Introdução
Apesar das constantes alterações do código penal, não se esgota a cobrança da sociedade por um Estado mais punitivo. “Foram várias as tentativas visando um modo de limitar a causalidade material; as teorias desenvolvidas para tanto não se mostram suficientes para atingir seu objetivo, apresentando falhas em suas fundamentações, limitando-se a excluir os resultados imprevisíveis, não construindo, assim, uma base sólida.” (SOUZA, 2006, p. 21). O debate acerca da teoria da imputação objetiva é antigo teve inicio no início do século XX, mais precisamente em 1927 com Karl Larenz e depois em 1930 com Richard Honig, porém somente em 1970 com Claus Roxin, teve sua expansão. Trata-se de teoria em construção, conforme descreve Bitencourt, 2020. O Código Penal brasileiro adotou expressamente a teoria da equivalência dos antecedentes causais (conditio sine qua non) e conforme parágrafo 1º do artigo 13 do Código Penal (BRASIL, 1940), surge também à teoria da causalidade adequada. Neste artigo será utilizado o método de abordagem hipotético dedutivo, pois a aplicação da teoria da imputação objetiva, no direito brasileiro, gera críticas, alguns doutrinadores até admitem seu uso de forma complementar. Portanto, este artigo tem como objetivo análise da aplicação da teoria da imputação no direito brasileiro. “Atualmente, aplica-se a teoria da equivalência dos antecedentes, que analisa a mera relação entre causa e efeito, sendo, portanto, objeto de críticas e objeções, pois tende ao regresso ao infinito. A teoria defendida por Roxin, foi criada para conter os excessos da corrente aplicada atualmente, acrescentando filtros ao tipo objetivo. (BOING, 2018, p. 12)”. Sendo a técnica de pesquisa através da documentação indireta como livros, artigos científicos, legislação específica e jurisprudência, e coleta de dados por citação direta e indireta.
- EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
- Conceito
Galindo (2017, p. 54), “descreve que a palavra imputação, em seu significado linguístico, corresponde ao juízo de atribuição em sentido jurídico-penal.”
Segundo Galindo (2017), emite uma conduta típica, assim, tem-se no âmbito da teoria do crime a existência das seguintes expressões: imputação objetiva, imputação subjetiva e imputação pessoal.
Ainda de acordo com Galindo, (2017), tratar-se de imputação objetiva é analisar diante de critérios objetivos, e, sobretudo, normativos, pois, a intenção da Teoria da Imputação Objetiva não é outra, senão estreitar o campo de responsabilização penal, afastando as condutas que não afetem a função político-criminal de proteção subsidiária de bens jurídicos, inerente a um Direito Penal que se mantêm em consonância com os princípios de um Estado Democrático de Direito.
Cunha (2017), afirma que Como forma de corrigir injustiça, a imputação objetiva determina que sejam considerados além do nexo físico, causa e efeito, também critérios normativos no momento da atribuição do resultado.
Ainda de acordo com Cunha (2017), a causalidade vigente, situações absurdas proporcionadas pela conditio sine qua non somente eram evitadas em razão da análise do dolo e da culpa.
De acordo com Boeing, (2018, p. 27):
As distinções mais relevantes e esclarecedoras acerca da teoria da imputação objetiva, dando ensejo para melhor compreensão da doutrina: Diferenciam-se relação de causalidade e imputação objetiva. Naquela, procura-se estabelecer um liame no mundo natural entre o comportamento e o resultado também natural (consequente necessário); nesta, equaciona-se uma relação jurídica entre a conduta, um risco a bem jurídico e o resultado também jurídico (consequente prescrito).
"A expressão “imputação objetiva” não quer dizer responsabilidade penal objetiva, significa responder o autor pelo resultado, por crime doloso ou culposo, desde que presente a relação de causalidade com a conduta.” (BOEING, 2018, p. 27).
Ainda de acordo com Boeing (2018), não se relaciona com presunção de dolo e culpa, e sim com o nexo normativo entre a conduta criadora de relevante risco proibido e o resultado jurídico.
Distingue também a imputação objetiva da imputabilidade penal (art. 26 do CP), em que é questionado se o sujeito, no momento da conduta, tinha capacidade intelectual para praticar tal fato. (BOEING, 2018).
