Resenha Crítica do Texto “JUNIOR, Eroulths Cortiano. Na pandemia, o Direito Sucessório vai dar seu frog jump?”

07/06/2021 às 14:24
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Desde as primeiras consequências advindas da Covid-19 no Brasil até o momento atual, o Legislativo produziu uma série de normas legais para ajudar no direcionamento e na aplicação do Direito.

É indiscutível que os impactos socioeconômicos e políticos causados em decorrência da pandemia do novo Coronavírus (Covid-19) são visíveis e imensuráveis e, assim, refletem nas relações jurídicas, visto que o Direito, em tempos de crise, é repensado e reconstituído para que haja uma maior celeridade processual resultando em decisões judiciais proferidas em um menor período de tempo possível. Desse modo, desde as primeiras consequências advindas da Covid-19 no Brasil até o momento atual, o Legislativo produziu uma série de normas legais para ajudar no direcionamento e na aplicação do Direito. E é justamente durante esse momento incomum que pode acontecer o chamado Frog Jump, de que o texto trata, que significa "pulo ou salto" para o futuro. Assim, tendo por base a urgência, as etapas do processo legislativo são puladas para que o legislador tome decisões que levariam muito tempo acaso não fosse a situação de crise.

O texto de autoria do professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Dr. Eroulths Cortiano Junior, nos mostra o caso do testamento e de suas formalidades, matéria de Direito das Sucessões. Em princípio, vale ressaltar que o texto traz como exemplo o testamento, argumentando que é feito sob forma rígida, tendo em vista uma pretensa segurança do testador e de sua vontade, sendo evidente a sua formalidade extrema. Podemos dizer que o testamento é um documento mediante o qual uma determinada pessoa expressa sua vontade sobre a partilha dos seus bens para os seus herdeiros, que acontecerá após sua morte. Por consequência, a excessiva formalidade do testamento, além da burocracia, custo, tempo e etc. resulta em uma acessibilidade difícil do seu uso. Porém, como reportado no texto, o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.879, ao permitir o testamento particular sem testemunhas, desde que o testador declare as circunstâncias que o cercavam, inovou em relação à superação das formalidades testamentárias.

Indubitavelmente, quando as crises surgem, elas têm o condão de relevar situações de conflitos da sociedade e, por isso, vão necessitar de soluções diferentes daquelas que normalmente seriam usadas para solucionar os conflitos se caso o período não fosse de crise. Diante do atual cenário de pandemia, o Ministério da Economia afirmou que o impacto no crescimento do PIB poderá ocasionar uma queda de 0.66 pontos percentuais, assim, diversas relações jurídicas serão prejudicadas. Outro ponto importante que se destaca no texto, é mostrar que a jurisprudência nacional recente está sendo sedimentada no sentido de minimizar formalidades em detrimento de uma melhor compreensão da matéria de direito e das decisões judiciais. Assim, nota-se que em recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça, em 11 de março de 2020, o STJ adotou posicionamento no sentido de que se deve abandonar a distinção entre vícios graves e menos graves e ter como norte para o julgamento a existência ou não de dúvida em relação a vontade do testador, que é o que de fato importa. Dessa forma, há a relativização da exigência de algumas solenidades do testamento, dando destaque a vontade do testador.

Como resultado, o STJ tem decidido que os vícios graves, também chamados de formais-materiais, são aqueles que transcendem a forma do ato e contaminam o seu próprio conteúdo, não tem o condão e invalidar o testamento, e que os vícios menos graves, conceituados como aqueles que não atingem a substância do ato de disposição não acarretam anulação do testamento. Esse entendimento está sedimentado, por exemplo, no REsp 1.677.931 (3ª Turma, relatora ministra Nancy Andrighi, julgamento em 15 de agosto de 2017), no REsp 1.583.314 (3ª Turma, relatora ministra Nancy Andrighi, julgamento em 21 de agosto de 2018) e no REsp 1.639.021 (3ª Turma, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgamento em 24 de outubro de 2017). Portanto, deve-se compreender que se o vício coloca em dúvida a vontade do testador, o ato deve ser anulado; se não, o ato deve ser mantido.

