O julgamento pelos Conselhos de Justiça e a inelegibilidade em razão de condenação proferida por órgão colegiado

05/06/2021 às 16:36
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Neste artigo buscou-se realizar uma análise sobre o alcance da condenação por órgão colegiado para fins de inelegibilidade sobre os julgamentos proferidos pelos Conselhos Especial e Permanente de Justiça.

Resumo: As restrições à elegibilidade advinda da chamada Lei da Ficha Limpa trouxe novos contornos à capacidade eleitoral passiva. Neste artigo buscou-se realizar uma análise sobre o alcance da condenação por órgão colegiado para fins de inelegibilidade sobre os julgamentos proferidos pelos Conselhos Especial e Permanente de Justiça. Para isso, examinou-se tanto o escopo do legislador ao estabelecer a regra, como a origem do escabinato. Lançou-se também um estudo sobre alguns julgados que trataram do tema.

 Palavras-chave: inelegibilidade; órgão colegiado.

Sumário: Introdução. 1. A inelegibilidade por órgão colegiado trazida pela Lei da Ficha Limpa. 2. A inelegibilidade e o julgamento de militares pelos Conselhos de Justiça. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

O modelo de democracia contemporânea é baseado na representação dos cidadãos pelos candidatos eleitos e algumas doses de democracia direta.

De um lado interessa ao pluralismo político a maior ampliação possível dos legitimados a concorrer cargos políticos, de outro a probidade exige que somente os mais íntegros possam ser eleitos.

Para isso diversos mecanismos foram criados: inalistabilidade, que configura impedimento para a aquisição da cidadania ativa e, consequentemente, da capacidade eleitoral passiva; suspensão dos direitos políticos; inelegibilidade, absoluta ou relativa, como impedimento ao direito de ser votado; incompatibilidade, caracterizada como impedimento ao exercício do mandato, depois de eleito.

Os escândalos políticos ocorridos no Brasil, reacendem a necessidade de se restringir o acesso a candidatos “fichas sujas”.

Dentro do tema da legitimidade passiva, amplamente debatida pelos estudiosos do direito constitucional e eleitoral, revela-se pouco abordado o exercício da legitimidade passiva do militar, além das hipóteses expressamente abordadas pela constituição (CF, art. 14, § 8º).

Nesse estudo abordar-se-á a questão se a condenação pelos Conselhos de Justiça da Justiça Militar é suficiente para determinar a inelegibilidade do candidato militar.


1. A inelegibilidade por órgão colegiado trazido pela Lei da Ficha Limpa

A Constituição Federal dispõe sobre as condições de inelegibilidade absoluta, impedindo o indivíduo de participar de toda e qualquer eleição. É o que ocorre com os inalistáveis e os analfabetos (CF, art. 14, § 4º).

As inelegibilidades relativas expressas na Constituição Federal podem ser classificada em: funcional por reeleição (CF, art. 14, § 5º), desincompatibilização (CF, art. 14, § 6º), casamento, parentesco ou afinidade (CF, art. 14, § 7º), militar conscrito (CF, art. 14, § 8º).

Reserva-se à lei complementar aumentar o rol “a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições” (CF, art. 14, § 9º).

Em 2008, após intensa mobilização e pressão social, diante de vários escândalos de corrupção, representantes da sociedade civil organizada, coordenada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, deram início à coleta de assinaturas para encaminhar à Câmara dos Deputados um projeto de lei de iniciativa popular (CF, art. 14, inciso III).

A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, pelo menos, 1% do eleitorado nacional, distribuído por, no mínimo, cinco Estados e contar com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles (CF, art. 61, § 2º). O projeto contou com apoio de 1,6 milhão de assinaturas.

A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10), dentre outras inovações, aumentou o rol de causas de inelegibilidade da Lei Complementar 64/90 para qualquer cargo eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo.

Debruça-se aqui sobre a previsão insculpida no art. 1º, inciso I, alínea ‘e’:

“Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;

3. contra o meio ambiente e a saúde pública;

4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;

5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;

6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;

7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;

8. de redução à condição análoga à de escravo;

9. contra a vida e a dignidade sexual; e

10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;”.