Diferencia-se a imputação objetiva da responsabilidade penal subjetiva, que diz respeito à atitude pessoal do autor, agindo com dolo ou culpa. (BOEING, 2018).
Galindo (2017), quando se fala em imputação objetiva, trata-se de um processo revestido por critérios que determinam a reprovabilidade objetiva que comporta o desvalor da ação e o desvalor de um resultado típico.
Portanto, “diante da criação de um risco a um bem jurídico penalmente protegido e da ocorrência desse risco no resultado.” (GALINDO, 2017, p. 54).
- Teoria da Imputação Objetiva segundo Kart Larenz e Richard Honig
A teoria da imputação objetiva teve seu desenvolvimento em 1927 por Karl Larenz e Richard Honig em 1930, ambos entendiam que a teoria da equivalência dos antecedentes (criada em 1853) era muito rigorosa com relação ao nexo causal. (CAPEZ, 2020).
Para Capez (2020), Larenz e Honig referiam que a teoria da equivalência dos antecedentes foi desenvolvida em um período de positivismo jurídico, em que os juízes não interpretavam as leis, somente as cumpriam a conditio sine qua non.
Para Gazda (2014, p. 21):
Entende Larenz, que a imputação objetiva descreve o juízo pelo qual determinado fato surge como obra de um sujeito. Utilizando a visão de imputação de Georg Wilhelm Friedrich Hegel de que somente há responsabilidade sobre o que é conhecido pelo agente. Portanto, sendo assim alcança o entendimento de que a existência de um homem livre é pressuposto infestável da imputação, sem liberdade não pode haver responsabilidade.
Neste sentido, “imputa-se tudo aquilo que tinha a possibilidade de prever e, em consequência, guiar sua conduta de modo a evitar. Este juízo de imputação tem como base o critério geral e objetivo do homem prudente-inteligente.” (GAZDA, 2014, p.21).
Galindo (2017), afirma que, Larenz referia que se não há imputação do fato ao autor do comportamento, ele não pode responder como responsável pelo resultado, devendo ser desconsiderada a própria existência de sua ação.
Deste modo, “Larenz concebe a imputação como um juízo de valor, de caráter teleológico, de modo que em relação às condutas omissivas, exige que possa o agente, prever e evitar o resultado”. (GALINDO, 2017, p. 55).
Gazda descreve que, (2014), Honig apresentou sua teoria em 1930 na obra “Causalidade e Teoria da Imputação Objetiva”, em que defendia uma relação jurídica especial entre ação e resultado.
Honig afirma que a causalidade é condição necessária, mas não suficiente para que determinado resultado seja atribuído a alguém. Não se trata de aferir a causalidade, mas de valorá-la. (GAZDA, 2014).
“Para imputar o resultado a alguém é necessário que o resultado seja finalmente vislumbrado. Examina-se o conhecimento a vontade atual, e também potencial”, conforme refere Gazda (2014, p.22).
Terão significação jurídica as relações humanas regidas pela vontade e, portanto, os processos causais cujo curso seja passível de previsão e direção. Apenas os resultados previsíveis e dirigíveis pela vontade humana são imputáveis. (GAZDA, 2014).
Galindo (2017, p. 57) entende que:
O mérito de Honig, apesar de chegar a conclusões similares às de Larenz, foi, sobretudo, desenvolver a Teoria da Imputação Objetiva não somente como uma teoria da ação, mas implantando-a no âmbito estritamente penal, precedeu com um estreitamento na amplitude da proposta de Larenz e restringiu a teoria à uma teoria da ação típica, assim, para ele, somente as ações típicas, portadoras da relevância jurídico-penal, são abrangidas pela imputação objetiva.
Honig afasta-se da concepção filosófica, firmando sua proposta tão somente no âmbito penal.
Desta forma procede com a distinção entre a perspectiva ontológica da finalidade firmada na causalidade e desenvolve a concepção axiológica por meio da imputação. Com este entendimento, foi abrindo as portas para a funcionalização do sistema penal proposto por Claus Roxin em 1970. (GALINDO, 2017).