Em virtude do mesmo propósito da simplificação das formas testamentárias, o Projeto de Lei nº 1.627/2020, criado pela Senadora Soraya Thronicke, dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito de família e das sucessões no decorrer do período da pandemia da Covid-19. Esse projeto de lei tem por objetivo fazer com que os testamentos particulares sejam escritos e gravados com imagem e voz do testador e das testemunhas, e deverá ser confirmado em até 90 dias após cessada a situação de crise causada pela pandemia do novo Conoravírus no Brasil. Ademais, dispõe que, sob pena de caducar, o testamento deverá ser confirmado pelo testador, como ato de sua vontade sem vício, contando com a presença de três testemunhas no prazo de até 90 dias, sendo contados da data em que cessarem as determinações emanadas das autoridades públicas que impõe isolamento social ou quarentena como medida excepcional cabível para conter a disseminação do vírus.

Esse projeto também considera, durante o período de pandemia, desnecessária a prova das circunstâncias excepcionais que autorizam o testamento particular sem testemunhas. Dessa maneira, percebemos que há a configuração do chamado Frog Jump. Ou seja, se com a redação do artigo 1.879 do Código Civil já obtemos um avanço em relação a desconsiderar formalidades excessivas no testamento que dificultam o andamento da ação e inviabilizam o acesso de maneira mais fácil, esse projeto de lei acaba por retirar o que dispõe esse artigo, fazendo com que haja mais facilidade na criação do testamento particular, autorizando a desnecessidade de provas as circunstâncias excepcionais que visam a autorizar o testamento particular. Decerto, o que esse Projeto de Lei nº 1.627/2020 busca é a democratização do acesso ao testamento, além da sua desburocratização, visto estarmos em um momento extremamente delicado, em que há a necessidade e o dever do Direito de se adaptar à realidade surgida mediante pandemia da Covid-19, facilitando não só a interpretação, como permitir uma melhor administração da herança do testador, dano destaque à autonomia testamentária, ou seja, que a sua forma apenas contemple a função de garantir a declaração livre e segura da vontade do testador.

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Outrossim, cabe ressaltar que tanto o Senado, como a Câmara dos Deputados, tem levantado esforços para a aprovação de várias medidas necessárias com o objetivo de minimizar os impactos das drásticas consequências que vieram e continuam vindo como resultado da pandemia da Covid-19, cujos efeitos são sentidos não só em todos os seguimentos da sociedade brasileira, como também em todas as modalidades de relações jurídicas. Dessa forma, como recentemente foi aprovado no plenário virtual do Senado Federal o Projeto de Lei nº .179/2020, estabelecendo o Regime Jurídico Emergencial e Transitório, ou seja, até o término da pandemia, das Relações de Direito Privado, o também Projeto de Lei nº 1.627/2020 pretende se somar a esse conjunto de propostas legislativas de natureza urgente e emergencial.

Porém, esse projeto irá tratar especificamente de relações jurídicas de Direito de Família e das Sucessões, já que essas duas áreas do Direito são extremamente importantes e fazem parte da coletividade abarcando cada indivíduo, cabendo dizer que todo mundo um dia já precisou ou precisará do Direito de Família ou do Direito das Sucessões. Portanto, durante esse período de pandemia é conveniente que se tenha menos burocracia nas relações jurídicas e que normas possam ser aprovadas com o fim de possibilitar o acesso mais fácil pelo cidadão ao seu direito, pulando etapas rigorosas e que custem tempo e que dispendem financeiro, visto que o mesmo já se encontra em um período caótico, não sendo adequado manter certos padrões que eram exigidos em tempos normais. Sendo assim, é essencial que os três poderes trabalhem em prol da flexibilização de medidas que são necessárias para a garantia dos direitos dos cidadãos.

Bibliografia:

PROJETO DE LEI N° 1627, DE 2020

Cortiano Junior, EROULTHS. Na pandemia, o Direito Sucessório vai dar seu frog jump?. Revista Consultor Jurídico, 2020.

Alt da Silva, DANIEL, Carlos de Souza Brito, THIAGO. Os alimentos e a pandemia: reflexões sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito das famílias e das sucessões. Jusbrasil, 2020.

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