A redação foi feliz ao indicar o nomen iuris dos crimes que pretendeu restringir.

Caso indicasse o artigo de lei a que se referem sem dúvidas haveria silêncio do legislador quanto ao Código Penal Militar, o que ensejaria intenso debate pelo tratamento diferenciado dos crimes julgados nesta esfera, quando ontologicamente se tratam da mesma prática (por exemplo um furto por um civil contra outro civil, não é, em si, diferente de um furto praticado por um militar dentro de uma organização militar), como esbarraria na proibição da analogia in malam partem.

Não se esqueça, de outro lado, que com a Lei n. 13.491/17 qualquer crime pode ser considerado crime militar, desde que preenchidas as hipóteses do art. 9 do Código Penal Militar. Com essa ampliação, a princípio, todo crime do rol da Lei Complementar n. 135/10 pode ser um crime julgado pela justiça militar.

A lei previu que os condenados, pelos crimes ali elencados, são inelegíveis não só por decisão transitada em julgado, como também se proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até 8 anos.

Uma condenação criminal confirmada por órgão colegiado é o suficiente para conferir inelegibilidade do candidato, pois, em regra, os tribunais ordinários são os únicos a analisar as provas do fato, enquanto aos tribunais superiores cabe apenas averiguar a compatibilidade da decisão com as leis e a constituição.

Abarcar também os condenados por órgão colegiados visa garantir a eficiência do dispositivo, uma vez conhecida a morosidade da justiça brasileira e as inúmeras possibilidades de recurso que retardam o trânsito em julgado.

A inovação foi festejada pela população e pela maioria dos operadores do direito, mas por certo não agradou a todos, o que levou a ser objeto de controle de constitucionalidade abstrato na ADI n. 4578 e nas ADCs n. 29 e 30, mas que permaneceu hígida diante da declaração de constitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Ao prover alterações no ordenamento jurídico, o legislador, reiteradamente, esquece-se das implicações no direito militar, cujas peculiaridades confere-lhe a categoria de um direito especial.

Isso porque, no direito processual penal militar, o julgamento de militares já é iniciado por órgãos colegiados, chamados de Conselhos de Justiça, permanente em caso de praça, e especial em caso de oficial, compostos por um escabinato, ou seja, a união do conhecimento técnico-jurídico do juiz togado com a experiência da caserna de quatro juízes militares.


2. A inelegibilidade e o julgamento de militares pelos Conselhos de Justiça

De saída é preciso afastar duas situações que ocorrem na justiça militar, mas que não geram os questionamentos foco deste estudo.

O primeiro deles é o julgamento de civis perante a justiça militar, questão relevante somente para a justiça militar federal, uma vez que na esfera estadual não há possibilidade de julgamento de civis.

Para afastar o julgamento de civis por militares alterou-se a Lei Orgânica da Justiça Militar da União. Após a Lei n. 13.774/18 a competência para processar e julgar civis passou a ser de competência do juiz federal da justiça militar monocraticamente (art. 30, I-B, Lei n. 8.457/92).

Portanto, como o julgamento de civis mesmo perante a justiça militar é realizado pelo juízo monocrático, não se encaixa no problema dos órgãos colegiados.

Outra situação que prescinde de discussão é o caso de oficiais que, não obstante tenham sido julgados pelos Conselhos de Justiça, foram declarados indignos ou incompatíveis com o oficialato, pois a alínea “f” do art. 1º da lei da ficha limpa[1] já prevê expressamente o impedimento para concorrer ao pleito.

Assim, mesmo adotada a corrente de que o julgamento pelos Conselhos de Justiça é insuficiente para a declaração de inelegibilidade, como se verá, no caso de oficiais que tenham sido condenados ou por incidirem nas restrições do art. 120 do Estatuto dos Militares (Lei n. 6.880/80) de qualquer forma serão inelegíveis.

Veja-se que a declaração de indignidade ou incompatibilidade não é obrigatória mesmo com a condenação a pena superior a 2 anos, pois é preciso a declaração pelo Superior Tribunal Militar.