- Teoria da Imputação Objetiva segundo Claus Roxin
A teoria da imputação objetiva obteve grande avanço após os estudos realizados por Claus Roxin, que iniciaram em 1970.
Assim, ressurgiu a teoria da imputação objetiva, preconizando que o juízo feito com base na teoria da causalidade há que ser mantido, para a atribuição ou não de um resultado ao autor de uma dada conduta. (CONSTANTINO, 2017).
Ainda de acordo com Constantino (2017, p. 14):
Sem que se recorra à tentativa de contornar as leis causais, que são naturais, físico-matemáticas; porém, ao lado da causalidade meramente mecânica ou ontológica, é imprescindível que se faça um juízo de imputação, por meio de critérios jurídicos (normativos); em outras palavras: a causalidade medida pelas leis da Física é necessária, mas insuficiente, sem os critérios da imputação objetiva, para que se atribua um determinado resultado no mundo externo ao autor da respectiva conduta.
Vários estudiosos escreveram ao longo dos anos sobre a Teoria da Imputação Objetiva, dando-lhe grandes contributos, mas o seus contornos atuais, deve-se principalmente ao Funcionalismo Racional Teleológico de Claus Roxin. (CONSTANTINO, 2017).
Galindo (2017, p. 59), entende que:
Roxin propôs na sua Teria da Imputação (atribuição) Objetiva, que ela pode ser associada como uma correção do nexo de causalidade e das deficiências da teoria da condicio sine qua non e da insuficiência do tipo subjetivo para resolver com clareza e precisão, problemas de imputação, defende a ideia de uma imputação objetiva ao resultado delitivo e refere à importância desta teoria nos crimes materiais.
“Por meio de critérios normativos acrescidos ao juízo de tipicidade objetiva, Roxin considera que o resultado delitivo provocado por um sujeito só pode ser-lhe imputado como obra sua.” (GALINDO, 2017, p. 59).
Diante disso, quando seu comportamento cria um risco juridicamente desaprovado, este risco tenha efetivamente se realizado no resultado, e por último, que este risco manifesto no resultado esteja no âmbito de alcance do tipo penal. (Galindo, 2017).
Para o funcionalismo moderado ou teleológico, a finalidade do direito penal é a proteção de bens jurídicos, devendo limitar-se então a proteger esses bens, proibindo condutas desaprovadas que os coloquem em risco. (BOEING, 2018).
Masson (2009, p. 224), citado por Boeing (2018, p. 31), refere que:
Para aferir se uma conduta deve ou não ser considerada perigosa, tem-se o critério da prognose póstuma objetiva: prognose, pois se refere à situação do agente no momento da ação; póstuma, porque será feita pelo magistrado depois da prática do fato; e objetiva, pois parte do conhecimento de um homem prudente (homo medius) na mesma hipótese analisada.
Bitencourt (2020), refere que para Roxin, um resultado causado pelo agente somente pode ser imputado ao tipo objetivo se a conduta do autor criou um perigo para o bem jurídico não coberto pelo risco permitido.
De acordo Bitencourt (2020), Roxin estabelece, os critérios da teoria da imputação objetiva, provocando debate na doutrina que, apesar de aceitá-la, divergem quanto: aos critérios que devem integrar o juízo de imputação objetiva do resultado; ao conteúdo de cada um desses critérios e no seu âmbito de aplicabilidade.
Percebe-se que a base do desenvolvimento da Teoria da Imputação é a ideia de risco apresentada sobre as perspectivas do desvalor da ação e do resultado. (GALINDO, 2017).
Sendo assim, Roxin funda um princípio por meio do qual sustenta quatro vetores: diminuição do risco; irrelevância do risco; aumento do risco e âmbito de proteção do tipo. (GALINDO, 2017).
Ainda de acordo com Galindo (2017), Roxin foi muito além de retomar a discussão em torno da imputação objetiva, ao desenvolver sua teoria procedeu também como uma mudança de paradigma no campo da teoria geral do delito.
Desta forma, transferindo o seu centro de gravidade da teoria do crime do tipo subjetivo para o tipo objetivo por meio da ideia de risco em sua Teoria da Imputação Objetiva. (GALINDO, 2017).
