na qual o Brasil está imerso. Se o Estado, por meio dos seus mais diversos agentes (e aqui incluo àqueles incumbidos de acessorar os parlamentares na confecção de leis, bem como os membros da AGU, respeitonsáveis pela consultoria do poder Executivo), não atuarem pela concretização dos comandos constitucionais, que, por óbvio, fazem parte do seu DEVER para/com a sociedade, a Constituição nunca terá a devida qualidade normativa, permanecendo somente na sua concepção nominal (não há adequação do texto constitucional a realidade social). Como bem nos ensina o autor retro mencionado9:

Quando nos debruçamos sobre o tema do acidente do trabalho, deparamo-nos com um cenário dos mais aflitivos. As ocorrências nesse campo geram consequências traumáticas que acarretam, muitas vezes, a invalidez permanente ou até mesmo a morte, com repercussões danosas para o trabalhador, sua família, a empresa e a sociedade. O acidente mais grave interrompe abruptamente a trajetória profissional, transforma a trajetória profissional, transforma sonhos em pesadelos e lança uma nuvem de sofrimentos sobre vítimas indefesas, cujos lamentos ecoarão distantes do ouvidos daqueles empresários displicentes que atuam com a vida e a saúde dos trabalhadores como simples ferramentas produtivas utilizadas na sua sua atividade. A dimensão do problema e a necessidade premente de soluções exigem mudanças de atitude. É praticamente impossível “anestesiar” a consciência, comemorar os avanços tecnológicos e, com indiferença, desviar o olhar dessa ferida social aberta, ainda mais com tantos dispositivos constitucionais e princípios jurídicos entronizando a dignidade do trabalho. A questão fica ainda mais incômoda quando já se sabe que a implementação de medidas preventivas - algumas bastantes simples e de baixo custo - alcança reduções estatísticas significativas, ou seja, economiza vidas humanas.

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E como professado por Sarlet e Fensterseifer10:

Os deveres de proteção no âmbito do Estado Constitucional estão alicerçados no compromisso (político e jurídico-constitucional) assumido pelos entes estatais, por meio do pacto constitucional, no sentido de tutelar e garantir nada menos do que uma vida digna e saudável aos indivíduos e grupos sociais, o que passa pela tarefa de promover a realização dos seus direitos fundamentais, retirando possíveis óbices colocados à sua efetivação. De acordo com tal premissa, a implantação das liberdades e garantias fundamentais (direito à vida, integridade física e psíquica, livre desenvolvimento da personalidade etc.) pressupõe uma ação positiva (e não apenas negativa) dos poderes públicos, no sentido de remover os “obstáculos” de ordem econômica, social e cultural que impeçam o pleno desenvolvimento da pessoa humana (LUÑO, 2005, p. 214). Uma vez que a proteção do ambiente é alçada ao status constitucional de direitos fundamental e o desfrute da qualidade ambiental passa a ser identificado como elemento indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e conteúdo indissociável da própria concepção de uma vida digna, qualquer “óbice” que interfira na concretização do direito em questão deve ser afastado pelo Estado, seja tal conduta (ou omissão) obra de particulares, seja ela oriunda do próprio Poder Público.

Pelo todo exposto eis o modo como o meio ambiente do trabalho deve ser compreendido pelo Poder Público, bem como sua forma de atuação no atual paradigma do Estado Socioambiental de Direito.

 

 Bibliografia:

¹ STRECK, Lenio Luiz. O DIREITO DE OBTER RESPOSTAS CONSTITUCIONALMENTE ADEQUADAS EM TEMPOS DE CRISE DO DIREITO: A NECESSÁRIA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. Https://periodicos.ufpa.br/, [s. l.], ano 2010, p. 1-13, 2010. Disponível em: https://periodicos.ufpa.br/index.php/hendu/article/viewFile/374/601. Acesso em: 01 de junho de 2021;

² SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. O DIREITO CONSTITUCIONAL-AMBIENTAL BRASILEIRO E A GOVERNANÇA JUDICIAL ECOLÓGICA: ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista Daacademia Brasileira de Direito Constitucional., Curitiba, v. 11, n. 20, p. 42-110, set. 2019. Acesso em: 02 de junho de 2021;

³ Sarlet, Ingo Wolfgang Curso de direito constitucional / Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. – 8. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.

⁴ STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica: quarenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do Direito - Belo Horizonte (MG); Letramento: Casa do Direito, 2017

5 STRECK, ibidem;

6 SARLET. FENSTERSEIFER. Ibidem;

7 Ibidem;

8 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. De acordo com a reforma trabalhista Lei n. 13.467/2017. 11. ed. — São Paulo : LTr, 2019;

9 OLIVEIRA. Ibidem;

10 SARLET. FENSTERSEIFER. Ibidem.

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