De todo modo, a previsão fica enfraquecida, a depender da corrente que adotar, uma vez que para a declaração de indignidade ou incompatibilidade com o oficialato é preciso de sentença transitada em julgado, o que antes esbarraria na questão tema deste estudo.

Ultrapassadas as questões iniciais e adentrando ao tema central iniciamos a discussão com a posição abalizada de alguns doutrinadores como Rodrigo Foureaux para quem:

“O órgão judicial é colegiado quando houver mais de um julgador para o mesmo caso. Portanto, tecnicamente, o Conselho de Justiça caracteriza um órgão colegiado, assim como o tribunal do júri.”[2]

No mesmo sentido Paulo Adib Casseb:

“Percebe-se que a nova lei não exige decisão proferida por Tribunal, nem tampouco empregou expressões como “órgãos judiciais de 2ª instância ou Tribunais Superiores”. Contentou-se com a alocução “órgão judicial colegiado. (…)

Infere-se que a LC 135/2010 conferiu mais importância ao fato de ter sido decretada a condenação por colegiado do que por decisão estável. Com efeito, marcam as decisões colegiadas o debate mais intenso, o fortalecimento da independência judicial (pois um conjunto de julgadores permanece menos afeito a pressões externas) e o controle recíproco entre magistrados, típico dos atos decisórios coletivos (vez que cada juiz manifesta-se, publicamente, na presença dos demais), o que legitima, segundo a inovadora ordem legal, a fixação de inelegibilidade antes mesmo do trânsito em julgado.”[3]

Na jurisprudência, poucos são os julgados sobre o tema, inexistindo uma posição firme do Tribunal Superior Eleitoral, mas sempre é citado o seguinte julgado:

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ELEIÇÕES 2018. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO. DEPUTADO FEDERAL. CONDENAÇÃO CRIMINAL. ART. 319 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 9.099/95 NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. CONSELHO PERMANENTE DA JUSTIÇA MILITAR. ÓRGÃO COLEGIADO. INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, “E”, 1, DA LC Nº 64/90. COLIGAÇÃO NÃO OBTEVE VOTAÇÃO SUFICIENTE PARA OBTENÇÃO DE VAGA NA CÂMARA FEDERAL. PREJUÍZO. 1. A inelegibilidade prevista no art. 1°, I, “e’, da LC n° 64/90 decorre de condenação criminal com trânsito em julgado ou proferida por órgão colegiado, pela prática de crime contra a Administração Pública, e se estende desde a condenação até oito anos após o cumprimento da pena. 2. A colegialidade contida na referida norma não está intrinsecamente ligada a um órgão de segundo grau de jurisdição, mas à garantia de independência de vários membros julgadores, em oposição à contenção da vontade do julgador individual. 3. O fato de o Conselho Permanente de Justiça integrar a primeira instância da Justiça Militar Estadual não afasta o caráter colegiado do referido órgão – composto por um Juiz–Auditor, um oficial superior e três oficiais de posto até capitão–tenente ou capitão (art. 16, b, da Lei nº 8.457/92) –, pois a inelegibilidade em comento "[...] não inclui que a colegialidade tenha de ser órgão recursal (vide a questão dos julgados do Supremo Tribunal Federal em instância originária) nem apenas decisões recorríveis ou extraídas de recursos (RO 169795/MT, Rel. designada Min. Carmem Lúcia, PSESS 02.12.2010) 4. A condenação do recorrido por crime do art. 319 do Código Penal Militar não se enquadra na exceção prevista no art. 1º, I, § 4º da LC nº 64/90 apesar de sua pena em abstrato não ultrapassar dois anos de detenção. Isso porque não se aplica à Justiça Militar as disposições da Lei nº 9.099/95, conforme disposto no seu art. 90–A. 5. No caso em apreço, verifica–se a presença dos requisitos configuradores da inelegibilidade encartada no art. 1°, I, “e”, 1 da LC n° 64/90: o recorrido foi condenado por órgão colegiado (Conselho Permanente da Justiça Militar) em razão da prática de crime contra a Administração Pública (art. 319, do CPM), razão pela qual o acórdão recorrido merece reforma, com o consequente indeferimento do registro de candidatura do recorrido. 6. Observa–se que a coligação pela qual o candidato concorreu não logrou votação suficiente para obtenção de vaga na Câmara Federal. 7. Recurso ordinário prejudicado ante a perda superveniente de objeto.