Para Roxin, “não haverá a criação de um risco e, portanto, a imputação, nos casos em que o agente modifica um curso causal, diminuindo a situação de perigo a que se encontra exposto determinado bem jurídico.” (SANTOS & BÜRGEL 2015, p. 15).
Roxin propõe a aplicação do “critério da diminuição do risco nos casos em que o contributo causal de um agente tiver apenas modificado um risco pré-existente, mas nunca nos casos em que a ação causal tiver substituído um risco por outro.” (SANTOS & BÜRGEL, 2015, p. 15).
Para Santos & Bürgel (2015), o critério de diminuição do risco, é um critério relativo, na medida em que há a necessidade de analisar a situação fática e o rumo hipotético, se eliminássemos a intervenção do agente. Essa comparação somente permitiria concluir que, graças à intervenção de um terceiro, houve a mitigação do risco quando também ocorre a mitigação da gravidade da lesão.
De acordo com Roxin, o risco permitido representa um perigo a um bem jurídico, o qual, no entanto, é autorizado pela ordem jurídica, em razão de interesses predominantes da sociedade, sendo regulamentado por uma norma de cuidado. Nesses casos, ainda que o agente tenha criado um risco juridicamente relevante para um bem jurídico, a imputação será excluída se este risco for permitido. (SANTOS & BÜRGEL 2015).
“Assim, nos casos em que o agente cria um risco não permitido para um bem jurídico protegido, e o resultado não é consequência desse perigo, não haverá imputação, em razão da não concretização do risco não permitido em um dano.” (SANTOS & BÜRGEL, 2015, p. 20)
Para Galindo (2017), a versão anterior da Teoria da Imputação Objetiva pautava se em afastar a responsabilização de resultados delitivos, quando advindas de casos fortuitos.
Contudo, as propostas de Roxin, além de cumprir esta função, por meio do risco, a Teoria da Imputação Objetiva afasta do direito penal todo e qualquer comportamento que possa expor a risco o bem jurídico tutelado. (GALINDO, 2017)
Afirma Galindo (2017), que:
De maneira equivocada, alguns doutrinadores afirmam que a teoria da imputação objetiva resume-se em uma teoria do delito culposo, alcança os dois âmbitos, tanto doloso como culposo, por tanto não há como negar a influência da Teoria do Delito Culposo diante da Teoria da Imputação Objetiva, o que difere são a terminologia e o alcance.
- TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
- Sua aplicabilidade no direito penal brasileiro
A teoria da imputação objetiva tem certa oposição no âmbito jurídico brasileiro, segundo a doutrina e jurisprudência.
De acordo com Galindo (2017), isso se deve tanto pelos resquícios causalistas, que refletem a positivação da condicio sine qua non, e a tipificação de condutas, também pela adoção do sistema finalista após a reforma penal de 1984.
Nucci, (2019, p. 593) afirma que:
Convém mencionar a crítica formulada por Paulo Queiroz, citando Enrique Gimbernat Ordeig, segundo o qual, “relativamente aos crimes culposos, se o agente se mantém dentro do risco permitido, não há imputação objetiva simplesmente porque não existe, em tal caso, culpa, já que o autor, atuando dentro do risco socialmente tolerado, não infringe, assim, o dever objetivo de cuidado, de sorte que não é necessário, para tanto, apelar à imputação objetiva."
No caso dos crimes dolosos, “em muitos casos, o que a imputação objetiva oferece é um método de afastamento da punição daqueles que, realmente, já não seriam punidos por qualquer outra teoria.” (NUCCI 2019, p. 593).
Nucci (2019, p.594), afirma que:
O legislador não pode proibir meros pensamentos nem intenções se estes não se exteriorizam num comportamento com mínima aparência delitiva (...), porque, se tal resultasse proibido (tipificado), então não se estaria castigando fatos – que são absolutamente corretos –, senão unicamente pensamentos que não se traduziram numa manifestação exterior que ofereça aparência alguma de desvalor. Finaliza PAULO QUEIROZ, ainda mencionando GIMBERNAT, que a “teoria da imputação objetiva é uma teoria que não se sabe exatamente o que é, nem qual é o seu funcionamento."