(TSE, Recurso Ordinário nº 060066541, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 18/10/2018).

Contudo, não há como se afirmar que a questão ficou pacificada. Apesar de a ementa pontuar posicionamento do Relator Min. Edson Fachin, extrai-se do inteiro teor do acórdão que o julgamento restou prejudicado pela perda superveniente do objeto. Não se adentrou a análise da matéria de fundo, havendo inclusive por parte dos demais Ministros, manifestações contrárias àquele entendimento.

A inexistência de entendimento dominante na jurisprudência da Corte Superior novamente se revela no exame do inteiro teor do acórdão, relativo ao julgamento pelo Tribunal do Júri, no RO 169795, mencionado pelo Min. Edson Fachin, no qual a decisão pela inelegibilidade se deu pela votação apertada de quatro a três.

O Relator vencido Min. Hamilton Carvalhido votou foi pela impossibilidade de aplicação da inelegibilidade por entender que

“(...) a resposta (de que órgãos judiciais promanam as decisões colegiadas previstas nas alíneas) a toda evidência, indica serem aquelas proferidas por órgão judicial colegiado formado por magistrados togados, como, aliás, o confirma o disposto no art. 26-C da Lei Complementar nº 64/90.

 (…) tais sentenças em nada se identificam com os acórdãos dos órgãos judiciais colegiados, cujos magistrados membros têm competência comum".

E ainda o Min. Marcelo Ribeiro ponderou o seguinte exemplo:

“(…) cria-se uma questão de injustiça: um cidadão que comete um homicídio simples, por exemplo, mata alguém em momento de ódio profundo, logo após injusta provocação da vítima, alguém que tenha, por exemplo, sido alvo de racismo e, imediatamente, mate o seu ofensor, estará sujeito ao tribunal do júri. Segundo a interpretação ampliativa, ficaria inelegível, mesmo que não houvesse a confirmação da decisão. Agora, aquele que cometesse um latrocínio, pegasse uma arma, entrasse numa casa, matasse quatro pessoas para roubar, esse precisaria ter confirmada a sua condenação, porque a sentença de primeiro grau não seria suficiente, uma vez que a competência para julgar latrocínio é do juiz singular, e a competência para julgar homicídio é do tribunal do júri”.

Demais disso, de tal colegialidade judicial, própria no mínimo do 2º grau da jurisdição, e da suspensividade da inelegibilidade decorrente da condenação por órgão judicial colegiado, dependem a perfeição da ponderação de princípios que permitiu a restrição mínima do princípio da presunção da não culpabilidade levada ao cabo na Lei Complementar nº 1351/2010.”

Da decisão pode-se extrair que a Lei Complementar deveria restringir o mínimo possível o exercício dos direitos inerentes à cidadania, pois a regra é que o acesso ao cargo político seja acessível ao maior número de cidadãos.

E, segundo, que o termo ‘órgão judicial colegiado’ foi introduzido pelo legislador a fim de imprimir elevado grau de certeza à decisão ainda não transitada em julgado, uma vez que mitiga a presunção de inocência.

A questão também foi debatida no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, em novo julgamento por maioria, mas dessa vez vencendo o entendimento pelo deferimento do registro de candidatura.

Do inteiro teor se extrai:

“O ponto de partida de qualquer interpretação é a Constituição Federal. Dela, no que interessa ao caso concreto, extrai-se a ampla liberdade dos direitos atrelados ao exercício da cidadania ao estabelecer no art. 14, o sufrágio universal, entendido caput como a extensão plena dos direitos políticos a todos os cidadãos adultos de um país, sem qualquer forma de restrição por fatores como renda, escolaridade, gênero ou etnia, titularizado tanto em sua forma ativa quanto passiva e cuja excepcional restrição depende de previsão constitucional ou por meio de lei complementar. Portanto, extrai-se a conclusão de que os conceitos e definições que advém da leitura do texto da Lei Complementar nº 135/10 devem ser interpretados de forma estrita.