Bitencourt (2020), refere que os reflexos da teoria da imputação objetiva, está causando menos repercussão aqui no Brasil do que no continente latino-americano.
As únicas certezas, até agora, apresentadas pela teoria da imputação objetiva são a incerteza dos seus enunciados, a imprecisão dos seus conceitos e a insegurança dos resultados. (BITENCOURT, 2020).
“A teoria da imputação objetiva tem grande incidência, na teoria do direito penal da Alemanha, Áustria e Suíça, todavia, na América Latina é pouco suscitada. No Brasil, no término do segundo milênio, ainda é quase desconhecida.” (CAPEZ, 2020, p. 339).
Bitencourt (2020), refere que o próprio Claus Roxin acredita que o conceito de risco permitido é utilizado em múltiplos contextos, mas sobre seu significado e posição sistemática falta clareza.
Bitencourt (2020), diz que, na realidade, a teoria da imputação objetiva tem natureza complementar, uma vez que não despreza de todo a solução oferecida pela teoria da conditio, pois admite essa solução causal.
Capez (2020, p. 339), descreve que o Superior Tribunal de Justiça vem sinalizando no sentido de sua incidência no direito penal brasileiro.
Em um julgado, essa Corte de Justiça realizou a análise dos pressupostos de incidência da teoria da imputação objetiva num crime de homicídio culposo decorrente de infração às regras de trânsito, concluindo, no entanto, pela inexistência do risco permitido, seja pelo fato de o agente transitar embriagado e em velocidade acima do permitido, seja pela sua direção descuidada (STJ, REsp 822.517/DF).
Em outro julgado, esse Tribunal entendeu ser o fato atípico, pois ainda que fosse admitido o nexo causal entre a conduta dos acusados e a morte da vítima, “à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não ocorrente na hipótese” (STJ, HC 46.225/MT).
Verifica-se que a teoria da imputação objetiva, de fato vem sendo aplicada ao direito penal brasileiro, conforme decisões a seguir:
PENAL. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO. DEVER OBJETIVO DE CUIDADO. IMPRUDÊNCIA. VELOCIDADE ACIMA DA PERMITIDA NO LOCAL DO ACIDENTE. PROVA PERICIAL. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA. TIPICIDADE. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. NÃO APLICAÇÃO. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O fundamento da responsabilidade penal pelo crime culposo reside na violação do dever objetivo de cuidado exigido do agente nas circunstâncias concretas. Na espécie, ao transitar em velocidade excessiva e superior à permitida para o local, o motorista agiu de modo imprudente, o que lhe acarreta responsabilidade, por culpa concorrente, pelo abalroamento do ciclista que, de inopino, ingressou na via onde aquele trafegava. 2. Não pode se escorar no princípio da confiança o condutor de ônibus que não guarda comportamento diligente e esperado pela comunidade e não observa as regras de trânsito vigentes. Na espécie, desacolhe-se a pretensão do recorrido de afastar a atipicidade de sua conduta, por alegada culpa exclusiva da vítima, ao se constatar que, imprudentemente, conduzia o veículo de transporte coletivo em velocidade acima da permitida para a via. 4. Por sua vez, a conduta também imprudente da vítima deve ser valorada na análise das circunstâncias judiciais, não podendo servir de justificativa para afastar a responsabilidade penal do recorrido. 5. Recurso especial provido. (STJ. REsp 1580438/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 18/04/2016)
E M E N T A – APELAÇÃO CRIMINAL MINISTERIAL – CONDENAÇÃO POR HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR – ABSOLVIÇÃO MANTIDA – TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA – AUTOCOLOCAÇÃO DA VÍTIMA EM RISCO – RECURSO IMPROVIDO. De acordo com a Teoria da Imputação Objetiva o resultado não pode ser imputado ao agente quando decorrer da prática de um risco permitido. Assim, tratando-se de hipótese de autocolocação em risco por pessoa maior e capaz, sendo o perigo provocado pela própria vítima e proveniente de sua vontade, mesmo conhecendo o risco existente em sua ação, há exclusão da imputação por parte do acusado. Contra o parecer, recurso improvido.