Num segundo viés interpretativo, a análise do contexto histórico da edição da lei deve ser ponderado na busca pelo significado do termo órgão colegiado.

Daquela época colhem-se dois eventos que, a meu sentir, foram cruciais à apresentação do projeto. Primeiro, as manchetes sobre corrupção no âmbito do Executivo e Legislativo federal relacionados aos episódios que ficaram conhecidos como "mensalão" que expuseram as mazelas de grande parte da classe política da época e, segundo, a virada jurisprudencial no âmbito do STF que, no julgamento do HC 84078 em 05/02/2009, passou a entender que a execução antecipada da pena criminal afrontava a Constituição Federal.

Assim que, no seio social da época, refulgia a vontade expressada pelo detentor do poder no sentido de barrar da disputa política aqueles que ostentassem vida pregressa que os afastasse dos requisitos morais necessários ao exercício do mandato político, segundo critérios dispostos no então novo diploma legal, e que pudessem, assim, representar risco ao sistema representativo, bem como que, não se impusesse ao novel regramento a observância estrita do trânsito em julgado, sob pena de tornar letra mora a Lei da Ficha Limpa diante da consabida prodigalidade recursal inserta no ordenamento jurídico pátrio, em especial, aos processos criminais.

Com base nessa premissa, é forçoso reconhecer-se que o termo "orgão judicial colegiado" pretendeu estabelecer uma exceção ao trânsito em julgado merecendo, portanto, uma apreciação judicial que vai além do primeiro grau de jurisdição, de modo a empregar aquele nível de certeza anteriormente mencionado, que pode ser obtido apenas em sede revisional ou no julgamento por tribunais ou cortes superiores nas hipóteses de foro por prerrogativa.

Desse modo, não vejo na decisão proferida pelo Conselho Permanente de Justiça, órgão de primeiro grau de jurisdição, ato judicial com envergadura para sufragar o afastamento da garantia constitucional, mormente porque é plenamente passível de revisão em recurso ao Tribunal de Justiça, o que a distância inclusive do emanado decisum do Tribunal do Júri.

Portanto, somando-se as premissas hermenêuticas ora expostas, quais sejam, a interpretação restritiva que deve ser empregada aos conceitos jurídicos indeterminados enunciados na Lei da Ficha Limpa; o grau de certeza suficiente da decisão judicial apta a mitigar a presunção de inocência e sua condição de exceção ao trânsito em julgado; e a necessidade de observância lógico-sistemática do ordenamento jurídico, é possível chegar a conclusão no sentido de que o espírito da norma ao referir-se a "colegiado" buscou defini-lo como o órgão jurisdicional competente para revisar as decisões de primeiro grau ou para decidir originariamente nas hipóteses de foro por prerrogativa de função, não abrangendo órgãos judiciais de primeiro grau ainda que composto por mais de um julgador.”

(TRE/PR, Recurso Eleitoral Nº 0600107-07.2020.6.16.0077 - Alvorada do Sul, Relator: Thiago Paiva dos Santos, j. 10.12.2020).

Como se percebe a questão pouco debatida tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, ainda encontra-se em aberto, a depender da corrente interpretativa que se estabeleça há bons argumentos para ambos os lados que se queira sustentar.

De um lado há o apego a amplitude da expressão aposta pelo legislador que não especificou que órgãos colegiados são aqueles de segundo grau, e que em sendo a condenação não proferida por um juiz singular é suficiente a ensejar a certeza suficiente de que o condenado não é adequado a concorrer ao cargo eletivo.

Enquanto de outro, o contexto histórico em que a lei foi elaborada, seja pelos casos de corrupção, seja pela impossibilidade de execução provisória da pena, além da mitigação ao princípio da presunção de inocência, e talvez até mesmo o esquecimento do legislador quanto a composição colegiado do Tribunal do Júri, e mais ainda dos Conselhos de Justiça é que não se atentou para esses órgãos julgadores, não sendo a mens legis incluí-los na hipótese de inelegibilidade.


Conclusão

Não obstante, a doutrina e parte da jurisprudência inclinarem-se para compreender o termo órgão colegiado de forma ampliativa, à míngua do legislador especificar se órgão colegiado é somente o de segundo grau, ou abrange outras formas de julgamento em primeiro grau, a saber, Tribunal do Júri e Conselhos de Justiça, é que os questionamentos são levantados.

Apesar da Constituição Federal não garantir expressamente o direito ao duplo grau de jurisdição, o Pacto de São José da Costa Rica o faz. Assim, é de se cotejar se em prevalecendo a corrente que entende que o julgamento por órgão colegiado de primeiro grau para impedir a elegibilidade, não estaria por via transversa ofendendo o princípio do duplo grau de jurisdição.

Outro questionamento, assim como exemplificado quanto ao júri, é se esse entendimento não  levaria à ofensa à isonomia entre os cidadãos civis e militares aonde não há, qual seja, em julgamento por crimes.

Ambos os crimes, comum e militar, ofendem a bens jurídicos especialmente protegidos. Se aos militares é exigida postura mais rigorosa em razão dos ditames da hierarquia e disciplina, o desvio é corrigido pelas punições disciplinares e penais. Nestas últimas, o julgamento nada difere do civil, a não ser pela formação do órgão julgador.

Inexiste resposta correta ou pacificada, o debate permanece ativo pela adoção de um conceito jurídico indeterminado pelo legislador, que deixa margem a interpretações diversas, aliado à quase inexistência de precedentes em casos análogos, resta ao julgador buscar a mens legis para definir o alcance da norma jurídica.


Referências

BRASIL. Constituição Federal.

BRASIL. Lei Complementar nº 135/10

BRASIL. Pacto de São José da Costa Rica. Decreto n. 678/92.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Ordinário nº 060066541, Relator(a) Min. Edson Fachin, j. 18/10/2018.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Ordinário 169795/MT, Rel. designada Min. Carmem Lúcia, j. 02.12.2010.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná. Recurso Eleitoral Nº 0600107-07.2020.6.16.0077 - Alvorada do Sul, Relator: Thiago Paiva dos Santos, j. 10.12.2020.

CASSEB, Paulo Adib. Direitos Políticos dos Militares. Disponível em: <https://revista.mpm.mp.br/artigo/direitos-politicos-dos-militares/>. Acesso em 15.05.2021.

FOUREAUX, Rodrigo. A inelegibilidade em razão de condenação pelo Conselho de Justiça do Poder Judiciário Militar. Disponível em: <https://www.observatoriodajusticamilitar.info>. Acesso em 15.05.2021.


Notas

[1] f) os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 8 (oito) anos.

[2] FOUREAUX, Rodrigo. A inelegibilidade em razão de condenação pelo Conselho de Justiça do Poder Judiciário Militar. Disponível em: <https://www.observatoriodajusticamilitar.info>. Acesso em 15.05.2021.

[3] CASSEB, Paulo Adib. Direitos Políticos dos Militares. Disponível em: <https://revista.mpm.mp.br/artigo/direitos-politicos-dos-militares/>. Acesso em 15.05.2021.


Abstract: The restrictions on eligibility resulting from the so-called Clean Record Law brought new contours to passive electoral capacity. This article sought to carry out an analysis of the scope of the conviction by a collegiate body for the purpose of ineligibility on the judgments handed down by the Special and Permanent Councils of Justice. For this, both the scope of the legislator when establishing the rule and the origin of the escabinato were examined. A study was also launched on some court that dealt with the topic.

 Keywords: ineligibility; collegiate body.

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Sobre a autora
Cristiane Pereira Machado

Assessora Jurídica de Procurador do Ministério Público do Estado do Paraná. Especialista em Direito pela Escola Superior do Ministério Público do Estado do Paraná - EMAP. Especialista em Direito penal e processual penal pela academia Brasileira de Direito Constitucional. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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