(TJ-MS - APL: 00116755920148120001 MS 0011675-59.2014.8.12.0001, Relator: Des. Ruy Celso Barbosa Florence, Data de Julgamento: 30/04/2019, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 02/05/2019)
APELAÇÃO. HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO. Vítima que invade pista em cruzamento de rodovia, desrespeitando sinal de parada obrigatória. Apelante condenado por considerar-se que agiu com culpa concorrente. Infração do dever de cuidado, porém, que, conquanto relevante do ponto de vista da causalidade meramente naturalística, não provocou incremento de risco juridicamente relevante. Inexistência, portanto, de causalidade normativa, não se apresentando as condições que permitem a imputação objetiva do resultado. Recurso provido. (TJSP, Relator(a): Francisco Bruno; Comarca: Assis; Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Criminal; Data do julgamento: 10/03/2016; Data de registro: 11/03/2016).
Destaca-se que a teoria da imputação objetiva não acabou com o nexo de causalidade, mas o tornou mais rigoroso, incluindo um elemento normativo complementar ao nexo causal. (BOEING, 2028 p. 41)
Boeing (2018, p. 41), relata que “a fim de imputar um resultado lesivo a alguém, é insuficiente levar em conta apenas os elementares das teorias naturalista e finalista, sem a análise do risco causado pela ação e da lesividade do resultado.”
Conclusão
O objetivo da teoria da imputação objetiva, desenvolvida por Claus Roxin, a lógica construída de que não basta a mera causalidade natural para imputar o tipo objetivo, sendo necessários requisitos, no incremento do risco. A imputação de um resultado a um individuo depende também da verificação se ele criou um risco proibido, e se este se configurou em um resultado desvalorado dentro do preceito primário do código penal. Conclui-se que a teoria da imputação objetiva, mesmo em desenvolvimento, é aplicada em vários países, porém no Brasil é aplicado ainda de forma modesta, como se verifica na jurisprudência, como refere alguns doutrinadores é aplicada de forma complementar, a fim de suprir e/ou corrigir as insuficiências das teorias em vigor no direito penal brasileiro.
Referências
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BÜRGEL, Leticia; SANTOS, Daniel Leonhardt dos. Fundamentos e Critérios da Teoria da Imputação Objetiva do Resultado à ação de Roxin. 2015, 31 f. Revista RJLB. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2015/4/2015_04_0307_0337.pdf. Acessado em: 24 de out. 2020.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direto Penal- Parte Geral. Vol. 01. 4; ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal - Parte Geral. Vol. 01; 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
CONSTANTINO, Carlos Ernani. Evolução das Teorias da Causalidade e da Imputação Objetiva, no âmbito do direito penal. 2017, 32 f. Revista Jurídica. Disponível em: https://www.revista.direitofranca.br/index.php/refdf/article/view/326. Acessado em: 24 de out. 2020.
BRASIL. Código Penal. Decreto Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acessado em: 28 de out. 2020.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal – parte geral – Vol. único; 5. ed. Salvador: JusPODIVM, 2013.
GALINDO, Jaquelinne Mickaelly. Desvalor do Injusto e Tipicidade: um olhar sobre a teoria da imputação objetiva. 2017, 83 f. Monografia conclusão de curso (graduação). Faculdade Damas da Instrução Cristã. Disponível em: https://www.faculdadedamas.edu.br/revistafd/index.php/academico/article/view/491. Acessado em 15 de out. 2020.
GAZDA, Priscilla Anne. A Teoria da Imputação Objetiva de Claus Roxin no Contexto do Desenvolvimento da Dogmática Penal. 2014, 43 f. Monografia para especialista. Escola da Magistratura do Paraná. Disponível em: https://www.emap.com.br/wp-content/uploads/2019/11/Priscilla-Gazda.pdf. Acessado em: 16 de out. 2020.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito Penal – Parte Geral. Vol. 01; Ed. Forense LTDA, 2019.
SOUZA, Valéria Padovani de. Imputação Objetiva na Obra de Claus Roxin e sua Aplicação no Direito Penal Brasileiro. 2006, 114 f. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Paraná. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/3044. Acessado em 18 de out. 2020.